domingo, 28 de novembro de 2010

SEGUNDO BARDO: O Período de Alucinações.


Se a Serena Luz primária não for reconhecida, ainda há a possibilidade de manter a Serena Luz secundária. Se ela é perdida, então vem o Chonyid Bardo, o período das ilusões cármicas ou intensas misturas alucinatórias do jogo realidade. É muito importante que as instruções sejam lembradas – elas podem Ter grande efeito e influência.
Durante este período, o fluxo de consciência, microscopicamente nítido e intenso, é interrompido por tentativas fugazes de interpretar e racionalizar. Mas o ego-jogador normal não está funcionando efetivamente. Existem, portanto, possibilidades ilimitadas para, por um lado, novidades intelectuais e emocionais agradáveis se deixar-se flutuar com a corrente; e, por outro lado, temíveis emboscadas de confusão e terror se tentar-se impor a sua vontade à experiência.
A proposta desta parte do manual é preparar a pessoa para os pontos de escolha que surgem durante este estágio. Estranhos sons, visões sobrenaturais e perturbadoras podem ocorrer. Eles podem impressionar, assustar e atemorizar a não ser que se esteja preparado.
A pessoa experiente será capaz de manter a percepção de que todas as percepções vêm de dentro e será capaz de sentar-se calmamente, controlando sua consciência expandida como um aparelho de televisão multidimensional fantasmagórico: as alucinações mais agudas e sensíveis – visuais, audíveis, táteis, olfativas, físicas e corporais; as reações mais requintadas, o discernimento compassivo do eu, do mundo. A chave é a inação: a integração passiva com tudo o que ocorre à sua volta. Se você tentar impor sua vontade, usar sua mente, racionalizar, buscar explicações, você será pego em rodamoinhos alucinatórios. O lema: paz, aceitação. É um panorama que muda continuamente. Você é temporariamente apartado(a) do mundo de jogo. Aproveite isso.
Os inexperientes e aqueles para os quais o ego-controle é importante podem considerar a passividade impossível. Se você não puder se manter inativo(a) e subjugar sua vontade, então a única atividade que pode certamente reduzir o pânico e puxá-lo(a) de volta dos jogos mentais alucinatórios é o contato físico com outra pessoa. Vá até o guia ou até outro participante e ponha sua cabeça no ombro dele(a) ou no seu colo; ponha seu rosto próximo ao dele(a) e se concentre no movimento e no som da respiração dele(a). Respire profundamente e sinta o ar correr para dentro e a expiração. Esta é a forma mais antiga de comunicação viva; a irmandade da respiração. A mão do guia sobre sua testa pode ajudar no relaxamento.
O contato com outro participante pode ser mal-entendido e provocar alucinações sexuais. Por esta razão, esse tipo de ajuda deve ser combinada previa e explicitamente. Participantes despreparados podem impor medos ou fantasias sexuais no contato. Desligue-os; eles são produções ilusórias cármicas.
O aconchegar terno, gentil e apoiador dos participantes é do desenvolvimento natural da Segunda fase. Não tente racionalizar este contato. Seres humanos e, analogamente, quase todas as criaturas terrestres móveis têm se aconchegado por muito tempo, em noites escuras e confusas por muitas centenas de milhares de anos.
Inspire e expire com seus companheiros. Nós somos todos um! Isso é o que a respiração está lhe dizendo.
Segundo Bardo.
O problema essencial do Segundo Bardo é que toda e qualquer imagem – humana, divina, diabólica, heróica, má, animal, coisa – que o cérebro humano invoca ou as lembranças de vidas passadas, podem apresentar-se à consciência: imagens e formas e sons girando interminavelmente.
A solução essencial – repetida de novo e de novo – é reconhecer que seu cérebro está produzindo as visões. Elas não existem. Nada existe exceto da forma como sua consciência dá vida às coisas.
Não há, é claro, modo de classificar as infinitas trocas e combinações de elementos visionários. O córtex contém registros de bilhões de imagens da história da pessoa, da raça e das formas vivas. Qualquer delas, à taxa de cem milhões por segundo (de acordo com neurofisiologistas), pode inundar a consciência. Balouçando neste brilhante e sinfônico mar de imaginário está o que resta da mente conceitual. Num turbulento e infindável aguaceiro do Oceano Pacífico balouça uma pequena boca aberta a gritar (entre bocados de água salgada) “Ordem! Sistema! Explique tudo isso!”
Não se pode prever que visões ocorrerão, nem sua seqüência. Pode-se apenas incitar os participantes a fechar a boca, respirar pelo nariz, e desligar a irrequieta mente racionalizante. Mas só uma pessoa experiente de inclinações místicas consegue fazer isso (e assim permanecer no sereno esclarecimento). A pessoa despreparada ficará confusa ou, pior, entrará em pânico: a luta intelectual para controlar o oceano.
Com o objetivo de guiar a pessoa, ajudá-la a organizar suas visões em unidades explicáveis, o Chonyid Bardo foi escrito. Há duas seções: (1) Sete Deidades pacíficas com suas simetricamente opostas ego-armadilhas; (2) Oito Deidades Coléricas que podemos alegremente aceitar como produções visionárias, ou fugir de medo.
Cada uma das Sete Deidades Pacíficas (representações Pai-Mãe bissexuadas) é acompanhada por consortes, criados, deidades menores, santos, anjos, heróis. Cada uma das Deidades Coléricas é similarmente acompanhada. Luzes, objetos simbólicos, belos, horríveis, assustadores, ferventes, também são vistos.
Se lido literalmente, o Livro Tibetano dos Mortos o(a) faria esperar o “Mestre de Todas as Imagens Visíveis” (ou seu oposto, a absurdidade da estupidez) no primeiro dia; a “Deidade Imóvel da felicidade” e seus consorte, criados e seu oposto no segundo, etc. O manual não deve, é claro, ser usado rigidamente, exotericamente, mas deve ser tomado em sua forma esotérica, alegórica.
Lido desta perspectiva, vemos que os lamas ouviram ou nomearam milhares de imagens que podem ferver no mosaico ajoalhado em constante mudança da retina (aquele atoleiro de multi-camadas de bilhões de raios e cores, infiltrado, como um tapete persa ou uma escultura maia, com incontáveis capilares multicoloridos). Através da leitura preparatória do manual e por sua repetição durante a experiência, o novato é levado via sugestão a reconhecer seu fantástico caleidoscópio retinal.
O mais importante, a pessoa aprende que as visões vêem de dentro. Todas as deidades e demônios, todos os paraísos e infernos são internos.
O estudante com interesse particular pelo budismo tântrico ou tibetano deve mergulhar no Chonyid Bardo. Deve arranjar placas coloridas das catorze chamas do Bardo, e arranjar para que o guia o leve segundo a seqüência prevista durante a sessão. Isto providenciará inesquecíveis séries de libertação e permitirá ao devoto emergir “reencarnado” da experiência na tradição lamaísta.
