quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Simbologia das Deusas Mágicas.


Ao longo dos séculos, a imagem mítica do 'feminino' evoluiu muito. Primeiro foram as deusas paleolíticas, depois Isthar na Mesopotâmia, ísis no Egipto e as deusas do mundo clássico, sem nunca ocupar o seu posto original. O mito da deusa perdeu-se e a divindade masculina foi destronando o seu papel. Agora que os modelos do masculino e do feminino se confundem, torna-se necessário conhecer profundamente qual a natureza da antiga deusa-mãe.

Uma deusa mágica rege cada mês do ano. Ela descobre-nos o nosso autêntico 'eu' e, o que é mais importante, o trabalho interior a realizar para alcançar a felicidade segundo esta.

Desde os tempos mais remotos da humanidade que o papel das deusas esteve sempre relacionado com a força feminina que interveio na criação do Céu e da Terra. Segundo a cultura, a religião ou a raça, umas falam de virgens, outras da união do yin e do yang (sendo o yin a parte feminina da criação), do eterno feminino divino, da grande 'mãe', da criadora. Há inclusive quem reconheça uma parte feminina nascida de Deus e esta divindade é denominada 'deusa'. Esta emanação feminina encerra todos os atributos do Universo: criação, destruição, transformação, protecção, amor, vento, chuva, etc. Nestes tempos de ruptura de modelos e de respeito pela voz das mulheres, a deusa levantou-se do silêncio imposto por certas culturas e religiões e deu lugar a estudos não só de índole espiritual, como também de outras ciências como a antropologia, a sociologia, a psicanálise, a literatura, etc. Isto permitiu descobrir que aquilo em que se acreditava como mito é ao mesmo tempo uma parte muito real do nosso mundo quotidiano. Este sagrado feminino representado pela deusa convida-nos a tentar alcançar um mundo mais rico e equilibrado. A força espiritual que advém do eterno feminino divino, honrado para todo o sempre, permite-nos aproveitar, durante o ano, não só a sua protecção, como também a sua sabedoria quotidiana para fazer do dia-a-dia uma experiência de motivação e estímulo.
Isthar rege Janeiro.

Recebemos um novo ano e com ele a esperança de transformação, produtividade e fecundidade. Isthar, senhora da vida, dá-nos as boas-vindas e inspira-nos a sonhar, a planear, a colocar metas, deixando para trás o que cremos estar a impedir o nosso avanço pelo novo ano. Este mês, a deusa manifesta--se com duas caras, que olham para o passado e para o futuro ao mesmo tempo. Representa-se com a lua fria, chamada a lua da renovação da terra. Na Antiguidade semeava-se o trigo nesta época como promessa de abundância e fertilidade para o ano.
As suas recomendações:

* A pedra de Isthar é a pérola. Use uma jóia com uma pérola durante este mês para estimular a actividade em todos os aspectos da sua vida.
* Há uma lenga-lenga que se pode repetir todas as semanas: "Purifico-me de pensamentos negativos, liberto-me dos velhos laços do passado, louvo e solto o passado. Atraio a saúde, a prosperidade e a harmonia. Perdoo-me e perdoo todos os que me rodeiam. Que o meu espírito entre numa nova vida, como a seiva penetra na árvore".
* Devemos aproveitar as propriedades curativas que esta deusa tem para as articulações e para a pele, preparando curas de prevenção para algumas doen¬ças (especialmente de pernas e pés).
* Podemos misturar óleo de amêndoas e folhas de bétula maceradas, deixando esta mistura num lugar escuro durante três dias. Deve ser usada diariamente, logo depois do duche, massajando a zonas doridas ou os pés e as pernas
* Também é boa ideia usar, este mês, um Diário ('diário de Isthar') e escrever nele os nossos propósitos e objectivos para o ano. Podemos forrá-lo com um tecido de cor branca (a cor do mês).
* Podemos oferecer um jantar a uns amigos num dia de lua cheia, servindo-lhe o prato favorito da deusa: peru.

A sua mensagem: iniciar, conceber, originar, criar.
Brígida (ou Candelária) rege Fevereiro.

