domingo, 4 de outubro de 2009

OS CELTAS E AS BUXAS.


Karenina Azevedo:
"Nesta noite, o Prof. Wagner Borges convidou sua amiga "Nina", que mora em Salvador, Bahia, para fazer uma alegre e interessante apresentação sobre a cultura do povo celta e as origens da Bruxaria.
Inicialmente, Nina procurou desmistificar a figura típica da bruxa das estórias infantis, vestida de preto, com chapéu pontudo, verruga no nariz e montada em uma vassoura. As bruxas de hoje são pessoas tão normais quanto o restante das pessoas que se interessam por temas espiritualistas e pela manipulação de energias. A palavra "bruxa" vem da língua falada pelos celtas (1), em tempos antigos, bem antes de Cristo, e significa "aquela que cuida", referindo-se às mulheres que sabiam cuidar das crianças e também sabiam curar, utilizando-se de ervas da natureza para fazer chás, xaropes, caldos, ungüentos e outros tipos de medicamentos.
COMPORTAMENTO EM GRUPO:
- Os celtas viviam em uma sociedade harmônica, que não era nem matriarcal, nem patriarcal, ou seja, as tarefas e as responsabilidades na aldeia eram realizadas de forma complementar - dentro do que seriam os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade.
- Os homens utilizavam sua energia masculina relacionada com a razão e a força física, basicamente, para fazer ferramentas, caçar e defender a aldeia, enquanto que as mulheres empregavam a energia feminina da intuição na manipulação dos alimentos e medicamentos, como também na arte de curar.
- O homem era representado pelo sol, pelo dia, o claro e a capacidade de prover; e a mulher pela lua, a noite, que acolhe, acomoda e acalanta.
-Não havia a imagem rígida do "certo" ou "errado", mas posturas diferentes de vida, sabendo que cada um é responsável pelos seus atos, que tudo tem "os dois lados da moeda" e que o próximo devia ser respeitado.
- Os casais se uniam de acordo com sua livre escolha, sem dogmas ou obrigações e da mesma forma se separavam quando desejassem.
- Não havia o conceito de "posse" ou de domínio, nem de dualidade entre casais, mas sim o conceito de complemento.
- As mulheres eram muito respeitadas porque "sangravam" todo mês e não morriam, enquanto que o mesmo não acontecia com os homens, que voltavam feridos do campo de batalha. Também porque elas eram capazes de dar cria a seres pequenos.
-O Deus-chifrudo era a representação de um grande caçador, que havia caçado o maior e mais forte alce e usava a galha (chifre) deste animal como exibição de força e poder.
- Batizavam suas crianças com rituais de entrega do ser pequenino aos deuses para pedir proteção e ofertar a esta criança as características do deus/deusa escolhido(a).
- Casavam-se celebrando a junção de duas almas que se escolheram para compartilhar os sentimentos que nutrem uma pela outra.
- A dor era respeitosamente chamada de "Mãe-Dor", sendo compreendida como uma forma de ajudar a pessoa a crescer.
RELAÇÃO COM A MÃE NATUREZA:
- Os celtas viviam próximos à floresta, eram caçadores e agricultores.
- Observavam e estudavam as pedras, as plantas (ervas), as fases da lua, a influência que exerciam em suas vidas e tinham assim um bom relacionamento com a água, com o fogo, com a terra, com os animais e os elementais (espíritos da natureza).
- Realizavam festas, com danças, músicas e rituais, para comemorar fases da lua, estações do ano, boa colheita, chegada das chuvas, entre outras, as quais costumavam durar do poente ao nascente.
- Pão e vinho: eram utilizados nas refeições simbolizando as bênçãos que a terra dá.
INFLUÊNCIA DAS CRUZADAS:
- O movimento das cruzadas trouxe o contato agressivo com as idéias predominantes da Igreja Católica e muitas aldeias foram destruídas, seja em confronto armado, seja pelo choque cultural.
- Para os padres, eles eram considerados um povo pagão e precisavam então ser catequizados. Os adolescentes celtas foram os primeiros a se dobrarem em razão de sua natural curiosidade.
-Ao ter maior contato com os celtas, eles ficaram surpresos diante de tanta cultura e conhecimento.
- Para atrair maior número de pessoas para suas missas, os padres incorporaram datas comemorativas dos celtas em seu calendário, como por exemplo, o Yule, que é celebrado no hemisfério norte no dia 21 de dezembro e representa o nascimento da criança prometida (2). Por isso, a igreja católica "migrou" a data de nascimento de Jesus de 6 de janeiro (dia de Reis) para 25 de dezembro.
- As mulheres sobreviventes, de tanto serem perseguidas, infiltraram-se na floresta em busca de proteção e lá reunidas puderam aperfeiçoar e preservar seus conhecimentos.
- Algumas destas mulheres eram uma ameaça para o alto clero católico, por não aceitarem submeter-se aos conceitos da Igreja, e em função da sua sabedoria popular, da capacidade de cura e de adivinhações, entre outras qualidades, e "poderes psíquicos" que demonstravam e, por isso, foram aprisionadas e condenadas à fogueira.
- Em função desta perseguição, preferiram reunir-se secretamente e preservar seus conhecimentos utilizando-se de símbolos.
SOBRE A FILOSOFIA DE VIDA DAS BRUXAS:
- A ligação com a energia feminina da "Mãe Natureza" é muito forte.
- Consideram que a Bruxaria é um tipo de religião de auto-percepção.
- Buscam o melhor conhecimento do seu corpo e do seu humor, estudando a relação existente com o ciclo menstrual, com as fases da lua, com o período do ano e também como isso pode interferir no relacionamento com as outras pessoas e com seu companheiro.
