sábado, 2 de julho de 2011

Râbi'a al-'Adawiyya.



Oh, minha alegria, meu desejo e meu refúgio,
Meu companheiro, meu amparo no caminho,
Oh, meu objetivo!
És o espírito de meu coração.
Tu és minha esperança,
Meu confidente, meu Amigo.

Meu anelo de Ti é minha única riqueza,
Meu ardente desejo, todo meu sustento,
Se não fosse por Ti, oh, vida de minha vida,
Não haveria vagado de um lado para o outro
Pela imensidão do país.

Quantas graças me foram reveladas,
Quantos dons e favores Tu tens para mim!

Teu amor é meu único desejo, Teu amor é minha delícia,
A luz que sacia meu sedento coração.
Não me afastarei de Ti enquanto viver,
Não há lugar para mim, senão Tu,
Que fazes florescer o deserto.
Tu és o único dono do meu coração.

Se em mim encontrares contentamento,
Oh, anelo do meu coração,
Transbordarei de alegria!


Deus meu, me refugio em Ti para resguardar-me
de tudo o que me separa de Ti,
para resguardar-me de tudo o que me distrai de Ti
e se interpõe entre Tu e eu.


Oh amado de meu coração,
somente tenho a Ti.
Tem piedade do pecador que vai até Ti.

Oh minha esperança, meu repouso, oh minha alegria,
o coração não quer amar a outro senão a Ti.



Meu repouso, oh irmãos, está em minha solidão,
e meu Amado está sempre comigo.

Nada pode substituir o amor que sinto por Ele,
meu amor é meu suplício entre as criaturas.

Em todas as partes onde contemplei sua beleza,
Ele tem sido meu mihrab e minha qibla.

Se eu morrer deste amor ardente e Ele não estiver satisfeito,
essa dor seria minha desdita neste mundo!

Oh médico do coração, Tu, que és todo meu desejo,
une-me a Ti com um laço que cure minha alma.

Oh minha alegria, oh minha vida para sempre!
Em Ti, minha origem, em Ti, minha embriaguez.

Abandonei inteiramente todo o criado com a esperança
de que me unas a Ti. Este é meu único desejo.

Hafiz.[Poemas]


Em meu pensamento perdido,
a imagem de tua boca não desaparecerá jamais,
nem pela crueldade do Céu,
nem pela aflição dos séculos.
Na pré-eternidade meu coração já estava
ligado aos cachos dos teus cabelos;
até o final dos tempos ele será dócil
e manterá o pacto.
Tudo o que está neste pobre coração passará,
salvo o peso dessa dor por ti que
jamais deixará meu coração.
Teu amor invadiu a tal ponto
meu coração e minha alma que,
se minha cabeça tombasse, ele continuaria...

Vê o Um, escuta o Um, conhece o Um:
nessa fórmula estão o princípio
e os corolários da Fé.



GHAZAL

Para a Aliança que firmamos Contigo,
na plenitude da Crença,
possamos permanecer crentes até o dia do Julgamento,
como Moisés, que freqüentemente perguntava:
“Poderei eu Te ver, oh meu Deus?”

Possamos tocar a lira
e, com mãos estendidas para os céus,
murmurar orações
para que aqueles que são próximos de Ti
possam beber do vinho do amor.

Do mais alto dos céus
proclamaremos Teu nome ao som de tambores.
Na abóbada celeste
possamos desdobrar a qualidade de nosso amor.

No dia da Ressurreição
tomaremos um punhado daquela terra que é Tua
e humildemente cobriremos nossas cabeças
para Tua maior glória.

Oh Hafiz!
Nunca submeta seu orgulho a uma infame criatura,
pois encontrarás o que está procurando
unicamente na eterna Luz do Universo.



A CANÇÃO DE SAKI

I

Vem, Saki, vem, traz teu vinho extático,
Que aumenta a graça e aperfeiçoa a alma;
Enche minha taça, estou desesperado,
Tanto tempo separado de ambas.