O nome deste mês deriva da palavra latina februare, que significa purificar, por isso, a deusa Brígida, também conhecida por Belisana ou Brigit, preside a este mês na qualidade de deusa do fogo. A tradição de purificar através do fogo fez com que este seja também o mês das candeias. É o momento em que a terra desperta, mesmo que ainda coberta pelos gelos invernais. A Primavera aproxima-se e convida-nos a viver as emoções, a semear a esperança e a renovação.
As suas recomendações:

* O dia dois de Fevereiro é perfeito para preparar o 'kildare' ou o 'caldeirão mágico': Arranje um recipiente que suporte o calor, de preferência redondo (que se assemelhe à forma do útero) e ferva sementes de funcho e folhas de hortelã-pimenta. O líquido obtido deve ser servido numa reunião de amigos, como um chá para purificação do corpo. Também pode fazer uma fogueira e sentar-se à volta dela, dando graças à terra-mãe por tudo o que se tem. Escreva três desejos em papéis coloridos (individualmente) e atire-os para a fogueira para que ardam, atraindo assim a realização dos mesmos.
* Durante este mês deveríamos usar com frequência a cor vermelha e ametistas. Estas pedras são igualmente boas para o local de trabalho ou para o quarto de dormir.
* Em noites de lua nova pode organizar jantares à luz de velas vermelhas e com pratos à base de pato.
* Também pode fazer purificações com fogo em casa, utilizando folhas de louro seco, e repetindo em cada divisão a seguinte lenga-lenga: "Que este fogo afaste de minha casa tudo o que seja contra a harmonia, a prosperidade e o amor. Que reine a paz para os meus amigos e familiares e para mim também".

A sua mensagem: purificar, transformar, renascer e limpar a vida através do fogo, de modo a equilibrá-la.
Afrodite rege Março.

Este mês deve o seu nome a Marte, deus da guerra. A sua relação com Afrodite (deusa do amor e da transformação e a primeira a mulher que nasceu do oceano da Criação) centra-se na sua força para desencadear paixões arrebatadoras, cujo limite está entre o amor e a guerra.
As suas recomendações:

* Há que aproveitar este mês para nos transformarmos e nos libertar-mos das feridas emocionais. Podemos ajudar-nos com a seguinte lenga-lenga: "Senhora do amor, traz a mim a paz e a esperança que brinda ao amor. Afasta da minha alma tudo o que for contra a felicidade e a alegria; para que possa ser amado e amar sem medos".
* Este mês, o vermelho continua como a cor de eleição e devem usar-se pérolas e jóias de prata.
* Na lua nova organize um jantar com velas brancas e prateadas, rosas vermelhas e pratos à base de leite e carne branca.

A sua mensagem: ame plenamente com liberdade e alegria.


Demetér rege Abril.

É a deusa grega da agricultura ("deusa mãe" ou "mãe da cevada") que nutre a terra verde e jovem e representa o ciclo da vida e da morte. É a protectora do casamento e preside ao mês de Abril, pois simboliza a porta da vida numa altura em que a Primavera renasce com todo o seu esplendor. Demetér ensinou à humanidade as artes da agricultura: semear, arar, apanhar, etc. Agora, convida-nos a recolher os frutos do que semeámos nos meses anteriores.
As suas recomendações:

* Devemos preparar um saquinho de tecido verde no qual introduzimos um pouco de mirto. Depois há que dá-lo ao nosso par numa noite de lua cheia, rezando pelo amor e pela harmonia eterna na relação.
* Não será de mais associar-se a um movimento feminino ou trabalhar num grupo para apoiar uma causa.
* Usar a cor verde, diamantes ou pedras de cristal transparente e queimar muito incenso de salgueiro ou sândalo.

A sua mensagem: germinar, florescer, prosperar.
Maya rege Maio.

Do grego maia (mãe), assim se chama a deusa sânscrita da ilusão e filha de Atlas (mãe de Hermes). Deusa da Primavera, dadora de vida e destruidora de todo o mal, convida-nos a enfrentar o futuro com optimismo, a levar a cabo novos projectos (inclusive ter um filho).
As suas recomendações:

* Invoca a mãe divina desde o primeiro dia do mês, dizendo assim: "Mãe divina, que escutas as nossas preces, saudável é a terra, traz a paz a teu ventre, santificada seja a tua divina presença, renova as tuas bençãos por mais um ano, para que possamos reunir as riquezas da vida e conservá-las em tua honra".
* Utilize a cor branca e acenda uma fogueira e velas amarelas em sua honra.
* Use esmeraldas. Semeie rosas no seu jardim ou varanda ou decore a sua casa ou escritório com flores amarelas.