A intenção deste manual é tornar disponível o esboço geral do Livro Tibetano e traduzi-lo num inglês psicodélico. Por esta razão, não apresentaremos a seqüência detalhada de alucinações lamaísta, mas, em vez disso, vamos listar algumas aparições comumente relatadas pelos ocidentais.
Seguindo o Thodol Tibetano, classificamos as visões do Segundo Bardo em sete tipos:
A Fonte ou Visão do Criador; 2. O Fluxo Interior de Processos Arquetípicos; 3. O Fluxo Flamejante de unidade Interior; 4. A Estrutura de Vibrações Ondulares de Formas Exteriores; 5. As Ondas Vibratórias de Unidade Exterior; 6. “O Circo Retinal”; 7. “O Teatro Mágico” [Devemos a frase “circo retinal” a Henri Michaux (Miserável Milagre) e o termo “teatro mágico” a Hermann Hesse (O Lobo da Estepe)].
As visões 2 e 3 envolvem o fechar dos olhos e nenhum contato com estímulos externos. Na visão 2 o imaginário interior é primariamente conceitual. A experiência pode se estender das revelações e do insight à confusão e ao caos, mas o significado intelectual, cognitivo, é primordial. Na visão 3 o imaginário interior é primariamente emocional. A experiência pode se estender do amor e da unidade extática ao medo, desconfiança e isolamento.
As visões 4 e 5 envolvem olhos abertos e atenção para os estímulos exteriores, tais como sons, luzes, toque etc. Na visão 4 o imaginário exterior é primariamente conceitual e na visão 5 os fatores emocionais predominam.
A lista sétupla acima descrita tem alguma semelhança com o esquema mandálico das Deidades Pacíficas listadas para o Segundo Bardo no Livro Tibetano dos Mortos.
Visões Pacíficas.
A FONTE.
A primeira Deidade Pacífica listada pelo Bardo Thodol é o Bhagavan Vairochana, que ocupa o centro da mandala dos cinco Dhyani Budas. Seus atributos como força-da-fonte foram traduzidos para aqueles do criador monoteístico das religiões ocidentais.
Olhos fechados, estímulos exteriores ignorados.
A Luz Branca, ou energia do Primeiro Bardo, pode ser interpretada como Deus, o Criador. O Espalhador da Semente. O poder que torna todas as imagens visíveis. Semente de tudo o que é. Poder Soberano. O Todo-Poderoso. O Sol Central. A Única Verdade. A Fonte de Toda Vida Orgânica. A Mãe Divina. O Princípio Criador Feminino. Mãe do espaço do Céu. Pai-Mãe Irradiante. Revelações magníficas, tanto espirituais quanto filosóficas, podem ocorrer neste ponto produzindo a mais alta união entre experiência e intelecto. Mas, devido ao carma ruim (normalmente crenças religiosas de natureza monoteística ou punitiva), a gloriosa luz da semente da sabedoria pode impressionar e causar terror. A pessoa desejará fugir e terá uma rejeição absurda pela sombria luz branca simbolizando a estupidez.
Pessoas de educação judeu-cristã concebem um enorme fosso entre a divindade (que está “lá encima”) e o eu (“aqui embaixo”). Os apelos dos místicos cristão pela união com a divindade sempre causaram problemas aos teólogos comprometidos com a distinção cosmológica sujeito-objeto. A maioria dos ocidentais, portanto, acha difícil alcançar a unidade com a luz-fonte.
Se o guia verificar que o viajante está lutando contra pensamentos ou sentimentos relativos à energia da fonte criativa, ele pode ler as instruções apropriadas è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 1: A FONTE.
O Fluxo Interior de Processos Arquetípicos.
Olhos fechados, estímulos externos ignorados; aspectos intelectuais.
Se a luz indiferenciada do Primeiro Bardo ou da Energia da Fonte for perdida, ondas luminosas de diferentes formas podem inundar a consciência. A mente da pessoa começa a identificar essas figuras, isto é, a rotulá-las e a experimentar revelações sobre o processo vital. [O Lama Govinda nos diz que Amoghasiddhi representa “ a misteriosa atividade de forças espirituais, que trabalham apartadas dos sentidos, invisíveis e imperceptíveis, com o objetivo de guiar o indivíduo (ou, mais propriamente, todos os seres vivos) em direção à maturidade do conhecimento e da libertação. A luz amarela de um sol (interior) invisível ao olhar humano (no qual o espaço incompreensível do universo parece abrir-se a si mesmo) para o sereno e místico verde de Amoghasiddhi (...) No plano elementar, esta força todo-penetrante corresponde ao elemento do ar o princípio de movimento e extensão, da vida e da respiração (prana).” Lama Govinda: Fundamentos do Misticismo Tibetano. Londres: E. P. Dutton & Co., Inc., 1959, p. 120.
O quinto dia do Bardo Thodol confronta o falecido com o Buda Bhagavan Amoghasiddhi, Conquistador Todo-Poderoso, do reino verde do norte da Realização Bem-Sucedida das Melhores Ações, assistido pela Mãe Divina, e por dois bodhisattvas representando as funções mentais do “equilíbrio, imutabilidade, e foça todo-poderosa” e “iluminador das obscuridades”.
Especificamente, o indivíduo é capturado num fluxo infindável de formas coloridas, imagens microbiológicas, acrobacias celulares, rodopios capilares. O córtex é ligado a processos moleculares que lhe são completamente novos e estranhos: uma Niágara de desenhos abstratos; a corrente da vida fluindo, fluindo.
Estas visões talvez possam ser descritas como puras sensações de processos celulares e subcelulares. É incerto se elas envolvem a retina ou/e o córtex visual, ou se são flashes de sensações moleculares, diretas, em outras áreas do sistema nervoso central. São subjetivamente descritas como visões interiores.
Outra classe de imagens de processos interiores envolve o som. Novamente, não sabemos se essas sensações se originam no aparelho auditivo e/ou no córtex auditivo, ou se são flashes de sensações moleculares diretas de outras áreas. São subjetivamente descritos como sons interiores: cliques, batidas, zumbidos, palmas, gemidos, assobios estridentes. [O Livro Tibetano inclui uma brilhante descrição dos ruídos dos processos interiores. inumeráveis (outros) tipos de instrumentos musicais, enchendo (de música) os sistemas do mundo e fazendo com que vibrem e tremam e balancem com sons tão poderosos que atordoam o cérebro.
OS instrumentos musicais: grandes tambores, pratos (normalmente de metal), concha, sinos (como os pequenos sinos usados no serviço da missa cristã), tímpanos, pequenos clarinetes (soam como as gaitas de fole das Highlands escocesas), grandes trombetas e trombetas feitas de fêmures humanos. Embora o som combinado desses instrumentos esteja longe de ser melodioso, os lamas afirmam que eles psiquicamente produzem no devoto uma atitude de profunda veneração e fé, porque são homólogos aos sons naturais que ouve-se o corpo produzir quando os dedos são postos nos ouvidos para silenciar os sons exteriores. Fazendo isso, são ouvidos o som de batidas, como se um grande tambor estivesse sendo tocado; sons de batidas, como de pratos; um som sussurrante, como de vento se movendo pela floresta – como quando se escuta uma concha; um zumbido como o de sinos; um som agudo de bater palmas, como quando o tímpano é usado; um som de gemido, como o do clarinete; um som grave de gemido, como se produzido por uma grande trombeta; e um som estridente, como o da trombeta de Fêmur.”