- Tinham dois livros: um de capa preta, onde eram registrados os preparos das receitas e das poções, bem como os trabalhos realizados, e outro, que seria um diário pessoal.
- Não há o conceito "padrão de culpa ou/e pecado", mas sim o de responsabilidade individual pelos seus atos e pelos seus pensamentos e o respeito pelo próximo.
- Cultuam três deusas principais: a jovem (aquela que não pariu), representada pela lua crescente; a mãe (aquela que já pariu) representada pela lua cheia; e a anciã (aquela cujos filhos/filhas já entraram para o ciclo de renascimento, ou seja, já geraram outros seres), representada pela lua minguante.
- Trabalham com várias deusas, deuses e arquétipos, de acordo com o objetivo do trabalho; por exemplo, se precisavam de ajuda na caçada, invocavam os poderes de Diana.
- Família cósmica: entre elas há o tratamento carinhoso de mães, filhas e irmãs. Os conhecimentos adquiridos passam de mãe para filha, seja ela de sangue ou não. Uma mãe biológica pode "parir" uma filha de conhecimento.
-Cromoterapia : estudam e aplicam cromoterapia, inclusive nas roupas.
- Vestimentas: utilizam trajes de todas as cores, desde que com o conhecimento das repercussões energéticas das mesmas em seu campo vibratório e em cada ritual especificamente. As iniciadas usam apenas branco. Pajens usam preto e marrom (pela força telúrica) e sacerdotisas usam todas as cores, a depender da necessidade energética e possibilidade (também energética) nos rituais.
- Mágica: manipulação das energias densas e sutis de acordo com a vontade, interesses pessoais e ética, acima de tudo. Por exemplo, se alguém pede uma poção para uma conquista amorosa, usam-se frutas e folhas vermelhas para fazer um chá juntamente com emanação de energias e formas-pensamentos voltadas para o objetivo desejado. A pessoa que toma está desejando intensamente que sua vontade seja realizada, somatizando em si mesma algo "magicamente" sedutor, o que ajuda ainda mais a materializar as suas intenções; mas é MUITO importante ressaltar que qualquer forma de magia é usada para si mesmo (para ficar mais sensual ou sedutora, por exemplo), jamais para o outro.
- Caldeirão: ficava aceso dia e noite para cozinhar, fazer doces, sopas, poções e também para aquecer as casas por causa do frio. Hoje em dia já não é mais usado a qualquer dia nem a qualquer hora, mas em rituais e momentos específicos, e sempre conduzido por uma pessoa (no caso, uma sacerdotisa) que conheça os "mecanismos energéticos" desse uso. Um caldeirão não deve JAMAIS ser usado por homens, uma vez que representa o útero.
- Gato: os gatos são comumente associados às bruxas. São animais domésticos, mas ao mesmo tempo livres e independentes, sem sentimentos de posse tanto para o dono como para os bichanos, o que já não acontece com os cães.
- Sapo: símbolo de agilidade. São animais que vivem em brejos, locais de áreas úmidas e lamacentas, com muita destreza. No tempo dos celtas, era comum a realização de lutas no meio da lama, entre dois rivais, para "acertar a contas", pois as condições eram neutras e difíceis para ambos.
- Olhos de lagartixas, asas de morcego e de borboleta, pele de cobra, e outros: as bruxas não se utilizam de animais em seus trabalhos, somente plantas. Estes podem ser nomes simbólicos usados para ocultar as verdadeiras receitas como também para mistificar a figura delas.
- Vassoura: ainda na cultura celta, a vassoura é a representação da integração harmônica entre a energia masculina (cabo) e a feminina (palha), juntos, unidos, para "limpar a sujeira da terra". Nos rituais que participavam as mulheres, cantando e dançando com as vassouras nas mãos ao anoitecer e madrugada afora em volta da fogueira, os soldados das Cruzadas que as observavam de longe, imaginaram tê-las vistas saindo do chão e saíram contando que voavam. Daí a imaginação popular ampliou a lenda.
- Varinha: as mãos eram usadas para projeção de energias nos trabalhos de limpeza energética e de cura. A varinha seria o prolongamento dos dedos.
- Chapéu pontudo: é a combinação de duas figuras geométricas: o cone (representando a captação de energia superior) e o círculo (representando o "portal" da entrada desta energia ou o chacra coronário);
- Saia: vestimenta que ajuda a manter livre contato com a energia da terra, a qual é de certa forma bloqueada pelas calças nas mulheres, pois o maior canal telúrico feminino é o ventre. Já com os homens, o canal telúrico é mais sensível nas solas dos pés, não havendo, portanto, problemas no uso de calças.
- Rituais: fazem rituais para comemorações, tais como a menina que vira mulher, a mãe que engravida, o nascimento do bebê, o primeiro nascer de sol do bebê, a entrada na menopausa, a passagem definitiva para outro plano (morte), etc.
- Ética e responsabilidade: lembrar que você deve respeito a si próprio e ao que você faz aos outros. Não ficar preso ou preocupado por ter que corresponder às expectativas dos outros e da sociedade.
-Respeito a tudo o que foi conquistado pelos ancestrais: preocupação em combater as vaidades para não desmoralizar o que foi conseguido a "duras custas".
Para a mitologia celta, o Deus nasce da deusa, para depois se tornar o seu consorte, num ciclo que representa a eterna regeneração. O Homem nasce, cresce e morre, para depois renascer. A mulher pare, cria e envelhece. Não precisa do ciclo de morte-renascimento, pois guarda em si o poder de auto-regeneração.

