quinta-feira, 20 de novembro de 2014

TEORIA DA VONTADE. Eliphas Levi.

A vida humana e suas dificuldades incontáveis têm por finalidade, na ordem da sabedoria eterna, a educação da vontade do homem. A dignidade do homem consiste em fazer o que quer e em querer o bem, em conformidade com a ciência do verdadeiro. O bem conforme ao verdadeiro é o justo. A justiça é a prática da razão. A razão é o verbo da realidade. A realidade é a ciência da verdade. A verdade é a história idêntica ao ser. O homem chega à idéia absoluta do ser por duas vias, a experiência e a hipótese. A hipótese é provável quando é solicitada pelos ensinamentos da experiência; é improvável ou absurda quando é rejeitada por esse ensinamento. A experiência é a ciência, e a hipótese é a fé. A verdadeira ciência admite necessariamente a fé; a verdadeira fé conta necessariamente com a ciência. Pascal blasfemava contra a ciência quando disse que, pela razão, o homem não pode chegar ao conhecimento de nenhuma verdade. Assim, Pascal morreu louco. Mas Voltaire não blasfemava menos contra a ciência, quando declarava absurda toda hipótese da fé e admitia por regra da razão apenas o testemunho dos sentidos. Assim, as últimas palavras de Voltaire foram esta fórmula contraditória: Deus e a Liberdade Deus, isto é, um mestre supremo: o que exclui toda idéia de liberdade, como a entendia a escola de Voltaire. E a liberdade, isto é, uma independência absoluta de todo mestre; o que exclui toda idéia de Deus. A palavra DEUS exprime a personificação suprema da lei e, por conseguinte, do dever; e, se pela palavra LIBERDADE se quiser entender conosco O DIREITO DE FAZER O DEVER, tomaremos, de nossa parte, por divisa e repetiremos sem contradição e sem erro: Deus e a Liberdade Como só há liberdade para o homem na ordem que resulta do verdadeiro e do bem, pode-se dizer que a conquista da liberdade é o grande trabalho da alma humana. O homem, libertando-se das más paixões e de sua servidão, de certo modo cria-se a si próprio uma segunda vez. A natureza fizera-o vivo e sofredor, ele se faz feliz e imortal; torna-se, assim, o representante da divindade na terra e exerce relativamente sua onipotência. AXIOMA I Nada resiste à vontade do homem quando ele sabe o verdadeiro e quer o bem. AXIOMA II Querer o mal é querer a morte. Uma vontade perversa é um começo de suicídio. AXIOMA III Querer o bem com violência é querer o mal; pois a violência produz a desordem, e a desordem produz o mal. AXIOMA IV Pode-se e deve-se aceitar o mal como meio para o bem; mas é preciso nunca querê-lo ou fazê-lo, do contrário destruir-se-ia com uma mão o que se edificasse com a outra. A boa fé nunca justifica os maus meios; corrige-os quando são suportados e condena-os quando deles se lança mão. AXIOMA V Para se ter direito de possuir, sempre é preciso querer pacientemente e por muito tempo. AXIOMA VI Passar a vida querendo o que é impossível possuir, sempre é abdicar da vida e aceitar a eternidade da morte. AXIOMA VII Quanto mais a vontade supera obstáculos, mais se fortalece. É por isso que Cristo glorificou a pobreza e a dor. AXIOMA VIII Quando a vontade é consagrada ao absurdo, é reprovada pela eterna razão. AXIOMA IX A vontade do homem justo é a vontade do próprio Deus, e é a lei da natureza. AXIOMA X É pela vontade que a inteligência vê. Se a, vontade é sã, a visão é justa. Deus disse: Que seja a luz! e a luz é; a vontade disse: Que o mundo seja como eu o quero ver! e a inteligência o vê como a vontade quis. É o que significa a expressão assim seja, que confirma os atos de fé. AXIOMA XI Quando alguém cria fantasmas, põe no mundo vampiros, e será preciso alimentar