A sua mensagem: não se case em Maio
Juno rege Junho.

Esta deusa romana, que dava o nome ao quarto mês do antigo calendário romano, é a protectora da mulher, da maternidade, dos casamentos e dos nascimentos. Por isso, Juno convida-nos durante este mês a comprometer-nos no que diz respeito ao amor e, inclusive, ao casamento. Além disso, no dia 24 celebra-se o solstício de Verão, que é uma festa para os amantes, para adivinhar o futuro, para acender fogueiras nas quais se deve queimar o velho e começar uma nova vida.
As suas recomendações:

* Escreva numa folha, com tinta vermelha, três desejos e três nomes de pessoas a quem queira perdoar. Unte-a com mel e queime a folha no fogo na noite de lua nova ao mesmo tempo que repete: "Invoco a grande mãe para que os meus desejos se tornem realidade e para perdoar, construir e receber. Obrigada".
* Use cor roxa ou violeta para se purificar.
* Prepare cuidadosamente uma pedra de quartzo rosa para sua protecção pessoal
* Decore a sua casa e o local de trabalho com lírios

A sua mensagem: unir, dirigir e governar
Amaterasu rege Julho.

É a deusa do sol no xintoísmo e na antiga e mítica família real japonesa. O seu nome completo é Amaterasu Ymikani, que significa deusa gloriosa que brilha no céu. E é desde aí que nos convida, este mês, a tirar partido da alegria de viver, da amizade, da família, da diversão, do amor... Segundo as leis japonesas, Amaterasu estava triste por causa da falta de sensibilidade dos humanos e fechou-se na sua caverna. Então, a Terra escureceu e aconteceram muitos desastres. Os deuses, preocupados, celebraram uma festa muito alegre à entrada da caverna e assim que a deusa apareceu a sua imagem reflectiu-se num espelho, renascendo o Sol e a Terra.
As suas recomendações:

* Podemos fazer um amuleto sob a protecção desta deusa para atrair a prosperidade material e a abundância à nossa vida. Fazemo-lo, introduzindo folhas de freixo e doze moedas douradas num saco feito de tecido ou papel amarelo. Deve ser usado durante todo o mês guardado num local escuro até que se cumpra o desejo de prosperidade material.
* Deve usar-se a cor amarela.
* Amaterasu convida-nos a usar jóias douradas ou amarelas e figuras ou desenhos alusivos ao Sol.
* Se plantarmos uma árvore num local público por onde transitem muitas crianças, contaremos com a boa protecção desta deusa.

A sua mensagem: ainda que tudo à nossa volta nos pareça escuro, no final o Sol acaba por aparecer e iluminar a nossa vida.

Isis rege Agosto.

Há crenças que atribuem o nome do mês de Agosto ao imperador Octávio Augusto, mas muitos vêem a sua origem na palavra latina augur, augurar ou profetizar. Diz-se que durante este mês nasceu no Egipto a deusa negra Ísis, que se especializou em astrologia para profetizar o futuro dos seus filhos. Ísis representa as colheitas e a apanha. É o modelo de mãe e, como tal, da fertilidade, esposa exemplar e arquétipo do amor.
Recomendações da deusa:

* Devemos ter gestos de gratidão para com a terra, por exemplo, colocar recipientes cheios de frutas da estação na sua mesa, oferecer frutos secos aos seus amigos, etc.
* Convém oferecer pão e vinho numa noite de quarto crescente.
* Também é bom usar vestuário de cor sépia, em honra da terra, bem como decorar com girassóis os locais mais utilizados da casa.
* Usar pedras de quartzo verde, para se proteger.

A sua mensagem: paciência, sabedoria e meditação.
Yemaya rege Setembro.

