sábado, 22 de setembro de 2012
Luz do Ocidente
O Caminho de Compostela não é o único caminho que levava os peregrinos da Europa de Oriente para Ocidente, terminando invariavelmente na costa atlântica, não em mar aberto, mas em rias profundas, que permitiam abrigo e ancoragem segura de barcos. Mas é o único caminho que foi “recuperado” pelo cristianismo, passando a constituir uma das suas três peregrinações principais, juntamente com Roma e Jerusalém.
Além do Caminho de Compostela havia mais três, dois dos quais bastante conhecidos e um que terá caído no esquecimento. Estranhamente, esses caminhos estavam escalonados por latitudes separadas de três em três graus, todas passavam por lugares sagrados e por regiões onde abundam megalitos e dólmenes, vestígios naturais atribuídos à antiga civilização celta ou lígure.
Já vimos que o Caminho de Compostela corria ao longo do paralelo 42. Logo acima, no paralelo 45, havia desde tempos imemoriais um caminho que talvez fosse o menos importante e por isso esquecido, mas que passava por Le Puy, pelas célebres grutas de Lascaux e terminava em Lugon. Não existe ponto de referência para o início deste caminho.
Mais a norte, ao longo do paralelo 48 havia o caminho que tinha início em Sainte-Odile, na Alsácia, povoação situada em recinto de antigas construções ciclópicas impossíveis de datar, e terminava perto de Quessant, na costa atlântica. Ao longo deste caminho encontramos inúmeros megalitos, provavelmente pontos de referência e orientação para os peregrinos. Passa por diversos locais sagrados, especialmente por Chartres, o lugar mais sagrado dos franceses.
Subindo mais três graus na latitude, encontramos o caminho britânico ao longo do paralelo 51. É provável que este caminho tivesse origem mais a leste, no continente europeu, numa altura em que talvez ainda não existisse o Canal da Mancha e a Ilhas Britânicas não existissem como ilhas, mas fazendo parte do continente.
Considerando apenas o território britânico, este caminho começa em Canterbury e passa por Maidstone (a pedra da Virgem), Godstone (a pedra de Deus), por um cromeleque chamado Amesbury, que alguns entendem significar o “túmulo de Adão”, depois por outro cromeleque, Avesbury, que talvez signifique o “túmulo de Eva”. Passa também por Stonehenge, com o seu “grande templo do Sol” e o Cathoir Ghall, a “sala de dança dos gigantes”. Segue-se Glastonbury, onde se conta que José de Arimateia teria depositado o Graal, perto da colina de Avalon, que antes dos depósitos fluviais era a ilha mítica de Avalon, bem conhecida através da lenda de Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Este caminho termina num local próximo de Tintagel, onde foi descoberto, gravado na pedra, um labirinto semelhante a um outro encontrado na Galiza, não distante de Santiago de Compostela.
Tudo isto, as rotas traçadas de Oriente para Ocidente, a balizagem ao longo de um paralelo preciso com pequenas variações de minutos, a existência de lugares considerados desde sempre sagrados ao longo desses caminhos, não pode ser obra do acaso.
É de presumir que estes caminhos foram traçados com fins religiosos, em que os peregrinos seguiam a rota do Sol, ou a rota indicada pela Via Láctea, de leste para oeste e terminando sempre no mar atlântico. Mas a precisão com que foram marcados sugere-nos que poderia haver outro motivo que ainda desconhecemos, mas que podemos pressentir. Para uma peregrinação religiosa não é necessária a existência de uma rota elaborada com tal precisão, qualquer caminho serve, desde que sirva para atingir o objectivo final. Por exemplo, para a peregrinação a Roma ou Jerusalém não existe um caminho pré-determinado. No caso de Compostela, outros caminhos foram sendo criados ao longo do tempo, como o chamado caminho português, mas prevaleceu sobre todos o caminho tradicional, aquele que segue ao longo do paralelo 42. O que procuravam os peregrinos a Ocidente?
Uma das profecias de João XXIII diz: “ (…) Luz do Neiva no Oriente, mas a luz vem sempre do Ocidente”. Seria para esta luz que os peregrinos caminhavam através de mil dificuldades impostas pelas condições do terreno e dos perigos que punham em risco a própria vida? Que luz seria esta? Será que os portos atlânticos que os peregrinos demandavam eram pontos de encontro com seres que vinham do mar e traziam consigo todo um conjunto de conhecimentos que depois legavam a esses peregrinos?