esses filhos de um pesadelo voluntário com seu sangue, sua vida, sua inteligência e sua razão, sem nunca saciá-los. AXIOMA XII Afirmar e querer o que deve ser é criar; afirmar e querer o que não deve ser é destruir. AXIOMA XIII A luz é um fogo elétrico colocado pela natureza a serviço da vontade: ilumina os que dela sabem servir-se, queima os que dela abusam. AXIOMA XIV O império do mundo é o império da luz. AXIOMA XV As grandes inteligências cuja vontade equilibra-se mal assemelham-se aos cometas, que são sóis abortados. AXIOMA XVI Nada fazer é tão funesto quanto fazer o mal, mas é mais covarde. O mais imperdoável dos pecados mortais é a inércia. AXIOMA XVII Sofrer é trabalhar. Uma grande dor sofrida é um progresso realizado. Os que sofrem muito vivem mais do que os que não sofrem. AXIOMA XVIII A morte voluntária por abnegação não é um suicídio; é a apoteose da vontade. AXIOMA XIX O medo é apenas uma preguiça da vontade, e é por isso que a opinião desencoraja os covardes. AXIOMA XX Consegui não temer o leão, e o leão vos temerá. Dizei à dor: Quero que tu sejas um prazer, e ela se tornará até mais do que um prazer, uma felicidade. AXIOMA XXI Uma corrente de ferro é mais fácil de quebrar que uma corrente de flores. AXIOMA XXII Antes de declarar um homem feliz ou infeliz, sabei como o fez a direção de sua vontade: Tibério morria todos os dias em Capri, enquanto Jesus provava sua imortalidade e sua divindade no Calvário e na cruz.

A Palmeira do deserto. ELIPHAS LÉVI.

A palmeira do deserto. Eles chegaram num deserto onde não havia nem animais vivos, nem mananciais, nem fontes, e como lá procurassem sombra, só encontraram uma única palmeira. Maria desceu de sua montaria e veio sentar-se à sombra dessa palmeira, e vendo que ela estava carregada de frutos disse a José: - Gostaria de saborear essas frutas, pois o calor é demais. José lhe respondeu: - A árvore é muito alta e já não sou jovem. Jesus disse então à palmeira: Inclina-te e apresenta teus frutos a minha mãe. A palmeira então inclinou-se e veio apresentar seus frutos à mão de Maria, que ao colhê-los ofereceu-os a Jesus e a José. Em seguida, como ela continuasse curvada sobre seu tronco e inclinada, Jesus disse-lhe: Ergue-te! E a palmeira se ergueu. Jesus disse-lhe: - Dá-nos água da nascente oculta que alimenta tuas raízes. E imediatamente, de dentro das raízes da palmeira, uma fonte límpida jorrou. E Jesus disse ainda à palmeira: - Tu não morrerás e frutificarás novamente no jardim de meu pai. Porque todas as criaturas foram dadas aos homens para seu uso, e eles devem submeter toda a natureza pelo trabalho; então dirão às montanhas: Aplanai-vos, e as montanhas se aplanarão; e às árvores: Dainos vossos frutos, e as árvores se inclinarão; e às fontes: Subi e jorrai da terra, e as fontes subirão e jorrarão; e os filhos da mulher consolarão sua mãe e lhe dirão: Descansa e te refresca, porque é para te servir que a natureza nos obedece. Um anjo então apareceu no cimo da palmeira; apanhou um galho e retomou seu vôo em direção ao céu para replantar a palmeira do deserto nos campos do futuro, que será o reino de Deus. Essa terra, onde o gênio da fraternidade completará os milagres do trabalho, onde a mãe não mais será escrava de seus filhos, onde os justos não mais serão exilados, onde a verdade terá uma pátria; A terra então não mais será uma madrasta, porque será livre, e um antagonismo ímpio não mais a forçará a ser estéril. O homem então disporá da onipotência de Deus, e falará à natureza e a natureza obedecerá. É o que quis dizer Tiago, o Menor, apóstolo do santo Evangelho, com essa lenda da palmeira.

O GRANDE SECRETO. Eliphas Levi.