É a deusa africana que simboliza o princípio da criação, quando a água se cruza com o fogo para dar origem à vida. Simboliza a 'grande mãe nutridora' do céu e da terra. Setembro adopta o seu nome da constelação da Virgem e faz-se representar pela virgem como princípio da criação.
As suas recomendações:

* Quando a lua estiver em quarto crescente convide os seus amigos para uma noite de festa, oferecendo à deusa frutos do mar, vinho e os seus ganhos (crescimento pessoal, força, obstáculos superados). Ofereça também poemas à grande mãe, ou símbolos, que se possam intercambiar entre todos os participantes da festa.
* Use e abuse da cor azul.
* Considere a possibilidade de apoiar mulheres que sofram de algum tipo de violência.
* Use adornos com a pedra lápis-lazúli.

A sua mensagem: agradecer, oferendar.
Circe rege Outubro.

Rainha da magia, é a deusa feiticeira que embruxou Odisseia (Ulisses), no relato de Homero. Representa a capacidade inata das mulheres para manusear os elementos e com eles dar a volta às circunstâncias dolorosas, mediante uma oração, um rogo, um pedido de perdão ou um sorriso.
Outubro é o mês de Halloween, é o mês das forças ocultas e das bruxas, uma celebração que faz lembrar a natureza feminina dadora de vida a partir do útero (magia pura)
As suas recomendações:

* Passe uma vista de olhos pelos armários e dê a roupa que já não utiliza há anos.
* Inscreva-se num curso criativo (literatura, pintura.
* Use a cor de laranja.
* No dia 31 faça o seu próprio ritual para despertar a intuição, acendendo velas brancas e oferecendo à deusa mel e pão doce.
* Prepare refeições à base de cevada e de pato.

A sua mensagem: limpar e perdoar.
Hécate rege Novembro.

Deusa antiga, conhecida como a parteira celestial, é a deusa que através da sua sabedoria e experiência governa e transforma os caminhos da vida.
As suas recomendações:

* Como é um mês de purificação e de protecção espiritual, podemos fazer um ritual, acendendo incenso de rosas e repetindo: "Sou a filha predilecta da deusa, ela me outorga inspiração e protecção. A ela foram concedidos os dons divinos da feminilidade que hoje me são concedidos. Sou poderosa, humilde, e servidora do céu e da terra"
* Na noite de lua cheia podemos oferecer crisântemos e velas amarelas para que os nossos antepassados mortos alcancem a paz eterna.
* Devemos dar uso às cores do mês - branco e negro - e às pedras de ónix.

A sua mensagem: venere os seus antepassados e imite as suas boas acções.


Vesta rege Dezembro.

Protectora do fogo de Roma, fecha o ano desintegrando, com o seu poder sagrado, a dor e a escassez, e preparando tudo para o amanhecer de um novo ano, com a promessa de crescimento, prosperidade e transformação.
As suas recomendações:

* Acenda muitas velas e potencie a alegria. Repita esta lenga-lenga de agradecimento à deusa pelas suas ofertas ao longo do ano: "Deusa do céu e da terra que com o teu ventre sagrado criaste a lua e o sol, que activaste a humidade através dos mares e dos rios, que trouxeste esperança através do amor, abençoa o passado ano e dá-nos força e esperança para receber o novo com o desejo de poder gozar das bençãos do teu coração".
* Na noite de lua nova, convide os seus amigos a partilhar consigo pão, vinho e uvas. Cada um deve escrever sete desejos num papel e queimá-lo no fogo.
* É conveniente utilizar as cores do mês: o vermelho e o verde.
* A pedra mais adequada é o rubi.

Circe.Feiticeira.Mística.


Circe era filha de Eetes e Hécate. Hélio tinha dois filhos, Eetes e Perses; Eetes reinava na Cólquida e Perses no Quersoneso da Táurida, sendo ambos reis extramamente cruéis. Hécate, a filha de Perses, ultrapassava seu pai em ousadia e desrespeito às leis, gostava de caçar, e, quando não conseguia caçar as bestas, caçava seres humanos. Ela era especialista em venenos, e descobriu uma droga chamada aconite. Hécate testava os venenos nos estrangeiros, e matou, por envenenamento, seu pai Perses, sucedendo-o no trono e fundando um tempo de Ártemis onde eram sacrificados todos os estrangeiros.

