quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Raízes Wiccanas.
Não podemos analisar os Mistérios Wiccanos sem nos referirmos aos celtas e aos druidas das Ilhas Britânicas. As antigas regiões da Irlanda, da Bretanha, da Escócia e do País de Gales evocam imagens de reinos místicos e segredos ocultos, pois é ali que podem ser encontrados os mistérios do Caldeirão de Cerridwen e dos ensinamentos das transformação ocultos na história de Taliesin. Ali também encontramos os míticos Tuatha de Danann e muitas lendas esplendorosas de heróis míticos como Hu Gadarn e Cuhulainn. É em tais lendas que podemos encontrar e desvendar os princípios dos Ensinamentos Misteriosos.
Entretanto, as mais antigas Tradições de Mistérios européias conhecidas (exceção feita aos temas alegóricos de Atlântida e Lemúria) originam-se, na verdade, das antigas regiões da Mesopotâmia, Egito, Grécia e Itália, ou de regiões próximas. No mais das vezes, essas culturas antecedem a tradição celta em cerca de mil anos ou mais. Nas terras célticas, os druidas também transmitiam uma Tradição de Mistérios – uma mescla de crenças locais e influências externas. Muitos estudiosos atualmente crêem que o culto dos druidas teria sido um resquício de um antigo clero indo-europeu. A Tradição de Mistérios dentro da religião Wiccana teve origem na cultura neolítica da Grande Deusa da Antiga Europa, e não diretamente das influências indo-européias sobre a religião celta de modo geral.
Em seu livro The Goddesses and Gods of Old Europe (University of California Press, 1982), a professora Marija Gimbutas descreve a Antiga Europa como a região que compreende a Itália e a Grécia, estendendo-se ainda pela Checoslováquia, o sul da Polônia e o oeste da Ucrânia. Gimbutas afirma que nessa área, entre 7000 e 3500 a.C., teve origem o antigo culto matrifocal da Grande Deusa e seu consorte, o Deus Cornífero. Ela se refere ao povo dessa região antiga como pertencendo a uma cultura pré-indo-européia: matrilinear, agrícola, pacífica e sedentária.
Gimbutas prossegue descrevendo a Antiga Europa e seus aspectos singulares como cultura neolítica. Em um de seus capítulos, ela descreve:
Entre 7000 e 3500 a.C., os habitantes dessa região desenvolveram uma organização social muito mais complexa do que seus vizinhos ocidentais e do norte, formando comunidades que comumente se agrupavam em cidadelas, inevitavelmente levando à especialização do trabalho e à criação de instituições religiosas e governamentais. Eles descobriram por si sós a possibilidade de utilizar cobre e ouro na confecção de ornamentos e ferramentas, e aparentemente desenvolveram uma escrita rudimentar. Se definirmos civilização como a habilidade de um determinado povo de se adaptar a seu meio ambiente e de desenvolver artes, tecnologia, escrita e relações sociais apropriadas, fica evidente que a Antiga Europa atingiu um notável grau de sucesso.
É aqui, no culto neolítico da Grande Deusa da Antiga Europa, que surgiram os alicerces dos antigos Mistérios Wiccanos. É aqui, portanto, que começaremos a relacionar os antigos segredos transmitidos geração após geração. No decorrer de nossa exploração, observaremos o fluxo dos Ensinamentos Misteriosos à medida que passam da região egéia à mediterrânea. Analisaremos como ingressam na Itália e se mesclam às civilizações etrusca e romana. Partindo do sul da Europa, rastrearemos sua corrente rumo ao ocidente, e os seguiremos em direção à Europa Setentrional, pois foi ali que os celtas abraçaram os mistérios e os incorporaram a seu próprio sistema de crenças, o qual se tornou o que convencionamos chamar de Tradição dos Mistérios Wiccanos.
Em seu livro The Mysteries of Britain (Newcastle Publishing, 1993), Lewis Spence afirma que os ensinamentos druídicos surgiram de uma combinação da cultura mediterrânea neolítica com as crenças nativas da antiga Bretanha. De acordo com Spence, antigos viajantes mediterrâneos da Nova Idade da Pedra e da Idade do Bronze chegaram ao litoral briânico e introduziram o Culto aos Mortos, comum às antigas crenças da Europa Setentrional de então. Com o início da Idade do Ferro, a ilha doa Bretanha ficou isolada, e dessa forma as crenças celtas transformaram os ensinamentos importados numa religião única ao povo celta.