Sabedoria, moralidade, virtude: palavras respeitáveis, porém vagas, sobre as quais se disputa desde há muitos séculos, porém sem haver conseguido entende-las. Queria ser sábio, mas terei eu a certeza de minha sabedoria, enquanto acredite que os loucos são mais felizes e até mais alegres que eu? É preciso ter bons costumes, porém todos somos um pouco de crianças: a moralidade nos adormece. Falamos do que nos interessa e pensamos em outra coisa. Excelente coisa é a virtude: seu nome quer dizer força, poder. O mundo subsiste pela virtude de Deus. Mas, em que consiste para nós a virtude? Será uma virtude para enfraquecer a cabeça ou suavizar o rosto? Chamaremos virtude a simplicidade do homem de bem, que se deixa despojar pelos velhacos? Será virtude abster-se no temor de abusar? Que pensaríamos de um homem que não andasse por medo de quebrar a perna? A virtude, em todas as coisas, é o oposto da nulidade, do estupor e da impotência. A virtude supõe a ação; pois se ordinariamente opormos a virtude, as paixões, é para demonstrar que ela nunca é passiva. A virtude não é só a força, é também a razão diretora da força. É o poder equilibrante da vida. O grande segredo da virtude, da virtualidade e da vida, seja temporal, seja eterna, pode formular-se assim: É a arte de balancear as forças para equilibrar o movimento. O equilíbrio que se necessita alcançar, não é o que produz a imobilidade, mas sim o que realiza o movimento. Pois a imobilidade é morte e o movimento é vida. Este equilíbrio motor é o da própria Natureza. A Natureza, equilibrando as forças fatais, produz o mal físico e a destruição aparente do homem mal equilibrado. O homem se libera dos males da Natureza, sabendo subtrair a fatalidade das circunstâncias, pelo emprego inteligente de sua liberdade. Empregamos aqui a palavra fatalidade, porque as forças imprevistas e incompreensíveis para o homem, necessariamente o parecem fatais, o que não indica que realmente o sejam. A Natureza previu a conservação dos animais dotados de instintos, porém também dispõe tudo para que o homem imprudente pereça. Os animais vivem, por assim dizer, por si mesmos e sem esforço. Só o homem deve aprender a viver. A ciência da vida é a ciência do equilíbrio moral. Conciliar o saber e a religião, a razão e o sentimento, a energia e a doçura é o âmago desse equilíbrio. A verdadeira força invencível é a força sem violência. Os homens violentos são homens fracos e imprudentes, cujos esforços se voltam sempre contra eles. O afeto violento se assemelha ao ódio e quase à aversão. A cólera faz que a pessoa se entregue cegamente a seus inimigos. Os heróis que descreve o poeta grego Homero, quando combatem, tem o cuidado de insultarem-se para entrar em furor reciprocamente, sabendo-se de antemão, com todas as probabilidades, que o mais furioso dos dois será vencido. O fogoso Aquiles estava predestinado a perecer desgraçadamente. Era o mais altivo e valoroso dos gregos e só causava desastres a seus concidadãos. Ele é que faz a tomada de Tróia e o prudente e paciente Ulisses, que sabe sempre conter-se e só fere com golpe seguro. Aquiles é a paixão e Ulisses a virtude, e é deste ponto de vista que devemos tratar de compreender o alto alcance filosófico e moral dos poemas de Homero. Não há dúvida que o autor destes poemas era um iniciado de primeira ordem, pois o Grande Arcano da Alta Magia prática está inteiro na Odisséia. O Grande Arcano Mágico, o Arcano único e incomunicável tem por objeto colocar, por assim dizer, o poder divino a serviço da vontade do homem. Para chegar a realização deste Arcano é preciso SABER o que deve fazer, QUERER o exato, OUSAR no que deve e CALAR com discernimento. O Ulisses de Homero tem, contra si, os deuses, os elementos, os ciclopes, as sereias, Circe, etc., por assim dizer, todas as dificuldades e todos os perigos da vida. Seu palácio é