Essa parte da história........


Se passa em Grayrose, mais em suas vielas do que em cômodos protegidos do frio e dos perigos, e tem uma perspectiva diferente em relação ao oriente. Aqui o tempo passa rapidamente para as pessoas assim como a efemeridade de suas vidas e a visão que antes era calma e mais extensa passa a ser curta e conturbada.
Dois anos se passaram sem sucesso e a vida de um camponês se transformou na vida de um marginal da sociedade que foi obrigado a sobreviver de trabalhos pouco compensáveis. O idioma não havia sido bem dominado, mas poderia conversar com qualquer pessoa que não fizesse uso de gírias ou norma culta. O investimento de seu tempo em bibliotecas e pesquisas foi vital. Quanto a jovem, residia em algum lugar da área nobre, quase nunca era vista, mas já tinha uma menina de colo deveria ter menos de dois anos, o nome da menina era Mia Isaki. O esposo da jovem era representante comercial de um grande empresário na cidade. Por trás de suas atividades legais havia negócios sujos de agiotagem e contrabando de ópio a troco de armas para o governo Chinês.
Durante alguns meses Woo se comunicou com a jovem secretamente graças a um pombo que levava mensagens em sua pata. Nas respostas ela contava acerca de sua infelicidade, como suas escolhas levaram-na a um meio decadente e ela imaginava como sua filha cresceria cercada de mimos, de dinheiro sujo e de uma má educação. Desejava fugir, mas era quase impossível, estava sempre vigiada por seguranças do esposo que já tinha até inimigos na cidade. Mesmo relatada essa situação que beirava o impossível decidiram fugir. Iriam clandestinamente em um avião de volta para a China numa manhã de sábado. Mas o destino, como sempre, foi incerto... Um dos empregados teria visto Woo se encontrando com a jovem em um local pré-estabelecido e comunicado ao marido dela. Ele por sua vez preparou uma emboscada no aeroporto e surpreendeu os dois que se preparavam para embarcar. Levados pelos seguranças, eles foram separados e colocados um em cada carro. No primeiro estava o casal e deveria ir direto para casa, no segundo estava Woo que deveria ser levado ao consulado e enviado para a China e ser julgado pelas leis do país. Mas naquele dia os dois carros foram cercados quando saíam do aeroporto por algum rival dos negócios sujos. Houve troca de tiros e a maioria dos que estavam nos dois carros morreram, entre elas o casal. A criança estava bem embora assustada. O corpo da mãe havia protegido a criança das balas e a segurava de tal forma que cobria todo o corpo da pequena. A polícia chegou pouco depois e os assassinos fugiram quase totalmente ilesos. Woo, ferido gravemente, foi levado para um hospital. A criança não se sabia ao certo, mas provavelmente voltaria para a China para ser cuidada pelos parentes mais próximos, ou seria encaminhada para um orfanato na ausência de algum. Alguns meses depois Woo era enviado de volta para a China e seria julgado por seus crimes. O paradeiro da menina era desconhecido.
Cerca de um ano e meio depois Woo era libertado da prisão após trabalhos forçados e as chibatadas. Deveria trabalhar sete anos em liberdade condicional, tanto no campo quanto distribuindo alimentos em pequenas comunidades. E foi numa dessas comunidades, para que a teia do destino se fechasse, que Woo encontrou Mia. Ela vivia num pequeno orfanato sendo cuidada por uma senhora muito idosa e gentil. Já tinha cerca de três a quatro anos e era uma menina muita calada, nunca havia sorrido até aquele dia e por alguma razão sabia o nome de Woo sem mesmo tê-lo visto antes. A senhora sabia que havia alguma relação entre os dois e surpresa ficou quando Woo disse que nunca haviam se encontrado nessa vida. Ele explicou então grande parte de sua história a senhora que de bom grado concedeu a guarda da pequena Mia. Naquele dia uma menina calada saiu dali com um sorriso e Woo saiu com a certeza que o destino reservava muito para suas vidas.

Cap 3.


Um recomeço.
Chove torrencialmente do lado de fora da casa, os ventos castigam a região e comprometem as plantações. Shing delira de febre em uma cama simples aos cuidados de Woo e uma pequena menina de dez anos. O menino agora é um rapaz desperto, mas sua mágika é incapaz de socorrer seu irmão e tutor de uma doença. A menina perdeu sua mãe durante o parto e foi educada, e muito bem, pelos dois irmãos. Agora ambos lutam para salvar da morte aquele que foi um pai para eles durante esse tempo. Shing perde cada vez mais sangue cada vez que vomita, a temperatura baixa cada vez mais e o pulso distancia-se da percepção táctil. Ele olha seus dois discípulos feliz, tentando esconder a dor enquanto o fígado vai se desfazendo. A mágika do assassino do império foi cruel e eficaz mesmo após ele morrer. Com o assassino detido era questão de tempo para que outros assassinos viessem atrás da menina e de Woo. A menina nada sabia sobre seu destino, mas Woo já desconfiava qual seria seu caminho. Ele tinha algumas certezas, sabia que tinha que proteger aquela criança, porque ela a levaria, de alguma forma, a mulher de suas visões. Ele jurou proteger a criança na frente do pai dela, seu falecido irmão Shang. Shing cuidou dos dois desde então, pois entendia o destino e sabia que sua passagem era temporária assim como a de Shang e a de Woo e a da própria menina. Todos, de alguma forma, estavam ligados ao destino de uma grande pessoa que algum dia iriam encontrar e obter respostas para suas dúvidas. Restava somente algum tempo para o coração cessar seus batimentos.
A chuva cessa, depois de toda uma tarde. A casa agüentou mais um dia, provavelmente o último, de pé. Woo prepara-se para correr até o curandeiro da cidade mas é tarde, ele não tem tempo de se despedir de seu irmão, pai, amigo, tutor. Não há mais o que fazer, apenas amparar a menina que chora ao pé da cama. A casa precisa ser reforçada para suportar a tempestade que virá, assim Woo começa a reunir suas filosofias, aprendendo. E assim eles seguem a vida, sobrevivendo, treinando o caminho da iluminação, buscando filosofias em locais diferentes e sempre procurando o destino.