Hécate se casou com Eetes, e eles tiveram Circe, Medeia e Egialeu. Circe também se dedicou ao estudo das drogas e raízes, e além das que aprendeu com sua mãe, também descobriu muitas outras drogas, de modo que ninguém a superava no uso de drogas.

Era capaz de criar filtros e venenos que transformavam homens em animais. Por esse motivo morava num palácio encantado, cercado por lobos e leões (seres humanos enfeitiçados). Crê-se que essa ilha se encontra no que é hoje o monte Circeu. Existe, igualmente, a versão de que é filha de Hélios com a oceânide Perseis. Perseis também pode significar Hécate, filha de Perses ("destruição").

Circe se casou com o rei dos sármatas (também conhecidos como citas), e após matá-lo envenenado, sucedeu-o no trono, cometendo vários atos cruéis e violentos contra seus súditos. Por isto, ela foi deposta, e foi obrigada a exilar-se na ilha de Ea ou Eana, localizada no litoral oeste da Itália. O nome da ilha "Ea" ou "Eana" é traduzido como "prantear" e dela emanava uma luz tênue e fúnebre. Essa luz identificava Circe como a "deusa da Morte horrenda e de terror". Era também associada aos vôos mortais dos falcões, pois, assim como estes, ela rodeava suas vítimas para depois enfeitiçá-las.

O grito do falcão é "circ-circ" e é considerado a canção mágica de Circe, que controla tanto a criação quanto a dissolução. Sua identificação com os pássaros é importante, pois eles têm a capacidade de viajar livremente entre os reinos do céu e da terra, possuidores dos segredos mais ocultos, mensageiros angélicos e portadores do espírito e da alma.

Escritores gregos antigos a citavam como "Circe das Madeixas Trançadas", pois podia manipular as forças da criação e destruição através de nós e tranças em seus cabelos. Como o círculo, ela era também a tecelã dos destinos.

Circe era considerada a Deusa da Lua Nova, do amor físico, feitiçaria, encantamentos, sonhos precognitivos, maldições, vinganças, magia negra, bruxaria, caldeirões. Com o auxílio de sua varinha, poções, ervas e feitiços, transformava homens em animais, fazia florestas se moverem e o dia virar noite. Os escritores antigos Homero, Hesíodo, Ovídio e Plutarco relataram suas proezas, garantindo para ela um lugar nas lendas.

No renascimento, poeta e humanista italiano Giambattista Gelli (1498-1563), da academia de Florença também fez uso desta lenda na sua famosa obra La Circe (1549).
Na Odisseia.

No decurso de suas perambulações, o herói Ulisses (personagem épico da Odisseia de Homero,também conhecido como Odisseu) e sua tripulação desesperada desembarcam na praia da ilha de Eana, onde vivia Circe, filha do Sol. Ao desembarcar, Ulisses subiu a um morro e, olhando em torno, não viu sinais de habitação, a não ser um ponto no centro da ilha, onde avistou um palácio rodeado de árvores.

Ulisses enviou à terra 23 homens, chefiados por Euríloco, para verificar com que hospitalidade poderiam contar. Ao se aproximarem do palácio, os gregos viram-se rodeados de leões, tigres e lobos, não ferozes mas domados pela arte de Circe, que era uma feiticeira poderosa. Todos esses animais tinham sido homens e haviam sido transformados em feras por seus encantamentos.

Do lado de dentro do palácio vinham sons de uma música suave e de uma bela voz de mulher que cantava. Euríloco a chamou em voz alta, e a deusa apareceu e convidou os recém-chegados a entrar, o que fizeram de boa vontade, exceto Euríloco, que desconfiou do perigo. A deusa fez seus convivas se assentarem e serviu-lhes vinho e iguarias. Quando haviam se divertido à farta, tocou-os com uma varinha de condão e eles se transformaram imediatamente em porcos, com "a cabeça, o corpo, a voz e as cerdas" de porco, embora conservando a inteligência de homens.

Euríloco se apressou a voltar ao navio e contar o que vira. Ulisses, então, resolveu ir ele próprio tentar a libertação dos companheiros. Enquanto se encaminhava para o palácio encontrou-se com um jovem que se dirigiu a ele familiarmente, mostrando que estava a par de suas aventuras. Revelou que era Hermes e informou Ulisses acerca das artes de Circe e do perigo de aproximar-se dela. Como Ulisses não desistiu de seu intento, Hermes (Mercúrio para os romanos) deu-lhe o broto de uma planta chamada Moli, dotada de poder enorme para resistir às bruxarias, e ensinou-lhe o que deveria fazer.
Galanthus, talvez Moli.