A religião da Antiga Europa havia se espalhado pelo ocidente partindo do sul da Europa por volta de 4500 a.C., como comprova o descobrimento na Espanha e na França de ícones de estilo semelhante ao do antigo culto matrifocal da região e egéia-mediterrânea. Por volta de 3000 a.C., povos do mediterrâneo, da Espanha e da Bretanha Menor se estabeleceram nas colinas ao sul da Inglaterra, levando consigo à religião da Antiga Europa. O Culto aos Mortos, associado aos espíritos dos mortos, com festivais celebrados em outubro e novembro, ainda sobrevive desde tempos longínquos na Itália e na ilha da Sicília, bem como na Inglaterra. O historiador John Morris (University College, Londres), em seu livro The Age of Arthur (cap. 8: “Pagan Ireland”), nos diz que povos da Sicília e do sul da Itália se estabeleceram na Irlanda no terceiro milênio a.C. e introduziram tumbas derivadas dos túmulos em rocha da Sicília e da Itália. Morris afirma que estes são o “povo de Partholon”, mencionado nos mitos irlandeses.
Em algum ponto entre 600 e 500 a.C., os celtas invadiram a Inglaterra e se depararam com o antigo Culto aos Mortos mediterrâneo. Spence atesta que os celtas a princípio temiam o Culto e nutriam temor especial pelas sidhe (fadas), que na verdade eram os espíritos dos mortos. Outra interessante conexão da Antiga Europa é dos primeiros etruscos (1000 a.C.) no norte da Itália, que acreditavam numa raça mística conhecida como Lasa, também associada aos mortos (conhecidos posteriormente pelos romanos como espíritos ancestrais chamados Lare). As similaridades na aparência e no folclore são muito grandes para que sejam apenas coincidência.
Spence especula que os druidas eram, na verdade, um grupo sacerdotal sobrevivente ao Culto aos Mortos mediterrâneo, os quais os celtas conseqüentemente vieram a respeitar e honrar após ocuparem a Bretanha:
Os homens de Long Barrow eram comerciantes, viajando da Espanha para a Bretanha, num período comumente determinado por volta de 2000 a.C., e o fato de terem adotado o Culto aos Mortos é comprovado por seus hábitos de sepultamento. Outras raças os sucederam, mas, apesar de suas crenças religiosas terem deixado algumas marcas, o Culto aos Mortos local permaneceu como fé oficial e absorveu todas as outras posteriormente introduzidas, com o povo celta adotando seus princípios e fundindo amplamente sua mitologia a ela... [O druidismo] surgiu de um Culto aos Mortos que vinha se desenvolvendo durante a Antiga Idade da Pedra...
Assim sendo, os druidas se tornaram os sacerdotes da ilha, preservando as antigas tradições que se fundiram numa nova e única religião celta. Devemos notar, entretanto, que Spence, apesar de nenhuma culpa poder lhe ser imputada, erra quanto ao período dos homens de Log Barrow, confiando nas errôneas evidências científicas disponíveis na época (a data mais provável é 400 a.C.).
Segundo consta, os celtas não possuíam templos até o período galoromano. Celebravam suas cerimônias em santuários nas florestas, sob a direção dos druidas que haviam se tornado seus líderes religiosos. O nome druida significa “conhecendo o carvalho”, ou “encontrando o carvalho”, e está obviamente associado à prática de culto nos bosques. Após a influência dos romanos, os celtas ergueram templos pagãos, muitos dos quais foram descobertos por arqueólogos tanto na Bretanha como na Gália.
Os celtas foram o primeiro povo definido a formar uma cultura distinta nos territórios europeus ao norte dos Alpes. Antes da metade do primeiro milênio, eles eram completamente desconhecidos para o mundo civilizado mediterrâneo. Por volta do século IV a.C. foram catalogados pelos gregos como um dos mais numerosos povos bárbaros do mundo conhecido de então (os outros eram os cítios e os persas).
É possível rastrear as origens das tribos celtas até a cultura de Túmulos da Idade do Bronze, que atingiu seu apogeu por volta de 1200 a.C. Contudo, os celtas não figuram como povo distinto e identificável até a época do período de Hallstatt (dos séculos VII a VI a.C.). Durante o período de Hallstatt, os celtas se espalharam pela França, Ilhas Britânicas, e rumo ao leste a partir da Europa Central. Bandos celtas também penetraram na Itália, Romênia, Trácia e Macedônia. Ali atacaram os territórios etruscos, romanos e gregos, e foram posteriormente expulsos através dos Alpes pelas legiões romanas.
A partir da metade do primeiro século a.C., os celtas ficaram encalacrados entre o Império Romano em expansão ao longo do Reno e do Danúbio e os invasores germânicos do sul. Ao final do século, os celtas haviam perdido o controle sobre o continente e foram posteriormente contidos pelos romanos que avançavam para invadir a Bretanha (pela primeira vez por volta de 56 a.C. sob o comando de Júlio César). Como resultado sua cultura foi transformada por séculos de ocupação romana, e posteriormente pela Igreja Católica Romana. As antigas tradições pagãs foram relegadas a uma sociedade oculta onde sobreviveram na Antiga Religião da Wicca (bem como em muitas tradições folclóricas).
