contos sol e lua

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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Os Cegos

Constantino I, Imperador de Roma, abraçou o cristianismo no ano 312. E logo no ano seguinte, estando em Milão, declarou o cristianismo religião oficial em todo o Império Romano. A partir do ano 313, os cristãos perderam aquela pureza que tanto os tinha notabilizado. E de vítimas converteram-se em algozes daqueles que até havia pouco os perseguiam. Assim perderam aquela força espiritual que tanto os elevara. Destruíram as religiões antigas, matando os seus chefes. Destruíram os seus ídolos e apossaram-se dos templos, onde passaram a oficiar. Mas... surgiu uma dificuldade: os povos, habituados, a conduzirem a sua fé com o auxílio de imagens dos deuses, sentiam agora um vácuo, pois os cristãos eram contrários ao culto das imagens! Isto causava-lhes dificuldades. E, então, os cristãos voltaram ao culto idólatra, mas, em vez dos deuses pagãos, levaram para o altar imagens de mártires cristãos ou de pessoas que no cristianismo se distinguiram pela sua virtude e santidade, ou mesmo por feitos em favor dos cristãos. Santa Luzia. Assim, Santa Luzia surge nos altares em substituição duma antiquíssima deusa a quem os pagãos pediam a defesa da sua vista. E esta deusa, que teve o seu culto em vários países com diferentes nomes, não era mais do que o Logos planetário de Vénus, o planeta que vemos brilhar no Céu em duas épocas do ano, como estrela matutina e como estrela vespertina. Quando Vénus era estrela da manhã, os antigos chamavam-lhe Lúcifer, palavra que significa "o que traz ou faz luz". Só depois do poeta Milton haver dado publicidade aos seus trabalhos, é que Lúcifer passou a ter o significado de "diabo". Um dos primeiros papas da Igreja Católica Romana intitulava-se "Lúcifer". E no quarto século da nossa era, existia uma seita cristã intitulada "Luciferianos". "Lúcifer" é uma palavra derivada de outra, latina, lucifer, que significa "o portador de luz", "o que ilumina". Equivale exactamente à palavra grega phosfóros. Também no livro de Job se chama ao planeta Vénus, ou estrela matutina, "Filho de Deus". Santa Luzia é, para os católicos Romanos, protectora da vista. E, por esse facto, a 13 de Dezembro de cada ano, celebram festas em sua honra. Em Portugal foi consagrado o dia de Santa Luzia à recolha de óbulos para fomentar a protecção aos cegos, sem os humilhar. O que se pretende não é exercer caridade amesquinhando, mas a solidariedade edificante, pois o que se procura é criar estabelecimentos que valorizem os cegos e os convertam em elementos úteis à sociedade em que vivem, para os dignificar e libertar das condições duras que actualmente suportam. De facto, os cegos podem ser preparados para vários serviços, o que lhes dará meios de subsistência e alegria, ganhando com isso a sociedade, por recuperar alguns cooperadores e por se libertar duma verdadeira legião de inválidos, de condenados a uma vida duplamente infeliz, por falta de vista e por não ganharem dignamente o seu pão de cada dia. A vida, que tem sempre espinhos para todos, é ainda mais dura para os deserdados da sorte. Mas para os cegos, só porque não podem ver, é particularmente espinhosa. A Origem da Cegueira. O que estará na origem da cegueira? Não se nasce cego, rico, pobre, são, enfermo, perfeito, defeituoso, escravo ou livre, para mandar e dirigir ou para ser mando e dirigido, por acaso, como aquelas ervas daninhas que ninguém semeia e nascem sozinhas. Nasce-se cego por alguma razão. Ao longo de vidas passadas, comportamo-nos por forma que temos de renascer tantas vezes quantas forem necessárias para mudar a natureza do mal que fizémos, no bem que temos de aprender a praticar amorosamente. Por isso mesmo, o Destino é que nos compele a renascer nas condições que temos. E isso para que tenhamos o ensejo de emendar os nossos erros e nos tornarmos cada vez mais perfeitos. O que é o Destino? E o que é o Destino? É o efeito da soma de tudo quanto fizémos em vidas passadas, de bom e de mau. É uma espécie de conta-corrente do passado, para orientação do porvir. Tudo quanto fazemos numa vida ficará esperando por nós, na vida ou