Temos que reconhecer que estamos perante um enigma, pois na verdade não sabemos para que é que esses caminhos serviam. Alguns autores afirmam que se tratava de caminhos iniciáticos, ao longo dos quais o peregrino era submetido a provas duras que lhe poderiam proporcionar o acesso a um conhecimento maior. Outros afirmam que durante o percurso o peregrino poderia aprender certos conhecimentos ocultos, como por exemplo o tratamento da pedra. Já vimos que os talhadores de pedra na região, no tempo dos lígures, se chamavam tiagos. O que é que acontecia quando chegavam ao seu destino, à beira do Atlântico? Entravam em contacto com seres que consideravam superiores, que depois chamaram deuses, vindos de algures do meio do oceano? Para tentarmos encontrar alguma resposta temos que recorrer à tradição.
Parece não haver já dúvidas para ninguém de que existiu, há uns milhares de anos, uma grande ilha a meio do Atlântico, de que os arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias serão os remanescentes. Parece também não haver dúvidas para ninguém de que, há uns milhares de anos, se deu um imenso cataclismo, que na Bíblia se chama Dilúvio Universal. Este dilúvio é conhecido sob a forma de lendas em todas as latitudes e longitudes da Terra. Portanto, havendo assim tantas descrições, umas mais fantasiosas que outras, é prova de que aconteceu na realidade. Esse cataclismo terá afundado essa ilha e levado para o fundo das águas os atributos de uma civilização evoluída, a que Platão chamou de Atlântida.
Aparentemente não havia uma única ilha, mas várias ilhas, uma grande ilha rodeada de outras menores. Estas ilhas seriam habitadas por duas raças, uma de pele escura avermelhada e outra de pele clara. A de pele escura era de pequena estatura, mas a de pele clara era constituída por indivíduos altos. Não é credível que esses habitantes não tivessem entrado em contacto com os habitantes das regiões limítrofes, como a Europa ocidental, a costa ocidental da África e a costa oriental da América. Também não é credível que não tivesse havido migrações, tanto para ocidente como para oriente, e que esses povos migrados não se tivessem misturado com as populações locais. Acreditamos que essas migrações terão fundado colónias que mantiveram ligações com a pátria de origem, cujos conhecimentos procuraram transportar para as novas terras que ocupavam.
A determinada altura aconteceu o cataclismo que, além de afundar a pátria de origem, causou devastações por toda a Terra, salvando-se apenas uns poucos sobreviventes. Estes, a pouco e pouco, órfãos da terra-mãe, foram esquecendo os prodígios que a sua civilização tinha alcançado, mas mantiveram os conhecimentos básicos que lhes permitiram depois dar início a outras civilizações. Por isso a civilização do antigo Egipto despontou de repente, como o desabrochar de uma rosa.
Assim, os caminhos traçados de forma quase geométrica poderão ter sido os marcos de referência para os sobreviventes do cataclismo, que após aportarem em locais abrigados da costa, se encaminhavam para o interior ao encontro das populações aí residentes e também sobreviventes. Temos consciência de que esta é uma teoria sem bases de prova, mas é uma teoria tão boa como muitas outras. Com o tempo, esses caminhos serviram para levar os peregrinos em busca desses seres que um dia vieram do ocidente, movidos por uma vaga lembrança da portentosa civilização que aí teria existido.
Isto leva-nos a outro ponto, que é o de saber onde ficaria situado o Paraíso Terrestre. Segundo a Bíblia, estava situado na região de quatro rios, dentre os quais, o Tigre e o Eufrates. Embora na Mesopotâmia actual (Iraque) não existam esses quatro rios, apenas aqueles dois referidos, pesquisas por satélite revelaram a existência em tempos idos de mais dois rios. Portanto, assunto resolvido, o Paraíso ficava localizado na Mesopotâmia. Mas, como grande parte dos livros da Bíblia terão sido escritos por sábios judeus após a sua libertação do cativeiro na Babilónia, é muito provável que a descrição do Paraíso tenha sido originada em alguma lenda daquela região e assim, a indicação daqueles rios.