Traz teu vinho, Saki, e a taça de Jamshid
Poderá resistir à visão do grande vazio;
Verte, que com a taça, fortalecido,
Possa ver cada segredo, como Jamshid.

Traz, Saki, traz teu divino e alquímico elixir
Que dá a idade de Noé e o tesouro de Korah.
Verte, e então se abrirão para ti
As portas da fama e da imortalidade.

Traz vinho, oh Saki, e sua imagem nele
Saudará a Kosroés e a Jamshid;
Verte, e ao som da flauta contarei
Que foi de Kaús em seu dia, e de Jamshid.

Canta deste velho mundo e com tuas cordas
Faz uma proclamação aos reis anciães.
O mesmo deserto distante ainda se estende
Onde Salm e Tur suas tropas perderam.
Ainda se ergue o mesão desmoronado
Que Afrasiyab acreditou ser seu palácio.
Onde estão os capitães que dirigiram suas hostes,
E onde o paladino que marchava à sua frente?
Alto era o palácio, a ruína foi sua sorte;
Sua própria tumba na memória se perde...

II

Traz, Saki, tua virgem castamente velada,
Ao ébrio morador da taverna agasalha;
Enche a taça, estou ávido de má fama,
E busco no vinho minha vergonha máxima.

Traz, Saki, esse sumo embriagador
Que bebem os leões, e que cause estragos.
Verte, e abrirei a armadilha deste mundo
Como um leão, e me alçarei dominando o espaço.

Traz o vinho, oh Saki, que a hurís especiam
Com paradisíaca fragrância angélica;
Verte, e lançando incenso ao fogo,
Lograrei da mente o prazer eterno.

Traz, Saki, teu vinho que outorga tronos;
Meu coração de sua pureza é testemunha,
Verte, para que diluído em seu rio
Possa surgir triunfante deste poço.

Por que ainda deste corpo me encontro cativo
Quando me chama um espiritual jardim?
Dai-me de beber, cumula-me de vinho
E observa o saber e poder que há em mim.

Deixa que tua taça às minhas mãos passe
E contemplarei o mundo nesse cristal;
Ébrio entoarei sagrados cantares
E julgarei ser rei em minha mendicidade.
Quando embriagado Hafiz se ponha a cantar,
Em sua esfera Vênus, o aplaudirá.



O DESPERTAR DO AMOR

I

Eh, Saki, rápido, traz o vaso,
Preenche-o e passa-o ao redor;
Quão fácil parecia no principio o amor,
Mas que despertar mais árduo!

II

A brisa matutina há pouco levou
Em suas tranças tão doce fragrância,
Que desastre para o coração se achava
Nesses cachos tão almiscarados!

No caravançarai da vida,
Que escassa é a segurança que tenho,
Quando a campainha gritar num momento:
“Atai vossa carga; a hora é vinda!”.

III

Sobre o tapete de oração, deixa fluir o vinho
Se assim solicita o taberneiro;
Aquele que deseja seguir este caminho
Conhece bem suas formas e seus métodos.

IV

Fixai-vos em minha louca carreira,
Da insensatez à infâmia;
Mas como se poderia ocultar
O mistério que os homens festejam?

Um mar de montanhas, a lua escondida
E o terrível rugido do torvelinho próximo.
Como podem saber de nosso laborioso trabalho
Os que passeiam, ligeiros de carga, pela margem?

V

Hafiz, se queres conseguir sua graça,
Jamais te ausentes de teu lugar;
Quando contemplares seu rosto bem amado,
Esquece-te, ao final, do tempo e do espaço.



DOCE DONZELA

Doce donzela, se deleitasses minha vista
e pedisses que em teu pescoço rodeassem meus braços,
essa mão de lírio, essa rosada bochecha,
para teu poeta seriam mais apreciados
que todo o ouro de Bokhara
e as jóias de Samarcanda.