Isto não é apenas interessante como uma teoria da música sacra tibetana, mas dá a pista para a interpretação esotérica dos sons naturais simbólicos da Verdade (a que se refere o segundo parágrafo que se segue, e outras partes do nosso texto), que é dita ser, ou proceder das faculdades intelectuais dentro da mentalidade humana.” (Evans-Wentz, p.128)] Esses ruídos, como as visões, são sensações diretas livres de conceitos mentais. Unidades de energia molecular, dançantes, brutas.
As mentes entram e saem dessa corrente evolucionária, gerando revelações cosmológicas. Dúzias de insights darwinianos e míticos são comunicados à consciência. É permitido à pessoa olhar para trás no fluxo do tempo e perceber como a energia vital continuamente se manifesta em formas transitórias, sempre em mudança. Formas microscópicas se fundem a mitos criacionais primais. O espelho da consciência é seguro pela corrente da vida.
Enquanto a pessoa flutua com a corrente, ela recebe lições da cosmologia de bilhões de anos. Mas o empuxo da mente está sempre presente. A tendência de impor a ordem isolante, arbitrária, ao processo orgânico.
Às vezes o viajante sente que deve relatar a sua visão. Ele converte o fluxo vital num teste do borrão cósmico – tenta rotular cada forma. “agora vejo uma cauda de pavão. Agora cavaleiros mouros em armaduras coloridas. Oh, agora uma cachoeira de jóias. Agora, música chinesa. Agora, serpentes como se fossem colares, etc.” Verbalizações desse tipo enevoam a luz, interrompem o fluxo e não devem ser encorajadas.
Outra armadilha é aquela da imposição de uma interpretação sexual. O fluxo de energia dançante, brincalhão, é, no sentido mais reverente, sexual. Formas se unindo, girando umas com as outras, se reproduzindo. Eros em suas inumeráveis manifestações. Os tibetanos se referem às Bodhisattvas Pushpema, personificação das flores, e Lasema, a “Bela”, retratadas segurando um espelho em atitude coquete. Mantenha a consciência espontânea, pura, da Sabedoria-em-forma-de-Espelho. Ria alegremente das travessuras do processo vital, sempre a produzir formas em padrões atraentes para manter a dança em movimento. Se o viajante interpretar as visões de Eros nos termos de seus modelos pessoais de jogos sexuais, e tentar pensar ou planejar – “o que devo fazer? Que papel devo interpretar?” – é provável que ele escorregue para o terceiro Bardo. Tramas sexuais dominam sua consciência, o fluxo cai, empana-se o brilho do espelho, e ele renasce grosseiramente como um ser pensante e confuso.
Um outro impasse é a imposição de jogos de sintomas físicos ao fluxo biológico. As novas sensações somáticas podem ser interpretadas como sintomas. Se é novo, deve ser ruim. Qualquer órgão do corpo pode ser selecionado como o foco da “doença”. Pessoas cuja expectativa primária ao tomar uma substância psicodélica é médica são particularmente propensas a cair nesta armadilha. Médicos são, de fato, extremamente propensos e podem imaginar doenças coloridas e ataques fatais.
No caso dos psicodélicos mais amplamente usados , é seguro dizer que tais efeitos corporais praticamente nunca são efeito direto da droga. A droga age apenas sobre o cérebro e ativa padrões neurais centrais. Todos os sintomas físicos são criados pela mente. Indisposição física é um sinal de que o ego está lutando para manter ou recuperar o controle através da dissolução dos limites emocionais.
Se a pessoa se queixar de sintomas físicos como náusea ou dor, o guia deve ler para ela as è INSTRUÇÕES PARA SINTOMAS FÍSICOS.
O equivalente colérico, negativo, desta visão ocorre se o viajante reage com medo ao poderoso fluxo de formas vitais. Tal reação é atribuída ao resultado cumulado da interpretação de scripts dominada por raiva e estupidez. Um mundo infernal pode seguir-se como um pesadelo. As formas visuais aparecem como um confuso caos de objetos feios, baratos, típicos de lojas de R$ 1,99 , vulgares e inúteis. A pessoa pode ficar aterrorizada ante a perspectiva de ser tragada por eles. Os impressionantes sons podem ser ouvidos como ruídos de rangidos, horríveis e opressivos. A pessoa tentará escapar dessas percepções por meio de atividades externas agitadas (conversar, ficar andando em círculos etc.) ou através de atividade mental analítica e conceitual.
A experiência é a mesma, e interpretação intelectual é diferente. Em vez de revelação, há confusão; em vez de calma alegria, há medo. O guia, ao reconhecer que o viajante está em tal estado, pode ajudá-lo a se libertar, lendo-lhe as è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO.
O Fluxo Flamejante de Unidade Interior.
Olhos fechados, estímulos exteriores ignorados, aspectos emocionais.
As instruções do Primeiro Bardo devem mantê-lo(a) face a face com o êxtase-de-vazio. Ainda existem classes de homens que, tendo carregado conflitos cármicos a respeito de inibições de sentimentos, mostram-se incapazes de manter a experiência pura além de quaisquer sentimentos, e escorregam para visões de caráter emocional. A energia indiferenciada do Primeiro Bardo é tecida em jogos visionários na forma de sentimentos intensos. Pulsantes, estranhas e intensas sensações de amor e unidade serão sentidas; o equivalente negativo são sentimentos de afeição, cobiça, isolamento e preocupações com o corpo.
A coisa vem mais ou menos assim: o fluxo puro de energia perde sua qualidade nula e torna-se perceptível como sentimentos intensos. Um jogo emocional é imposto. Novas e incríveis sensações físicas pulsam através do corpo. O brilho da vida é sentido fluindo pelas veias. A pessoa dilui-se num oceano unitivo de eletricidade fluida orgástica [A Deidade Pacífica do Bardo Thodol personificando esta visão é o Buda Amitabbha, a sabedoria e sentimento todo-criteriosos, luz ilimitada, representando a vida eterna. O Lama Govinda escreve que “A luz vermelho-escura da criteriosa visão interior, brilha do seu coração o fogo corresponde a ele e assim, de acordo com o antigo simbolismo tradicional, ao olho e à função da visão.” (Govinda, op. Cit., p.120). com o Bhagavan Amitabbha vem o Bodhisattva Chennazee, corporificação da compaixão e piedade, o grande piedoso sempre alerta para descobrir a angústia e socorrer quem está com problemas. Ele é acompanhado pela Bodhisattva “A Gloriosa de Voz Gentil”, e a mulher encarna a “música” e a “luz”.], o fluxo infinito de vida compartilhada, de amor.
