segunda-feira, 9 de março de 2020

Somos todos mágicos?

O que é a Magia? Sinceramente não sei lá muito bem, talvez porque seja possível considerá-la segundo diferentes perspectivas, variando correlativamente as respectivas definições… Aliás, não gosto muito de definir coisas, porque já dizia o antigo sábio, definir é limitar, e neste caso (e em minha humilde opinião), a Magia é ilimitada e ilimitável! Não sei se já repararam que o título desta despretenciosa conversa é uma pergunta. Ora, quem pergunta quer saber! Ou seja — eu não sei, e gostava que me dessem alguma resposta! Será que somos todos mágicos? Todos, mesmo? Ou só alguns? Ou, quem sabe, talvez nenhum? Ou talvez apenas aqueles que tiraram o respectivo curso, como o Harry Potter na Escola de Feitiçaria de Hogwarts?… Dizia eu há pouco que a Magia é ilimitada e ilimitável… Não acreditam? Ora comecemos por alguns exemplos: — a Magia dum pôr-de-Sol num mar de Verão; — a Magia dum sorriso de criança; — a Magia duma obra de arte que nos encanta… Que Magia é esta? Fascinação, graça, enlevo, sedução… ou feitiço!? Feitiço lembra feitiçaria… que é talvez uma forma de baixa magia, mas não percamos agora tempo a discutir isso. Os prosaico-pragmáticos dirão apenas: Oh! Não passa duma metáfora, a magia dum sorriso… Bom, metáfora ou não, um sorriso no momento certo tem um espantoso poder de cura — não será isso Magia, e da melhor? Mas ainda há mais: vejamos uma outra espécie de Magia, e uma das não menos curiosas: — a Magia da Ciência. Que tal? Bom, já estou mesmo a ouvir os comentários: não pode ser! Ou é Magia, ou é Ciência!… Mas a verdade é que parece que por vezes, no espírito do ser humano contemporâneo, a Ciência tem a sua Magia, e uma Magia eficaz, que através da tecnologia produz os efeitos mais surpreendentes: a fissão nuclear, os computadores, os clones, as viagens espaciais, a engenharia genética, a VA [Vida Artificial]… E não só! Em geral associamos a Magia a um poder que produz efeitos visíveis por meio de forças invisíveis — ora, a verdade é que estamos rodeados, para não dizer constantemente interpenetrados, por forças invisíveis (e nem sequer me refiro ao invisível da religião ou da mística, ou dos pressentimentos e dos sonhos), mas já que falámos em Ciência, e, por arrastamento, em Tecnologia, aí vai: — basta-nos referir o invisível electromagnético que «governa» as nossas vidas com surpreendentes efeitos visíveis e é tanto ou mais fantástico que os assombros e prodígios das histórias mágicas de bruxas e feiticeiras dos séculos passados: a electricidade, as ondas de rádio, o telemóvel, a TV, os raios-X, o ciberespaço, a ressonância magnética nuclear, a Internet, o comando a distância sob todas as suas formas, a RV [Realidade Virtual], os infravermelhos, as microondas, a electrónica em geral… Será esta a Nova Magia? ¿Terá a ver com as novas modalidades em que a «velha Magia» se intercruza com as novas tecnologias? Por exemplo, os New Agers usam cristais sólidos (tal como as novas tecnologias usam cristais líquidos) para memorizar, armazenar e processar «espírito»; os praticantes de channelling e os adeptos de OVNIlogia transformam as «mensagens» recebidas em «informação viva». Por outro lado, muitos cristãos evangélicos acreditam que a tecnologia das comunicações, que leva a Palavra (o Verbo!) aos recantos mais remotos do planeta, é o rastilho que contribuirá para fazer acelerar o «fim dos tempos», tal como se lê no Novo Testamento: «E este evangelho do Reino será prègado em toda a orbe, para dar testemunho a todos os povos, e então virá o fim» (Mateus 24, 14). Alguns chegam ao ponto de afirmar que os Anjos do Apocalipse não são mais do que os satélites globais de comunicações. E quanto à velha Magia, já agora? A velha é muito velha, vem