sexta-feira, 6 de março de 2020

William Shakespeare.A Bíblia Laica .

SHAKESPEARE - A BÍBLIA LAICA Os trabalhos de Shakespeare e a Bíblia são tesouros estreitamente relacionados com a vida cultural e espiritual dos povos ocidentais. Ambos são proeminentes entre as forças que construíram os melhores e mais duradouros traços de nossa presente civilização. Incorporando todos os melhores princípios fundamentais existentes no âmago da vida, eles têm sido tecidos em nosso pensamento e aspiração. Inúmeras expressões que foram dadas àqueles princípios em arte e literatura têm sido diretamente inspirados pelas Escrituras Sagradas, por um lado, e pela Bíblia Laica de Shakespeare, por outro. Parece haver ampla justificativa para olhar Shakespeare como a Bíblia Laica quando se leva em consideração suas muitas correspondências, dentro e fora, com as da Bíblia Sagrada. Ambas são “bestsellers”. Ambas possuem uma coleção de Livros, as Sagradas Escrituras tendo sessenta e seis e Shakespeare, trinta e sete. Ambas têm textos apócrifos. Ambas suscitaram inumeráveis comentários. Livrarias especiais têm-se dedicado ao seu estudo. Em dicionários de citações, a Bíblia e Shakespeare lideram todas as outras obras. No volume de citações do Bartlett, o Novo Testamento e o Velho Testamento combinados tomam trinta e seis páginas, enquanto que Shakespeare requer não menos que cento e vinte e duas. Citações destas obras primas dotaram os autores com incontáveis títulos para livros e artigos. Uma simples expressão de um solilóquio de Macbeth - “amanhã – e amanhã” - serviu de título para onze livros. Muitas expressões bíblicas e citações foram inseridas em textos de Shakespeare. De acordo com um levantamento sobre este assunto, Shakespeare citou não menos que quarenta e dois livros da Bíblia e dos Textos Apócrifos. Shakespeare e a Bíblia são inesgotáveis fontes de inspiração. Cada época descobre neles o que mais necessita. Daí, o fluxo de material explicativo desde sua primeira aparição. A reinterpretação se torna necessária quando as condições mudam, quando o conhecimento se amplia e a experiência se aprofunda. Mas, apesar das mudanças, a Bíblia e Shakespeare continuam vivos. Em todas as épocas, as eternas verdades permanecem e em nenhum lugar podem ser encontradas em plenitude, beleza e sublimidade com que encontramos tanto na Bíblia como em Shakespeare. Excluindo as Escrituras, as peças de Shakespeare constituem o maior estudo do homem. “Depois de Deus”, escreve Alexandre Pushkin, o maior poeta da Rússia, “Shakespeare é o maior criador dos seres vivos. Ele criou uma humanidade inteira”. 3Estas peças lidam com a natureza externa e interna do homem; com os mundos visível e invisível. Os dois lados da vida, o material e o espiritual, são tratados com igual certeza e consistência. Os elementos sobrenaturais nos dramas não são invenções incidentais introduzidas com o propósito de efeitos teatrais. São fundamentais ao tema. Qualquer um que possua as chaves para a sua significação mais profunda compreende uma riqueza de sabedoria. Ninguém com conhecimento das doutrinas esotéricas pode ter qualquer dúvida quanto à familiaridade de Shakespeare com a sabedoria dos Iluminados. Estudos ocultos de magia, negra e branca, recebem um tratamento esclarecedor em “Ricardo III” e na “Tempestade”, respectivamente. Os significados espirituais dos Solstícios de Inverno e de Verão são desdobrados em “Conto de Inverno” e “Sonho de uma Noite de Verão”. Sob o véu da fantasia, o último é a transição virtual do ritual do casamento místico como encenado nos Mistérios Eleusianos, nos quais o local do drama é uma floresta perto de Atenas. Os “Sonetos” traduzem as doutrinas Herméticas em poesia, enquanto as tragédias como “Hamlet” e “MacBeth” trazem os seres e as forças do mundo espiritual impenetrável para a visibilidade. Cada um dos dramas trata de alguma lei oculta ou princípio espiritual. Isto constitui seu tema esotérico. Tudo que encontra