A história da Antiga Religião se estende ao obscuro passado da transformação dos caçadores-coletores em uma comunidade agrícola. Isso vale dizer que a essa altura ela se torna mais facilmente identificável para nós. As raízes da Wicca como religião expressiva datam da Era Glacial, quando os humanos pintavam e esculpiam cenas nas paredes das cavernas. Algumas cena retratam temas de caça e outras são aparentemente de origem cerimonial, se não sobrenatural em conceito. À medida que prosseguimos aqui nossas explorações pela história da Antiga Religião, tenha em mente que, onde não apresento datas ou referências a obras, estou tratando da história oral da Tradição dos Mistérios.
Quando os humanos caçadores-coletores que habitavam as florestas começaram a desenvolver uma sociedade agrícola, mantiveram consigo as antigas deidades do mundo selvagem. O deus com cornos de gamo da floresta foi transformado no deus com cornos de bode dos pastos. Isso se deveu em grande parte à necessidade de se domesticarem animais numa sociedade agrícola. O deus da floresta tornou-se então o deus das colheitas.
O foco do antigo culto, no entanto, não era centrado numa forma masculina, mas sim uma feminina. Os primeiros ancestrais dos Wiccanos cultuavam a Grande Deusa, personificação dos mistérios femininos. Como a Grande Mãe, ela refletia a misteriosa e poderosa natureza das mulheres, a qual lhes consentia sangrar por dias sem enfraquecer e gerar outra vida humana. Não só esse poder era um mistério para o homem antigo, como também o era para a mulher antiga. Por sua necessidade de compreender (e de algum modo controlar) essas habilidades, as mulheres se isolaram dos homens e formaram sociedades femininas.
Alguns estudos modernos muito convincentes parecem indicar que foram as mulheres quem primeiro estabeleceram o sistema de tabus. Em alguns aspectos, apenas para se livrarem da atenção sexual dos machos, mas também para estarem próximas umas das outras durantes os períodos de menstruação e parto. As mulheres transmitiam o conhecimento das ervas que aliviavam a dor e reduziam os sangramentos, bem como outros “segredos” aos quais os homens não tinham acesso. Durante o regime patriarcal, os tabus permaneceram, mas com conotações diferentes dos originais.
Os homens naturalmente temiam o que não compreendiam e julgavam o sistema de tabus não como um período em que as mulheres estariam isoladas e juntas, mas como uma situação que eles deveriam evitar. Dessa forma, para os homens os processos de menstruação e parto se misturavam a medo e ameaça. Tudo o que sabiam era que esses períodos os afastavam dos prazeres das relações sexuais e causavam dor física às mulheres. Da imaginação comum à natureza humana durante um período de segregação forçada, imagens negativas começaram a se desenvolver. Tais imagens negativas evoluíram com o passar dos séculos para uma mentalidade que via erroneamente a menstruação como um processo impuro e contagioso.
Foi em parte graças a essa mentalidade que o homem se afastou da espiritualidade do Culto à Deusa e se aproximou do culto ao guerreiro-caçador. Por não poderem amamentar, menstruar ou parir ( e já que seu papel na fecundação ainda não era completamente entendido), os homens buscaram uma compreensão de sua própria relevância. Esse foi, no entanto, um processo lento, e muitos homens permaneceram na religião matrifocal como sacerdotes. A maioria deles era de anciãos e caçadores incapacitados, os quais, deixados para trás durante as caçadas e lutas, passavam a ser treinados por xamãs femininas. Desse grupo de homens surgiu o que viria a se tornar o sacerdócio da Wicca. Com o tempo ocorreu uma cisão entre as sociedades masculinas, e elas conseqüentemente se separaram em cultos de orientação solar e lunar. À medida que os homens ascendiam ao poder, passaram a desafiar a estrutura de descendência matrilinear e a supremacia dos conceitos religiosos matrifocais.
A imagem da Grande Mãe permaneceu como uma força poderosa mesmo depois da mudança da religião matrifocal para a patriarcal. A Igreja Católica manteve sua divindade na forma de Maria, a mãe de Deusa. Até mesmo a própria Igreja passou a ser conhecida como a Sagrada Madre Igreja. A necessidade de se ter uma fonte de cuidados próxima (à qual servir como nos tempos matrilineares) nunca foi afastada do inconsciente do homem. A figura materna é a mais forte e duradoura imagem da experiência humana.
Foram em grande parte as mulheres que estabeleceram a cultura humana e conduziram a humanidade da era dos caçadores-coletores para a sociedade agrícola. A imagem da Grande Deusa Mãe era o símbolo externo das preocupações e necessidades da comunidade humana. Mas ela ainda incorporava os temores dos povos antigos e destarte era também conhecida como “Mãe Terrível”, a destruidora da vida, daí representando a morte. Como seu símbolo, a Lua, a deusa adotava diferentes formas e diferentes matizes de luz e sombra.