Rapaz, deixa fluir o líquido de rubi
e pede ao teu coração pensativo que se alegre,
não importa o que os carrancudos
fanáticos possam dizer:
Contesta-os que o seu Éden não pode ter
um arroio tão claro como Ruknabad
nem um roseiral tão belo como Mosalla.

Ah, quando estas pérfidas donzelas,
cujos olhos assaltam nossas moradas secretas
seus queridos e destrutivos encantos mostram,
cada mirada meu terno peito enche
e rouba ao meu ferido coração o descanso,
como capturam à sua presa os tártaros.

Nosso seio com amor resplandece em vão,
podem todos nossos suspiros e lágrimas
dar novo lustre àqueles encantos?
Por acaso nas bochechas onde nascem rosas vivas,
e a natureza verte suas tintas exuberantes,
requerem o brilho emprestado da arte?

Não fales do destino: ah, muda o tema
e de aromas e vinho conversa;
fala das flores que ao redor nosso brotam:
tudo é uma nuvem, tudo é um sonho,
pensa só no amor e na felicidade,
não esperes transpassar a melancolia sagrada.

Tão irresistível é o poder da beleza
que inclusive a casta dama egípcia
pelo belo hebreu languidescia:
fatal foi a hora para ela
em que apareceu nas margens do Nilo
um jovem tão galante e tão frívolo!

Mas atende, doce donzela, ao meu aviso
(a juventude deve escutar quando aconselham
aqueles aos quais fez sábios a experiência):
enquanto a música alegre os ouvidos,
e a vista goze das taças e sua luz,
desfruta e despreza os sinais da senilidade.

Que cruel resposta escutei!
E sem embargo, pelo céu, ainda te amo:
dito por ti, o que poderia ser cruel?
Mas a amarga palavra como foi (sair)
pelos rios de doçura de teus lábios
que somente hão bebido mel?

Com valor se lança meu cantar
e fluem seus acentos com torpeza
como pérolas orientais unidas ao azar:
tuas notas são doces, dizem as donzelas;
oh, mas é ainda muito mais grata
a Ninfa por quem estas notas cantam.



AMÁVEL ZÉFIRO

Vai, amável zéfiro, e saúda em tom silencioso
A essa gazela dos pés ligeiros;
Dize que buscando-a percorro
Os terríveis abismos, a selva do amor.

Mercador que vendes a doçura
(Que o céu te outorgue longa vida!),
Por que com aversão assim esqueces
A tua ave canora cheia de ternura?

É acaso, oh rosa, tua beleza
Que orgulhosa se afasta do amor,
Quem te impede de escutar a lenda
De teu companheiro, o rouxinol?

Não sei por que é tão difícil achar
A cor da sinceridade
Em ninfas de majestosa graça,
De olhos negros e rostos de prata.

Pois ainda que teu rosto seja angelical
Uma só falta mancha sua beleza;
Teu encanto, que não tem fé nem constância,
Faria com que a aurora sentisse vergonha.

Controlamos com gentis maneiras
A alma sábia pelo juízo iluminada:
Nem inútil armadilha, nem falácia brilhante
Capturam a ave experimentada.

Como assombrar-se, Hafiz, se teu labor,
Cuja sonoridade encanta a planície etérea,
Tenta as mais solenes estrelas
A dançar com a estrela do amor?



CANTO DE PRIMAVERA

O inverno abandona a planície com passo severo
E a primavera brinca alegre pelas pradarias,
O doce rouxinol entoa seus lamentos
E sua amada rosa esparrama suas belezas.

Oh Zéfiro, enquanto sopras tua brisa suave
Carregada de aromas dos bosques da Arábia,
Murmura minhas saudações pelo teu fértil vale
E diz à formosa Layla que seu poeta a ama.

