contos sol e lua

contos sol e lua

sábado, 4 de abril de 2015

Acima da Verdade.

Acima da verdade estão os deuses. A nossa ciência é uma falhada cópia Da certeza com que eles Sabem que há o Universo. Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses, Não pertence à ciência conhecê-los, Mas adorar devemos Seus vultos como às flores, Porque visíveis à nossa alta vista, São tão reais como reais as flores E no seu calmo Olimpo São outra Natureza. ricardo reis.

Aprender-a-ser.

A Provação do Peregrino. Todos vivemos várias provações ao longo da nossa existência terrena, períodos mais ou menos longos, em que somos assolados por diversas experiências bastante dolorosas; podemos citar a título de exemplo a perda de um ente querido, a falência de uma empresa, uma separação conjugal, algo intenso que provoca no indivíduo tristeza, instabilidade, insegurança, incerteza, lançando o ser numa crise profunda que atinge todas as áreas do seu ser, incluindo o seu lado espiritual. Os estudantes das várias correntes espirituais sabem que nada funciona por acaso e que tudo o que nos é dado viver tem um sentido oculto. Vários são os caminhos tomados face a estes períodos. Surge na maioria uma desorientação que, progressivamente, origina uma desconexão com o seu lado espiritual, até se perderem no nevoeiro e tempestades da vida. Podem deambular durante uma vida, desperdiçando oportunidades evolutivas, desmotivados, descrentes, longe do Sentido que inicialmente buscavam. Alguns costumam ficar obcecados com o passado longínquo e detêm-se em procurar ligações cármicas, buscando o fio antigo de sentidos; normalmente, tal é a obstinação por este trilho que rapidamente se perdem em mistificações ou deambulam em teias de fértil imaginação; outros refugiam-se numa atitude triste e submissa, aceitando o pesado destino com resignação. Entre o nevoeiro e a luz outros há que, após fases sucessivas de quedas e de recomeços, vão perdendo e reencontrando o caminho que procuravam, num balanço entre o afastamento e o retorno. Poucos são os que nunca perdem de vista o farol interior que os ilumina, ainda que se percam nos caminhos e atalhos da vida. Para todos a provação pode ser vista sob várias faces ou todas numa só: — funciona como uma prova às capacidades do peregrino, no fundo, um teste a aprendizagens anteriores; — necessidade de mudar de rumo, fazer novas escolhas difíceis, porém adequadas ao novo momento evolutivo; — necessidade de redefinir os sonhos, os objectivos de vida; novas aprendizagens estão na forja. Todos sentem que nesses momentos há determinadas aprendizagens – vontade, discernimento, pensamento positivo – que se afinam ou comportamentos que se adoptam, a disciplina, por exemplo; sentem também que há capacidades novas que emergem. Todas estas capacidades e atitudes podem tornar-se as nossas âncoras, mas só uma se afigura na provação como o nosso refúgio e salvação: a oração, esse fio de luz que nos liga à nossa Casa, nos devolve aos braços do Criador num breve alento para novas batalhas. Qualquer situação, por mais distorcida que se afigure, não tem mais força do que o poder de uma oração sincera e a nossa persistência nesse acto ajudará a ultrapassar qualquer provação, visível ou invisível, a seu tempo. Maria Coriel

À procura da felicidade.

Procustes: o ladrão de almas. Este mito conta a história dos caminhantes que viajavam para Atenas e eram atraídos por Procustes que lhes oferecia abrigo e comida. Uma vez deitados, Procustes amarrava-os e verificava se cabiam na cama, cortando-lhes as partes sobrantes, se fossem demasiado grandes, ou esticando-os dolorosamente, se fossem muito pequenos. Esta narrativa constitui uma metáfora de uma parte da nossa vida. Atenas simboliza o centro dos nossos objectivos, o sucesso a atingir, o êxito que delineámos. Mas nós não somos os únicos autores desta construção mental, do que idealizámos para nós. Os nossos pais começaram desde cedo, estabelecendo patamares que gostariam de ver realizados, depositando em nós muitas expectativas. No entanto, na maior parte das vezes, o seu sonho ainda menino não tem em conta a nossa singularidade, as nossas possibilidades e tendências, traços que a Astrologia ensina a identificar. O bebé que recebem é uma projecção do ser ideal, distante do ser real. Deste modo, Atenas é a metáfora de felicidade que varia consoante a cultura em que nascemos, o grupo social, a educação que recebemos, o sexo e a religião em que nos encontramos integrados. Atenas resulta, assim, de um triângulo nem sempre em equilíbrio: do meio envolvente, do que desejamos e do que os outros esperam de nós, aos níveis familiar, afectivo, profissional e social. Desde que nascemos que nos empurram para Atenas, ensinando-nos, moldando-nos, castigando-nos ou premiando-nos, durante as sucessivas etapas da infância e da juventude. Primeiro a família, depois a escola, o grupo de amigos, vamo-nos moldando, sempre em função de padrões comportamentais, em busca de sucesso, de reconhecimento, de aprovação, de afecto. Este processo de automutilação psíquica e de sacríficio desmedido acontece-nos amiúde e de forma inconsciente, muitas das vezes: quando a família nos crítica por determinadas atitudes ou devido a traços da nossa personalidade, quando o grupo nos rejeita por algum aspecto do nosso carácter, quando somos humilhados pela imagem física, quando sentimos que podemos ser abandonados por uma determinada atitude e tememos actuar, quando as memórias nos magoam e as amachucamos no fundo de nós, quando adoptamos posturas para não perdermos o emprego ou para subirmos na escala social. Desmembrando-nos ou esticando-nos, lá vamos a caminho de Atenas, aquela que projectámos, a terra prometida. O processo de moldagem – através do castigo, do prémio, da humilhação, do medo, da culpa, do julgamento social, da dor - de adaptação à cama de Procustes é dolorosa porque vamos abdicando de partes de nós, esquecendo outras, adormecidas e jogadas para o fundo do nosso íntimo, sacrificando-nos até não podermos mais. Aprendemos, ainda que distorcidamente, que devemos tudo isso para não sermos abandonados, rejeitados, humilhados, para não deixarmos escapar a felicidade, o sucesso profissional, o amor. Com o tempo, vamos perdendo a autenticidade, afastamo-nos da nossa natureza divina, amorosa e livre. Ficamos presos à cama de Procustes. Corremos sérios riscos de nos tornarmos inseguros, medrosos, ansiosos, amargos, intolerantes, perdendo pouco a pouco a autoestima. Vamo-nos isolando em terrenos íntimos, descrentes de que alguma vez atinjamos Atenas, mas, ainda assim, ela permanece como a terra prometida, até se tornar uma imagem distante, embaciada, difusa. Quando somos lançados em ciclos de crise profunda, somos convidados a descer ao mais íntimo de nós. Aí, olhamo-nos e vemo-nos a caminhar coxeando, porque mutilados; perdemos o equilíbrio, a segurança no andar. O sacrifício trouxe-nos um cansaço que secou a alma. Ao que sobrou de nós, juntam-se anos de medos, de culpas, de cansaços, de humilhações, de dor, de ressentimentos, de mágoas. Olhamos pedaços de nós que foram esquecidos, adiados, cortados e jogados fora. As crises podem ser processos de recuperação do nosso ser, de retorno à nossa autenticidade, de (re)decoberta da nossa natureza divina. Só nós podemos iniciar a mudança, só nós podemos resgatar-nos do processo de mutilação e de sacríficio desmesurado a que concordámos em nos submeter. Só nós podemos libertar-nos do que nos oprime e restringe. Só nós podemos sonhar Atenas, de novo, em função do que somos, do que queremos, do que valorizamos, do que é autêntico e verdadeiro para nós, do que amamos. Só nós podemos devolver a nós próprios a inteireza perdida. Maria Coriel