Vilas que dependiam das terras cultivadas e dos animais domesticados apareceram pela primeira vez no sudeste da Europa no sétimo milênio. Imagens da Grande Deusa Mãe entalhadas em pedra surgiram na arte neolítica da Antiga Europa por volta de 6500 a.C., com imagens de deidades masculinas com chifres. O grande número de imagens e estátuas descobertas por arqueólogos indicam um culto matrifocal distribuído entre os povos da Antiga Europa. Esse antigo culto continha as origens das crenças religiosas da Wicca.
Quando a palavra “Wicca” passou a ser conhecida pelo grande público, ela era usada como referência à Antiga Religião européia pré-cristã. Atualmente, seu significado foi alterado para incluir uma visão mais ampla dos conceitos neo-pagãos e de Nova Era. A Antiga Religião da Wicca foi originalmente um culto à fertilidade que idolatrava buma Deusa e um Deus. Possuía, um certo estágio de sua evolução, uma hierarquia que consistia de uma Suma Sacerdotisa e um Sumo Sacerdote, auxiliados por sacerdotisas e sacerdotes. Essencialmente, a Wicca era uma religião da Natureza, enfocando as energias que fluem sobre a terra com o passar das estações.
Examinaremos os fundamentos da Antiga Religião, apresentando uma visão do que ela foi um dia e do que é hoje. Creio que é importante recuperar nossa herança e compreender nossa condição atual, para que não nos esqueçamos de quem fomos e para que possamos saber quem somos hoje. Não podemos esquecer que a Antiga Religião, fundada sobre as Leis da Natureza, possui em seu interior certas leis, padronizadas de acordo com as da Natureza. A Tradição de Mistérios dentro da Antiga Religião é um sistema através do qual os indivíduos podem aprender a evoluir espiritualmente por meio de uma compreensão das leis metafísicas refletidas nas leis da Natureza.
As raízes culturais da Antiga Religião retrocedem aos tempos tribais da humanidade. Em suas tentativas de compreender o mundo a seu redor, esse povos primitivos deram os primeiros passos em direção à religião. Nas grandes manifestações de poder da Natureza, como tempestades e terremotos, eles viam a ação de Seres maiores do que eles, aos quais posteriormente viram a chamar de Deuses. Da tendência humana de personificar as coisas surgiu uma hoste de espíritos e deidades. As lendas da Arte são repletas de histórias nas quais os deuses interagem com a humanidade. Até os mais comuns mitos esotéricos tratamn de tais encontros. Parece então provável que a humanidade primitiva realmente tenha entrado em contato com uma raça superior de Seres (Deuses ou indivíduos pertencentes a uma sociedade avançada ainda mais antiga), que os impressionaram de modo a gerar uma veneração ritual. Certamente existem muitos mistérios não solucionados (tais como Stonehenge, a planície de Nazcar e as estátuas da Ilha da Páscoa) que nos propõem uma avaliação mais profunda.
Nos Antigos Caminhos, as lendas retratam Deuses que olhavam por seus seguidores, salvando-os da Queda da Humanidade no correr da Primeira e da Segunda Era. Essas eras refletem as lendas da Lemúria e da Atlântida. Não eram apenas os Deuses, contudo, que cuidavam da humanidade, orientando-a, mas também os antigos xamãs da tribos. Os primeiros xamãs eram em sua maioria mulheres que, durante a rotina diária de colheita e preparo de alimentos, aprenderam os segredos das ervas.
Antes do surgimento da agricultura, os humanos dependiam da vida animal e, dessa forma, dos caçadores das tribos. Antigas lendas retratam bravos caçadores que, disfarçados de animais (com peles e chifres), aproximavam-se mais das manadas. Com o passar do tempo, a imagem desses heróis com chifres tornou-se a imagem do Deus que provia animais às tribos. Como previamente observado, os heróis com chifres após determinado tempo não mais participavam das caçadas (normalmente em razão de ferimentos) e sua condição especial dentro do clã lhes propiciava treinamento religioso e em magia pelas xamãs femininas. Desse fato tiveram origem a Sacerdotisa e seu Sacerdote. Originalmente, as mulheres dirigiam a tribo em assuntos religiosos ou espirituais, enquanto aos homens eram reservados papéis secundários. As mulheres eram vistas como entes mágicos pelos homens por sua capacidade de gerar rebentos, e por isso eles aceitavam sem contestação a dominação feminina. Apenas após perceberem seu papel na procriação foi que os homens exigiram um papel mais determinante nos assuntos religiosos. Isso trouxe com o resultado uma relação de parceria entre os sexos, ao contrário das relações anteriores, de dominação. Posteriormente, os homens forma gradativamente forçados a se tornar guerreiros além de caçadores, passaram a ter maior importância e conseqüentemente passaram a exercer maior controle sobre todos os assuntos tribais.