Visões relatadas a respeito do sistema circulatório são comuns. O sujeito cai em sua própria rede arterial. O motor do coração reverbera com a pulsação da vida. O coração pára então, e o fogo rubro sangra para fundir-se com todos os seres vivos. Todos os organismos vivos estão vibrando juntos. Se está alegremente consciente da dança sexual elétrica de dois bilhões de anos de duração; se está por fim livre de roupas e membros robóticos e ondula-se na infinita corrente de formas vivas. Dominando esse estado extático está o sentimento de amor intenso. Você é uma parte alegre de toda vida. A lembrança das antigas desilusões da individualidade e diferenciação provoca gargalhadas exultantes. Toda a angulosidade dura, seca e frágil dos scripts de vida derrete-se. Você deriva – suave, úmido(a), quente. Fundido(a) com a vida. Você sente a si mesmo flutuando num mar quente. Sua individualidade e autonomia de movimentos estão desaparecendo umidamente. Seu controle capitula perante o organismo total. Feliz passividade. Unidade ondulante, orgástica, extática. Todas as preocupações são varridas para longe. Tudo é recebido ao mesmo tempo que é dado. Há revelação orgânica. Toda célula do seu corpo está cantando uma canção de liberdade – o universo biológico inteiro está em harmonia, libertado da sua (de você) censura e controle e de suas restritas ambições.
Mas espere! Você, você está desaparecendo na unidade. Está sendo arremessado(a) pela ondulação extática. Seu ego, aquele único e pequenino fio remanescente do self, grita: PARE! Você está terrificado(a) pela atração da radiante luz vermelha, transparente, ofuscante, gloriosa. Você se torce e sai do fluxo vital, puxado por sua intensa afeição por seus antigos desejos. Há uma terrível sensação quando suas raízes o separam da matriz vital – um rasgar de suas fibras e veias arrancadas do corpo maior ao qual você estava amarrado(a). E quando você tira a si mesmo(a) do fluxo flamejante de vida a vibração pára, o êxtase cessa, seus membros endurecem e enrijecem em formas angular, seu corpo de boneco de plástico recupera sua orientação. Então você se senta, isolado(a) do fluxo da vida, mestre impotente dos seus desejos e apetites, miserável.
Enquanto você vai deslizando pelo rio evolucionário, vem uma sensação de ilimitado poder individualizado. O deleite do fluir do pertencer cósmico. A descoberta estarrecedora de que a consciência pode sintonizar-se a um número infinito de níveis orgânicos. Há bilhões de processos celulares no seu corpo, cada qual com o seu universo de experiência – uma variedade sem fim de êxtases. As simples alegrias e dores e responsabilidades do seu ego representam um conjunto de experiências – um conjunto repetitivo e empoeirado. Quando você escorrega para o fluxo flamejante de energia biológica, séries e mais séries de conjuntos experienciais passam diante de seus olhos. Você não está mais enclausurado(a) numa estrutura de ego e tribo.
Mas através do pânico e de um desejo de encerrar-se no âmbito familiar, você interrompe o fluxo, abre os olhos; então a fluidez se perde. A potencialidade de se mover de um nível de consciência a outro se vai. Seu medo e o desejo de controlar o(a) levaram a instalar-se num sítio estático de consciência. Para usar a metáfora oriental ou genética, você congelou a dança da energia e comprometeu a si mesmo(a) a uma nova encarnação, e fez isso por causa do medo.
Quando isso acontecer, existem vários passos que podem levá-lo(a) de volta ao fluxo biológico (e dele para o Primeiro bardo). Primeiro, feche os olhos. Deite-se sobre seu estômago e deixe seu corpo descer pelo soalho, fundir-se com o que está em volta. Sinta as extremidades quadradas e duras do seu corpo amolecerem e começarem a se mover no fluxo sangüíneo. Deixe o ritmo da respiração transformar-se num marefluxo. O contato corporal é provavelmente o método mais eficaz de amaciar superfícies endurecidas. Sem movimentos. Sem jogos corporais. O contato físico com outro invariavelmente traz de volta a unidade do fluxo-flamejante. Seu sangue começa a fluir no sangue de outro. A respiração dele(a) joga ar em seus pulmões. Vocês dois derivam no ria capilar.
Outra forma de imagens do fluxo vital é o fluxo de sensações auditivas. A série infindável de sons abstratos (descritos na visão anterior) atravessa a consciência. A reação emocional a eles pode ser neutra ou pode envolver sentimentos intensos de unidade, ou de medo e aborrecimento.
A reação positiva ocorre quando o indivíduo funde-se com o fluxo sonoro. A batida surda do coração é sentida como um hino básico da humanidade. O som da respiração como o correr do rio de toda vida. Sentimentos irresistíveis de amor, gratidão e unidade se misturam no instante do som, dentro de cada nota do concerto biológico.
Mas, como sempre, o viajante pode intrometer-se com sua personalidade e as vontades e opiniões dela. Ele pode não “gostar” do barulho. Seu ego ajuizador pode ficar ofendido pelo sons da vida. A batida do coração é, afinal, monótona; a música natural do ouvido interno, com seus cliques e zumbidos e assobios, carece da simetria romântica de Beethoven. A terrível separação de “mim” do meu corpo ocorre. Horrível. Fora do meu controle. Desligue isso.
O guia treinado normalmente é capaz de perceber quando a ego-afeição ameaça puxar a pessoa para fora do fluxo unitivo. Nesse momento ele poderá guiar o viajante lendo as è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 3.
A Estrutura de Vibrações Ondulares de Formas Externas.
Olhos abertos e envolvimento com estímulos exteriores; aspectos intelectuais.
A luz pura e livre de conteúdos do Primeiro Bardo provavelmente envolve energia básica de ondas elétricas. Isto é inominável, indescritível, porque está muito além de quaisquer conceitos que possuamos agora. Algum físico atômico do futuro pode ser capaz de classificar essa energia. Talvez isto seja sempre inefável para um sistema nervoso tal qual o do homo sapiens. Pode um sistema orgânico “compreender” o enormemente mais eficiente inorgânico? Em qualquer evento, a maioria das pessoas, mesmo as mais iluminadas, acham impossível manter o contato experiencial com essa luz-nula e escorregam de volta à imposição de estruturas mentais, alucinatórias e revelatórias do fluxo.
Assim somos trazidos a outra visão freqüente que envolve intensa e unitiva consciência dos estímulos exteriores. Se os olhos estiverem abertos, essa super-realidade pode ser efetivamente visual. O impacto penetrante de outros estímulos pode também desencadear o imaginário revelatório.