A teia do destino.
As areias se vão depressa carregadas pelo vento. Uma a uma são levadas e depositadas de uma maneira completamente diferente da posição original. E assim é com a vida e com o destino que cada um carrega.
O vento sopra frio vindo da colina e desce atingindo as casas como uma onda de calafrios, trazendo as pessoas mais cedo para dentro de seus lares. A garota tece precisamente cada ponto de uma nova veste para o homem que está prestes a mudar sua vida. Ela pensa consigo como Woo foi bom com ela e a tratou com respeito durante toda a vida. Outro homem qualquer teria se aproveitado de sua recente maturidade, de sua beleza, como o filho do chefe da aldeia o fez. Ela se lembra das promessas feitas num leito de amor, da experiência estranha, mas excitante e se envergonha das sensações que sentiu no momento. Em sua mente a moral perde para um sentimento devasso que a acusa em seus pensamentos e a torna uma meretriz. Ela desvia o olhar de Woo, quando ele adentra na casa trazendo o arroz colhido nos campos, com vergonha de si mesma. Woo mantém-se tranqüilo apesar de desconfiar do ocorrido, mas não a recrimina por dentro. Ele sabe como os homens são em relação às mulheres, ele mesmo foi semelhante em sua maioridade. Agora ele lida com a situação dentro de casa e lembra-se da promessa feita a seu irmão de protegê-la. Seria correto enclausurá-la para sempre devido a uma promessa? Protegê-la significaria afastar dela os desejos e a curiosidade que permeiam a mente de uma jovem. Libertá-la seria deixar como decidir seu futuro, sua vida da maneira como lhe agradar. Talvez ela fosse feliz com um esposo, um filho e não sozinha, envelhecendo ao lado de um homem mais velho que nunca a olharia como uma mulher madura.
Próximo ao lago encontra-se Woo calmo como suas margens e sereno como a leve brisa que não chega nem mesmo a incomodar a pequena libélula em seu chapéu. Ele medita e espera encontrar respostas para suas dúvidas na própria natureza. Tudo está calmo e perfeito, seguindo seu próprio caminho sem a interferência do homem, sem ajuda. O pensamento de Woo está um pouco confuso, mas há razão para as coisas acontecerem, interferir pode ser tanto nocivo quanto benéfico. Ele retorna a casa trazendo alguns peixes, disposto dessa forma a consentir a decisão da jovem. A porta está entreaberta como sempre, mas ninguém encontra-se em seu interior. Woo olha através da janela e a procura pela plantação sem nada encontrar.
O centro da vila não é tão longe mesmo a pé. As pessoas estão recolhendo suas ferramentas de trabalho, pois já cai a tarde e somente um sol poente quase desaparecendo no horizonte ilumina as estradas. Woo se lembra do treinamento, o quanto a meditação servia para clarear seus pensamentos e é o que o tornou um homem extremamente calmo. Mas apesar disso a sensação de perda não se afasta e ele não faz nem idéia do que se passa na cabeça da jovem nesse momento. As lembranças da promessa mais uma vez retornam como imagens em sua mente e ele se ouve dizendo as mesmas palavras daquele dia. Só então ele se nota em frente a casa do jovem filho do dono da vila, uma casa, sem dúvida, luxuosa. Há serviçais por toda a casa, alguns são seguranças pessoais, todos fortes e bem armados. Entrar é um tanto difícil, mas nada que um desperto não possa notar e usar a seu favor. Para Woo é apenas uma questão de tempo para entrar na casa.
Noite, lua nova, cenário perfeito. Como uma sombra é fácil deslizar pelas paredes e se mover em silêncio, a mente dos outros faz todo o serviço. Os guardas estão cansados, sabem que nenhum camponês invadiria a propriedade a noite, mas não contam com um camponês em particular. As portas se abrem cuidadosamente sem atrair qualquer atenção, os roncos podem ser contados dos corredores dando uma idéia da dimensão dos quartos. Não leva tempo até que Woo ache a garota, ela está justamente num dos maiores quartos, mas não está sozinha. Há luzes de apenas duas velas iluminado os dois corpos sob o lençol, unidos em meio a um frenesi descontrolado de prazer. Não é uma cena muito agradável de se ver para quem jurou proteger a filha de seu irmão. E bastou alguns segundos para que Woo baixasse sua atenção para que uma serviçal saísse de um dos quartos e gritasse assustada. Constrangidos, todos os envolvidos procuram se esconder como podem. Os passos podem ser ouvidos do lado de fora se recompondo a procura do distúrbio. A moça é subitamente arrastada para dentro de seu quarto por Woo e calada cuidadosamente. Ele nota um certo pânico em seu olhar, nota suas vestes e se dá conta somente agora de como ela é bonita. Nunca havia tomado uma mulher em seus braços dessa maneira e se sentido perturbado assim. Ela consegue gritar novamente por descuido de Woo e ele toma seus lábios um pouco confuso, mas ela se cala... e se acalma. A porta é aberta abruptamente pelos vigias noturnos já de posse de suas espadas. Sem muito pensar, Woo se atira pela janela e corre. Ele despista os guardas, foge, mas lembra-se da moça que viu seu rosto e que agora tem a chance de entregá-lo as autoridades.
A casa nunca esteve tão vazia ao regressar, se antes o silêncio era angustiante, agora ele sufocava Woo. Ela não havia voltado há uma semana, ele ainda esperava de alguma forma que o destino apontasse o caminho a seguir como sempre aconteceu. E ele passava demasiadamente seu tempo meditando, esperando perceber a resposta nas coisas simples da vida. Mas elas não vinham.
As águas seguiram seu destino através da nascente rumo as águas do mar e assim se seguiu a vida naquela aldeia. Alguns anos se passaram sem que Woo tivesse qualquer notícia da jovem. Somente uma carta chegou em suas mãos um dia após a invasão da casa. A carta foi entregue pessoalmente pela mulher que Woo havia tomado nos braços, uma das serviçais da casa que havia se preocupado com a jovem e decidido a ajudar. Na carta havia somente uma despedida breve e um agradecimento gentil. Ela iria se mudar para a América onde se casaria com o filho do aldeão segundo a serviçal.
As palavras daquela carta nunca se apagariam e as lembranças inundavam sua mente para ele se lembrar sempre da promessa. O fogo consome lentamente a madeira que prepara o arroz. Cada vez que a madeira estala um pedaço se quebra e se separa do todo e é rapidamente consumido pelo fogo. Woo observa atentamente o crepitar e sente como se sua mente fosse se esvaziando. Ele logo vê a imagem dos pássaros em sua mente mesclar-se ao mundo real, revoando sobre sua cabeça. Um deles é bastante diferente e voa rumo ao Tibet e para além dele rumo ao Ocidente e pousa sobre uma rosa. As pessoas são diferentes, nem parecem pessoas, andam como os cegos andam, como se estivessem procurando um ponto para se guiar. Elas parecem perdidas em um labirinto de imensas paredes, nessas paredes há outras pessoas e por toda a parte há pessoas e paredes, se misturando e se perdendo umas as outras. O estalo seco da madeira rompe a concentração de Woo e ele se vê sentado em frente ao fogo. Esse tipo de visão não vinham há cerca de dez anos, desde quando passou a controlar seus poderes, logo ele imaginava que o destino tentava lhe dizer alguma coisa. Estava decidido, partiria para o ocidente.