Por outro lado, Caim, depois de ter assassinado Abel, foi enviado para a Terra de Nod, a leste do Éden. Aparentemente, apesar de expulsos, Adão e Eva ainda estariam no Paraíso (Éden), porque foi dali que Caim foi enviado para leste. Mas “Nod”, segundo alguns autores, significa “peregrinação”, quer dizer, a partir do Éden, Caim peregrinou pelas terras do leste. Mas a leste de quê? Da Mesopotâmia? Foi Caim peregrinar para os antigos Irão, Afeganistão, Paquistão, Índia? Para sabermos que leste era esse precisamos de situar o Éden em algum lugar.
Por estudos feitos através de satélites, está provado que o deserto do Sara foi, em tempos recuados, uma região luxuriante, com várias cidades hoje soterradas debaixo das areias, com lagos e quatro rios, entre os quais o próprio Nilo, que terá sido desviado do seu primitivo curso para o actual que conhecemos. A civilização que ali prosperou terá vindo, muito provavelmente, da Atlântida. Os tuaregues, os “aristocratas” do deserto, serão originários da civilização que ali se implantou pois, segundo a lenda, a filha da Poseidon, Atena, ter-se-á retirado para a terra de Hoggar para ali cumprir uma missão civilizadora. A terra de Hoggar é o Sara e Atena, como rainha dessa região, chamava-se Tin-Hinan.
Esta rainha, considerada deusa pelos tuaregues, terá estabelecido um governo matriarcal e por isso, entre os tuaregues a mulher continua a ter um papel muito especial, é a guardiã da tradição. Mas uma lenda acaba quando começa a História e assim, Tin-Hinan deixou de ser uma lenda quando o seu túmulo foi descoberto em Abalessa, ao sul da actual Argélia. Pelo estudo dos seus restos mortais, tratava-se de uma mulher branca, de elevada estatura, parecida com as mulheres egípcias do tempo dos faraós, as ancas estreitas e as espáduas largas.
Por motivos que desconhecemos, o Nilo foi desviado do seu curso, privando o Hoggar da sua água, e parte da população ali existente terá partido para oriente, criando a esplendorosa civilização egípcia. Seria o Hoggar, o local em que se situava o Éden, pois também era uma região de quatro rios?
Segundo a tradição, a grande ilha da Atlântida também tinha quatro rios, os quais corriam no sentido dos pontos cardeais. Seria, afinal, a Atlântida, o local do Paraíso terrestre? Tanto do Hoggar como da Atlântida, as migrações foram feitas maioritariamente para leste, exceptuando as eventuais migrações que terão povoado as Américas.
Assim, talvez aqueles caminhos tão bem demarcados no terreno levassem os peregrinos em busca, não só dos seres que em tempos recuados teriam vindo do mar a ocidente, mas em busca do Paraíso perdido.
Manuel O. Pina
Depois da Morte.
Léon Denis.
O homem é um ser complexo. Nele se combinam três elementos para formar uma unidade viva, a saber:
O corpo, envoltório material temporário, que abandonamos na morte como vestuário usado;
O perispírito, invólucro fluídico permanente, invisível aos nossos sentidos naturais, que acompanha a alma em sua evolução infinita, e com ela se melhora e purifica;
A alma, princípio inteligente, centro da força, foco da consciência e da personalidade.
A alma, desprendida do corpo material e revestida do seu invólucro sutil, constitui o Espírito, ser fluídico, de forma humana, liberto das necessidades terrestres, invisível e impalpável em seu estado normal. O Espírito não é mais que um homem desencarnado. Todos tornaremos a ser Espíritos. A morte restitui-nos à vida do espaço.
Que se passa no momento da morte?
Como se desprende o Espírito da sua prisão material?
Que impressões, que sensações o esperam nessa ocasião temerosa?
É isso o que interessa a todos conhecer, porque todos cumprem essa jornada. A vida foge-nos a todo instante: nenhum de nós escapará a morte.
Deixando sua residência corpórea, o Espírito purificado pela dor e pelo sofrimento, vê sua existência passada recuar, afastar-se pouco a pouco com seus amargores e ilusões; depois, dissipar-se como as brumas que a aurora encontra estendidas sobre o solo e que a claridade do dia faz desaparecer. O Espírito acha-se, então, como que suspenso entre duas sensações: a das coisas materiais que se apagam e a da vida nova que se lhe desenha à frente. Entrevê essa vida como através de um véu, cheia de encanto misterioso, temida e desejada ao mesmo tempo. Após, expande-se a luz, não mais a luz solar que nos é conhecida, porém uma luz espiritual, radiante, por toda parte disseminada.