A coisa acontece desta forma: A consciência do indivíduo é subitamente invadida por um estímulo de fora. Sua atenção é capturada, mas sua antiga mente conceitual não está funcionando. Mas outras sensibilidades estão. Ele experimenta sensações diretas. O “ser” bruto[9]. Ele vê não objetos, mas padrões de ondas luminosas. Ele ouve não “música” ou sons “significativos”, mas ondas acústicas. Ele está fascinado com a revelação súbita de que todas as sensações e percepções são baseadas em vibrações de ondas. Que o mundo em torno de si, que até agora tinha uma solidez ilusória, é nada mais que um jogo de ondas físicas. Que ele está envolvido num show televisivo cósmico que não tem mais substancialidade que as imagens na tela de sua televisão. [A Deidade Pacífica do Thodol personificando esta visão é Akshobhya. De acordo com o Lama Govinda, “Na luz da Sabedoria-em-Forma-de-Espelho (...) as coisas estão livres se sua ‘coisidade’ seu isolamento, sem estarem privadas de sua forma; estão despidas de sua materialidade, sem estar dissolvidas, porque o princípio criativo da mente, que está no botão de toda forma e materialidade, é reconhecido como o lado ativo da Consciência de Suprimento (alaya-vijnana) universal, na superfície da qual as formas se erguem e se vão, como as ondas na superfície do oceano . Govinda, op. Cit., p. 119).]
A estrutura atômica da matéria é, por suposto, intelectualmente conhecida por nós, mas nunca experimentada pelo adulto exceto em estados da consciência intensamente alterada. Aprender a partir de um livro de física sobre a estrutura ondular da matéria é uma coisa. Experienciá-la – estando nela – com as velhas, familiares, rudes coisas “sólidas” e seu conforto alucinatório distantes e indisponíveis, é uma coisa totalmente distinta.
Se essas visões supra-reais envolvem fenômenos ondulares, então o mundo exterior assume uma irradiação e uma revelação que são surpreendentemente claras. O insight experienciado de que o mundo existe na forma de ondas, imagens eletrônicas, pode gerar uma sensação de força iluminada. Tudo é experimentado enquanto consciência.
Essas radiações exultantes devem ser reconhecidas como produtos de seus próprios processos internos. Você não deve tentar controlar ou conceitualizar. Isto pode vir mais tarde. Há o perigo de congelamento alucinatório. O indivíduo corre (às vezes literalmente) de volta à realidade tridimensional, convencido da “verdade” de uma revelação experienciada. Muitos místicos mal-instruídos e muitas pessoas chamadas loucas caíram nesta armadilha. E como tirar uma foto de uma tela de TV e sair gritando que finalmente tomou-se posse da verdade. Tudo é o Maya extático-elétrico, a dança de ondas de dois bilhões de anos. Nenhuma parte dela é mais real que as outras. Tudo em todos os momentos está cintilando com todo o significado.
Até aqui temos considerado a irradiação positiva da claridade; mas há terríveis aspectos negativos na quarta visão. Quando o indivíduo sente que seu “mundo” está se fragmentando em ondas, ele pode ficar terrificado. “Ele”, “mim”, “eu” estão se dissolvendo! Espera-se que o mundo à minha volta esteja parado, estático e morto, esperando tranqüilamente por minha manipulação. Mas essas coisas passivas se transformaram numa dança cintilante de energia viva! A natureza maya dos fenômenos causa pânico. Onde está a base sólida? Toda coisa, todo conceito, toda forma sobre a qual alguém apoia sua mente entra em colapso e torna-se vibrações elétricas carentes de solidez.
O rosto do guia ou do amigo querido da pessoa transforma-se num mosaico de impulsos em seu córtex. “Minha consciência” criou tudo aquilo de que estou consciente. Eu esculpi meu mundo, meus entes queridos, eu mesmo. Todos são apenas padrões de energia cintilante. Em vez de claridade e força exultante, há confusão. O indivíduo cambaleia, agarrando-se a padrões de elétrons, esforçando-se para congelá-los de volta a suas funções robóticas familiares.
Toda a solidez se foi. Todos os fenômenos são figuras de papel grudadas na tela de vidro da consciência. Para o despreparado, ou para a pessoa cujo resíduo cármico acentue o controle, a descoberta da natureza ondular de toda estrutura, a revelação maya, é uma desastrosa rede de incertezas.
Temos discutido apenas os aspectos visuais da quarta visão. Os fenômenos auditivos são de igual importância. Aqui a natureza sólida e rotulada dos padrões auditivos se perde, e o impacto mecânico do som chocando-se contra o tímpano é registrado. Em alguns casos, o som converte-se em sensação pura, e ocorre a sinestesia (mistura de modalidades de sentidos). Os sons são experienciados como cores. Sensações externas chocando-se contra o córtex são consideradas como eventos moleculares, inefáveis.
As mais dramáticas visões auditivas ocorrem com música[11]. Assim como todo objeto irradia um padrão de elétrons e pode tornar-se a essência de toda energia, também ode toda nota musical ser sentida como energia nua temendo no espaço, eterna. O movimento das notas, como o bate-rebate dos feixes oscilográficos. Cada uma capturando toda a energia, a cota elétrica do universo. Nada existindo a não ser a nítida e aguda ressonância na membrana do tímpano. Revelações inesquecíveis a respeito da natureza da realidade ocorrem nesse momento.
Mas a interpretação infernal também é possível. Enquanto a estrutura de som aprendida entra em colapso, o impacto direto de ondas pode ser sentido como ruído. Para alguém que estiver obrigado pela ordem instituída, sua ordem, no mundo em volta de si, é pelo menos aborrecido e freqüentemente perturbador ter a tatuagem crua do som ressonando na consciência.
Ruído! Que conceito irreverente. Não é tudo ruído; toda sensação, o padrão divino de energia ondular, sem sentido a penas para aqueles que insistem em impor seu próprio sentido?
A preparação é a chave para uma passagem serena através desse território. O indivíduo que tenha estudado este manual será, quando face a face com o fenômeno, capaz de reconhecê-lo e fluir com ele.
O guia sensível estará pronto a perceber, a partir de qualquer deixa, que o indivíduo está vagando na quarta visão. Se os olhos do viajante estiverem abertos (indicando reações visuais), ele poderá ler as è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 4.
Se o guia sentir que o viajante estiver experienciando a fragmentação do som exterior em vibrações ondulares, ele pode corrigir apropriadamente as instruções (mudando das referências visuais para as auditivas).
As Ondas Vibratórias de Unidade Exterior.
Olhos abertos, ou envolvimento com estímulos exteriores; aspectos emocionais.