O tempo da Serpente.

Escolhemos habitar um tempo de transição para o qual julgamos não estar preparados. A mudança traz múltiplas transformações dentro e fora de nós que, pela sua rapidez, nos convocam a responder de forma igualmente rápida e decidida. No entanto, escolher num período caracterizado pela dispersão, pela mudança, pela incerteza, pelas dificuldades torna-se um desafio às nossas capacidades, ensonadas por alguns anos de facilitismo e alguma apatia. De todas as faculdades há uma que, neste tempo, precisamos de desenvolver: o poder de regeneração aos níveis interior e exterior. Somos, assim, semelhantes à serpente que despe a pele velha e cujo o próprio corpo tem a capacidade de se regenerar. Empurrados pelo instinto de sobrevivência, não podemos ser levados pela emoção numa corrente desabrida. É preciso parar, renascer, equilibrando o lado mental e afectivo, seguir uma orientação, ter um objectivo a cumprir de cada vez; saber também visualizar o resultado esperado. Para que aflore em nós o novo, há uma casca velha e pesada que precisamos de abandonar: a lamentação, a autocomiseração, a vitimização que faz de nós presas fáceis da indolência e da insegurança. No entanto, antes de renascer muitas questões necessitam de ser equacionadas: faremos nós aquilo de que realmente gostamos?Gostamos do que fazemos, mas necessitamos de renovar o modo como o fazemos? Deitamo-nos agradavelmente cansados ou frustrados por não termos feito aquilo de que gostaríamos? Gerimos bem o nosso tempo? Somos suficientemente disciplinados para cumprirmos o que estipulámos? Fomos generosos connosco e com os outros? Sentimo-nos conectados conscientemente com o nosso interior e com o divino? Estas e outras perguntas podem ser aclaradas durante o processo de regeneração que acontece muitas vezes durante a vida e se processa por ciclos mais ou menos lentos. Vagarosamente, umas vezes por nossa iniciativa, outras por imposição da vida, vamos abandonando as cascas grossas que pesam, magoam e atrasam o nosso processo evolutivo. Se escolhemos viver na transição entre dois tempos, devemos consciencializarmo-nos de que chegou o tempo de arrumar o quarto interior e de participar também na reorganização exterior em marcha, numa grande parte dos países. Chegámos ao final de uma estação; é tempo de colocar de lado o que nos faz dispender energia desnecessária, abandonar hábitos nocivos, deixar para trás padrões de pensamentos negativos, revitalizar a fé, reencontrar quem somos; observar se quem somos coincide ou não com quem nos tornámos. As fissuras que abundam no exterior quer sejam em forma de guerras, divisões entre famílias, atritos entre países, entre outros, espelham a divisão existente em cada um de nós. Renascer é um exercício semelhante ao arrumar o roupeiro em fim de estação; pomos de lado o que está desadequado ao tempo presente, usamos apenas o necessário e adequado ao novo tempo. É preciso ter coragem e sentido prático para deitar fora o que já não serve o nosso momento evolutivo. Do poder de regenerar não só faz parte aprender a reutilizar, reciclar mas também aprender a lidar com o corte, com as separações, com as fissuras. Regenerar é sinónimo de mudança, delineando com segurança o que já não queremos voltar a viver e a ser. Regenerar é sinónimo de transformação criativa; renascer deverá ser um acto con(sentido). Maria Coriel