A sociedade matrifocal existente (a que o culto do caçador-guerreiro conseqüentemente usurpou) havia se estabelecido muitos séculos atrás. Sua Grande Mãe foi a mais antiga forma divina criada pela humanidade. A respeito desse antigo culto, Marija Gimbutas escreve:
A arte focada na Deusa, com sua notável ausência de imagens relacionadas à guerra e à dominação masculina, reflete uma ordem social na qual as mulheres eram as líderes dos clãs ou em que as rainhas sacerdotisas tinham papel central.
Marija Gimbutas, The Language of the Goddess
Gimbutas afirma que o culto à Grande Deusa da Antiga Europa sofreu um declínio gradativo a partir de talvez 4300 a.C., pondo fim a seu reinado solitário por volta de 2500 a.C. (graças à expansão do patriarcado dos indo-europeus). A partir de 2500 a.C., a religião da Europa resultou de uma fusão das crenças matrifocais européias com as práticas patriarcais indo-européias (na maioria das regiões foram da Europa Central, onde Gimbutas declara que o culto à Grande Deusa foi obliterado).
Ela escreve também que, no sul e no oeste da Europa, houve muito mais resistência, o que possivelmente explicaria o porquê de muitos dos antigos ensinamentos de Mistérios europeus terem sido preservados por tradições como a Strega italiana (um culto de bruxaria ainda hoje existente):
As regiões egéia e mediterrânea e a Europa Ocidental resistiram mais ao processo; ali, especialmente nas ilhas de Thera, Creta, Malta e Sardenha, a cultura da Antiga Europa floresceu através de uma invejavelmente pacífica e criativa civilização até 1500 a.C., de mil a 1500 anos depois da transformação completa da Europa. Contudo, a religião da Deusa e seus símbolos sobreviveram como subcorrente em muitas áreas.
A autora trata também de um “sistema social não-patriarcal e não-matriarcal” equilibrado, que continuou a ser refletido nos elementos das religiões etrusca e romana. Quando levamos em conta que os etruscos assumiram seu poder por volta de 1000 a.C. na Itália, fica aparente que eles ou mantiveram ou herdaram muito da religião da Antiga Europa, transmitindo-o aos romanos, que adotaram muitos conceitos etruscos. O antigo historiador grego Theopompus (século IV a.C.) escreveu que as mulheres etruscas eram socialmente iguais aos homens, cultas, “excessivamente permissivas” sexualmente e possuíam um amor geral pelo prazer.
Roma viria a conquistar praticamente todo o mundo conhecido na época. Os soldados da ocupação romana espalharam o paganismo italiano de sua vilas rurais por todas as terras conquistadas e ocupadas (em contraste com a religião do Estado romano, à qual o povo comum, na melhor das hipóteses, prestava juramentos falsos). Isso explicaria muitas das semelhanças entre as crenças e práticas do norte e do sul da Europa pagã. No ano de 43 d.C., os romanos invadiram oficialmente a Bretanha (ao contrário da incursão anterior de César) e mantiveram a ilha sob seu poder até por volta da metade do século V (410 d.C, segundo os registros romanos). Tamanha foi a influência dos quase 400 anos de ocupação romana que a cultura, a arte religiosa e a arquitetura celta foram irremediavelmente alteradas.
Geral Gardner, no capítulo seis de seu livro The Meaning of Witchcraf (Weiser, 1976), relaciona a tradição dos Mistérios Romanos e da Vila dos Mistérios em Pompéia às cerimônias de iniciação da Wicca celta. Ela afirma:
Agora, isso pode significar que os verdadeiros segredos de magia chegaram à Bretanha através dos Mistérios, o que vale dizer, antes do ano 100, e que as bruxas britânicas eram apenas sábias das aldeias... Em tal período as idéias religiosas eram compartilhadas e adotadas livremente; mas é possível que certas idéias e práticas tenham chegado à Bretanha através dos Mistérios trazidos pelos romanos.
Fazendo justiça à intenção de Gardner, ele não cria que essa possibilidade representasse a verdade absoluta, e acreditava firmemente que a Wicca representasse a sobrevivência do paganismo da Europa Ocidental (o qual Gardner ignorava tivesse surgido na Europa Setentrional). Para entender as origens da Wicca pré-cristã, devemos nos debruçar sobre a História Antiga e a civilização humana.