Wnquanto as percepções aprendidas desaparecem e a estrutura do mundo exterior se desintegra em fenômenos ondulares diretos, o objetivo é manter uma consciência pura, livre de conceitos (Primeiro Bardo). A despeito das preparações, é provável que se seja levado para trás por suas próprias inclinações mentais para duas interpretações, alucinatórias ou revelatórias, da realidade. Uma reação leva à claridade intelectual ou à apavorada confusão da quarta visão (descrita logo acima). Uma outra interpretação é a reação emocional à fragmentação das formas diferenciadas. Pode-se set engolfado na unidade extática, ou pode-se escorregar para o egoísmo isolado. O Brado Thodol chama a primeira de “Sabedoria da Igualdade” e o último de “atoleiro de existência mundana emergindo de egoísmo violento”. [A Deidade Pacífica da quarta visão vem na forma de Bhagavan Ratnasambhava, nascido de uma jóia. Ele é abraçado pela mãe divina, Ela dos Olhos de Buda, e acompanhado pelos Bodhisattva, matriz do céu, Todo-Bom, e daqueles portando incenso e rosário. “No plano elementar, Ratnasambhava corresponde à terra, que carrega e alimenta a todos os seres com equanimidade e paciência de uma mãe, a cujos olhos todos os seres, paridos dela, são iguais.” (Govinda, op. Cit., p.119)] no estado de unidade radiante, a pessoa sente que existe apenas uma rede de energia no universo e que todas as coisas e todos os seres sensíveis são manifestações momentâneas dos padrões simples. Quando interpretações egoístas são impostas à quinta visão, os fenômenos “boneco de plástico” são experienciados. Formas diferenciadas são vistas como inorgânicas, enfadonhas, padronizadas[12], surradas, plásticas, e todas as pessoas (incluindo si mesmo) são vistas como manequins sem vida isolados da dança vibrante de energia, que foi perdido.
Os dados experienciais desta visão são semelhantes aos da quarta visão. Toda estrutura artificial aprendida entra em colapso e retorna à forma de vibrações de energia. A consciência é dominada não por claridade reveladora, mas por unidade cintilante. O indivíduo é fascinado pelo jogo de forças rodopiante e silencioso. Estranhas formas dançam ao seu redor, todos os objetos em volta dele irradiam energia, emanações brilhantes. Seu próprio corpo é visto como um jogo de forças. Se ele se olha num espelho, vê um mosaico brilhante de partículas. A sensação de sua própria estrutura ondular torna-se mais forte. Uma sensação de derretimento, flutuação. O corpo não é mais uma unidade separada, mas um grupo de vibrações enviando e recebendo energia – uma fase da dança de energia que tem sido dançada por milênios.
Uma sensação de profunda unicidade, um sentimento de unidade de toda energia. Diferenças superficiais de papel, casta, status, sexo, espécie, forma, poder, tamanho, beleza, mesmo as distinções entre o inorgânico e a energia viva, desaparecem ante a visão extática de todos em um. Todos os gestos, palavras, atos e eventos são equivalentes em valor – todos são manifestações da consciência una que tudo permeia. “Você”, “Eu” e “Ele” se foram, “meus” pensamentos são “nossos”, “seus” sentimentos são “meus”. A comunicação é desnecessária, desde que exista comunhão completa. Uma pessoa pode sentir as sensações e o humor de outra diretamente, como se fossem os seus próprios. Por um olhar, palavras e vidas inteiras podem ser transmitidas. Se todos estão em paz, as vibrações estão “em fase”. Se há discórdia, aparecerão vibrações “fora de fase” que serão sentidas como música dissonante. Os corpos se derretem em ondas. Objetos no ambiente – luzes, árvores, plantas, flores – parecem se abrir e lhe dar boas vindas: eles são parte de você. Vocês todos são simplesmente pulsos diferentes das mesmas vibrações. Uma sensação pura de harmonia extática com todos os seres é a tônica desta visão.
Mas, como antes, pode haver medo. A unidade requer o auto-sacrifício extático. A ego-perda traz assombro ao despreparado. A fragmentação de formas em ondas traz o mais terrível temor conhecido do homem: a revelação epistemológica final.
A verdade da matéria é que todas as formas aparentes de matéria e corpo são grupos momentâneos de energia. Somos pouco mais que tremulações uma tela de TV multidimensional. A realização diretamente experienciada pode ser deleitosa. Você subitamente acorda de uma ilusão de formas separadas e fisga a dança cósmica. A consciência desliza pelas matrizes ondulares, silenciosamente, na velocidade da luz.
O terror vem com a descoberta da transitoriedade. Nada é fixo, nenhuma forma é sólida. Tudo o que você possa experienciar “não é nada além” de ondas elétricas. Você se sente afinal trapaceado. Uma vítima de um grande produtor de televisão. Desconfiança. As pessoas ao seu redor são robôs sem vida da TV. O mundo ao seu redor é uma fachada, um cenário de palco. Você é uma marionete indefesa, um boneco de plástico num mundo de plástico.
Se outros tentam ajudar, eles são vistos como se fossem feitos de madeira, figuras de cera, sem sentimentos, frios, grotescos, maníacos, monstros de ficção científica. Você é incapaz de sentir. “Estou morto. Não voltarei a viver e sentir novamente.” Em pânico você pode tentar forçar o sentimento a voltar – por uma ação, um grito. Então você entrará no estágio do Terceiro Bardo e renascerá de maneira desagradável.
O melhor método para escapar dos terrores da quinta visão é relembrar este manual, relaxar, e balançar com a dança ondular. Ou comunicar ao guia que você está na fase do boneco de plástico, e ele o guiará de volta.
Uma outra solução é mover-se rumo ao fluxo biológico interior. Siga as instruções dadas na terceira visão: feche os olhos, deite-se de bruços, procure o contato corporal, flutue no seu fluxo corporal. Fazendo assim, você está recapitulando a seqüência evolutiva. Por bilhões de anos, a energia inorgânica dançava no ciclo cósmico antes de o ritmo biológico começar. Não a apresse.
Se o guia sentir que a pessoa está experienciando visões de boneco de plástico ou estiver com medo da incontrolabilidade de suas próprias sensações, ele deve ler para ela as è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 5.
“O Circo Retinal”
Cada uma das visões do Segundo Bardo até aqui descritas era um aspecto da “experienciação da realidade”. O fogo interior ou as ondas exteriores – apreendidos intelectualmente ou emocionalmente – cada visão com suas armadilhas correspondentes. Cada uma das “Deidades Pacíficas” aparece com suas “Deidades Coléricas” auxiliares. Manter quaisquer dessas visões por qualquer período de tempo requer um certo grau de concentração ou “unidirecionidade” da mente, da mesma forma que a capacidade de reconhecê-las e não sentir medo. Assim, para a maioria das pessoas, a experiência pode passar por uma ou mais destas fases sem que o viajante seja capaz de segurá-las ou ficar com elas. Ele pode abrir e fechar os olhos, pode ficar alternadamente absorto em sensações internas ou em formas externas. A experiência pode ser caótica, bela, emocionante, incompreensível, mágica, mutante. [No Bardo Thodol, no sexto dia aparecem as luzes radiantes das Cinco Sabedorias combinadas dos Dhyani-Budhas, as deidades projetivas (guardiãs da mandala) e os Budas dos Seis Reinos do jogo-existência. De acordo com o Lama Govinda: “O Caminho Interior de Vajra-Sattva consiste na combinação dos raios das Sabedorias dos quatro Dhyani-Buddhas e sua absorção pelo próprio coração da pessoa – em outras palavras, no reconhecimento de que todas essas irradiações são emanações da própria mente da pessoa num estado de perfeita tranqüilidade e serenidade, um estado no qual a mente revela sua verdadeira natureza universal.” (Govinda, op. Cit., p. 262)].