O Templo sete anos depois...


O jovem garoto treina sozinho em meio à neve enquanto a retira da entrada do templo. É um castigo por ter questionado seu mestre diante de seus alunos. Ele olha toda aquela neve e resmunga consigo mesmo em silêncio. O jovem Woo não mais irá levantar a voz com os mais velhos, ele descobriu que ouvindo se aprende mais do que falando. Para seu azar, toda neve que ele varre para fora volta em dobro para dentro e os murmúrios e gracejos a respeito de sua impetuosidade podem ser ouvidos pelas proximidades. Isso o aborrece e fere seu orgulho, pois ele se acha melhor do que as outras crianças e os mais jovens. O pequeno sente raiva das outras, ele pensa nas palavras do ancião sobre o importante destino que carrega e novamente questiona, apenas consigo mesmo - “que direito aquelas crianças têm de me zombarem?” Ele não ouve a resposta, somente o vento soprando e nada mais. E subitamente ele se vê sozinho dos outros e até mesmo do templo. Não há vozes senão a dos ventos e não há frio e nem fadiga, somente a neve repousa sobre o solo. Ele caminha de pés nus sobre a rocha fria e escorregadia até o lago coberto pela fina névoa do início da noite. O lago, não muito grande, apresenta um brilho diferente, como se o céu estivesse limpo e com a enorme lua cheia pairando sobre ele. O cheiro das plantas é mais forte ali e as próprias cores parecem saltar das coisas e vir diretamente nos olhos. O pequeno Woo se aproxima devagar e curioso, ele nunca esteve tão longe do templo e provavelmente não se lembra como voltar. Ele é chamado pelo lago a se aproximar cada vez mais, vendo gradativamente uma imagem refletida em sua superfície. Pouco a pouco, as imagens se revelam diante dele mostrando de forma ainda turva uma jovem em seu leito de morte e um velho segurando tristemente a mão dessa jovem. Uma tristeza invade Woo de forma inexplicável e ele chora quando as imagens do funeral da jovem se iniciam. Ele sente medo, dor e cai quando vê o velho sendo executado. Subitamente ele acorda em um aposento, soterrado por diversos cobertores e com um gostoso cheiro de sopa no ar. Os discípulos Shing e Shang estão diante dele preocupados e ele pacientemente começa a contar onde esteve. Shang conta ao pequeno Woo que ele em momento algum se afastou do templo. Shing explica que uma repentina tempestade o pegou desprevenido e ele não suportou o frio mesmo estando próximo à porta do templo. Eles discutem durante toda à noite a natureza do sonho, mas somente Woo sabe que o que aconteceu ali não foi um simples sonho.

