sábado, 27 de julho de 2013

A SABEDORIA DO MUNDO ANIMAL Uma Antiga Tradição Celta.

Os nossos Professores Animais. Os nossos antepassados reverenciavam cada aspecto do mundo natural e consideravam cada parte deste mundo capaz de ser um aliado, um guia e um professor. O Druida de hoje é capaz de obter inspiração, direcção e assistência de cada reino do mundo natural, mas nos tempos antigos talvez isso fosse mais simples e menos incomum – havia menos “coisas” entre nós e o mundo da Natureza e a mundovisão predominante considerava que cada parte dela estava imbuída de vida espiritual e significado. Os animais, em particular, eram reverenciados pelas suas qualidades e eram vistos como sagrados à Deusa ou aos deuses. Diz-se que um certo número de tribos ou clãs descenderam de animais, tais como o “povo dos gatos” na Escócia e as “tribos do lobo”, assim como os “cabeças de cão”, na Irlanda. Também se diz que algumas famílias tinham antepassados animais. A foca, por exemplo, era o antepassado original de pelo menos seis famílias na Escócia e na Irlanda. A maior parte das tribos tinha os seus animais totémicos, claramente demonstrados nos seus nomes, como os Caerini e os Lugi em Sutherland (“Povo das Ovelhas” e “Povo dos Corvos”), os Epidii de Kintyre (“Povo dos Cavalos”), os Tochrad (“Povo dos Javalis”), os Taurisci (“Povo dos Touros”) e os Brannovices (“Povo dos Corvos”). As famílias também tinham animais totémicos, visíveis nos seus nomes, nos seus brasões ou nas suas tradições familiares. Todos conhecemos sobrenomes ingleses que são claramente nomes de animais, tal como Fox (“Raposa”), e a maior parte de nós conhece o animal que está relacionado com os nomes de origem clássica, tal como Philip, oriundo do grego e que significa “amante de cavalos”. Porém, muitos nomes em gaélico vêm directamente do reino animal e tentámos mencionar tantos quanto possível no Capítulo Dois d'O Oráculo Animal dos Druidas. Aprender que nomes como “Filho de Raposa” ou “Pequeno Lobo” eram comuns na tradição nativa britânica faz-nos sentir mais próximos dos nossos irmãos e irmãs da tradição nativa americana. Os nossos antepassados adoravam e respeitavam os animais de tal forma que escolhiam ser enterrados com eles, para os ter como guias e companheiros no Outro Mundo. Usavam os seus ossos e os seus dentes como amuletos. Usavam as suas peles para se vestirem e fazerem os seus leitos, para fazerem os seus escudos, tambores e gaitas-de-foles. Aceitavam as suas peles, os chifres, os cascos e a carne como dádivas e faziam uso de todas as partes dos animais – até mesmo os excrementos eram por vezes utilizados para efeitos de cura. Quando caçavam, pediam permissão à Deusa, antes de se aventurarem a tirar a vida de qualquer criatura. A caça em si era considerada sagrada e tinha uma série de tabus para proteger tanto o caçador como a caça. O elo existente entre os nossos antepassados e os animais era tão extraordinariamente rico que estes se relacionavam não só com os animais selvagens, mas também com os guardiães, guias neste mundo e no próximo, curandeiros, amigos e professores. Não é de espantar que eles os considerassem sagrados e companheiros dos deuses. Apenas nós, uma humanidade recente e bidimensional, é que vemos os animais como sendo meramente criaturas “menores”, de inteligência inferior e de pouco valor, para além do facto de servirem de alimento. Enraizado no Tempo. A reverência pelos animais e a consciência de que eles são professores e guias é tão antiga como a própria humanidade. As grutas de Drachenloch, na Suíça, exibem altares com cerca de 70.000 anos dedicados ao Urso. Nas grutas de Lascaux, em França, as extraordinárias pinturas de animais e a estátua cerimonial do corpo de um urso têm mais de 19.000 anos. Os animais eram claramente o centro de uma prática religiosa desde os primórdios do tempo. Na Grã-Bretanha, num povoado mesolítico em Yorkshire, encontraram-se hastes de veado com cerca de 10.000 anos que foram adaptadas para ser ritualisticamente usadas na cabeça. Usar peles de animais, cabeças