terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O Livro da Vida.

Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia... — Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada, Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria Ao primeiro clarão da primeira alvorada. Perto dele caminha, em ruidoso tumulto, Todo o humano tropel num clamor ululando, Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto, Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando. Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos; E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,— A ler e a meditar postulados eternos, Sem um fanal que o seu espírito esclareça! Cada página abrange um estádio da Vida, Cujo eterno segredo e alcance transcendente Ele tenta arrancar da folha percorrida, Como de mina obscura a pedra refulgente. Mas o tempo caminha; os anos vão correndo; Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão... E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo! E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão. Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta: Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos, Nem o humano sofrer, que outras almas enluta, Nem a neve do Inverno a pratear-lhe os cabelos! Só depois de voltada a folha derradeira, Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado, É que o Sábio entreviu, como numa clareira, A luz que iluminou todo o caminho andado.. Juventude, manhãs de Abril, bocas floridas, Amor, vozes do Lar, estos do Sentimento, — Tudo viu num relance em imagens perdidas, Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento. Mas então, lamentando o seu estéril zelo, Quando viu, a essa luz que um instante brilhou, Como o Livro era bom, como era bom relê-lo, Sobre ele, para sempre, os seus olhos cerrou... António Feijó.

A Cidade do Sonho.

Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te O caminho que leva à Cidade do Sonho... De tão alta que está, vê-se de toda a parte, Mas o íngreme trajecto é florido e risonho. Vai por entre rosais, sinuoso e macio, Como o caminho chão duma aldeia ao luar, Todo branco a luzir numa noite de Estio, Sob o intenso clamor dos ralos a cantar. Se o teu ânimo sofre amarguras na vida, Deves empreender essa jornada louca; O Sonho é para nós a Terra Prometida: Em beijos o maná chove na nossa boca... Vistos dessa eminência, o mundo e as suas [sombras, Tingem-se no esplendor dum perpétuo arrebol; O mais estéril chão tapeta-se de alfombras, Não há nuvens no céu, nunca se põe o Sol. Nela mora encantada a Ventura perfeita Que no mundo jamais nos é dado sentir... E a um beijo só colhido em seus lábios de Eleita, A própria Dor começa a cantar e a sorrir! Que importa o despertar? Esse instante divino Como recordação indelével persiste; E neste amargo exílio, através do destino, Ventura sem pesar só na memória existe... António Feijó.

O Orgulho e a Vaidade.

O orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito, a vaidade, a consciência (certa ou errada) da evidência do nosso próprio mérito para os outros. Um homem pode ser orgulhoso sem ser vaidoso, pode ser ambas as coisas, vaidoso e orgulhoso, pode ser — pois tal é a natureza humana — vaidoso sem ser orgulhoso. É difícil à primeira vista compreender como podemos ter consciência da evidência do nosso mérito para os outros, sem a consciência do nosso próprio mérito. Se a natureza humana fosse racional, não haveria explicação alguma. Contudo, o homem vive a princípio uma vida exterior, e mais tarde uma interior; a noção de efeito precede, na evolução da mente, a noção de causa interior desse mesmo efeito. O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em acção. Fernando Pessoa.

Aprender a Ver.

Aprender a ver - habituar os olhos à calma, à paciência, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós; aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é já quase o que o modo afilosófico de falar denomina vontade forte: o essencial nisto é, precisamente, o poder não «querer», o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — tem que se reagir, seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que é já doença, decadência, sintoma de esgotamento, — quase tudo o que a rudeza afilosófica designa com o nome de «vício» é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. — Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espécie deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mão. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o facto pequeno, o estar sempre disposto a meter-se, a lançar-se de um salto para dentro de outros homens e outras coisas, em suma, a famosa «objectividade» moderna é mau gosto, é algo não-aristocrático par excellence. Friedrich Nietzsche.

A Sabedoria do Sofrimento.

O sofrimento não tem menos sabedoria do que o prazer: tal como este, faz parte em elevado grau das forças que conservam a espécie. Porque se fosse de outra maneira há muito que esta teria desaparecido; o facto de ela fazer mal não é um argumento contra ela, é muito simplesmente a sua essência. Ouço nela a ordem do capitão: «Amainem as velas». O intrépido navegador homem deve treinar-se a dispor as suas de mil maneiras; de outro modo, não tardaria a desaparecer, o oceano havia de o engolir depressa. É preciso que saibamos viver também reduzindo a nossa energia; logo que o sofrimento dá o seu sinal, é chegado o momento; prepara-se um grande perigo, uma tempestade, e faremos bem em oferecer a menor «superfície» possível. Há homens, contudo, que, quando se aproxima o grande sofrimento, ouvem a ordem contrária e nunca têm ar mais altivo, mais belicoso, mais feliz do que quando a borrasca chega, que digo eu! E a própria tempestade que lhes dá os seus mais altos momentos! São os homens heróicos, os grandes «pescadores da dor», esses raros, esses excepcionais de que é necessário fazer a mesma apologia que se faz para a própria dor! Não lha podemos recusar! São conservadores da espécie, estimulantes de primeira qualidade, quando mais não seja porque resistem ao bem-estar e não escondem o seu desprezo por essa espécie de felicidade.Friedrich Nietzsche.

Não há Vida Boa sem Autodomínio.

O homem faz-se ou desfaz-se a si mesmo. O homem controla as suas paixões, as suas emoções, o seu futuro. Consegue-o canalizando os seus impulsos físicos para conseguir realizações espirituais. Qualquer animal pode esbanjar a sua força realizando os impulsos físicos sempre que os sente. Compete ao homem canalizá-los para fins mais produtivos que a satisfação dos impulsos. Ninguém se tornou ilustre por fazer o que lhe apetecia. Os homens insignificantes fazem o que querem - e tornam-se nuns Zés-Ninguém. Os grandes submetem-se às leis que regem o sector em que são grandes. O autodomínio é sempre recompensado com uma força que dá uma alegria interior inexprimível e silenciosa que se torna no tom dominante da vida. O autodomínio é a qualidade que distingue os mais aptos para sobreviverem. O mais importante atributo do homem como ser moral é a faculdade de autodomínio escreveu Herbert Spencer. Nunca houve, nem pode haver, uma vida boa sem autodomínio; sem ele a vida é inconcebível. A vitória mais importante e mais nobre do homem é a conquista de si mesmo. Alfred Montapert.