Cap 2

O sonho.
Está menos frio que de costume, o verão começa a aparecer preguiçoso, o sol forçando caminho dentre as nuvens da manhã tornando o momento ideal para iniciar o treinamento. O pequeno Woo ainda treme de frio trajando suas vestes simples, mas seus tutores parecem não se preocupar. O treinamento segue tenso pela parte do discípulo ainda verde, mas maleável. Os já iniciados Shing e Shang são extremamente severos no treinamento e esperam que Woo desperte algum dia preparado e já dominando os primeiros passos do dô. Para isso eles exploram todo o potencial do jovem e o esgotam facilmente. Ele pragueja, chora, naturalmente para uma criança, mas é sempre repreendido pelos seus mestres. Ele aparenta não se interessar muito pelo caminho e às vezes falta com as obrigações, é indisciplinado e atrapalha os outros jovens. Os seus tutores sabem que o mestre é calmo, mas não toleraria indisciplinas no templo e já era hora do aprendiz demonstrar algum resultado ou seria levado dali em meados do verão.
Durante o almoço, geralmente, os indisciplinados fazem alguma tarefa braçal, ficando um bom tempo sem o almoço e Woo já está quase uma semana lavando a roupa de seus companheiros, coisa que ele odeia fazer. Os alunos almoçam todos juntos numa espécie de refeitório e Woo se encontra de novo no tanque de lavagem. Ele pensa em como seria sua vida fora dali, se todas as garotas seriam bonitas como aquela que aparece em seu sonho. Com o rosto triste e com aquele sangue que estão em suas mãos, naquelas mãos velhas e nas mãos novas que ele sabe serem ambas as mãos dele. Súbito, ele se vê deixando o seu corpo como no momento em que morreu e não mais compreende o que acontece ou aconteceu. Como um turbilhão, ele sente a dor e o renascer, a carne se recolhe e estica e ele está frente aquela jovem. Ela treina o caminho que ele não sabe aparentando ter pelo menos oito anos. E ao que tudo indica ela é esperta, aprende rápido, ao contrário dele. Ele vê a dedicação nos olhos dela e ela o vê e sorri. No entanto, ela é impulsiva e um tanto arrogante e novamente ele a vê moça, bonita, sendo morta e o sangue mancha suas mãos e ele se vê frente a um velho. O velho o olha com tristeza e Woo, de alguma maneira, sabe que se ele a tivesse impedido de fazer alguma coisa se ele não tivesse falhado com ela.
O silêncio se quebra com a respiração forçada de Woo em frente ao tanque. A água rebate várias vezes nas extremidades do tanque, suas mãos estão molhadas e a roupa faltando mais da metade, com certeza ele demoraria muito mais. Os outros alunos já voltaram para o treinamento e Woo novamente se vê preso nas suas obrigações. Ele entende agora como sua indisciplina pode estar atrapalhando o seu próprio curso natural, que estagnado ele iria morrer e ter que repetir o mesmo erro que um dia cometeu. Woo se lembra de algumas palavras dos seus mestres, algo sobre não temer o que irá acontecer, porque de alguma forma irá acontecer, como em um rio, onde as águas nascem e morrem. Você escolhe o caminho,mas a origem e o fim são uma coisa só, ambos são água, invariáveis. Então, novamente, ele olha dentro do tanque, a água ainda está levemente agitada mas aos poucos ela pára e ele agora consegue ver, por inteiro, o seu reflexo.
Os dias seguem tranqüilos e para espanto de seus tutores Woo segue seu treinamento a risca, sem nenhuma reclamação. E assim o verão se passa sem que Woo saia do templo. Ele agora já acompanha os outros alunos e se dá melhor com eles. Tudo ocorre bem até o dia em que o grande ancião falece, no início do inverno. A ordem se desestrutura e duas facções surgem ambas seguindo os preceitos do velho ancião. De um lado os mais sábios e contemplativos e do outro os mais combativos e artistas marciais. A princípio ocorre a separação dos dois lados e os artistas deixam o templo, entre eles Shang, um dos tutores de Woo. O treinamento de Woo passa a ser mais filosofal e defensivo, portanto mais dedicado a paz interior e a busca de iluminação. Mas as noites de Woo passam a ser marcadas por constantes pesadelos, vozes, locais estranhos, pessoas estranhas e uma figura estranha. Seu rosto nunca é visto, mas sua fisionomia é sempre lembrada, assim como sua voz que sempre o questiona. E várias noites ele acorda com a jovem em sua cabeça e a mesma voz ecoando nas trevas.