vidas seguintes. O que semeámos no passado dará os seus frutos no futuro! Não estamos neste mundo para gozar, como todos sinceramente desejamos. Estamos aqui para evolucionar, para nos aperfeiçoarmos, para ascendermos a condições mais dignas, a estados superiores ao presente. E esta ascese consome a vida, custa muito sofrimento. Realiza-se vagarosamente, sendo necessário nascer e morrer muitas vezes antes de atingirmos a perfeição que nos libertará das condições terrenas, sempre mesquinhas e vis. O que somos numa vida prepara o programa da seguinte. E por esta razão o povo diz uma grande verdade quando afirma: "Elas cá se fazem e cá se pagam". Os ricos que não souberem usar bem a fortuna, aproveitando-a para seu proveito exclusivo, para seu regalo apenas, indiferentes a todas as penas e dificuldades que sofrem os seus semelhantes, serão os pobres do amanhã, da vida seguinte! Eles serão, na sua próxima volta ao mundo, os mendigos e os sem trabalho, os infelizes que sempre lutarão com falta de meios de subsistência, para que saibam buscar o equilíbrio em tudo, se façam justos, aprendam a sublime lição do amor que deve unir todos os seres, porque a finalidade das nossas vidas é a busca da perfeição. E esta não existirá enquanto olharmos uns para os outros com orgulho, vaidade, egoísmo, inteiramente fechados em nós e nos do nosso próprio sangue. Quantas vezes surpreendemos nos mendigos uns resquícios de orgulho que não podem ter outra origem senão a vida passada? Conservam uma vaga e imprecisa memória do que foram e não se conformam inteiramente com o destino. Por isso não levam resignadamente a sua cruz. E desta maneira o seu penar torna-se mais agudo, o horizonte faz-se cada vez mais escuso, até que o pobre aprenda a sua dura lição. Os que nascem enfermos ou aleijados são os que, em vidas passadas, abusaram da sua saúde, vitalidade, assim como também da dos seus semelhantes, para sustentarem vícios, ou para darem largas aos seus instintos cruéis, sem piedade nem consideração. Os cegos... esses usaram mal a vista, e por esse facto agora estão privados dela. O Rei David. Vejamos um caso da história, que todos conhecem. O rei David, numa tarde quente de Verão, após a sesta, estava no terraço do seu palácio. Viu uma linda mulher, descuidada, a tomar banho em sua casa. Os seus olhos não foram suficientemente castos. A sua alma, em vez de resistir aos ardores terrenos da carne, lançou-se na fogueira da sensualidade. E as chamas subiram tão alto que o famoso rei mandou apresentar essa mulher diante de si. Vendo-a tão formosa, não se lembrou que dentro dela havia um ser divino que nasceu para ser dignificado. E, em vez de se comportar dignamente diante dela, submeteu-a ao seu desmedido desejo libidinoso. Esta mulher era casada, e o seu marido andava numa guerra que o próprio rei David mantinha. Betsabé, esposa de Urias, fez saber ao rei, um dia, que se preparava para lhe dar descendência. David ficou inquieto e tratou de buscar os meios de encobrir o seu delito. Escreveu a Joab, comandante da campanha, e ordenou-lhe que mandasse Urias à sua presença. Depois, disfarçadamente, mandou-o para sua casa, para que estivesse algum tempo com sua mulher e mais tarde se julgasse autor do fruto adulterino. A ordem real foi prontamente cumprida. Urias apresentou-se diante do seu monarca e foi por ele interrogado a respeito de operações guerreiras. Seguidamente foi-lhe ordenado por David: "Desce a tua casa e lava os teus pés". Urias retirou-se e o rei mandou atrás dele um manjar, para que, depois de comer e beber, ficassem embotados os seus sentidos e pudesse cair inconscientemente na armadilha. Mas Urias, em vez de ir para sua casa juntar-se a Betsabé, deixou-se ficar à porta do palácio do rei. E dali não quis sair. A notícia deste facto alarmou novamente o monarca, que mandou ir a sua presença o ultrajado marido. Interpelou-o deste modo: – Não vens tu duma jornada? Porque não desceste a tua casa? Urias, solenemente, respondeu: – A Arca, Israel e Judá ficam em tendas; Joab, meu senhor, e os servos do meu senhor estão acampados no campo; e hei-de eu entrar na minha casa, para comer e beber, e para me deitar com a minha mulher? Pela tua