e penas era uma forma de identificação com os mesmos, de ser esses animais por algum tempo, de partilhar dos seus poderes e de receber a inspiração divina. Na Grã-Bretanha, os nativos ainda faziam isto no séc. VII d.C. – sendo que Santo Agostinho condenou este “hábito extremamente obsceno de se vestirem como veados”. Na Irlanda, o Bardo usava o tugen – uma capa de penas feita com “peles de pássaros, brancas e multicoloridas... da cintura para baixo e com pescoços de patos bravos e cristas da cintura até ao pescoço”. Para além de se vestirem como animais, os nossos antepassados sacrificavam-nos e enterravam-nos ritualisticamente. Qualquer relutância que se possa ter inicialmente face a este comportamento deve ser temperada com a consciência de que hoje em dia milhões de animais criados industrialmente são sacrificados diariamente sem qualquer acompanhamento ou contexto espiritual – ao passo que os sacrifícios e rituais dos nossos antepassados envolviam um pequeno número de criaturas e uma consciência profunda da dádiva que o animal estava a conceder ao ser sacrificado. Parece que os animais eram enterrados cerimonialmente como uma acção de graças nos silos de cereais subterrâneos quando estes deixavam de ser úteis e eram selados. É possível que se tenham feito rituais semelhantes com os animais que acompanhavam os mortos ou que eram enterrados em altares ou santuários. A importância dos animais na vida religiosa dos nossos antepassados também pode ser vista no facto de quatro dos oito festivais druídicos do ano, conhecidos como Festivais de Fogo, estarem particularmente ligados à vida campestre da pastorícia e e da agricultura, e sabe-se que têm sido celebrados durante pelo menos os últimos 7.000 anos. O Imbolc, no dia 1 de Fevereiro, é o tempo do nascimento dos cordeiros, dos vitelos e das primeiras sementeiras. O Beltane, no dia 1 de Maio, assinala o início do Verão, quando os rebanhos são levados para as pastagens altas. O Lughnasadh, no dia 1 de Agosto, marca o início das colheitas e o Samhuinn, no dia 1 de Novembro, assinala o princípio do Inverno, quando os animais são trazidos até aos vales e se fazem as matanças para a carne que deve ser conservada. Xamanismo e Animais de Poder. Trabalhar com animais de poder é uma característica central do Xamanismo e podemos encontrar inúmeros elementos xamânicos intricados na filosofia e na prática do Druidismo. Michael Harner, uma autoridade mundial em Xamanismo, fala do caminho xamânico como algo que se poderia definir como um método para abrir uma porta e entrar numa realidade diferente. Uma parte significativa da cerimónia e da meditação Druídicas tem como objectivo viajar até outras realidades, bem como a palavra “Druida” se relaciona com palavras que significam “carvalho” e “porta” – sendo que o símbolo da porta ou portal é central nos ensinamentos Druídicos. Joseph Campbell, o grande mitógrafo, mostrou-nos que existe um conjunto de características que distingue a arte de um xamã. Estas incluem: a dança ritual, a posse de uma vara ou bordão, a dança extática, o uso de uma vestimenta animal, a identificação com um pássaro, veado ou touro, tornar-se senhor dos animais de caça e das iniciações e o controlo de um animal mágico ou “familiar”. Na literatura druídica, existem vestígios de possíveis danças rituais nas antigas danças folclóricas e existem numerosas referências às varas e bordões druídicos e a estados alterados de consciência ou de êxtase. Todas as restantes características mencionadas por Campbell relacionam-se com animais e todas estão presentes na tradição druídica. Já abordámos o uso de trajes animais, tais como o veado ou o pássaro. Os druidas eram muitas vezes identificados com animais: eram apelidados de víboras ou leitões, dizia-se que tinham o “conhecimento do grou, do corvo ou do pássaro” ou recebiam nomes como Mathgen, que significa Nascido-de-Urso. Os veados e os touros são particularmente importantes no Druidismo – o veado é um mensageiro do Outro Mundo, montado pelo sábio Merlin, e o touro é sagrado