À medida que os humanos passaram a construir cidades e impérios, as visões religiosas das filosofias solar e lunar começaram a se distanciar. Os aspectos controladores, reguladores e dominantes das filosofias solares pareciam mais adequados para se conquistar e controlar os inimigos mais rapidamente que os aspectos influentes, intuitivos e cooperativos das filosofias lunares. Isso, com o tempo, levou à formação de duas religiões pagãs distintas. Contudo, uma vez que eram os homens a deter os poderes político e militar, bem como a reger os Ritos Solares, os Cultos Lunares acabaram por se tornar ilegais em razão do receio de que pudessem ameaçar a supremacia do Culto Solar.
Os Cultos Lunares passaram a praticar seus ritos em segredo, longe das áreas urbanas. As florestas e as montanhas se tornaram templos para os cultuadores da Lua. Apesar do domínio dos homens de orientação solar, o coração do povo pulsava no ritmo Lunar (com a Deusa). Cultos secretos abundavam, como os Benandanti italianos, que lutavam contra espíritos maléficos, carregando cajados com hastes de erva-doce na ponta ao defender as plantações na colheita. Outras sociedades surgiram para preservar e proteger os Antigos Caminhos (como a Sociedade de Diana).
O Culto da Bruxaria e outras Tradições de Mistérios floresceram até o século IV, quando os primeiros cristãos saquearam e destruíram templos pagãos e proibiram a prática de ritos. Em 324, o imperador Constantino decretou que o cristianismo passaria a ser a religião oficial do Império Romano. Templos pagãos foram destruídos ou convertidos em igreja cristãs. Gradativamente, com o passar dos anos, os costumes pagãos foram absorvidos pelo cristianismo, e a Antiga Religião passou a ser desertada pela população, passando a existir apenas nas sombras. Somente pequenos grupos de pessoas se reuniam nos antigos locais para celebrar os ritos sazonais, pois a maioria temia os fanáticos cristãos, apesar de os habitantes de vilas e cidades ainda consultarem a bruxa local buscando curas e auxílio mágico.
No Sul da Europa, certas regiões ainda se atinham fortemente à Antiga Religião. A Toscana, no norte da Itália, era provavelmente o maior centro de paganismo, seguida de perto pela região do Benevento no centro baixo da Itália. Com o tempo, entretanto, até mesmo esses focos de resistência sucumbiram ante o poder da Igreja cristã. Em 662, um sacerdote cristão chamado Barbatus tentou, em vão, convertê-lo. O imperador Constans II levantou cerco a Benevento, ameaçando aniquilar sua população. Barbatus recebeu a promessa do imperador de que a cidade seria poupada se seus habitantes renunciassem ao paganismo. Romualdus concordou com essas condições. Em 663 Constans levantou seu cerco e Barbutus foi escolhido bispo de Benevento. Os locais de culto pagão foram destruídos e o cristianismo substituiu oficialmente o paganismo.
No norte e no oeste da Europa, a Antiga Religião sofreu intensa perseguição. Os antigos deuses pagãos locais ainda eram cultuados em pequenas aldeias, e muitos povoados possuíam uma sábia ou um sábio entendido em ervas e encantamentos. A igreja atacou violentamente esses indivíduos, rotulando-os de agentes de Satã e utilizando os versos bíblicos contra eles, o que resultou em sentenças de morte por prática de bruxaria.
Tudo o que sobreviveu das crenças, cultos e práticas pagãs foi julgado demoníaco e eliminado pela teologia e pela lei cristã. O Sínodo de Roma em 743 baniu quaisquer oferendas ou sacrifícios a deuses ou espíritos pagãos. O Sínodo de Paris, em 829, emitiu um decreto advogando a execução de bruxas, feiticeiras, etc., citando as passagens bíblicas do Levítico 20:6 e do Êxodo 22:18. o mais antigo julgamento resultando em pena de morte ocorreu em 102 em Orleans, França, Execuções de bruxas ocorreram desde 1100, mas a prática não era aceita até 1300. A primeira execução na Irlanda foi a da Dama Alice Kyteler, em 1324. o primeiro julgamento público , na França, aparentemente ocorreu em 1335, envolvendo uma certa Anne-Marie de Georgel.
Um dos mais antigos exemplos de legislação secular contra a bruxaria foi instigado no século XII por Rogério II, rei normando das Duas Sicílias. Ele afirmou que o preparo de poções do amor, funcionando ou não, era crime. Em 1181, o Doge Orlo Malipieri de Veneza também editou leis punindo poções e magia. Apesar de a bruxaria ser um crime punível oficialmente por todo o século XIII, a febre das bruxas do norte da Europa não atingiu o sul da Europa até uniformizar o início do século XV.