Com uma mirada celestial da amada donzela
Saltaria de gozo meu coração arroubado;
A seus pés, humilde, inclinaria a cabeça,
E com as sobrancelhas varreria o solo sagrado.

Se os néscios que roubam da religião o viço
E criticam os doces deleites do amor
Vissem a Layla, não desejariam mais o Paraíso
E por seu sorriso dariam o celestial gozo.

Não te fies da fortuna, enganoso encanto,
Da qual os sábios fogem e adoram os estúpidos.
Enquanto sorri, soa o alarme o Destino,
Gira sua roda e ficas para sempre submergido.

Por que erigis, ricos e poderosos,
Cúpulas principescas e torres infinitas?
Enquanto tudo brota triunfante em vosso entorno
O Anjo da Morte conta vossos dias.

Doce tirano, nesse peito endurecido
Não guardes mais meu coração, meu seio em teu trono real;
Deixa que ali descanse seu palpitar
E goze de deleites que ignora a alma vulgar.

Esses olhos feros, o que significam?
E os cachos que emprestam ao ar seu odor?
Minha esperança voa despavorida,
Cai meu amor presa da desesperação.

Não armes essas sobrancelhas de arco celestial,
Oh doce donzela, com tanto desprezo;
Não faças que um desditoso, tão afogado já,
Abatido padeça sua dor eterna.

Não sejas mais escravo dos seres formosos:
Bebe, Hafiz! Desfruta, desafoga teu ânimo,
Com valor depreza ao hipócrita rufião
Que usa a religião em defesa do pecado.



RUBÁIYÁT de HAFIZ - seleções
(Tradução de Aurélio Buarque de Hollanda)

(Rubays relacionados à Sabedoria Sufi)



Quando os botões de rosa entreabrem os cálices,
Narciso ergue sua taça em honra do vinho.
Ah! Feliz o que sabe a canção báquica
e liberta a alma pelo culto ao grande deus.

* * * * *

Dá-me desse velho vinho, lembrança de algum sultão extinto,
para que eu possa com uma nova paleta pintar a vida.
Oh! torna-me indiferente a este mundo insensível,
para que eu possa cantar-te o desejo do mundo.

* * * * *

Vem, amemos e bebamos à margem do rio.
Afogaremos em nossas taças o nosso leve desassossego.
A vida tem a duração da rosa: dez dias preciosos.
Que o dourado laço do riso prenda, então, esses dez dias.

* * * * *

Ó namorados felizes, de mãos entrelaçadas,
esquecidos da Roda do Tempo que voa através dos espaços,
quando soar minha hora, saudai o ciclo infinito.
Que outros abris evoquem meu semblante.

* * * * *

Vem, oh vem, traze-me o vinho, fonte de toda a alegria;
despreza os artifícios próprios de inimigos vis.
Bem doces são as palavras que te querem reter,
e doces as que se escoam de lábios ainda mais doces.

* * * * *

Se, como nós, caísseis na armadilha preparada pelo Amor,
somente o Vinho, ele só, vos poderia livrar do desespero.
Discípulos de Baco, abrasamos a vida.
Não vos aproximeis de nós, para não ouvirdes palavras impuras.

* * * * *

Não afastes a Taça de teus lábios
De medo que a Fortuna e a Glória te fujam.
A taça humana contém doçura e amargor:
Doçura do lábio amoroso, amargor da taça.

* * * * *

Minha estrela, cuja grave beleza eclipsa a beleza do dia,
Cresceu, fez-se um astro mais belo que o de Kausar.
Aprisionou todos os corações na covinha de suas faces,
E ordena-lhes, agora, vencer ou morrer.

* * * * *

Caíram-lhe, um por um, todos os véus,
E apareceu um Astro sem igual.
Ó carne tão frágil que o vermelho de seu coração transparece,
Como um rubro rubi ensangüenta a onda radiosa!


