contos sol e lua

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A VIDA SIMBÓLICA DE PAPAI NOEL.


A arcaica figura do simpático velhinho que habita nossas mentes fala de uma intraduzível época a divagar por nossos sonhos. Entremeados na ilusão de escuras fantasias, a sombra de uma cultivada imagem se inquieta em nosso tempo.
Todos nós conhecemos a referente marca do antropológico homem de longas barbas brancas, a delatada lenda que culturalmente nos implica o reconhecimento natalino.
Mas a mitologia referente a Papai Noel nos leva muito adiante em alguns apontamentos. Se colocarmos nossos olhos na tradição que o envolve, veremos uma poderosa figura e entidade mítica que atravessa os campos e fronteiras culturais, transladando épocas, países e costumes dos povos da terra. Seu estudo, as aparições que o concernem e possibilitam, nos colocam até o fértil oceano mitológico das idéias culturais, propostas individual e especificamente em cada tradição folclórica.
Já no século passado o renomado antropólogo alemão Adolf Bastian (1826-1905), abria o campo da experiência da datação dos mitos para distinguir duas importantes concepções da esfera mitológica. Obsessivo historiador dos costumes de cada povo, experimentado e curioso explorador, Bastian, dentro das longas viagens que fez, desenvolveu a teoria das "idéais elementares" (Elementargedanke), em contrapartida as "idéias étnicas ou culturais" (Volkergedanke).
Dentro das "idéias étnicas", dizia ele, encontravam-se os possibilitadores, as inferências culturais e personalizadas que motivavam o desenvolvimento do mitos criadores, mais profundos e fundamentais a toda experiência humana no passar das eras (as "idéias elementares").
Assim, dentro de sua teoria, enfocava ele a maneira como um mito fundamental (um princípio criador/mobilizador ou um sistema de símbolos geral a experiência humana através dos tempos) ganhava corpo e instituía-se na possibilidade de transmutação e transmigração através dos tempos, mudando de forma, adquirindo novas carapaças/vestimentas e tonalidades para sobreviver ao longo de eras (na medida em que os povos davam novas e diferenciadas interpretações/afirmações).
Esta teoria, afirmava ele, fazia crer na maneira peculiar como os mitos iam gradual e progressivamente se modificando em novos povos e em novas épocas, quando assumiam e repercutiam novas e emergentes tendências de uma dada necessidade étnica.
Um mito genuíno, segundo ele, não ficava livre das novas e fortalecedoras vestimentas, os realces das máscaras culturais de um determinado povo sob determinada necessidade simbólica.
A mercê da síntese e decodificação, os mitos e as referidas mitologias eram "explorados" pelo sistema cultural emergente, quando uma "idéia elementar" comum ao psiquismo humano adquiria uma nova roupagem em abandono da estrutura antiga menos favorecida.
Tendo como base uma teoria difusionista (aceita por renomados mitólogos como Joseph Campbell), na qual os povos dominadores e tecnologicamente mais desenvolvidos sobrepujavam os menos favorecidos, mas sofrendo e incorporando influências das tradições e costumes locais (existindo grande intercâmbio entre culturas), podemos ver então como um mito particular e restrito inicialmente a um determinado povo, o Papai Noel da antiga Lapônia, vai sendo "adotado" e levado adiante pelas inumeráveis conquistas dos vencedores, na medida em que é sistemática e culturalmente absorvido pelos padrões mitológicos de cada povo diferente.
Visto dessa forma, podemos "revisitar" o mito de Papai Noel e explicá-lo em sua contraparte mitológica, resgatando seu valor pagão (os elementos que o compunham existiam muito antes da cristalizada imagem, do celebrado ícone da nossa era moderna).
Assim, tendo o mito de Papai Noel incorporado grandes significações, sendo adquirido e desenvolvido simbolicamente por muitas eras até "receber" a forma mítica padronizada dos tempos modernos.
Vendo-o sob a ótica dos primeiros tempos da alma, aos estágios e as camadas mais antigas da psique, e não apenas como a invenção-convenção institucionalizada pelo capitalismo, Papai Noel surge como o velho ser de natureza indômita e ancestral que resgata o arquétipo do velho homem de natureza pura e espirituosa, do brincalhão espírito da floresta que, adentrando pelas chaminés das casas em jornadas noturnas traz a possibilidade do desconhecido que existe em nós. E as imagens evocadas pelo símbolo do Papai Noel perdura insistentemente em nossos sonhos, indo muito além da mera marca, a distorcida e falsificada impressão proposta/imposta pelo mundo moderno.
Mas Papai Noel não teria sobrevivido, não teria sido "ocidentalizado", se não fosse necessário como símbolo e arquétipo de cada povo ao qual penetra, sensibilizando a imagem do sorridente e benévolo velhinho que, vivendo em terras distantes e desconhecidas, preenche o nosso sonho de paz, harmonia, reverência e compaixão que o natal nos trás. Por entre uma melodiosa atmosfera de conto de fadas que Papai Noel concede, podemos vislumbrar a realidade do natal em nossas vidas, nas distantes passagens das nossas mentes e no mais fundo de nós mesmos para recebermos a completude da mensagem que o pitoresco ancião, com suas aventuras fabulescas e inusitadas, insistentemente nos remete.
Trazendo de volta o campo perdido da onírica infância e da mitologia que esquecemos de olhar, que deixamos de "saber" procurar e talvez assim nos encontrar.
Por entre as chamas de uma estranha fogueira, cativando os numinosos sonhos esquecidos de nossa mente ancestral, Papai Noel sobrevive no coração de cada um de nós; como uma crença, um distorcido princípio ou uma esquecida possibilidade de imagem a ser miticamente reconhecida.Joseph Campbell ("As Transformações do mito através do tempo").

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