dos arcanos tempos dos Colégios de Magos — do Egipto, da Caldeia, da Pérsia, donde teriam vindo os famosos Magos que seguiram a Estrela de Belém até ao Presépio onde havia nascido o Salvador do Mundo. Sem querer entrar em excessiva pormenorização histórica, para o que não tenho nem capacidade nem aqui o tempo, basta-nos adoptar a distinção que os antigos Gregos faziam entre os que se dedicavam às kryptai technai (lat. secretae artes), ou seja, uma distinção tripartida: De imediato vinha o que os Gregos chamavam o goês (pl. goêtes), o mágico vulgar, que se dedica a fazer «passes mágicos» e adivinhações populares, muitas vezes apenas ilusionistas, de tal modo que essa palavra acabou por ter a conotação de charlatão, bruxo, impostor. A magia praticada por esses, a Goêteia, já no tempo de Sócrates (séc. V a. C.) se identificava com superstição e impostura. Um bom degrau acima temos o magos (pl. magoi), de que o Evangelho de Mateus nos dá como exemplo os que vieram do Oriente em direcção a Belém da Judeia, seguindo a Estrela que os conduziu ao berço do Salvador. Os verdadeiros magoi eram uma classe iniciática e sacerdotal que proveio da Média e da Pérsia, e entraram em cena na Grécia no século VI a. C. Pelo testemunho de fontes tão diversificadas como Heródoto, por um lado, ou a Bíblia, por outro — o sonho do Faraó (Gen 41, 8), o sonho de Nebuchadnezzar (Dan 2,2), etc. — sabemos que os Magos invocavam o fogo do céu, propiciavam sacrifícios, interpretavam sonhos, augúrios e obravam prodígios. Mas, com o correr dos tempos, tão-pouco os magoi escaparam ao anátema: nos primeiros séculos da era cristã — talvez por influência das acusações dos apologetas «ortodoxos» cristãos (p. ex. Justino o Mártir, Ireneu de Lião, etc.) — também já eram acusados de pertencer a torpes sociedades secretas, e de praticar incesto, adoração de maus demónios, sacrifícios humanos, canibalismo, barbarismo, etc. Finalmente, a mais elevada classe de magoi era constituída pelo que os Gregos chamavam theios anêr, o «homem divino» (atenção!, «homem» varão, e não «homem» ser humano em geral!). O theios anêr era um deus ou um daimon disfarçado, percorrendo o mundo em um corpo aparentemente humano. O «homem divino» podia fazer tudo quanto o magos podia fazer, nomeadamente a prática do bem (embora também pudesse amaldiçoar os «maus»), mas era sobretudo capaz de realizar milagres e prodígios graças ao poder divino que tinha em si, sem precisar de rituais nem de incantações exteriores. Um exemplo de «homem divino» é-nos dado por Cristo Jesus: reparai que todos os «prodígios» ou «sinais» que Ele realizava, fazia-o sem precisar de palavras encantatórias, gestos rituais ou traçado mágicos, que eram imprescindíveis ao mágico vulgar como lemos nos manuais de Magia desses tempos. Um outro exemplo documentado de theios anêr é o do pitagórico Apolónio de Tyana, contemporâneo de Jesus, cuja exaustiva biografia, redigida por Filostrato a pedido da imperatriz romana Júlia Domna (sécs. II-III d. C.), contém muito material que os estudiosos consideram em parte verdadeiro, e em parte fantasioso, sendo que este útimo faria parte duma espécie de «encomenda» do Império romano para fazer dele um herói mítico do seu paganismo, por oposição à crescente e preocupante disseminação cristã. Seja como for, e quer se trate de «velha» Magia com as suas ramificações de Hermetismo, de Astrologia, de Alquimia, de Theo-Sophia (Mestre Eckhart, Paracelso, Giordano Bruno, Jacob Boehme, Eckartshausen, Swedenborg, Schelling, etc.), dos ocultismos do século XVI (Agrippa) ou do século XIX (Eliphas Lévi), do Teosofismo de Helena P. Blavatsky ou ainda da «recuperação» da tradição mágica da Wicca, — ou da «nova» Magia da Ciência e das tecnologias de que falámos, os princípios