expressão no desdobrável roteiro, surge inevitavelmente de acordo com a natureza desta idéia arquetípica central. Considerando-se as características internas comuns a Shakespeare e à Bíblia, observa-se que toda a literatura pode ser dividida em duas classes – sagrada e secular. Acredita-se que a literatura sagrada provenha de uma fonte de inspiração mais alta que a secular. Acredita-se que a sabedoria divina tenha encontrado expressão nas bíblias do mundo numa maneira mais direta e imediata do que qualquer outra literatura. Em outras palavras, é uma parte da crença religiosa de todos os povos que, nas sagradas escrituras, Deus estabelece uma comunicação direta com o homem, revelando-se a Si Mesmo de um modo especial e comunicando, àqueles desejosos de recebê-los, mistérios pertinentes à vida espiritual interna e modos e maneiras pelas quais o homem progressivamente desdobra sua divindade latente. Com este conceito geral, o esoterista concorda plenamente. Há, no entanto, quem afirme que a distinção geralmente feita entre literatura sagrada e secular é puramente arbitrária e que, enquanto a classificação serve para um propósito útil, existe uma linha firme de demarcação como muitas pessoas acreditam. Aqueles que mantêm este ponto de vista acreditam que a única diferença entre as duas classes é sutil, uma fundindo-se imperceptivelmente dentro da outra. Sustentando esta posição, eles sinalizam que elementos humanos certamente se introduziram nas escrituras sagradas e que as verdades sagradas recebem frequentemente expressão superlativa na literatura secular. Neste ponto, Swedenborg argumenta dizendo que, enquanto é verdade que a diferença é tênue, há um grau discreto. Isto quer dizer que há um ponto na escala ascendente de valores no qual um novo fator entra e um novo princípio se torna operante, e que resulta em trazer algo novo. Por exemplo, toda vida é una, mas nem tudo o que vive é humano. Há vida na planta e no animal. Mas, quando uma planta adquire a faculdade de sentir dor e prazer e se torna capaz de locomover-se, ela se torna animal; e quando um animal adquire as faculdades racionais da mente, ele se torna humano. Graus discretos marcam a distinção entre reinos da vida e da natureza. Aplicando isto à literatura, Swedenborg observou que um grau discreto divide a literatura sacra da secular. A literatura sacra é, em princípio, puramente religiosa. Mas nem todos os trabalhos religiosos são escrituras sacras. Para serem assim qualificadas, eles têm que lidar com assuntos espirituais e também possuir um certo conteúdo interno. Isto é, escondido debaixo da forma externa e envolto em história e biografia, é necessário haver na fábula e na parábola uma estrutura espiritual, um conteúdo esotérico, claramente perceptível àqueles que desenvolveram em si o conhecimento espiritual necessário, mas irreconhecível por aqueles que não vêem “mais do que seus olhos podem ver”. Escrituras sagradas, além disso, são registros da vida, trabalho e/ou ensinamentos de grandes Salvadores do mundo. Consequentemente, elas lidam exclusivamente com os mistérios espirituais mais profundos que o homem consegue alcançar. Resumindo, podemos dizer que a literatura que lida com a vida espiritual e é construída em torno de Mestre e Salvadores do mundo, e, além disso, se revestem de uma estrutura baseada nos mistérios, torna-se, em virtude destes vários atributos e elementos, escrituras sagradas. Todas as outras literaturas têm menor classificação. Voltando à análise da literatura não sagrada, encontraremos, por sua vez, que ela se divide em duas. Na primeira, temos a literatura que é possuidora de um sentido “interno”; na segunda, o “externo” somente. A primeira, como as escrituras sagradas, está fundamentada nos Mistérios e contém, na sua forma externa, um véu de Sabedoria Arcana claramente organizada, enquanto que na outra classe tal esoterismo não está presente. Para o esoterista, portanto, tal distinção