Ele viajará livremente através de muitos mundos de experiência – do contato direto com imagens e formas do processo vital, ele pode passar às visões de “papéis” humanos. Ele pode ver e entender com clareza e brilho inimaginados vários scripts sociais e individuais que ele e os outros interpretam. Suas próprias batalhas na existência cármica (de scripts) parecerão deploráveis e risíveis. Liberdade extática da consciência é a tônica desta visão. A exploração de reinos inimagináveis. Aventuras teatrais. Encenações dentro de encenações dentro de encenações. Os símbolos tornam-se as coisas simbolizadas e vice-versa. Palavras tornam-se coisas, pensamentos são música, a música é cheirada, os sons são tocados, completa intercambialidade dos sentidos.
Todas as coisas são possíveis. Todos os sentimentos são possíveis. A pessoa pode “experimentar” vários humores assim como faz com peças de roupa. Os indivíduos e objetos giram, transformam-se uns nos outros, unem-se, fundem-se, dispersam-se novamente. Objetos exteriores dançam e cantam. A mente os toca como a instrumentos musicais. Eles assumem qualquer forma, significado ou qualidade que se lhes ordene. São admirados, adorados, analisados, examinados, trocados, feitos bonitos ou feios, grandes ou pequenos, importantes ou triviais, úteis, perigosos, mágicos ou incompreensíveis. Pode-se reagir a ele com maravilhamento, fascinação, humor, amor, repugnância, espanto, horror, deleite, medo, êxtase.
Como um computador com aceso ilimitado a qualquer programa, a mente vaga livremente. Lembranças pessoais e raciais borbulham à superfície da consciência, misturadas com fantasias, desejos , sonhos e objetos exteriores. Um evento no presente carrega-se de profunda significância emocional, um fenômeno cósmico torna-se idêntico com alguma peculiaridade pessoal. Problemas metafísicos são burlados e jogados de lado. “Processo primário” puro, chuva de associação espontânea, opostos se unindo, imagens se fundindo, condensando, mudando, entrando em colapso, se expandindo, unindo-se, conectando-se.
Essa visão caleidoscópica do jogo-realidade pode ser assustadora e confusa para um indivíduo malpreparado. Em vez de claridade requintada de percepção multinivelada, ele pode experienciar um caos confuso de formas incontroláveis, sem significado. Em vez de deleite ante as acrobacias brincalhonas do intelecto livre, haverá um apego angustiado a uma ordem ilusória. Podem ocorrer alucinações mórbidas e escatológicas, evocando repugnância e vergonha.
Como antes, essa visão negativa ocorre apenas se a pessoa tentar controlar ou racionalizar este panorama mágico. Relaxe e aceite o que vier. Lembre-se de que todas as visões são criadas por sua mente, as alegres e as tristes, as belas e as feias, as deleitosas e as terrificantes. Sua consciência é criadora, intérprete e espectadora do “circo retinal”.
Se o guia sentir que o viajante estiver ou permanecer na visão do “circo retinal”, pode ler-lhe as instruções apropriadas è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 6: “O CIRCO RETINAL”.
“O Teatro Mágico”
Se o viajante não for capaz de manter a serenidade passiva necessária à contemplação das visões anteriores (as deidades pacíficas), ele entra agora numa fase mais ativa e dramática. O jogo de formas e coisas torna-se o jogo de vultos heróicos, espíritos sobre-humanos e semideuses. [No Manual Tibetano, esta é descrita como a visão das cinco “Deidades Portadoras do Conhecimento”, arranjadas em forma de mandala, cada uma abraçada por Dakinis, numa dança extática. As Deidades Portadoras do Conhecimento simbolizam “o mais alto nível de conhecimento individual ou humanamente concebível, como o obtido na consciência dos grandes iogues, pensadores inspirados ou semelhantes heróis do espírito. Elas representam o último passo antes do ‘avanço’ em direção à consciência universal – ou o primeiro passo no retorno de lá para o plano do conhecimento humano”. (Govinda, op. Cit., p. 202). As Dakinis são corporificações femininas do conhecimento, representando os impulsos inspiracionais da consciência levando ao avanço. As outras quatro Portadoras do Conhecimento, além do central Senhor da Dança, são: o Portador do Conhecimento sustentando a terra, o Portador do Conhecimento de que tem poder sobre a duração da vida, o Portador do Conhecimento do Grande Símbolo, e o Portador do Conhecimento da Realização Espontânea.] Você pode ver figuras irradiantes em formas humanas. O “Senhor Lótus da Dança”: a imagem suprema de um semideus que percebe os efeitos de todas as ações. O príncipe do movimento, dançando num abraço extático com seu equivalente feminino. Heróis, heroínas, guerreiros celestiais, semideuses masculinos e femininos, anjos, fadas – a forma exata dessas figuras dependerá da tradição e do background da pessoa. Figuras arquetípicas nas formas de personagens das mitologias grega, egípcia, nórdica, celta, asteca, persa, indiana ou chinesa. As formas diferem, a fonte é a mesma: elas são corporificações concretas de aspectos da própria psique. Forças arquetípicas abaixo da consciência verbal são expressíveis apenas de forma simbólica. As figuras freqüentemente são extremamente coloridas e acompanhadas de uma variedade de sons impressionantes e inspiradores. Se o viajante estiver preparado e num estado de espírito relaxado e desprendido, ele será exposto a uma apresentação deslumbrante e fascinante de criatividade dramática. O Teatro Cósmico. A Divina Comédia. Se seus olhos estão abertos, ele pode visualizar os outros viajantes como representando essas figuras. O rosto de um amigo pode transformar-se no de um garotinho, de um bebê, de um deus-menino; de uma estátua heróica, de um velho sábio; na de uma mulher, animal, deusa, mãe d’água, garotinha, ninfa, elfo, gnomo, leprechaun. Imagens de grandes pintores erguem-se como as representações familiares desses espíritos. As imagens são múltiplas e inesgotáveis. Uma viagem iluminada pelas áreas nas quais a consciência pessoal funde-se com o supra-individual.
O perigo é que o viajante fique aterrorizado ou indevidamente atraído por essas poderosas figuras. As forças representadas por elas podem ser mais intensas do que aquelas para as quais ele estava preparado. Incapacidade ou indisposição para reconhecê-las como produtos da própria mente levam a pessoa a fugir numa caçada animalística. A pessoa pode se envolver na caçada por poder, luxúria, riqueza e descer às lutas de renascimento do Terceiro Bardo.
Se o guia sentir que o viajante caiu na armadilha, as instruções apropriadas podem ser lidas è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 7: “O TEATRO MÁGICO”.