* * * * *

Ó Tu, que viste curvar-se ante a poeira do Teu umbral
A fronte orgulhosa do Sol e da Lua,
Não me deixes morrer abrasado na chama da espera,
Nem sentar-me à sombra da nuvem!

* * * * *

Não ouses censurar a violência de um suspiro,
Pois o que ateia a chama pode imprudentemente chamuscar-se.
Ó! Não sejas indiferente às lágrimas noturnas,
Nem aos tristes suspiros da aurora que vem morrer à tua janela.

* * * * *

A dor fez morada em minha alma – meu tormento vem de Ti.
Este querido tormento curará minhas feridas.
Quanto mais depositares Tua vingança em meu coração,
Quanto mais torturado ele for, mais fiel se há de mostrar-Te.

poemas.


TODO EM TUDO ÉS TU

Tu és o amparo e o abrigo do meu coração,
tudo o que existe Tu és, todo em tudo és Tu!
Só em Ti achei o meu Amado,
tudo o que existe Tu és, todo em tudo és Tu!
Tu é o que reside em Tuas criaturas;
onde Tu não habitas, não pode haver um coração.
Em cada coração, por certo que a Tua Presença entrou:
tudo o que existe Tu és, todo em tudo és Tu!
Tanto nos homens, como nos anjos triunfantes,
assim nos hindus como nos muçulmanos, Tu estás!
Tua Santa Vontade fez tudo igual a Ti:
tudo o que existe Tu és, todo em tudo és Tu!
Dos templos hindus ou muçulmanos,
perfeitamente pura fez Teu toque cada uma das partes.
Todas as cabeças se inclinam ante Ti com devoção:
tudo o que existe Tu és, todo em tudo és Tu!
Desde os altos céus à estendida terra ante nós,
da vasta terra aos céus, És Tu.
Onde quer que eu ponha os olhos, Tu apareces à minha vista:
tudo o que existe Tu és, todo em tudo és Tu!
Pensando e meditando, vi claramente.
Buscando, não encontrei outro como Tu és -
agora a mente do poeta viu que
tudo o que existe Tu és, todo em tudo és Tu!

Zaffir



ELAHI, ELAHI

Oh meu Deus, meu Deus!
Todas as tristezas do mundo,
quando eu penso em Ti,
tornam-se regozijo.

Oh meu Deus...
Todas as alegrias do mundo,
quando eu não penso em Ti,
são somente orgulho e vaidade.

Oh meu Deus...
Dá-me felicidade nesta terra
na esperança da Ressurreição.

Oh Senhor, intoxica-me com o vinho do amor,
ata-me para sempre com as cadeias do amor,
libera-me de toda auto estima, destrua-me,
traze-me de volta à vida em Teu amor.

Constantemente meu coração arde de amor por Ti,
minha alma, no mais recôndito de meu ser,
comove-se apenas por Ti.
Se mesmo uma planta crescesse em minha sepultura,
cada uma de suas folhas expressaria meu amor por Ti.

Kwadjeh Abdollah ANSARI, trecho do Niyayesh



GHAZAL

Não há dia mais felizes, ricos,
que aqueles acompanhados pelo amor.
Para os amantes o sol nunca se põe,
os portões do anoitecer ficam fechados.

Quando o incenso não queima
ele não exala seu perfume:
apenas os que foram consumidos
pelo amor podem compreender.
Para os demais, não tenho nada a dizer,
eu, que conheço a intoxicação do amor,
eu, que conheço o êxtase do amor.

Quem não consumiu até a última
gota da taça dos amantes,
nada sabe do significado do amor.

Saadi



Foi-te revelado um segredo que por muito tempo te fora escondido;
uma aurora brilhou, da qual eras a obscuridade.
De fato, tu és o véu que esconde a teu próprio coração
o segredo de seu mistério, pois, sem ti, seu selo
não se gravaria em teu coração para escondê-lo.