vida, e pela tua alma, não farei tal coisa. O rei sentia-se descoberto! O seu ardil falhara inteiramente. E agora? O adulterino monarca, rebuscando um novo plano, ensaiou outro processo: convidar Urias para tomar com ele uma refeição e embriagá-lo, mandando-o depois para sua casa, a fim de se consumar o objectivo. "E David o convidou, e comeu e bebeu diante dele, e o embebedou: e à tarde saiu a deitar-se na sua cama como os servos do seu senhor; porém, não desceu a sua casa". Mais uma vez caíram os ardis do rei. E outro foi buscado, mais realista e cruel: "E sucedeu que, pela manhã, David escreveu uma carta a Joab: e mandou-lha pela mão de Urias". Nesta carta, o monarca ordenou o seu último plano: "Coloca Urias na frente da maior força da peleja; e retirai-vos de trás dele, para que seja ferido e morra". Desta vez não falhou o plano traiçoeiro; "... tendo Joab observado bem a cidade, pôs Urias no lugar onde sabia estarem homens valentes. E, saindo os homens da cidade, e pelejando com Joab, caíram alguns do povo, e dos servos de David. Urias também morreu".1 Por causa duma teia de aranha, que mal se tocou e logo se desfez, maculou-se toda a pureza duma alma, destruindo-se totalmente um ideal. Foram ceifadas muitas vidas humanas. E tudo se fez com a maior facilidade, por abundar o poder e faltar a fiscalização. Betsabé na Corte de David. Quanto sofrimento desencadeado em tão curto espaço de tempo! E que proveito recebeu o famoso rei David do seu tresloucado acto? Toda esta criminosa situação foi devida à excelente vista do monarca! Se não tivesse visto, não teria pecado. E aquelas vidas teriam sido poupadas. O rei não teria criado tão grande responsabilidade. Será digno nascer com vista, quem dela fez tão mau uso? Passado o tempo de luto, David levou para o seu palácio a viúva de Urias. E fez dela sua mulher. O filho adulterino não viveu por muito tempo, e o rei sofreu muito com a sua perda. Depois, Betsabé deu a David o seu sucessor, o glorioso rei Salomão. Mas o monarca, depois que viu Betsabé, nunca mais pôde ter descanso na vida. Os desgostos sucederam-se ininterruptamente. E com eles foram tão abundantes as lágrimas vertidas, que ao fim da sua existência estava quase cego. Desta maneira, o monarca tinha iniciado o esgotamento das suas gravíssimas culpas, de que tinha a mais viva e profunda consciência, como se depreende dos salmos que escreveu. Por ter dado largas ao instinto sexual, David lançou-se no cadinho ardente para sofrer depois as consequências dos seus actos e aprender as lições que nele se encerram. Devemos ser prudentes no uso da vista, nunca a usando para fins delituosos, se queremos possuir, ao regressar a este mundo, boa visão. Quem Mal Anda... Qual será a pena que merece aquele que seduz, colhe a flor inocente e pura, e depois de apreciar a sua beleza e perfume a lança indiferentemente na fama dos mais duros e escabrosos caminhos? Como resgatará as suas culpas? Não sorverá depois, na próxima vida, gota a gota, todo o fel que derramou? Ah! Decerto que sim. Pagará sofrendo na mesma medida, para que aconteça o que diz o povo: "é para saber o gosto que o fado tem"! O fado é o Destino, o registo de tudo o que semeámos, bom e mau, em vidas passadas. "Quem mal anda, mal acaba"!, diz ainda uma voz popular. E na voz do povo, que se diz ser a voz de Deus, há muita sabedoria profunda, embora inconsciente. "Quem com ferros mata, com ferros morre", diz outro antigo e sábio prolóquio, que Jesus recordou a Pedro no momento em que o pescador feriu com espada o soldado que prendia o Messias. E, de facto, neste mundo de expiação, tudo se paga. Só nos isentamos das penas ajudando os que sofrem a suportar as suas punições. Ajudemos por todos os meios aqueles que sofrem, não recebendo pelo que fizermos a menor paga. Ajudemos entusiasticamente e por amor, porque na medida em que ajudarmos os que sofrem, aliviaremos o peso do nosso próprio Destino. Façamos, portanto, todo o bem que pudermos. E sempre sem olhar a quem o fazemos. E se tivermos oportunidade para isso, façamo-lo mesmo aos que nos aborrecem ou nos causam algum mal, porque desta maneira estaremos a vencer o nosso próprio Destino. Francisco Marques Rodrigues.