Pouco a pouco o inunda, penetra-o, e, com ela, um tanto de vigor, de remoçamento e de serenidade. O Espírito mergulha nesse banho reparador. Aí se despoja de suas incertezas e de seus temores. Depois, seu olhar destaca-se da Terra, dos seres lacrimosos que cercam seu leito mortuário, e dirige-se para as alturas. Divisa os céus imensos e outros seres amados, amigos de outrora, mais jovens, mais vivos, mais belos que vêm recebê-lo, guiá-lo no seio dos espaços. Com eles caminha e sobe às regiões etéreas que seu grau de depuração permite atingir. Cessa, então, sua perturbação, despertam faculdades novas, começa o seu destino feliz.
A entrada em uma vida nova traz impressões tão variadas quanto o permite a posição moral dos Espíritos.
Reencarnação e Evolução.
Léon Denis.
"Cada encarnação encontra, na alma que recomeça vida nova, uma cultura particular, aptidões e aquisições mentais que explicam sua facilidade para o trabalho e seu poder de assimilação; por isso dizia Platão: “Aprender é recordar-se!”
Nossa ternura espontânea por certos seres deste mundo explica-se facilmente. Já os havíamos conhecido, em outros tempos, já os encontráramos. Quantos esposos, quantos amantes não têm sido unidos por inúmeras existências, percorridas dois a dois! Seu amor é indestrutível, porque o amor é a força das forças, o vínculo supremo que nada pode destruir.
As condições da reencarnação não permitem que nossas situações recíprocas se invertam; quase sempre se conservam os graus respectivos de parentesco. Algumas vezes, em caso de impossibilidade, um filho poderá vir a ser o irmão mais novo do seu pai de outros tempos, a mãe poderá renascer irmã mais velha do filho. Em casos excepcionais, e somente a pedido dos interessados, podem inverter-se as situações. Os sentimentos de delicadeza, de dignidade, de mútuo respeito que sentimos na Terra não podem ser desconhecidos no mundo espiritual. Para supô-lo, é preciso ignorar a natureza das leis que regem a evolução das almas!
O Espírito adiantado, cuja liberdade aumenta na razão direta da sua elevação, escolhe o meio onde quer renascer, ao passo que o Espírito inferior é impelido por uma força misteriosa a que obedece instintivamente; mas todos são protegidos, aconselhados, amparados na passagem da vida do espaço para a existência terrestre, mais penosa, mais temível que a morte.
A união da alma com o corpo efetua-se por meio do invólucro fluídico, o perispírito, de que muitas vezes temos falado. Sutil por sua natureza, vai ele servir de laço entre o Espírito e a matéria. A alma está presa ao gérmen por esse “mediador plástico”, que vai retrair-se, condensar-se cada vez mais, através das fases progressivas da gestação, e formar o corpo físico. Desde a concepção até o nascimento, a fusão opera-se lentamente, fibra por fibra, molécula por molécula. Pelo afluxo crescente dos elementos materiais e da força vital fornecidos pelos genitores, os movimentos vibratórios do perispírito da criança vão diminuir e restringirem-se, ao mesmo tempo em que as faculdades da alma, a memória, a consciência esvaem-se e aniquilam-se. É a essa redução das vibrações fluídicas do perispírito, à sua oclusão na carne que se deve atribuir a perda da memória das vidas passadas. Um véu cada vez mais espesso envolve a alma e apaga-lhe as radiações interiores. Todas as impressões da sua vida celeste e do seu longo passado volvem às profundezas do inconsciente e a emersão só se realiza nas horas de exteriorização ou por ocasião da morte, quando o Espírito, recuperando a plenitude dos seus movimentos vibratórios, evoca o mundo adormecido das suas recordações.
O papel do duplo fluídico é considerável; explica, desde o nascimento até a morte, todos os fenômenos vitais. Possuindo em si os vestígios indeléveis de todos os estados do ser, desde a sua origem, comunica-lhe a impressão, as linhas essenciais ao gérmen material. Eis aí a chave dos fenômenos embriogênicos.