Se te ausentas de teu coração, Ele nele se instala
e suas tendas se elevam no ápice da santa revelação.
E produz-se um divino colóquio, cuja audição jamais aborrece
e cuja prosa e versos tornam-se ardentemente desejáveis.

Ibn al-Arif, do Mahasin al-Majalis



PERDER SUA CABEÇA

O primeiro passo no amor
é perder sua cabeça.

Após o insignificante ego
você então desiste de sua vida
e suporta a calamidade.

Com isso por detrás de você, prossiga:
Poli, vós, a ferrugem do ego
do espelho do si-mesmo.

Fakhr al-Din Iraqi



de Khaqani Shirwani

É o amor quem fala para você,
chamando-te além dos limites
deste reino criado.

Aquilo que libera você
do seu pequeno si-mesmo,
também é amor.



CARAVANAS INVISÍVEIS

O concerto do amor está chamando,
Mas o flautim não pode ser visto.

Os embriagados estão à vista,
Mas o vinho não pode ser visto.

Centenas de caravanas passaram
Neste mesmo caminho –

Não se surpreenda se
O traço delas não pode ser visto...

Muhammad Shirin Maghribi



AFOGADOS NA SUA ESSÊNCIA

Todos os átomos do mundo
são na verdade espelhos seus,
afogados na sua essência
como gotas no oceano.

Como ondas que se encrespam,
colidindo no vazio,

ele negam-se a si mesmos –
eles oferecem a sua prova.

Walah Daghistani



QUATRO ELEMENTOS

Dentro da sua natureza
está cada elemento,
assim, escute
este sábio conselho:

Você é demônio
e fera selvagem,
e anjo,
e humano –

Qualquer coisa que cultive,
aquilo você será.

Baba Afdal Kashani



CORAÇÕES DE PEDRA

Tristeza para aquele coração
que não pode sensibilizar-se
com a beleza na música!

Jamais desperdice seu tempo
discutindo os meandros do amor
com um coração de pedra.

Estranhos ao amor
não são convidados
para o Concerto Espiritual:

Apenas aqueles que ardem
poderão exalar fumaça.

Saadi



DE VOLTA À VIDA

Quem quer que você abrace,
terá vida para sempre.

Todos aqueles estabelecidos no seu pensamento
habitarão em esferas felizes.

Se você passar por alguém
que caiu ante a espada do amor –
suas pegadas hão de traze-lo
de volta à vida.

Khaju Kirmani

Rumi RUBAYAT de RUMI (seleção)



Gritei, e naquele grito ardi.
Calei, e marginado e mudo ardi.
Das margens todas me arrojou.
Ao centro fui, e no centro ardi.

* * * * *

Luz do céu é nosso corpo terrenal.
Zelos causa ao anjo a agilidade nossa.
Às vezes é de invejar aos anjos a pureza nossa.
Às vezes ao diabo afugenta a coragem nossa.

* * * * *

Chegou a hora que dedicar-te deveremos
E com tua alma, casa de fogo levantaremos.
Tu, ó mina de ouro, oculto estás na terra.
Quando puro amanhecerdes, no fogo te lançaremos.


* * * * *

Por uns dias, com os meninos fomos ao Mestre;
Por uns dias, nos alegramos com rostos fraternos.
Escuta o final de nossa história:
Tal como nuvem saímos e fomos tal como o vento.

* * * * *

Sabe, ó alma, quem tua alma é.
E sabe, coração, quem hóspede teu é.
Ó corpo, que por todos os meios buscas remédio!
Ele te é levado, observa tu quem te busca.

* * * * *

Ser dervixe e enamorado a um só tempo é reinar.
Tesouro é a tristeza do amor, mas oculto está.
A casa do coração deixei em ruínas com minhas mãos;
E soube que nas ruínas o tesouro está.

* * * * *

Em nossa mente há vontade de outra tarefa.
É outra face nossa boa amante.
Juro por Deus: tão pouco o amor nos bastará.
Para nós, após este outono, outra primavera haverá.