que fizemos não é aceita como sendo válida pela simples razão que a existência à qual chamamos de Gnose Divina ou Doutrina Secreta é completamente irreconhecível. Há trabalhos sobre assuntos espirituais, experiência religiosa e mesmo sobre os Mistérios que não possuem este sentido interno. Eles podem ser trabalhos altamente inspirados, contudo somente simplesmente estruturados. Por outro lado, temos trabalhos como os dramas de Shakespeare que o mundo não reconhece como literatura “espiritual”, mas que, em virtude de sua dupla estrutura, cultuam um compêndio de Sabedoria Iniciática só comparável a das sagradas escrituras. Daí, a Bíblia Laica. A verdadeira autoria dos trabalhos que levam o nome de Shakespeare pode ser percebida atrás do véu que esconde os Guardiães dos Mistérios. Lá, podem ser encontrados os Iluminados da raça, os custódios da Sabedoria Sem Idade, donos da verdade que liberta o homem. Lá, irreconhecíveis e desconhecidos para a maioria da humanidade, está aquele grupo de exaltados Seres, a quem chamamos de Irmãos Maiores, que realizam no mundo, de tempos em tempos, através de adequados e qualificados instrumentos humanos, revelações muito necessárias para seu desenvolvimento. É neles que devemos procurar o altíssimo impulso criativo que se manifestou na Europa como Renascença e encontrou sua primeira expressão inglesa nas brilhantes luzes literárias da Era Elizabetana - o maior deles foi Shakespeare. Então, Shakespeare transforma-se num elo da cadeia de mediadores inspirados através dos quais a raça humana adquire posse de um conhecimento sempre crescente dos divinos Mistérios. As obras de Shakespeare, assim como os dramas musicais de Wagner, o Fausto de Goethe, a Divina Comédia de Dante e muitos outros livros de igual valor, são designados esotéricos, embora de leitura exotérica. Eles são comunicações diretas dos centros planetários da Divina Sabedoria. No caso de Shakespeare, a fonte foi a Escola Rosa Cruz da Sabedoria Ocidental. Para o esoterista, nenhuma outra evidência disto é necessária senão os trabalhos mesmos. Mas, sinais específicos, ocultamente transmitidos, estão também presentes nos dramas. Em “Love´s Labour´s Lost” (Trabalhos de Amores Perdidos), uma cena completa é dedicada à revelação da conexão Rosacruz, mas está tão engenhosamente envolvida na brincadeira das palavras que só possuindo a chave para o seu significado velado se poderá ler corretamente. A cena se fecha com um comentário dirigido ao “Goodman Dull”, representante da multidão que nada percebe e que durante toda a cena não falou uma só palavra. “Não”, vem sua resposta, “ nem entendi nada”. Shakespeare foi chamado de “A Máscara Rosacruciana”. Max Heindel é a autoridade para a citação de que as obras que trazem o nome de Shakespeare e aquelas que trazem o nome de Bacon foram influenciadas pelo mesmo Iniciado Rosacruz. Outros escritores ocultistas apontam para uma conclusão similar. Na classe de literatura que aqui descrevemos, os dramas de Shakespeare se mantêm supremos. Não são trabalhos religiosas. Não são cristãos, nem budistas ou escrituras hindus. Eles são o que chamamos de dramas seculares ou peças mundiais, se preferir, mas tão transcendentes em sua beleza e tão luminosos em seu conteúdo interno que têm cativado milhões de espectadores durante suas apresentações ininterruptas nos palcos do mundo desde sua primeira aparição há centenas de anos atrás. As pessoas vêem e lêem as peças por prazer e lazer. Fazendo isso, elas se expõem a uma mágica que, por sua natureza, trabalha no seu interior despertando modelos básicos do bem, da verdade e da beleza, impregnando com impulsos que elevam no caminho em direção a Deus. A influência mágica que esses trabalhos exercem deriva daquele elemento que fluiu para dentro deles vindo de níveis super-humanos. Estes elementos são puramente espirituais. É a sua presença nos dramas que verdadeiramente faz das peças de Shakespeare a Bíblia Laica da humanidade.