Bulas papais, como a editada por Inocente VII em 1484, transformaram a perseguição às bruxas numa epidemia descontrolada. Nos primeiro ano após sua publicação, 41 pessoas forma queimadas em Como, Itália, após as diligentes investigações dos Inquisidores Dominicanos. Em 1510, 140 bruxos foram queimados em Brescia e 300 mais em Como três anos depois. Em Valcanonia, 70 pessoas foram queimadas e o Inquisidor declarou ter outras 5.000 sob suspeita. A Alemenha assistiu a mais de 6.000 execuções e os números totais da Europa Setentrional são estimados em 50.000 durante o período da Perseguição, França e Inglaterra efetuaram menos de 2.000 execuções, enquanto a Europa Oriental totalizou aproximadamente 17.000.
Em 1951, o Parlamento da Inglaterra revogou as últimas leis contra a bruxaria. Pouco tempo depois, surgiu na Grã-Bretanha uma renovação do Culto. Em 1954 e 1959, Gerald Gardner publicou seus livros, Witchcraft Today e The Meaning of Witchcraft (Macmillan, 1922), que revelaram muito acerca da real natureza do Culto. O próprio Gardner eras um bruxo inglês, e muito fez para mudar a imagem dos bruxos influenciada pelo cristianismo. Por mais estranho que pareça, os ritos revelados por Gardner contêm muitos aspectos da bruxaria italiana. O nome italiano Aradia surge no Sistema inglês, junto ao texto originalmente em italiano chamado The Charge of The Goddess.
Dois homens cujas pesquisas exerceram grande influência sobre Gerald Gardner foram Charles Leland e James Frazer. Leland estudou e pesquisou a bruxaria italiana no final do século XIX e Frazer foi notabilizado por sua pesquisa acerca da relação entre magia e religião. Ambos eram autores com obras publicadas; Leland escreveu Aradia – Gospel of the Witches, além de Etruscan Magic & Occult Remedies (University Books, edição de 1963), e Frazer escreveu The Golden Bough (Macmillan, 1922), que foi, por muitos anos, um clássico na área.
Muitos dos elementos da Wicca, como relatados por Gerald Gardner, podem ser encontrados nos primeiros trabalhos de Leland e Frazer. A conhecida Sagração à Deusa, por exemplo, origina-se claramente do texto italiano encontrado em Aradia – Gospel of the Witches, de Leland, escrito quase meio século antes da versão Gardneriana. A prática cerimonial de bruxos realizarem encontros ao natural, o culto a uma Deusa e um Deus, e a prática da magia também são anteriores aos escritos de Gardner e são mencionados em Aradia – Gospel of the Witches (publicado em 1890). Tratei extensivamente desse tema em meu livro Ways of the Strega (Llewellyn, 1995), apresentando abundante documentação histórica corroborando essa idéia.
Durante os anos 1950 e 1960, a Wicca cresceu e se desenvolveu em partes da Europa, nos Estados Unidos e na Austrália. Surgiram muitas revistas Wiccanas e neopagãs, criando uma rede para a comunidade pagã. Dois dos mais bem-sucedidos periódicos eram Green Egg e Circle Network News, os quais ainda hoje são publicações importantes. Outras, como The Crystal Well, Harvest e The Shadow’s Edge forma periódicos importantes em sua época. A Wiccan Pagan Press Alliance (WPPA) serve atualmente como sistema de rede e apoio para escritores e revistas na comunidade pagã.
Durante o final da década de 1960, a Wicca oferecia uma espiritualidade alternativa a uma nova geração, e muitos dos que se envolveram com o movimento hippie desaguaram na Wicca. A Wicca era menos severa e dogmática do que os sistemas judaico-cristãos ainda dominantes nos anos 60. Isso oferecia grandes atrativos a uma geração que já vinha questionando a sociedade e as instituições que a apoiavam.
A Wicca também atraiu aqueles que haviam sofrido emocionalmente com o establishment e a Igreja, em razão de estilos de vida alternativos ou pontos de vista não-convencionais. Após o movimento hippie, que ensinara amor e individualidade, surgiu o movimento da Nova Era. Esse movimento introduziu o uso de cristais, freqüências de ondas mentais, alienígenas e tudo o mais que surgisse. Talvez mais do que qualquer outra, a mensagem enfocada pela Nova Era enfatizava o Self, a Individualidade. Não eram os mesmos ensinamentos acerca da individualidade dos anos 60; era muito mais abrangente e difuso.
A década de 1980 talvez tenha assistido às mais significativas mudanças até agora. A filosofia da Nova Era germinou na Wicca e encontrou solo fértil na mente aberta de seus praticantes. Em pouquíssimo tempo, muitas crenças Wiccanas foram modificadas e alteradas para acomodar uma nova geração. Essa década assistiu também a uma abundante produção de livros sobre a Wicca e outros assuntos correlatos. Novas tradições surgiam lá e cá, todas com uma idéia diferente ou um novo enfoque. Essa década desviou o foco das antigas tradições Wiccanas em favor de sistemas ecléticos.