AS VISÕES COLÉRICAS
Pesadelos do Segundo Bardo.
Sete visões do Segundo bardo foram descritas. Em cada uma delas, o viajante poderá reconhecer o que viu e ser libertado. Multidões serão libertadas por esse reconhecimento; e embora multidões obtenham a libertação desta maneira, o número de seres sensíveis sentindo-se grandes, as poderosas obscuridades do mau carma se adensam, propensões de uma espera muito longa, a Roda da Ignorância e da Ilusão não fica nem esgotada nem acelerada. A despeito das confrontações, há uma enorme preponderância daqueles que vagam e caem sem ser libertados.
Assim, no Thodol Tibetano, depois de sete deidades pacíficas, vêm sete visões de deidades coléricas, cinqüenta e oito em número, masculinas e femininas, “cuspidoras de fogo, coléricas, bebedoras de sangue”. Essas Herukas, como são chamadas, não serão descritas em detalhes, especialmente porque os ocidentais estão sujeitos a experienciar as deidades coléricas de formas diferentes. Ao invés de ferozes demônios de muitas cabeças, é mais provável que sejam engolfados e moídos por uma maquinaria impessoal, manipulada por cientistas, aparelhos de tortura e outros horrores da ficção científica. [Algumas observações gerais a respeito da interpretação tibetana dessas visões. As Deidades Coléricas são consideradas “apenas as antigas Deidades Pacíficas num aspecto modificado”. O Lama Govinda escreve: “As formas pacíficas de Dhyani-Buddhas representam o mais alto ideal de Budidade] em sua condição estática, final, completa, do alcance final ou perfeição, vistas retrospectivamente como um estado de completo descanso e harmonia. As Herukas, por outro lado, são descritas como ‘bebedoras de sangue’, raivosas ou deidades ‘terrificantes’- são meramente o aspecto dinâmico do esclarecimento, o processo de se tornar um Buda, ou alcançar a iluminação, como simbolizado pela luta de Buda com a Multidão de Mara As figuras extáticas, heróicas e terrificantes, expressam o ato de avançar em direção ao impensável, o intelectualmente “Inalcansável”. Elas representam o salto por sobre o abismo, que boceja entre a consciência de superfície intelectual e a consciência-profunda supra-pessoal intuitiva.” (Govinda, op. Cit., pp. 198, 202)]
Os tibetanos consideram as visões de pesadelo primariamente como produtos intelectuais. As atribuem ao chakra do Cérebro, enquanto as deidades pacíficas são atribuídas ao chakra do Coração e as deidades Portadoras do Conhecimento ao chakra intermediário da Garganta. Elas são as reações da mente ao processo de expansão da consciência. Representam as tentativas do intelecto de manter suas fronteiras ameaçadas. Simbolizam a luta do avanço da consciência e do entendimento da ego-perda.
Por causa do terror e do espanto que causam, o reconhecimento é difícil. De certo modo é até mais fácil que, uma vez que alucinações negativas comandem toda a atenção, a mente esteja alerta e portanto através da tentativa de escapar do medo e do terror, as pessoas se envolvam em estados psicóticos e sofram. Mas com a ajuda deste manual e a presença de um guia, o viajante reconhecerá essas visões infernais assim que as vir, e lhes dará as boas vindas como a velhos amigos.
Aqueles que acreditem nesses doutrinas mesmo que elas pareçam incultas, irregulares no desempenho de deveres, inelegantes os hábitos, e talvez até incapazes de praticar a doutrina com sucesso – não deixem ninguém duvidar deles ou ser-lhes desrespeitoso, mas preste reverência a sua fé mística. Só isto já será capaz de torná-lo(a) apto(a) a alcançar a libertação. Elegância e eficiência da prática devocional não são necessárias – apenas conhecimento e confiança nesses ensinamentos.
A]s pessoas bem preparadas não precisam absolutamente experienciar as visões infernais do Segundo Bardo. Desde o início elas podem passar por estados paradisíacos guiadas por heróis, heroínas, anjos e superespíritos. “Elas se fundirão numa irradiação de arco-íris; haverá chuvas de sol, doce aroma de incenso no ar, música nos céus, irradiações.”
Este manual é indispensável para os estudantes que estejam despreparados. Os competentes em meditação reconhecerão a Serena Luz no momento da ego-perda e entrarão no Vazio-Cheio-de-Felicidade (Dharma-Kaya). Reconhecerão também as visões positivas e negativas do Segundo Bardo e obterão a iluminação (Sambhogha-Kaya); e renascerão num nível mais elevado e se tornarão inspirados santos ou professores (Nirmana-Kaya). O estudo e a busca do esclarecimento sempre podem ser retomados do ponto em que foram interrompidos pela última ego-perda, assegurando assim a continuidade do carma.
Através do uso deste manual, o esclarecimento pode ser obtido sem meditação, estudando-se a sós. Ele pode libertar mesmo os muito apegados aos scripts]. A distinção entre aqueles que sabem e aqueles que não sabem torna-se muito clara. O esclarecimento segue-se instantaneamente. Aqueles que forem alcançados por ele não terão experiências negativas prolongadas.
A visão concernente às visões do inferno é a mesma de antes; reconhecê-las como suas próprias formas-pensamentos; relaxar, flutuar rio abaixo. As è INSTRUÇÕES PARA AS VISÕES COLÉRICAS podem ser lidas. Se, depois disto, o reconhecimento ainda for impossível e a libertação não for obtida, então o viajante descerá ao Terceiro Bardo, o Período da Reentrada.
CONCLUSÃO DO SEGUNDO BARDO.
Mesmo que alguém já tenha feito muitas experiências, há sempre a possibilidade de ocorrerem desilusões nessas experiências psicodélicas. Aqueles com prática em meditação reconhecem a verdade assim que a experiência começa. Ler este manual antes é importante. Ter algum grau de autoconhecimento ajuda no momento da ego-morte.
A meditação nas várias formas arquetípicas positivas e negativas é muito importante para as fases do Segundo Bardo. Portanto, leia este manual, o tenha com você, lembre-se dele, grave-o na mente, leia-o regularmente; deixe que as palavras e os significados fiquem bem claros; eles não devem ser esquecidos, mesmo sobre extrema coação. Chama-se “A Grande Libertação pela Audição” porque mesmo as ações egoístas da consciência podem ser libertadas ao ouvi-lo. Se ouvido apenas uma vez, pode ser eficaz mesmo que não entendido, será lembrado durante o estado psicodélico, desde que então a mente esteja mais lúcida. Deve ser anunciado a todas as pessoas vivas; deve ser lido sobre todos os travesseiros; deve ser lido aos moribundos; deve ser transmitido.
Aqueles que tiverem acesso a esta doutrina são felizardos. Ela não é fácil de encontrar. Mesmo quando lida, é difícil de compreender. A libertação será obtida simplesmente não descrendo do que se ouvir disto.
O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS.Tradução automática,via ferramentas de idiomas.