ao deus Taranis, o beneficente deus do céu, do trovão, do relâmpago e do carvalho. O touro tem uma presença proeminente na música sagrada do Druidismo – eram ritualisticamente usados chocalhos de bronze com forma de testículos de touro, assim como cornos de bronze, que foram encontrados um pouco por toda a Grã-Bretanha e Irlanda, que muitas vezes se assemelham a cornos de touro. Estes últimos, quando tocados com o método de respiração circular usado pelos tocadores de didgeridoo, soam como o bramir dos touros. Encontramos a imagem do “senhor dos animais de caça” na iconografia e na literatura celtas. Podem ser vistas imagens de Cernunnos ou do Senhor da Caça tanto na Grã-Bretanha como em França e a imagem avassaladora do senhor de todos os animais aparece no Mabinogion galês. Por fim, o controlo de um animal mágico ou familiar relaciona-se habitualmente com um atributo da bruxa no folclore britânico, sendo a lebre, a rã e o gato citados como os familiares mais comuns. Existem muitas ligações históricas entre o Druidismo e a Bruxaria. O Outro Mundo Celta Um ponto central na mundivisão druídica é a crença de que o mundo material em que vivemos corresponde apenas a um nível ou plano de existência. Por detrás e para além deste mundo fica o Outro Mundo, o mundo dos poderes e das potências, dos espíritos e das forças que nos podem guiar e ajudar, se simplesmente conseguirmos reconhecer a sua existência e aceitar a sua realidade. Os animais, em particular, são reverenciados pela sua capacidade de estabelecer uma ponte entre estes dois mundos. Eles podem trazer-nos mensagens do Outro Mundo e agir como nossos guias nesse reino, quando nos despojamos dos nossos corpos na morte. Porque eles têm simultaneamente uma forma espiritual e uma forma física, podem ser os nossos guardiães e protectores, mesmo quando não estão fisicamente presentes. Embora cada animal tenha o seu próprio caminho para o Outro Mundo, um estudo dos animais aqui descritos neste Oráculo irá demonstrar que eles formam determinados grupos que se adequam particularmente a certas funções: alguns são mais adequados como guardiães e protectores, outros como curandeiros, guias, professores, transmutadores de forma ou familiares. Pode encontrar um guia relativo a estas diferentes categorias na página 163 d'O Oráculo Animal dos Druidas. É interessante reparar que a grande maioria destes animais são considerados sagrados à Deusa. Animais Interiores, Animais de Poder, Guias Totémicos. Trabalhar com o Oráculo Animal pode colocar-nos em contacto com quatro tipos diferentes de animais. Primeiramente, pode despertar-nos para a beleza do animal no mundo físico, levando-nos a descobrir mais acerca da sua vida e dos seus hábitos. Em segundo lugar, pode pôr-nos em contacto com os nossos “animais interiores”. De alguma forma, os animais agem como símbolos ideais ou imagens dos nossos medos e ânsias mais profundas ou de partes da nossa psique que foram negadas, reprimidas ou simplesmente negligenciadas. Ao acolher e nutrir os animais que entram na nossa consciência através do Oráculo, em sonhos, meditações ou divagações, enriquecemos o nosso mundo interior e descobrimos um caminho de crescimento pessoal que está em perfeita sintonia com o mundo natural. Em terceiro lugar, existem animais de poder. A tradição druídica, tal como outras vias indígenas, acredita que os animais também existem sob forma espiritual no Outro Mundo e que, por vezes, esses animais podem visitar-nos – para nos dar energia ou cura, inspiração ou conselhos. Porque cada um deles tem um poder específico, dom ou “remédio”, eles são geralmente chamados de “animais de poder”. O quarto tipo de animais é conhecido como “totem”. Se optarmos por trabalhar com animais de poder, podemos acabar por desenvolver uma relação especial com um deles ou mais. Iremos sentir muitas vezes a sua presença na nossa consciência – guiando-nos, ensinando-nos e ajudando-nos. Podemos então dizer que estes animais de poder se tornaram os nossos “totens” ou “familiares”.Philip & Stephanie Carr-Gomm.