contos sol e lua

contos sol e lua

domingo, 31 de agosto de 2014

A Miragem.marcus viana.

Ah, se pudessemos contar as voltas que a vida dá Pra que a gente possa encontrar um grande amor. É como se pudessemos contar todas estrelas do céu, os grãos de areia desse mar, ainda assim... Pobre coração o dos apaixonados, que cruzam o deserto em busca de um oásis, em flor Arriscando tudo por uma miragem, pois sabem que há uma fonte oculta nas areias, Bem aventurados os que dela bebem, porque para sempre serão consolados Somente por amor a gente põe a mão no fogo da paixão, e deixa se queimar, Somente por amor, movemos terra e céus, rasgando sete véus, saltamos do abismo sem olhar pra trás Somente por amor, e a vida se refaz... Somente por amor a gente põe a mão no fogo da paixão e deixa se queimar, Somente por amor, movemos terra e céus, rasgando sete véus, saltamos no abismo sem olhar pra trás, Somente por amor. A vida se refaz, e a morte não é mais pra nós...

Lágrimas da Mãe do Mundo.marcus viana.

Em teu sonho um anjo vem dizer Que as estrelas têm sono e vão dormir À mão rosa da aurora e a luz do sol Parecem dizer: - Acorda menina, outro dia já vem. Rios de gente, nuvens de fumaça Que escondem a luz da manhã Rugem os motores da grande cidade Que abafam a canção dos pardais Um mundo tão grande assim Não pode caber Nas mãos pequenas do amor Que carregam cada dia Pequeninas sementes Os sonhos humildes Que a cidade grande escondeu Na sombra dos arranha-céus Outro dia ja foi e você vem Traz pra casa os sonhos que teceu Mas se o mundo girar e o céu cair O que vai restar saber resistir Imune aos vendavais Volta pra casa De novo aos meus braços Esquece o que o mundo te faz Vem que eu te ponho no colo Te conto uma historia, te faço dormir O mundo é pequeno demais pra conter A imensidão do amor As lágrimas da estrela mãe Oceano infinito Que aos poucos abre fendas Nos coracões de pedra Nos muros desse velho mundo

poema em linha reta.

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo. Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó principes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. .Fernando Pessoa.

´´IF" se. de Rudyard Kipling.

Se consegues manter a calma quando à tua volta todos a perdem e te culpam por isso. Se consegues ter confiança em ti quando todos duvidam de ti e aceitas as suas dúvidas Se consegues esperar sem te cansares por esperar ou caluniado não responderes com calúnias ou odiado não dares espaço ao ódio sem porém te fazeres demasiado bom ou falares cheio de conhecimentos Se consegues sonhar sem fazeres dos sonhos teus mestres Se consegues pensar sem fazeres dos pensamentos teus objectivos Se consegues encontrar-te com o Triunfo e a Derrota e tratares esses dois impostores do mesmo modo Se consegues suportar a escuta das verdades que dizes distorcidas pelos que te querem ver cair em armadilhas ou encarar tudo aquilo pelo qual lutaste na vida ficar destruído e reconstruíres tudo de novo com instrumentos gastos pelo tempo Se consegues num único passo arriscar tudo o que conquistaste num lançamento de cara ou coroa, perderes e recomeçares de novo sem nunca suspirares palavras da tua perda. Se consegues constringir o teu coração, nervos e força para te servirem na tua vez já depois de não existirem, e aguentares quando já nada tens em ti a não ser a vontade que te diz: "Aguenta-te!" Se consegues falar para multidões e permaneceres com as tuas virtudes ou andares entre reis e pobres e agires naturalmente Se nem inimigos ou amigos queridos te conseguirem ofender Se todas as pessoas contam contigo mas nenhuma demasiado Se consegues preencher cada minuto dando valor a todos os segundos que passam Tua é a Terra e tudo o que nela existe e mais ainda, tu serás um Homem, meu filho!

A PROMETIDA.

Abram a velha charuteira, dêem-me um Cuba bem fornido; complicaram-se as coisas, Maggie e eu nos temos desentendido. Por causa do Havana brigamos, brigamos por um bom charuto, e eu percebo que ela exagera, e ela então me chama de bruto. Abram a velha charuteira; que por um instante eu sossegue, vendo através do véu azul da fumaça o rosto de Maggie. É bem bonita de se olhar – Maggie, uma amável jovenzinha; mas belas faces logo murcham e até o mais puro amor definha. Num Larranaga existe paz, num Henry Clay a calma mora; mas o melhor charuto logo se acaba, e a gente o deita fora – deita fora por outro, tão perfeito, e escuro, e bem curtido; coisa que com Maggie não faço, por medo ao boato e ao alarido. Maggie, minha esposa aos cinqüenta – grisalha, e velha, e aquele humor! – e não poder adquirir outra nem por ouro, nem por amor! Tornada na treva de agora a luz ardente do passado, e como a guimba de um charuto o lume do Amor apagado – a guimba extinta de um charuto que no bolso se há de meter, sem que, fumado até o toco, se tenha outro para acender. Abram a velha charuteira – deixem-me ao menos refletir. Aqui um suave Manila, ali uma esposa a sorrir. O que é melhor: a servidão comprada ao preço de um anel, ou todo um harém de morenas, cinqüenta, presas a um cordel? Hábeis e mudos conselheiros, confortadores experientes, e nem uma só das cinqüenta para esnobar as concorrentes? Pensamentos de manhã cedo, consolo em épocas de abrolhos, paz no silêncio do crepúsculo, bálsamo antes que eu feche os olhos, eis o que as cinqüenta hão de dar-me, sem nada em troca demandar, com só esta paixão sati (*): cumprir seu dever e queimar. Eis o que as cinqüenta hão de dar-me. E, quando extintas e acabadas, cinco vezes outras cinqüenta novas servas me serão dadas. Encostas da distante Java e ilhas hispânicas também – hão de outra vez enviar-me noivas quando acabar o meu harém. Não me preocupará vesti-las nem tê-las bem alimentadas, nem quando as gaivotas aninham, nem no outono das chuvaradas. Vou perfumá-las com baunilha, temperar com chá suas peles; Mouro e Mórmon terão inveja ao ouvirem a história delas. Pois Maggie escreveu numa carta que eu escolhesse meu destino entre o pequeno Amor chorão e o grandioso deus Nico Tino. E por menos de doze meses do Amor não fui mais que um servente, mas Sacerdote de Cabanas fui por sete anos certamente. Meus negros dias de solteiro são coloridos no fulgor de troncos que queimei somente por Gozo, Amigos, Lida e Ardor. Se me volto para o futuro que provaremos Maggie e eu, a única luz que há sobre os pântanos é o duro Amor e o jugo seu. Terei uma jornada livre, ou nesses pântanos me afogo? Se o fumo de um charuto o embaça, devo seguir o incerto fogo? Abram a velha charuteira – deixem-me pensar outra vez; velhos amigos, quem é Maggie para que eu despreze vocês? Um bom milhão de Maggies extras aí estão para levar o andor. Uma mulher é uma mulher, mas um Charuto é puro Odor. Acendam-me mais outro Cuba – que fiel aos meus votos serei. Se Maggie não vai ter rivais, nenhuma Maggie esposarei. Rudyard Kipling. Traduções de Renato Suttana.