O jovem Samurai Yuzo completava naquele dia dezesseis anos. Olhou pela janela do Castelo Daimyo e avistou a imensa paisagem verde e as montanhas de Kobe que contornavam a paisagem da manhã. O menino guerreiro habitava a torre central e mais alta da residência aonde se instalavam os cavaleiros cujo ofício e meta de vida era a defesa do Clã. A luz em forma de espada atravessava o corredor do quarto, o que denunciava que há muitas horas o dia amanhecera. O Silêncio nos alojamentos que ladeavam o quarto era grito aos ouvidos: Um Samurai só se entrega ao sono da morte.
Enquanto todos os jovens soldados espalhavam-se entre os jardins, templos e ruelas, Yuzo detinha-se diante do reflexo de seu rosto no prato de água sobre a mesa de pedra. Afundou as mãos na água e as trouxe ao rosto. As gotas desciam dos dedos em movimento rápido e sentiu a umidade fria o despertando para o dia. Há semanas uma voz interior o incomodava. Há dias os rituais do templo se apresentavam sem as cores habituais do arco-íris. Não havia mais sabor no arroz cozido, não havia nenhum sentido na disciplina dos exercícios de guerra. Para ele todas as chamas da casa iluminavam unicamente a porta do calabouço aonde eram guardadas as provisões de inverno.
O rapaz desceu as escadas estreitas aonde a luz ia findando-se à medida que avançava. O menino Samurai não soube quanto tempo esteve sentado nos degraus gelados do subsolo do castelo. As pupilas se misturavam ao escuro e acostumadas à pouca luz lhe davam a nítida impressão que este era seu real habitat. Olhou sobre os ombros a pequena abertura na parede perto do teto e lá fora estava o caminho das nuvens. A estreita porção do céu oferecia uma nesga de luz ao quarto escuro. O jovem continuava sentado na base alta dos degraus e as pernas balançando frente à parede de pedra. Com o arrastar das horas já não via a luz da manhã. Ergueu os olhos sobre os ombros e descobriu na pequena abertura a pouca luminosidade da lua. A voz que lhe vinha do peito era um uivo de lobo em noite de lua. Sentia o sangue descendo em abundância sob a armadura, mas o Jovem Yuzo não sabia o tamanho da espada que o cortara. As lembranças estavam se tornando branquinhas como areia entre os dedos e distante como um canto de infância. Um novelo embaraçado de pensamentos e sentimentos lhe contornava a alma e o arrastavam para o fundo. O rapaz sentia-se preso entre os degraus de pedras e o brilho da lua.
Deitado sobre o braço direito, tendo o esquerdo sobre a testa, viu na pequena luminosidade o inseto rodopiando a estreita janela. A pequena borboleta dava voltas em torno de si como um beija-flor em movimento. O menino olhou demoradamente o bailado da borboleta. Seria uma borboleta ou um grande inseto de luz perdido do grupo? O bichinho alado entrou no calabouço e percorreu os sacos de mantimentos. Passou sobre a cabeça do jovem, rodopiou-lhe os ombros. Yuzo levantou-se rápido tentando alcançar o que era realmente uma borboleta luminosa. O animal inquieto avançou sobre os degraus estreitos que conduziam à saída do Depósito de alimentos. O rapaz corria agora atrás da borboleta pelos corredores do palácio. O inseto corria entre as árvores do Jardim e o jovem guerreiro esqueceu-se da ferida e do sangue que lhe encharcara as roupas durante todo o dia. A branda luminosidade da lua mesclava com a neblina da madrugada. O menino caminhava devagar, pois que já não via a borboleta e nem mesmo as árvores. A luz do sol chegava entre a vegetação da planície, vinda lá das altas montanhas que contornavam o lugar. A luz em forma de espada terminava para Yuzo em um poço de pedra. O menino lembrou-se da estória do poço que seu avô sempre contava à Hora do Chá. Ali estava O Poço dos Desejos dos primeiros Samurais. Há muitos anos o Imperador mandara cobrir o poço sem água, pois que com o passar dos anos servira apenas de berço às aves mortas e meninos desatentos. O jovem aproximou-se do Poço e sentiu a serenidade úmida da água em sua imagem refletida. A palidez do rosto denunciava a falta de alimentação e a tristeza. Deteve-se por alguns instantes diante do reflexo que balançava lentamente entre o contorno das pedras. O avô contara que os primeiros Guerreiros Samurais quando dirigiam-se para uma grande batalha olhavam, antes nas águas do poço, sua imagem refletida. Se não conseguissem visualizar o reflexo seria o caminho inevitável da morte o que era tão honrado quanto a volta vitoriosa. O Soldado Samurai lançava então sobre as águas um desejo de que qualquer que fosse o seu destino haveria de ser coberto pelo manto da Honra. Buscava pela segunda vez a imagem. Na verdade, explicava o velho avô, o poço refletia o destino da alma de um guerreiro, pois que a Morte não é eterna, a Honra sim. O menino olhou mais uma vez seu rosto na água. O brilho da luz do sol em forma de espada estendia-se verticalmente sobre os ombros e a armadura ganhara uma cor dourada. Seu rosto roubara do arco-íris o tom róseo e seus cabelos desciam negros e brilhantes sobre a armadura de guerra. O menino avançou a ponta dos dedos em direção ao poço de pedra na tentativa de alcançar a imagem do valente guerreiro.
É você Yuzo!Wikepédia.
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