são sempre os mesmos: — O universo é uma central global de força e energia; — Essa energia está em tudo e em todos — é o princípio das correspondências; — Essa energia, ou essa força, pode ser concentrada e armazenada; — Essa energia, ou essa força, pode ser «programada» ou modulada com alteração da sua qualidade vibratória; — Essa energia modulada constitui um «poder» que pode ser dirigido com uma finalidade específica para exercer efeitos sobre determinado alvo ou função. A diferença entre a «velha», ocultista, e a «nova», tecnológica, está nos intrumentos utilizados: a velha utiliza varinhas, cristais, velas de diversas cores, óleos, palavras misteriosas, símbolos, incenso, cânticos, etc. e, sobretudo, o PODER INTERNO DO MAGO, ao passo que a nova utiliza fios eléctricos, microchips, circuitos integrados e outros utensílios e aparelhagens dependentes de leis da Física, da Química, da Matemática, etc. que podem ser manipulados «por fora», sem o concurso do poder interno do mago — neste caso, entenda-se, do técnico ou do simples utente que saiba carregar nos respectivos botões. Mas mesmo sem entrar em tecnologias «mágicas» que são um dos grandes feitos da nossa época, penso que podemos dizer que de facto «somos todos mágicos», na linha do que descobriu o erudito padre dominicano André-Jean Festugière (1898-1982), estudioso das religiões antigas, das mitologias greco-romanas, do Hermetismo, do Cristianismo primitivo: ao analisar o Corpus Hermeticum, que ele traduziu na íntegra, Festugière julgou discernir nesse material uma clara diferença entre o que ele chamou um «Hermetismo popular» e um «Hermetismo erudito». No primeiro incluiu a Astrologia, a Alquimia e as Artes Ocultas, ao passo que o segundo seria uma Philo-Sophia gnóstica mais sofisticada que acentua o poder que o ser humano tem para descobrir dentro de si o conhecimento (Gnôsis) de Deus e do Cosmos — ou seja, no fundo o ser humano é um daimon astral em disfarce corpóreo, capaz de recuperar os seus poderes cósmicos através da Gnose, ou da sua natural capacidade de iluminação mística. O próprio Cristo nos dá uma pista incontestável. Se Ele disse: «Aquele que crê em mim, as obras que eu faço, também ele as fará, e maiores do que estas fará» (João 14, 12) — logo, somos todos mágicos, ou melhor: Magos! Mas será realmente assim? Na verdade, Jesus pronunciou esta afirmativa no Sermão da Ceia, não no Sermão da Montanha (ou da Planície!) — o que significa que estava a dirigir-se aos «escolhidos», e não às multidões em geral… Não tenhamos receio: trata-se apenas de um ou outro degrau temporário! As multidões estão apenas num degrau abaixo na escadaria da Evolução (ou da Iniciação, para quem opte por entrar numa Escola de Mistérios), mas subirão um dia, porque a Evolução é ascendente. Nem podia ser de outro modo, o simples facto da vinda histórica de Cristo como Salvador e Redentor é a prova de que todos somos «escolhidos», pois Ele mesmo o disse: «Não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo» (João 12, 47). Bastaria que um só de nós se perdesse, e a Sua missão teria sido vã: logo, somos todos escolhidos, somente depende do nosso esforço ascendermos mais depressa ou mais devagar. Além disso, Ele foi muito explícito quando afirmou aos Seus discípulos em Cafarnaúm: «Em verdade vos digo, o que ligardes na terra será ligado nos céus, e o que desligardes na terra será desligado nos céus» (Mateus 18, 18). É um ensinamento importante, este de Jesus aos Seus discípulos: tudo quanto se ata ou desata cá em baixo, tudo quanto se tece ou destece, projecta-se para o alto e tem um efeito análogo nos reinos supra-sensíveis e por conseguinte no Banco Cósmico (Central de Energia Acumulada), além de que vai construindo — ou desfazendo — a nossa futura