Agora, na década de 1990, temos visto a crescente popularização dos boletins computadorizados tais quais os fornecidos por servidores como Compuserve e Americana OnLine (AOL). Esses serviços oferecem um fórum para que os Wiccanos e neopagãos possam discutir uma variedade de tópicos e formular e responder perguntas. Alguns assinantes formaram Cyber Covens, celebrando rituais on-line através do modem dos computadores. Pessoalmente, tenho minhas reservas quanto ao assunto, mas é interessante observar essa evolução moderna da Wicca.
Por causa de algumas das modificações dentro da Wicca moderna, muitos dos antigos praticantes passaram a utilizar o termo Witch (Bruxo) em vez de Wiccanos para descrever a si mesmos. Esse fenômeno passa a ser especialmente curioso quando se considera que há não muito tempo muitas dessas mesmas pessoas preferiam utilizar o termo Wiccano em razão da incompreensão do público quanto ao verdadeiro significado do que seja um Bruxo. O uso atual desse termo aparentemente indica um desejo de ser identificado como praticante de um sistema de crenças mais antigo e tradicional. Atualmente, a Wicca é formada em grande parte por tradições autogeradas fortemente fundamentadas em material eclético. Quando alguém se intitula Wiccano hoje, pode ser que se identifique com um sem-número de crenças ou práticas que um outro Wiccano não necessariamente aceitaria.
Quando descrevo a Wicca atual como uma religião da Nova Era, se comparada à Wicca de algumas décadas atrás, acodem-me algumas impressões. A Wicca é como uma árvore, e quer me parecer que as Antigas Tradições Wiccanas são as raízes. As novas Tradições Wiccanas são como as flores que se renovam na primavera, e talvez essa Nova Era seja mais uma primavera. A fragrância das flores difere da fragrância da madeira da velha árvore na qual elas crescem. Talvez a fragrância das flores seja a emanação do espírito da árvore, a essência do que a árvore produz.
Para que uma árvore floresça e continue a produzir flores e sementes, ela necessita de um sistema seguro de raízes para nutrir os novos brotos. É muito fácil nos deliciarmos com as flores enquanto esquecemos da planta como um todo. As raízes de uma planta a sustentam em condições adversas. Em muitos casos, a planta pode aparentemente desaparecer, mas a raiz sob o solo restabelecerá a planta novamente em condições ideais. Temo que, atualmente, o objetivo principal da comunidade Wiccana seja o de produzir belas flores, e que o conhecimento da árvore como um todo esteja se perdendo.
Se pudermos unir equilibradamente as novas e as velhas tradições, asseguremos que a sabedoria e o conhecimento de nossos ancestrais sobreviverão com o que nós, por nossa vez, temos a transmitir a nossos próprios descendentes. Nós somos os antigos Wiccanos de amanhã, e espero que nossa coragem e dedicação a essa antiga religião nos traga o mesmo respeito perante nossos descendentes, do mesmo modo que nós honramos os valorosos homens e mulheres que sobreviveram à Inquisição.
O que os antigos Wiccanos preservaram com suas vidas? Uma coleção de encantos e rituais? Seria apenas um confortável conjunto de crenças pré-cristãs que eles preferiam? Não – o que eles protegiam era, isso sim, uma mentalidade e uma espiritualidade. Os instrumentos e as chaves para o entendimento, através do qual os mistérios podiam ser acessados, eram mais importantes do que suas próprias vidas. Eles estavam protegendo as raízes da árvore.
Um de meus professores certas vez me disse que, se não temos nada pelo que valha a pena morrer, então não temos nada pelo que valha a pena viver. Será que arriscaríamos nossas vidas atualmente para proteger nossos Livros das Sombras se condições como as da Inquisição ainda existissem? Será que realmente compreendemos o que era tão precioso aos nossos ancestrais Wiccanos? Há uma velha história sobre um grupo de bruxos que caminhou mar adentro rumo à morte para não ser apanhado pela Inquisição. À medida que avançavam na água, eles entoavam os nomes sagrados da Deusa, até que a última de suas vozes foi silenciada sob as ondas. Esses eram bruxos que compreendiam os mistérios.
A Wicca é como uma árvore com ramos abertos, fornecendo abrigo e alimento a todos os que em sua sombra buscam refúgio. A primavera restaura o crescimento que surge sob os galhos, e da velha madeira da árvore surge então seu fruto. Ocultas sob isso tudo estão as raízes que suportam a árvore, mantendo-a de pé. Se essas raízes são bem alimentadas, a árvore floresce. Se as raízes não recebem coisa alguma, conseqüentemente a árvore fenecerá e tombará com o passar do tempo. As raízes da árvore que hoje chamamos Wicca necessitam de nossa atenção. Vamos nos deter e cuidar de nosso antigo jardim.
Do Livro Mistérios Wiccanos, de Raven Grimassi.
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