O perispírito, durante o período de gestação, impregna-se de fluido vital e materializa-se o bastante para tornar-se o regulador da energia e o suporte dos elementos fornecidos pelos genitores; constitui, assim, uma espécie de esboço, de rede fluídica permanente, através da qual passará a corrente de matéria que destrói e reconstitui sem cessar, durante a vida, o organismo terrestre; será a armação invisível que sustenta interiormente a
estátua humana. Graças a ele, a individualidade e a memória conservar-se-ão no plano físico, apesar das vicissitudes da parte mutável e móvel do ser, e assegurarão, do mesmo modo, a lembrança dos fatos da existência presente, recordações cujo encadeamento, do berço à cova, fornece-nos a certeza íntima da nossa identidade.
A incorporação da alma não é, pois, subitânea, como o afirmam certas doutrinas; é gradual e só se completa e se torna definitiva à saída da vida uterina. Nesse momento, a matéria encerra completamente o Espírito, que deverá vivificá-la pela ação das faculdades adquiridas. Longo será o período de desenvolvimento durante o qual a alma se ocupará em pôr à sua feição o novo invólucro, em acomodá-lo às suas necessidades, em fazer dele um instrumento capaz de manifestar-lhe as potências íntimas; mas, nessa obra, será coadjuvada por um Espírito preposto à sua guarda, que cuida dela, a inspira e guia em todo o percurso da sua peregrinação terrestre. Todas as noites, durante o sono, muitas vezes até de dia, o Espírito, no período infantil, desprende-se da forma carnal, volve ao espaço, a haurir forças e alentos para, em seguida, tornar a descer ao invólucro e prosseguir o penoso curso da existência.
Antes de novamente entrar em contacto com a matéria e começar nova carreira, o Espírito tem, dissemos, de escolher o meio onde vai renascer para a vida terrestre; mas essa escolha é limitada, circunscrita, determinada por causas múltiplas. Os antecedentes do ser, suas dívidas morais, suas afeições, seus méritos e deméritos, o papel que está apto para desempenhar, todos esses elementos intervêm na orientação da vida em preparo; daí a preferência por uma raça, tal nação, tal família. As almas terrestres que havemos amado atraem-nos; os laços do passado reatam-se em filiações, alianças, amizades novas. Os próprios lugares exercem sobre nós a sua misteriosa sedução e é raro que o destino não nos reconduza muitas vezes às regiões onde já vivemos, amamos, sofremos. Os ódios são forças também que nos aproximam dos nossos inimigos de outrora para apagarmos, com melhores relações, inimizades antigas. Assim, tornamos a encontrar em nosso caminho a maior parte daqueles que constituíram nossa alegria ou fizeram nossos tormentos. Sucede o mesmo com a adoção de uma classe social, com as condições de ambiente e educação, com os privilégios da fortuna ou da saúde, com as misérias da pobreza. Todas essas causas tão variadas, tão complexas, vão combinar-se para assegurar ao novo encarnado as satisfações, as vantagens ou as provações que convêm ao seu grau de evolução, aos seus méritos ou às suas faltas e às dívidas contraídas por ele.
Dito isso, compreender-se-á quão difícil é a escolha. Por isso, na maioria das vezes ela nos é inspirada pelas Inteligências diretoras, ou, então, em proveito nosso, hão de elas próprias fazê-lo, se não possuirmos o discernimento necessário para adotar com toda a sabedoria e previdência os meios mais eficazes para ativarem a nossa evolução e expurgarem o nosso passado.
Todavia, o interessado tem sempre a liberdade de aceitar ou procrastinar a hora das reparações inelutáveis. No momento de se ligar a um gérmen humano, quando a alma possui ainda toda a sua lucidez, o seu Guia desenrola diante dela o panorama da existência que a espera; mostra-lhe os obstáculos e os males de que será eriçada, faz-lhe compreender a utilidade desses obstáculos e desses males para desenvolver-lhe as virtudes ou libertá-la dos seus vícios. Se a prova lhe parecer demasiado rude, se não se sentir suficientemente armado para afrontá-la, é lícito ao Espírito diferir-lhe a data e procurar uma vida transitória que lhe aumente as forças morais e a vontade.