Revelações.
O jovem completa mais uma seqüência de treinamentos com sucesso, sua dedicação o colocaram frente a frente com os melhores de sua idade. Ele observa a paisagem da beira do penhasco coberta por uma fria serração num momento de serenidade e sente um estalo seco de um galho que se quebra. O galho cai próximo dele chegando a arranhá-lo levemente e se quebra no chão. Woo nota um pouco de seiva, ainda que muito pouco, daquele galho, a maneira como quebrou transversalmente. Um sentimento ruim ocorre em sua mente, como um presságio que não consegue explicar-se. Momentaneamente, ele nota uma silhueta familiar subindo a colina por detrás dos arbustos, avançando rápido ignorando o cansaço como só um conhecedor do caminho ou alguém totalmente determinado o faria. O jovem espreita atenciosamente quando o homem pára e atira uma pedra em sua direção. A pedra acerta em cheio sua cabeça e Woo acaba denunciando sua posição. Shang aparenta estar mais cansado espiritualmente do que fisicamente e Woo nota como o treinamento dele deve ter sido totalmente voltado para o físico. Shang se aproxima e estende a mão para erguer Woo revelando algumas cicatrizes pelos braços. Algumas cobrem parte do pescoço e parecem descer pelo peito. Woo se pergunta que tipo de treinamento ele estava recebendo e onde ele esteve durante todo aquele tempo.
Eles se recolhem no templo onde Shang é recebido com desconfiança e hostilidade. Woo imagina que más noticias ele pode estar trazendo apenas observando os traços de preocupação no rosto dele. Woo sabia quando Shang ficava preocupado e aparentemente as coisas não estavam nada boas. Em meio aos gritos e exaltações Woo escuta passos vindos do penhasco onde estiveram, aproximadamente cinqüenta homens, pela maneira como andam estão empunhando armas. Um homem se destaca como líder, sua voz é severa, firme, mas baixa. Um grupo avança com cordas pelas laterais, um grupo se posiciona pela frente. Estão apreensivos mas confiantes, alguns hesitam por um momento. Os arqueiros tomam suas posições, flechas são arqueadas, a maioria acertará os monges precipitados em conter os ataques laterais, o portão é arrombado neste momento com um aríete e homens empunhando lanças empalam aqueles que um dia foram seus irmãos... O sangue vem de toda a parte, banha os céus e a terra, escorre pelas águas, cobre os olhos e enche os pulmões. A vida se esvai como um sopro, Hu Li é acertado por um projétil de fogo em sua cabeça, ele não tem tempo de implorar por Buda. Pai é atravessado por uma lança empunhada por aquele que um dia o ajudou a se levantar no treinamento. Só há tempo dele derramar uma lágrima. Três jovens que chegaram no verão passado morrem abraçados chorando. Cada um tinha doze anos e lembraram de suas mães pela última vez. Atrás de Woo um irmão tem sua cabeça arrancada ao meio por um facão. Lao é espetado mais de vinte vezes até morrer, seus atacantes desferem mais doze golpes até concluírem que ele morreu. A estátua de Buda é manchada de sangue, logo depois despedaçada pelo aríete junto com cinco irmãos que entraram no caminho. Todos morrem ali.
Shing balança levemente Woo e ele volta a si, pálido como cera, ainda golpeado pelas visões que recebera. Aquilo iria acontecer?. Shing já tinha conhecimento de algumas visões de Woo e já podia deduzir que algo ruim tinha acontecido ou iria acontecer. Mas no fundo ele temia que estivesse acontecendo nesse momento. Woo olha para Shang, ele só reclina sua cabeça para baixo e seus olhos enchem-se de lágrimas. Rapidamente Woo tenta gritar com todos, mas eles só estão preocupados em acusar Shang. As primeiras cordas são disparadas pelas laterais do templo. O coração dispara como nunca em Woo, um desespero toma conta dele, só há tempo de segurar Shing e Shang e impedir que eles avancem em direção a chuva de flechas que cai a poucos metros dali. O portão é arrombado, vários caem mortos sem entender o que aconteceu. Shing se vira para Shang mas é golpeado em seu centro nervoso e cai paralisado. Woo se assusta, golpeia Shang com fúria acertando seu peito. Woo é paralisado da mesma forma. Só há tempo de virar o rosto quando os três meninos são cercados. Ele segue até o aposento do velho mestre, carregando os dois nos ombros ainda conscientes. Há dois espadachins se aproximando da porta eles se entreolham e ordenam a Shang para se livrar dos corpos. Ele abaixa sua cabeça e deixa os corpos caírem próximos aos seus pés. Shang então saca dois punhais e os arremessa certeiros em cada cabeça. Os dois morrem imediatamente sem tempo de esboçar qualquer reação. Os dois espadachins caem e seus sangues se misturam ao chão. Ele recolhe os corpos de seus amigos no chão, assustados, e seus olhos novamente se enchem de lágrimas. Ele os carrega para dentro do aposento do mestre e reforça a entrada. O mestre o olha tristemente e balança sua cabeça com reprovação, mas sabe que seu destino era trair seus irmãos. Andando devagar e com dificuldade o velho pega um vaso com água quente e a despeja sobre uma banheira larga. Ele repete isso pacientemente e diversas vezes e pede para os três entrarem na banheira. O velho então começa a banha-los com água fria e uma estranha bruma começa a sair da banheira. Ela cobre aos princípios o chão mas rapidamente ela se espalha pelo teto e paredes conforme o velho despeja mais e mais água. Os três escutam a porta sendo arrombada e sentem em suas almas um poder nunca antes imaginado irradiar do mestre, eles podem sentir pelo ar, é como o tilintar de centenas de sininhos em suas cabeças. O barulho vai se tornando ensurdecedor, a visão vai sendo nublada até nada mais ser visto. A água começa a entrar pelo seus ouvidos e o barulho vai se afastando até desaparecer. Todo o corpo parece estar imerso em água, não há como respirar, somente uma luz brilha sobre suas cabeças. Shang arrasta os dois para cima e percebe que eles estão agora no lago um pouco afastado do templo. Ele pode ver fumaça se esvaindo ao longe e se pergunta quanto tempo teria passado. Ainda estava de dia, mas não parecia haver perigo por perto até então.
Algum tempo se passa até que os outros dois recobrem os movimentos. Woo se levanta com dificuldade se posicionando para lutar, mas não haverá luta naquele lugar, naquele momento. Seu corpo ainda não reage muito bem aos estímulos, sua visão está um pouco turva e a cabeça dói. Shang encosta próximo a árvore esperando os dois se aproximarem, ele parece estar sentindo alguma dor em seu peito. Ele começa a contar o que aconteceu no dia em que eles partiram do templo: o treinamento brutal que receberam nos charcos onde muitos pereceram. Todos os irmãos estavam empolgados a princípio com a idéia de usar o treinamento para mudar o mundo de modo a evitar que uma desgraça futura ocorresse. Um homem muito sábio que tinha visões havia previsto a morte de centenas de camponeses e que seus lares seriam cobertos pelos espíritos elementais do ferro. Um homem governaria todos com seus soldados e seu coração de metal e haveria lágrimas e dor onde quer que ele chegasse. O elo para tal evento acontecer estava em uma das pessoas do templo e Shang imaginava que poderia se tratar de Woo. Mas as ambições desse sábio obscureciam sua mente, Shang, sempre mais ponderado perguntava se essa era a saída certa. Mas esse homem tinha uma mancha negra em sua alma, uma obsessão que o devorava por dentro, tirando-lhe a razão, arrancando sua sanidade. E logo ele queria fazer tudo para concretizar seus planos. Tamanho era o fanatismo que Shang teve sua esposa ameaçada se ele não retornasse com a cabeça de um de seus antigos irmãos. Shang naquele dia decidiu que a única maneira de sua esposa, grávida nos primeiros meses, ser poupada era morrer em um combate.
Shang reclina sua cabeça para trás, a respiração forçada e devagar anunciando sua morte. Ele não teria coragem de matar seus irmãos, preferiria morrer, quanto aos outros, ele diz que os que se recusaram foram expulsos da ordem para morrerem pouco depois, pelos assassinos. No fundo da alma Shang teme que o sábio tenha relação com o próprio Imperador e revela isso aos dois. Ele mostra orgulhoso o ferimento causado por Woo em seu peito, o mesmo que está matando-o lentamente e revela a Shing, e somente a ele, que o pequeno discípulo está próximo a despertar. Eles tomam a sua mão e fazem uma prece a Buda antes de Shang fechar os olhos para sempre.Wikepédia

Woo Shing Shang.


