contos sol e lua

contos sol e lua

sábado, 13 de junho de 2015

Terra.

Aceita a minha homenagem, Terra, enquanto faço a minha última vénia ao dia. Ajoelhado aos pés do altar do poente Tu és poderosa, e apenas reconhecível pelos poderosos; Tu equilibras o encanto e a severidade, Misturando o masculino com o feminino, Trazendo à vida humana o insuportável conflito. A taça que a tua mão direita enche com nétar É esmagada pela tua mão esquerda; O teu pátio ressoa com o teu riso trocista. Tornas o heroísmo difícil de alcançar; Toda a excelência custosa Não tens misericórdia com aqueles que merecem misericórdia. Um incessante combate oculta-se a teus pés: As tuas colheitas e frutos são coroas de vitória ganhas na batalha. Terra e mar são os teus cruéis campos de batalha – A vida proclama o seu triunfo no rosto da morte. A civilização finda os seus alicerces na tua crueldade: A ruína é a condenação exata para qualquer falta. No primeiro capitulo da tua história os Demónios eram supremos – Rudes, bárbaros, brutais Aos seus dedos toscos e grossos faltava arte; Com clavas e malhos nas mãos armaram motins do mar e nas montanhas. O seu fogo e o seu fumo agitaram violentamente o céu até ao pesadelo; Eles controlaram o mundo inerte; Eles cegaram o ódio da Vida. Os deuses vieram a seguir; com os seus feitiços e subjugaram os Demónios – Despedaçada foi a insolência da matéria A Terra-Mãe estendeu no seu manto verde: Nos picos do Este estava a Aurora; Nas costas Oeste caiu A Noite Derramando a Paz no seu cálice Os Demónios foram humilhados Mas a barbárie primordial manteve as suas garras na tua história. De repente podia invadir a ordem com a anarquia – Dos negros esconderijos do teu ser Pode surgir como uma serpente. A sua loucura está no seu sangue Os feitiços dos deuses ressoam no céu e no ar e na floresta, Cantando solenemente dia e noite; alto e baixo; Mas das regiões sob a tua superfície Às vezes os Demónios semidomesticados levantam os seus capelos – Eles ferem-te profundamente e às tuas criaturas Arruinando a tua própria criação. No teu assento sobre o bem e o mal, À tua vasta e terrível beleza, Ofereço hoje a minha homenagem de vida ferida. Toco o teu enorme e sepultado depósito da vida e da morte, Sinto-o através do meu corpo e do meu pensamento. Os cadáveres de inúmeras gerações de homens jazem amontoados no teu pó: Eu também acrescentarei alguns punhados, a medida à medida da final das minhas dores e alegrias, Acrescentando a esse enorme absorvente, a essa forma absorvente, a essa fama absorvente, A esse silencioso monte de pó. Terra, presa à pedra ou voando entre as nuvens; Absorta na medição silenciosa da cordilheira Ou ruidosamente como o bramido de insones ondas do mar; És a beleza e a fertilidade, o terror e a fome. Por um lado acres de searas, inclinando-se com a maturação, Limpas do orvalho de cada manhã por delicados raios de sol – Ao poente também, oferecendo na sua ondulante verdura a Alegria, a Alegria; Por outro lado, nos desertos insalubres, secos, estéreis, A dança de espetros entre ossos de animais espalhados. Contemplai as tuas tempestades Baisakh desceras velozmente como falcões negros Rasgando o horizonte com bicos de luz relampejante Com chicotada da cauda nas arvores Até estas caírem desesperadas no chão; Telhados de colmo soltam-se Fugindo do vento como condenados das suas correntes. Mas em Phalgun vi a quente brisa do Sul, Propagar todas as rapsódias e solilóquios do amor No seu perfume de flor e manga; Vi o vinho espumante do Céu transbordar da taça da lua; Ouvi sebes submeterem-se bruscamente à agitação do vento E estalarem em ofegantes murmúrios. Tu és gentil e feroz, antiga e renovada; Emergiste do fogo sacrificial da criação original há muito, muito tempo. A tua peregrinação cíclica está preparada com vestígios sem sentido da história; Abandonando as tuas criações sem remorsos, juntas umas sobre as outras, Esquecidas. Guardião da Vida, tu alimentas-nos Em pequenas gaiolas de tempo fragmentado, Fronteiras de todos os nosso jogos, limites reconhecidos. Hoje, estou à tua frente sem ilusões: Não te peço a imortalidade à tua porta Para os muitos dias e noites que passei a tecer as tuas grinaldas. Mas se eu tivesse dado real valor Ao teu pequeno assento um minúsculo segmento de uma das Eras Que se abrem e fecham como clarões nos milhões de anos Da tua órbita solar ; Se eu tivesse ganho nos tribunais da vida algum sucesso, Então marcaria a minha fronte com um sinal feito da tua argila – Para ser apagado a tempo pela noite Na qual todos os sinais desaparecem no desconhecido final. Ó longínqua, impiedosa Terra, Antes de eu ser completamente esquecido Deixa-me colocar a minha homenagem aos teus pés. Rabindranath Tagore.

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