Na hora das resoluções supremas, antes de tornar a descer à carne, o Espírito percebe, atinge o sentido geral da vida que vai começar, ela lhe aparece nas suas linhas principais, nos seus fatos culminantes, modificáveis sempre, entretanto, por sua ação pessoal e pelo uso do seu livre-arbítrio; porque a alma é senhora dos seus atos; mas, desde que ela se decidiu, desde que o laço se dá e a incorporação se debuxa, tudo se apaga, esvai-se tudo. A existência vai desenrolar-se com todas as suas conseqüências previstas, aceitas, desejadas, sem que nenhuma intuição do futuro subsista na consciência normal do ser encarnado. O
Temíveis são certas atrações para as almas que procuram as condições de um renascimento, por exemplo, as famílias de alcoólicos, de devassos, de dementes. Como conciliar a noção de justiça com a encarnação dos seres em tais meios? Não há aí, em jogo, razões psíquicas profundas e latentes e não são as causa físicas apenas uma aparência? Vimos que a lei de afinidade aproxima os seres similares. Um passado de culpas arrasta a alma atrasada para grupos que apresentam analogias com o seu próprio estado fluídico e mental, estado que ela criou com os seus pensamentos e ações.
Não há, nesses problemas, nenhum lugar para a arbitrariedade ou para o acaso. É o mau uso prolongado de seu livre-arbítrio, a procura constante de resultados egoístas ou maléficos que atrai a alma para genitores semelhantes a si. Eles fornecer-lhe-ão materiais em harmonia com o seu organismo fluídico, impregnados das mesmas tendências grosseiras, próprios para a manifestação dos mesmos apetites, dos mesmos desejos. Abrir- se-á nova existência, novo degrau de queda para o vício e para a criminalidade. E a descida para o abismo.
Senhora do seu destino, a alma tem de sujeitar-se ao estado de coisas que preparou, que escolheu. Todavia, depois de haver feito de sua consciência um antro tenebroso, um covil do mal, terá de transformá-lo em templo de luz. As faltas acumuladas farão nascer sofrimentos mais vivos; suceder-se-ão mais penosas, mais dolorosas as encarnações; o círculo de ferro apertar-se-á até que a alma, triturada pela engrenagem das causas e dos efeitos que houver criado, compreenderá a necessidade de reagir contra suas tendências, de vencer suas ruins paixões e de mudar de caminho. Desde esse momento, por pouco que o arrependimento a sensibilize, sentirá nascer em si forças, impulsões novas que a levarão para meios mais adequados à sua obra de reparação, de renovação, e passo a passo irá fazendo progressos. Raios e eflúvios penetrarão na alma arrependida e enternecida, aspirações desconhecidas, necessidades de ação útil e de dedicação hão de despertar nela. A lei de atração, que a impelia pa ra as últimas camadas sociais, reverterá em seu benefício e tornar-se-á o instrumento da sua regeneração.
Entretanto, não será sem custo que ela se levantará; a ascensão não prosseguirá sem dificuldades. As faltas e os erros cometidos repercutem como causas de obstrução nas vias futuras e o esforço terá de ser tanto mais enérgico e prolongado quanto mais pesadas forem as responsabilidades, quanto mais extenso tiver sido o período de resistência e obstinação no mal. Na escabrosa e íngreme subida, o passado dominará por muito
tempo o presente e o seu peso fará vergar mais de uma vez os ombros do caminhante; mas, do Alto, mãos piedosas estender-se- ão para ele e ajudá-lo-ão a transpor as passagens mais escarpadas. “Há mais alegria no Céu por um pecador que se arrepende do que por cem justos que perseveram.” O nosso futuro está em nossas mãos e as nossas facilidades para o bem aumentam na razão direta dos nossos esforços para o praticarmos".
Livro: O Problema do Ser, do Destino e da Dor.
Livre-Arbítrio e Providência.
Léon Denis.
Um dos problemas que mais preocuparam os filósofos e os teólogos é o do livre arbítrio: conciliar a vontade e a liberdade do homem com o fatalismo das leis naturais e com a vontade divina, parecia tanto mais difícil quanto um cego acaso parecia pesar, aos olhos de muitos, sobre o destino humano. O ensinamento dos espíritos esclareceu o problema: a fatalidade aparente que semeia de males o caminho da vida, não é mais que a conseqüência lógica do nosso passado, um efeito que se refere a uma causa, é o cumprimento do destino por nós mesmos aceito antes de renascer, e que nossos guias espirituais nos sugerem para nosso bem e nossa elevação.
Nas camadas inferiores da criação, o ser não tem ainda consciência; apenas a fatalidade do instinto o impele, e não é senão nos tipos superiores da animalidade que surgem, timidamente, os primeiros sintomas das faculdades humanas. A alma, jungida ao ciclo humano, desperta para a liberdade moral, o juízo e a consciência desenvolvem-se cada vez mais no curso de sua imensa parábola: colocada entre o bem e o mal, ela faz o confronto e escolhe livremente, tornada sábia pelas quedas e pela dor; e na prova, sua experiência forma-se e sua força mental se afirma.