invadido, sua mulher é assediada, seus bens são saqueados, sua morte é decidida, perde seus companheiros, seus navios são afundados; enfim, acha-se só em sua luta contra a noite e o mal. E assim, só, aplaca os deuses, escapa do mal, cega o ciclope, engana as sereias, domina Circe, recupera seu palácio, libera sua mulher, mata aqueles que queriam mata-lo, e tudo, porque queria voltar a ver Ítaca e a Penélope, porque sabia escapar sempre do perigo, porque se atrevia com decisão e porque calava sempre que fora conveniente não falar. Porém, dirão contrariados os amantes dos contos azuis, isto não é magia. Não existem talismãs, ervas e raízes que façam operar prodígios? Não há fórmulas misteriosas que abram as portas fechadas e façam aparecer os espíritos? Falaremos disto em outra ocasião com comentários sobre a Odisséia. Se haveis lido minhas obras anteriores, sabeis então que reconheço a eficácia relativa das fórmulas, das ervas, e dos talismãs. Porém estes são pequenos meios que se enlaçam aos pequenos mistérios. Falo agora das grandes forças morais e não dos instrumentos materiais. As fórmulas pertencem aos ritos da iniciação; os talismãs são auxiliares magnéticos; as ervas correspondem à medicina oculta, e o próprio Homero não as desprezava. O Moly, o Lotho e o Nepenthes têm seu lugar nestes poemas, porém são ornamentos acessórios. A taça de Circe nada pode sobre Ulisses, que conhece seus efeitos funestos e soube engana-la sobre a bebida. O iniciado em alta ciência dos magos, nada tem que temer os feiticeiros. As pessoas que recorrem a magia cerimonial e vão consultar adivinhos, se assemelham aos que, multiplicando a prática de devoção, querem ou esperam suprir com isso a verdadeira religião. Estas pessoas nunca estarão satisfeitas de vossos sábios conselhos. Todas escondem um segredo que é bem fácil de adivinhar, e que poderia expressar-se assim: "Tenho uma paixão que a razão condena e que anteponho a razão; é por isso que venho consultar o oráculo do delírio, afim de que me faça esperar, que me ajude a enganar minha consciência e me dê a paz do coração". Vão assim beber em uma fonte enganosa, que depois de satisfazer a sede, a aumenta cada vez mais. O charlatão receita oráculos obscuros e a gente encontra neles o que quer encontrar e volta a buscar mais esclarecimentos. Retorna no dia seguinte, volta sempre, e é desse modo que os charlatões fazem fortuna. Os Gnósticos basilidianos diziam que Sofia, a sabedoria natural do homem, havendo-se enamorado de si mesma, como Narciso da mitologia clássica, desviou a direção de seu princípio e se lançou fora do círculo traçado pela luz divina chamada pleroma. Abandonada então às trevas, fez sacrilégios para dar a luz. Porém uma hemorragia semelhante a que fala o Evangelho, a fez perder seu sangue, que ia se transformando em monstros horríveis. A mais perigosa de todas as loucuras é a da sabedoria corrompida. Os corações corrompidos envenenam toda a natureza. Para eles o esplendor dos belos dias é apenas um ofuscante tédio e todos os gozos da vida, mortos para estas almas mortas, se levantam diante delas para maldize-las, como os espectros de Ricardo III: "desespera e morre". Os grandes entusiasmos os fazem sorrir e lançar ao amor e a beleza, como para vingar-se, o desprezo insolente de Stenio e de Rollon. Não devemos cruzar os braços acusando a fatalidade; devemos lutar contra ela e vence-la. Aqueles que sucumbem nesse combate são os que não souberam ou não quiseram triunfar. Não saber é uma desculpa, porém não uma justificativa, posto que se pode aprender. "Pai, perdoai-os porque não sabem o que fazem", disse o Cristo ao expirar. Se fosse permitido não saber a oração do Salvador, haveria sido inexata e o Pai nada haveria tido que perdoa-los. Quando a gente não sabe, deve querer aprender. Enquanto não se sabe é temeroso ousar, porém sempre é bom saber calar.