* * * * *

Aquele Mansur Hallaj que disse: “Sou a Verdade”
A terra do caminho com suas pestanas apagava.
Do mar do seu não-ser Mansur flutuava.
E ali polia a pérola: “Sou a Verdade”.

* * * * *

Enquanto por guia a baixa natureza tenhas
não julgues que tua sina vitoriosa seja.
Dormido de dia, que curta é a noite de tua vida!
Temo que despertes quando dia seja.

* * * * *

Os enamorados, num só instante, os dois mundos perdem.
Em um breve lapso, cem anos eternos perdem.
Mil estações percorrem pelo aroma de um alento.
Por seguirem um coração, mil vidas perdem.

* * * * *

Olha minha face como o ouro do tempo e não perguntes.
Olha esta lágrima qual grão de romã e não perguntes.
Não inquiras sobre o estado interior da casa:
Olha o sangue no umbral e não perguntes.

* * * * *

À ciência que desata nós, busca.
Àquela, antes que a alma te escape, busca.
O não existente que parece existente, deixa.
O existente que não existente parece, busca.

O Caminho do Buscador.


Há, no Ocidente, muita confusão, muitos mal entendidos acerca da Tradição Sufi de ensinamento e do desenvolvimento interior do indivíduo. A Tradição Sufi é, como tem sido sempre, uma ciência exata, não se encaixando dentro da série de “ismos” que marcam muitas filosofias populares.

A Tradição - como nós que nascemos nela, a ensinamos e representamos - não é uma doutrina híbrida, embora muitos comentaristas ocidentais tenham tentado provar suas raízes gregas. A Tradição foi desenvolvida por homens de grande habilidade, dedicação e visão - homens que superaram barreiras políticas, sociais, culturais e físicas numa busca incessante pelo conhecimento que possibilitaria à Humanidade desenvolver-se.

Os primeiros santos e místicos Sufis procuraram ensinar, escrever, e criar versos para devolver ao homem o conhecimento esotérico que as religiões estabelecidas já não podiam oferecer. Os fundadores do pensamento Sufi enfrentaram a constante oposição de figuras do “Establishment” durante suas vidas. Seus escritos e seus versos sobreviveram aos que os acusaram de heresia ou coisa pior.

Eles identificaram a necessidade no Homem. Eles identificaram o anseio, não por mais e mais palavras e consolo, mas por um ensinamento que pudesse transcender tempo e espaço, raças e religiões, orgulho e preconceitos. Da nobre lista de Mestres da Tradição constam nomes como os de al-Ghazzali, Hafiz, Jami, Saadi, Salman i-Farsi, Omar Khayyam, Rumi, al-Beirun, que são apenas alguns, dos luminares cujas obras foram aclamadas em todo o mundo.

Estes homens, durante toda a sua vida, esquivaram-se à notoriedade e aos aplausos do “Establishment” e dos intelectuais - sua tarefa era construir, e de fato construíram. Com seus livros, poesia e sabedoria, deixaram os alicerces da filosofia viva, que aqueles que estão fora da Tradição chamam de “Sufismo”.

Sua motivação, sua missão, era delinear um caminho no qual o homem, uma vez seguramente engajado, pudesse aspirar a uma consciência permanente mais elevada, e, nesse estado, pudesse ter esperanças concretas de compreender-se a si mesmo e a sua relação com seu Deus.

Este caminho não é para todos, pois não é feito apenas de rosas e violinos - é um caminho morro acima, repleto de confusão enquanto o homem luta com seus condicionamentos, mas é um caminho cheio de calor, de luz e de amor.

Aqueles de nós que fomos afortunados o bastante para ter nascido ou para haver ingressado na Tradição, dizemos a todos: abram e leiam estas páginas; pode haver um caminho para vocês.

Omar Ali-Shah
Surrey, Inglaterra
Agosto de 1988