Mestres Individuais.

Um dos problemas mais difíceis que tem de enfrentar o instrutor de um movimento espiritual é a impaciência dos estudantes que desejam colher o que não semearam, que são incapazes de esperar pela colheita. Estudantes esses que desejam resultados imediatos e, se não lhes nascem asas em determinado prazo, fixado por eles mesmo, elevam o grito ao céu e buscam um "mestre individual", estando dispostos a atirar o senso comum pela janela fora, caso o mesmo garanta resultados. Já tratámos deste assunto noutra ocasião, mas como há sempre quem se esqueça e, além deles, há os novos estudantes que diariamente chegam à Fraternidade, é necessário que assuntos de tão grande importância sejam regularmente apreciados. Já alguém viu alguma vez, em qualquer instituição de ensino, desde o jardim de infância à universidade, um professor para cada estudante? Nós, não. Nenhum conselho directivo sancionaria semelhante desperdício de energia. Nem tão-pouco se recomendaria um só professor para determinados alunos, só pelo facto de eles serem impacientes ou quisessem passar pelos diversos anos académicos "rapidamente". E, finalmente, se houvesse alguma excepção que aconselhasse tal anormalidade, seriam precisos professores que tivessem a capacidade de transmitir os conhecimentos aos seus alunos de uma forma maciça, método que teria, naturalmente, grandes perigos. Se isto é verdade para o ensino académico oficial, por que razão pode haver diferença para as escolas da ciência espiritual? Disse o Cristo: "Se eu lhes falei de coisas terrenas, não me acreditaram, como me acreditariam se lhes tivesse falado de coisas espirituais?". A razão disto, amigos, é que nenhum "mestre individual", mesmo no caso de existirem, poderia iniciar alguém nos mistérios da alma, se o discípulo não preparar, primeiro, o seu trabalho. E quem quer que diga, ou que publique, que garante a iniciação de alguém, define-se e cataloga-se, a si mesmo, como impostor. Além disso, quem se deixar enganar mostra, também, muito pouco discernimento. De outro modo compreenderia que nenhum mestre aceitaria usar o seu tempo e energia, egoisticamente com um só aluno, quando poderia usá-lo com a mesma facilidade, para instruir muitos outros. Acrescentemos, por último, que jamais os Irmãos Maiores assistiriam a alguém com carácter de "mestres individuais". Quem assim o julgar cai num tremendo engano, ou em deliberada desonestidade. Max Heindel

Solidariedade e Cooperação.

A vida do homem é um contínuo anseio: ou procura bens materiais ou busca ilusões. Se levado a certos limites, estimula o estudo e o trabalho fecundo. Para além de determinada meta, leva à prática da violência, à selecção brutal dos indivíduos ou dos grupos e à desumanização da vida social e internacional. Nos círculos cultos e esclarecidos, este espírito de conquista evolui pacificamente. Desenvolve-se no sentido de obtenção da virtude, do saber, do carácter, da perfeição. O sábio, o erudito e o investigador, que se consagram ao estudo dos problemas que os preocupam, levam a cabo um esforço benéfico voltado para a conquista positiva, procurando adquirir conhecimentos, alcançar ideias, verdades, certezas ou conceber técnicas. Porém, uma educação orientada no sentido da competição do egoísmo e da violência, associada ao refinamento dos mecanismos de embrutecimento, levam a que a espécie humana organizada em “sociedades” se comporte no planeta Terra como espécie predadora, aniquilando recursos, alterando equilíbrios e até invertendo evoluções. Apoiadas em valores quantitativistas, estas sociedades modificam a qualidade de vida e a própria mentalidade social. Passam a ser dominadas por uma febre incontrolável de conquista desaustinada de bens materiais ou de riquezas. E é assim que, apesar de se falar muito em solidariedade e cooperação, todos se lançam, consoante os temperamentos, à conquista de certos objectivos tidos como valiosos e sinais de êxito pela mentalidade social contemporânea: a celebridade, a glória, a luxúria, o luxo, a ociosidade. O mais vulgar e mediático é a celebridade. Geralmente, nem se toma sequer a consciência de que a celebridade desprovida de conteúdo é um êxito vazio. O dinheiro e as propriedades, encarados com um fim em si mesmo, é outra expressão do