morada «nos céus». Quereis um exemplo da nossa magia, singelamente humana mas altamente eficaz? Quando, instintivamente, pousamos a mão sobre o ombro ou sobre a cabeça dum parente ou dum amigo que está a sofrer, para lhe transmitirmos ânimo e lhe darmos «apoio moral», no fundo estamos a repetir um gesto dum ritual mágico muito antigo, que encontramos reproduzido em grutas pré-históricas, em baixos-relevos egípcios ou expresso noutras culturas e civilizações, incluso no Cristianismo: a «imposição das mãos». Este rito é eficaz, de um ponto de vista do «Mago» (e não do goês, entenda-se!), porque primeiro o Mago ergueu a mão, ou ambas as mãos, de palmas para cima para receber o influxo benéfico da divindade (ou da Energia Cósmica), armazenando-o em si e podendo portanto transfundi-lo, através das mesmas mãos, a outrem. Até em simples jogos infanto-juvenis como «brincar às adivinhas», ou em jogos pré-adultos como queimar uma alcachofra ou atirar as meias por cima dos pés da cama, ao deitar, para «ver» qual o nome do/da namorado/a que as meias formaram ao cair, a tentação mágica subjaz em todos nós — nem que seja com a desculpa da imaturidade. Mas mesmo depois, já mais velhinhos, quando preenchemos o boletim do Totoloto ou do Totobola, no fundo estamos, sem nos darmos conta, a «convocar» (para não dizer invocar) alguma misteriosa força invisível que nos transmita o dom da precognição e nos faça acertar nos resultados correctos. Até no acto ritual de apagar as velas dum bolo de aniversário, ou ao fazer um brinde tocando nos copos, emitindo votos de bons desejos, estamos a convocar as energias positivas para o bom sucesso dalguma coisa — ou longa e feliz vida para o aniversariante, ou êxito na empresa, ou situação, que justificou o brinde. Por isso devemos ter o maior cuidado com o que pensamos, dizemos ou fazemos, pois todos somos receptores e emissores de energia, logo, cuidado! podemos estar a fazer magia negra sem o saber, basta um ressentimento, uma inveja, um dito rancoroso, um acto de vingança, uma projecção de ódio — e as energias invisíveis desencadeadas dirigem-se para o alvo. O que é muito grave, por todas as razões, não só pelo prejuízo que tal atitude causa no nosso avanço espiritual, mas também por razões de mera segurança pessoal: se o alvo está protegido — e muitas vezes basta ser uma pessoa boa sem maus sentimentos, ou correctamente devota, ou bem-fazeja, ou que esteja nesse momento a ter pensamentos amorosos e positivos — dá-se o «choque de retorno», e o emissor de energias malévolas apanha com o ricochete daqulo que emitiu. O erro dos baixos mágicos é que usam e abusam das energias invisíveis, que buscam controlar para a obtenção de inconfessáveis proveitos pessoais. Cuidado, pois! Longe de nós a veleidade de pretender fazer-nos servir pelo sobrenatural — e muito menos pelo divino. Até no emprego duma simples oração é preciso a maior cautela! A oração é uma poderosa invocação mágica, sem dúvida, e por isso nunca a devemos usar para mudar as coisas, a vontade ou a maneira de ser dos outros e muito menos os desígnios de Deus — mas única e exclusivamente para louvá-Lo, render-Lhe adoração e agradecer-Lhe, ou, quando assuma a forma de súplica, para nos sabermos amoldar à Vontade Divina com aceitação compreensiva do que a razão não alcança — e grato júbilo. Quando estou enfermo e rezo: «Meu Deus, cura-me!», devo logo acrescentar, seguindo o exemplo de Cristo: «Pai, que se não faça porém a minha vontade, e sim a Tua». E por aqui me fico, porque ficarmo-nos com a Vontade de Deus é compreender luminosamente que a Vontade de Deus é Boa, e que se eu souber amoldar a minha Vontade à Vontade Divina, estou de certeza a contribuir não só para o meu Bem, mas para o Bem de todos nós. António de Macedo.