A alma humana, livre e consciente, não pode mais recair na vida inferior: suas encarnações sucedem-se na dos mundos, até que, ao fim de seu longo trabalho, tenha conquistado a sabedoria, a ciência e o amor, cuja posse a emancipará para sempre das encarnações e da morte, abrindo-lhe a porta da vida celeste.
A alma alcança seus destinos, prepara suas alegrias ou dores, exercendo sua liberdade, porém, no curso de sua jornada, na prova amarga e na ardente luta das paixões, a ajuda superior não lhe será negada e, se ela mesma não a afasta, por parecer indigna dela, quando a vontade se afirma para retomar o caminho do bem, o bom caminho, a providência intervém e propicia-lhe ajuda e apoio, Providência é o espírito superior, o anjo que vigia na desventura, o Consolador invisível cujas inspirações aquecem o coração enregelado pelo desespero, cujos fluidos vivificadores fortalecem o peregrino cansado; providência é o farol aceso na noite para salvação daqueles que erram no oceano proceloso da existência; providência é, ainda e sobretudo, o amor divino que se derrama sobre suas criaturas. E quanta solicitude, quanta previdência neste amor. Não suspendeu os mundos no espaço, acendeu os sois, formou os continentes, os mares, para servir de teatro à alma, de campo aos seus progressos? Esta grande obra de criação cumpre-se somente para a alma, para ela combinam-se as forças naturais, os mundos deixam as nebulosas.
A alma é nascida para o bem, mas para que ela possa apreciá-lo na justa medida, para que possa conhecer-lhe todo o valor, deve conquistá-lo desenvolvendo livremente as próprias potencialidades: a liberdade de ação e a responsabilidade aumentam com sua elevação, pois quanto mais ela se ilumina mais pode e deve conformar a sua obra pessoal às leis que regem o universo.
A liberdade do ser é exercida, pois, em um círculo limitado, parte pelas exigências da lei natural que não sobre violações ou desordens neste mundo, parte pelo passado do próprio ser, cujas conseqüências se refletem sobre ele através dos tempos, até a completa reparação.
Assim o exercício da liberdade humana não pode obstar, em caso algum, a execução do plano divino, sem o que a ordem das coisas seria continuamente perturbada: acima de nossas vistas limitadas e variáveis, permanece e continua a ordem imutável do universo. Somos quase sempre maus juizes daquilo que é nosso verdadeiro bem; se a ordem natural das coisas devesse dobrar-se aos nossos desejos, que espantosas perturbações não resultariam disto?
A primeira coisa que o homem faria, se possuísse liberdade absoluta, seria afastar de si todas as causas de sofrimento, e assegurar para si uma vida plena de felicidade: ora, se existem males que a inteligência humana tem o dever e os meios de conjurar e destruir, como os que provêm do ambiente terrestre, outros existem que são inerentes à nossa natureza, como os vícios, que somente a dor e a repressão podem domar.
Neste caso a dor torna-se uma escola, ou antes, um remédio indispensável, pelo qual as provas são apenas uma repartição equânime da infalível justiça: é por ignorar os fins desejados por Deus, que nos tornamos rebeldes à ordem do mundo e às suas leis, e se elas são suscetíveis de nossas críticas, é apenas porque ignoramos o seu oculto poder.
O destino é conseqüência de nossos atos e de nossas livres resoluções: no suceder-se das existências, na vida espiritual, mais esclarecidos sobre nossas imperfeições e preocupações com os meios de eliminá-las, aceitamos a vida material sob a forma e nas condições que nos parecem adequadas a atingir esta finalidade. Os fenômenos do hipnotismo e da sugestão mental explicam-nos o que acontece em tais casos, sob a influência de nossos protetores espirituais; no estado de sonambulismo, a alma empenha-se a realizar uma certa ação em certo momento, por sugestão do magnetizador, e, despertada, sem recordar aparentemente a promessa, executa com exatidão o ato imposto. Assim o homem não conserva lembrança das resoluções que tomou antes de renascer, mas, chegada a hora, afronta os acontecimentos previstos, e participa deles na medida necessária ao seu progresso, ou ao cumprimento da lei inexorável.
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