referido êxito. Mas a expressão mais elevada do dito êxito é o Poder, considerado este como a capacidade, real ou virtual, de tomar e fazer cumprir decisões que afectam a vida própria e as alheias. É aqui que se identifica muitas vezes a distância desproporcionada que separa o demérito de algumas pessoas do estatuto social em que vivem. Uma inevitável preocupação surge à luz quanto se pensa em tudo o que ficou dito e perguntamos a nós próprios: que pecados originais contaminam o homem e as variadíssimas formas sociais, atraindo-os para esses falsos êxitos, o orgulho e a malevolência? Aqui, as opiniões dividem-se. Todas as grandes religiões preconizam o domínio da “carne”. E aconselham a vencer, pelo espírito, a exteriorização dos seus apetites. A condição animal do homem seria então o obstáculo impeditivo da integração na harmonia cósmica, a conseguir através do espírito universal, dos valores da renúncia, da purificação e da ascese. Mas admitem outros que, pelo contrário, a adulteração da humanidade se fica a dever aos elementos corruptos da vida social. É a explicação dos mitos bíblicos. Adão e Eva foram corrompidos pela serpente – o símbolo do conhecimento. E até alguns filósofos – como Rousseau – defendem a existência do “bom selvagem”. É certo que a vida social pressupõe a realização de esforços próprios por parte de cada um. São legítimos e enobrecedores. Mas tais esforços devem ser convergentes e não antagónicos. O que se passa é que o mundo, embora nos pareça grande, é suficientemente pequeno para inter-relacionar todos os nossos interesses. Convém, pois, harmonizá-los, em vez de pô-los em conflito. Os produtores precisam dos consumidores; os trabalhadores manuais precisam dos trabalhadores intelectuais. Os homens grosseiros beneficiam com a delicadeza das almas sensíveis. Os ociosos lucram com o esforço e o exemplo dos homens activos, e por aí adiante. Sendo hoje altamente gregária, a humanidade vê a sua equação de sobrevivência posta também em termos da compreensão de que a vida social só pode existir com base na cooperação e na solidariedade. A partir de certos limites, a luta tem como consequência a impossibilidade de se desenvolver um trabalho fecundo e contínuo, atiçando ódios e suprimindo garantias necessárias a qualquer actividade eficaz e produtiva. A fraqueza e insuficiência de cada indivíduo devem ser fortalecidas pela fraqueza e insuficiência dos seus semelhantes. Todos precisamos uns dos outros. E com as nações dá-se o mesmo que com os indivíduos membros da sociedade. Alguma coisa deve ser cedida para garantir o todo. Neste ponto de vista, ganhamos pelo que damos. Procurar justificar logicamente toda a ordem de desgraças que os homens têm derramado sobre si próprios na ânsia de atingir os falsos êxitos tem sido uma constante no processo que antecede o acender dos conflitos e o posterior varrer das cinzas resultantes do fogo da violência. Poderá ir-se iludindo o assunto com a procura das causas em factos importantes e espectaculares, em vez de os identificar naqueles actos individuais “infinitamente pequenos”, que o simples exame retrospectivo, ou “exame de consciência”, ajuda a dominar e a disciplinar. Uma sociedade onde esta reflexão não esteja enraizada nos hábitos pessoais não pode ter condições de desenvolvimento. E, portanto, não elabora mundivisões originais e adequadas à experiência do dia-a-dia e do progresso sofrendo assim uma carência que nada pode colmatar. Essa sociedade fica entregue à confusão, correndo o risco de não identificar o essencial e de sacrificá-lo ao acidental. E quando o essencial e o acidental se encontrem confundidos, a anarquia de valores e ideias torna-se inevitável, depressa surgindo equívocos e fracassos que parasitariamente minam o edifício social. É no seio dos mecanismos de intervenção destas sociedades em que vivemos que a filosofia rosacruz desempenha o seu papel. A sua missão decisiva, neste campo, é a de ajudar a compreender que o ser humano é um universo em miniatura e que tem dentro de si as mais estranhas forças, às vezes difíceis de interpretar. E, também, ajudar a conhecê-las dentro do possível, e também dentro do possível dominá-las, para que o ser humano não se torne num motivo de crítica e numa fonte viva de desordem. F. M. C.