Ulisses prosseguiu seu caminho e, ao chegar ao palácio, foi recebido cortesmente por Circe, que o obsequiou como fizera com seus companheiros. Depois que ele havia comido e bebido, tocou-o com sua varinha de condão, dizendo:

- Ei! procura teu chiqueiro e vá espojar-se com teus amigos.

Em vez de obedecer, Ulisses desembainhou a espada e investiu furioso contra a deusa, que caiu de joelhos, implorando clemência. Ulisses ditou-lhe uma fórmula de juramento solene de que libertaria seus companheiros e não cometeria novas atrocidades contra eles ou contra o próprio Ulisses. Circe repetiu o juramento, prometendo, ao mesmo tempo, deixar que todos partissem são e salvos, depois de os haver entretido hospitaleiramente.

Cumpriu a palavra. Os homens readquiriram suas formas, o resto da tripulação foi chamado da praia e todos foram tratados magnificamente durante vários dias, a tal ponto que Ulisses pareceu ter-se esquecido da pátria e se resignado àquela vida inglória de ócio e prazer.

Por fim seus companheiros apelaram para seus sentimentos mais nobres, e ele recebeu a censura de boa vontade. Circe ajudou nos preparativos para a partida e ensinou aos marinheiros o que deveriam fazer para passar sãos e salvos pela costa da Ilha das Sereias. As sereias eram ninfas marinhas que tinham o poder de enfeitiçar com seu canto todos que o ouvissem, de modo que os infortunados marinheiros sentiam-se irresistivelmente impelidos a se atirar ao mar, onde encontravam a morte.

Circe aconselhou Ulisses a cobrir com cera os ouvidos de seus marinheiros, de modo que não pudessem ouvir o canto, e a amarrar-se a si mesmo no mastro dando instruções a seus homens para não libertá-lo, fosse o que fosse que ele dissesse ou fizesse, até terem passado pela Ilha das Sereias.
Textos modernos e contemporâneos.

No poema "Endimião", do poeta Keats, podemos ter uma idéia do que se passava no pensamento dos homens que eram transformados em animais pela feiticeira Circe. Os versos abaixo teriam sido ditos por um monarca transformado em elefante pela deusa:

Não lamento a coroa que perdi, / A falange que outrora comandei / E a esposa, ou viúva, que deixei. / Não lamento, saudoso, minha vida. / Filhos e filhas, na mansão querida, / Tudo isso esqueci, as alegrias / Terrenas dos velhos dias olvidei. / Outro desejo vem, muito mais forte. / Só aspiro, só peço a própria morte. / Livrai-me deste corpo abominável. / Libertai-me da vida miserável. / Piedade, Circe! Morrer e tão-somente! / Sede, deusa gentil, sede clemente!.F.P.Wikepédia.
Parte do poema.Endimião.
Tudo o que é belo é uma alegria para sempre:
O seu encanto cresce; não cairá no nada;
Mas guardará continuamente, para nós,
Um sossegado abrigo, e um sono todo cheio
De doces sonhos, de saúde e calmo alento.
Toda manhã, portanto, estamos nós tecendo
Um liame floral que nos vincule à terra,
Malgrado o desespero, a carestia cruel
De nobres naturezas, os escuros dias,
E todos os sombreados e malsãos caminhos
Abertos para nossa busca: não obstante,
Alguma forma bela afasta essa mortalha
De nossa lúgubre alma. Assim são sol e lua,
As árvores lançando a dádiva da sombra
Às ovelhas sem mal; e assim são os narcisos
Com o mundo verde no qual vivem, e os regatos
Que fazem para sim uma coberta amena
Contra a quente estação; a moita mato adentro,
Rica de um jorro em flor de almiscaradas rosas;
E assim também a majestade dos destinos
Que imaginamos para os mortos poderosos;
Os lindos contos que nós lemos ou ouvimos:
Uma fonte infindável de imortal bebida
Que da fímbria dos céus a nós se precipita.
John Keats.