"Algumas pessoas acreditam que quando morremos, alcançamos um estado de perfeição e ascendemos caminhando para um local de equilíbrio e paz onde o criador nos aguarda. Nosso espírito não mais retorna senão no dia do Juízo, onde todas as almas serão julgadas. Mas algumas pessoas acreditam que os espíritos retornam e retornam até que cumpram seus objetivos nesse mundo. Suas essências vagam por eras e eras buscando ascenderem em suas muitas vidas, vivendo cada uma de maneira diferente, mas mantendo único o seu objetivo."
CAP 1

Tibet, 1939.

A mulher caminha com todas as suas forças seguindo por uma trilha íngreme entre os montes tibetanos. O vento castiga sua pele frágil e branca, ela balbucia consigo mesma e com o bebê que carrega em seu ventre alguma coisa sobre o velho que não resistiu ao percurso. Por dois dias ela caminha sozinha levando apenas alguns peixes e água da própria neve quando derrete. A caminhada é profundamente exaustiva e as esperanças de encontrar a sagrada ordem dos anciões da montanha vai se tornando cada vez mais estéril à medida que a vida vai deixando seu corpo. A mulher não desiste, ela não contesta os fatos, ela simplesmente caminha, pois sabe que a criança em seu ventre possui um destino importante e não cabe a ela interferir.

O caminho vai se tornando mais e mais tortuoso com a fria nevasca que não cessa por dois dias inteiros. Já não há qualquer sinal da trilha nesse tempo e a neve não mais derrete. Por um momento a mulher se senta e lamenta num choro abafado, sem forças para continuar. Não há esperança. Ela pensa na profecia que se revelou em seus sonhos, onde caberia a ela entregar a criança aos anciões da montanha. Ela se lembra da promessa feita a si mesma e a criança em seu ventre. Mas não imaginava que seria tão difícil assim para ela. Não há vozes.O coração dela bate com extrema dificuldade, ela tenta cantar uma canção bonita da qual se lembra, mas a voz não sai. Os braços e pernas não respondem quando ela tenta se encolher ainda mais do frio. Não há luz... Não há nada. Subitamente ela se levanta extraindo forças de si mesmo. A mulher sabe que não haverá milagres, nenhum anjo, nenhum peregrino, nenhuma luz aparecerá em seu caminho. Ela fez uma promessa ao bebê e fará de tudo para cumpri-la.

A Irmandade de Akasha, três dias depois.

Leng Shing e Fao Shang treinam afastados do templo condicionando os seus corpos e mentes a suportar o inverno rigoroso da montanha. Eles são aprendizes do dô, mas dedicam-se de maneira exemplar até mesmo para um discípulo hermético. Os movimentos expiram graça, mas os conhecedores do estilo sabem o quão mortal essa arte pode ser se empregada para atacar. Eles se movem como se fossem levados pelo vento, dançando através da neve como se fizessem parte dela. Eles se empenham cada vez mais no treinamento buscando algum dia escreverem suas histórias no registro akáshico.

Os jovens treinam assim normalmente durante toda a manhã, é uma forma de aprendizado descobrindo em si a harmonia com a natureza. Eles terminam o treinamento matutino e compartilham o que aprenderam individualmente e então retornam. Prestes a partir, no entanto, observam um corpo em meio à neve já tombado. Eles notam que se trata de uma mulher. O pulso quase perdido ainda resiste, a respiração lenta e forçada mantiveram uma criança viva em seu ventre. Ninguém se atreve a escalar a montanha durante o inverno, os próprios jovens em treinamento não são aconselhados e eles mesmos já ouviram dos eremitas que já passaram por perto que esse feito é impossível perto dessa época do ano. Mas a mulher é a prova que toda regra tem uma exceção, ela é um exemplo de coragem e determinação que com certeza serão lembrados e comentados entre os jovens daquela ordem.

Eles agem rapidamente em levá-la para dentro do templo diretamente a um dos anciões. Ele é velho e experiente, com certeza ciente de como se proceder nessas emergências. Porém, não apenas a fadiga e o frio abateram a mulher. O ancião calma e decisivamente percebe o trabalho de parto por vir e providencia água um pouco morna e uma toalha para trabalhar. O templo que outrora recebeu mulheres, não contava com nenhuma há alguns meses e o que deveria ser um dia como qualquer outro se revelara um aprendizado completamente diferente. Assustados, Leng e Fao transpiram mesmo estando frio dentro do grande salão. Eles olham ao redor desviando os olhos da mulher, inundados de rubor e ansiedade, mas sempre que retomam os olhares ela está ali sofrendo as dores da vida, recobrando a consciência para continuar o suplício. O ancião, com apenas um olhar os repreende e intima a ajudá-lo. Apreensivos, eles começam a auxiliar o velho, ainda um pouco tímidos. Eles se entreolham a cada minuto com toda a tensão estampada nos rostos e escutam o murmurar da mulher entre uma dúzia e meia de gritos. Os jovens observam uma serenidade forçada vinda do velho e só então percebem que a mulher não resistirá ao parto. Decorridos uma infinidade de minutos, nasce a criança. Mesmo sob as condições diversas a que mãe submeteu-se, os discípulos notam que o bebê não sofreu quaisquer injúrias. O ancião tenta uma última vez salvar a mulher da morte, mas ela balbucia algo que só ele escuta. Ele então toma a criança em seus braços e a aproxima da mãe. Ela fala com dificuldade ao velho e pede com um sutil gesto que os jovens se aproximem. A mulher sorri para os jovens, se aproxima da criança, beija sua testa e canta uma bonita canção de ninar até se silenciar para sempre.Wikepédia