domingo, 14 de março de 2010
A NOITE MÍSTICA.
A Noite Mística (Noite Negra ou Noite Obscura) da alma é o vestibular da ascensão mística. Em diversas predicações Santo António referiu-se à Noite Mística como processo necessário à purificação e preparação da alma para atuar em um plano mais elevado de consciência. Nesse sentido, o Santo referiu-se à Noite como a obscuridade dos místicos - 'mysticorum obscuritas'. A Noite não tem, ordinariamente, a duração da noite física. A Noite tem começo (Conticínio), meio (Meia-Noite) e fim (Aurora), e o tempo de duração é individual. Durante sua manifestação, a Noite tem e traz conseqüências terríveis, dentre as quais o Santo aponta: 'privação da luz da razão; o ser torna-se frágil e o conhecimento adequado de nada adianta; o eu interior fica em trevas e o homem é tentado a tudo abandonar (trevas da consciência); a claridade tentadora da prosperidade mundana entenebrece a alma e se transmuda em caligem da morte; a noite é um amplo campo de adversidade em que a alma anda às apalpadelas sem consciência de si mesma'. A Noite é, pois, uma etapa da reintegração (regeneração) do homem à sua imaculada, cósmica e divina origem. E, nesse aprendizado, terá que eliminar, minimamente, a soberba do coração, a lascívia da carne, a avareza do mundo, a ira, a vanglória, a inveja e a gula, que compõem as sete violações capitais enunciadas na teologia católica.
A Conticínio ('Conticinium').
É a primeira fase da Noite em que tudo está silente. É o tempo em que são satisfeitas as seduções blandiciosas da carne - 'carnis suavia blandimenta'. O Santo ensinou que, para vencer as tentações próprias do Conticínio, é preciso meditar sobre as iniqüidades praticadas, considerar o exílio (e desejar ardentemente a reintegração) e contemplar o Criador. Auxiliado pela razão e pela discrição, o principiante vai subindo, degrau por degrau, a escada da crucifixão: a razão dominando os sentidos e esclarecendo sobre o bom caminho. Assim, derramando lágrimas, envergonhado, vexado e cabisbaixo vai o postulante trilhando a senda que levará à iluminação. Lentamente, os sentidos físicos e os apetites do corpo vão sendo dominados, e os incipientes passam para o estádio de aproveitantes (fase da Meia-Noite). Porém, no que concerne ao sofrimento moral, este se vai intensificando. É o reconhecimento tácito da queda, do afastamento da Luz, do exílio de Deus, da consciência plena da ainda permanência nas trevas. É a angústia por desejar alcançar a Luz Maior, por desejar ardentemente realizar o Cristo Interno e, em graça total, contemplar o Criador. É o desespero por ter, tenuemente, vislumbrado a possibilidade de se tornar uno com o Pai - o Deus de seu coração - e de não ter podido ainda realizar o sonho dos sonhos. É uma dor lancinante. Um desespero sufocante. Um horror atemorizante. É a Noite Negra. É a crucificação individual. É o inferno interior. É a compreensão do exílio da Vida. A Noite Negra traz à lembrança a fase negra da Crisopéia.
A Meia-Noite ('Media Nox').
A segunda fase da Noite Obscura equivale para Santo António, ao período de luta espiritual em que a alma, vendo-se no exílio deste mundo, dele procura libertar-separa, depois 'poder chegar à contemplação de Deus e unir-se com Ele por amor'. O aproveitante (aproveitado) já convencido do erro da vaidade suplica cheio de fé, de amor e de esperança, força para suportar o exílio. À medida que acorda, recorda-se da vida antiga e, envergonhado, humilhado, sentindo-se desprezível, chora amargamente. É o pleno reconhecimento do erro. Nu, perante si mesmo e perante o Criador [ele próprio], confessa-se ao Deus de seu coração e clama por perdão. E perdoa aos que o perseguem e caluniam, aos que o aviltam e ofendem, aos que escarnecem, pois sabe que esses não o compreendem, mas que, inexoravelmente, um dia subirão também o primeiro degrau da Noite Negra. E se compromete a, nessa hora, estar presente para ajudar no que for possível e permitido, para amparar em cada queda, para consolar quando a dor e a vergonha forem mais intensas. Esse é o verdadeiro sentido do perdão, da humildade, da fraternidade e do amor universal em um sentido teológico. É a tomada de consciência pelo aproveitante de que todos, em última instância são unos entre si e com o Pai, ainda que exilados. A Meia-Noite faz recordar o branco da Grande Obra. É também uma possibilidade para explicar o Mito da Caverna, de Platão. Voltar para ajudar e servir é um supremo ato de sacrifício e de amor. Aqueles que voltaram sabem. Entretanto, não há essa referência consignada na obra antoniana.
A Aurora ('Aurora').
A Aurora - bendita Aurora - é o último estágio da Noite Mística, e se assemelha ao vermelho da Alquimia Operativa. Santo António assim a delineia:
"É a infusão da graça divina.
A alma pôde justificar-se ou tornar-se justa.
A alma se torna reta e ereta.
A Aurora é o fim da Noite e o princípio do Dia.
Ela é o fim da miséria e a entrada na beatitude.
É o último estádio da ascensão espiritual - o estado perfeito.
" a alma sente-se agora invadida por indizível alegria.
É a contemplação do Criador'.
Do exposto, pode-se simbolicamente deduzir e afirmar, que a Noite Obscura é um processo de purgação (uma verdadeira Alquimia Iniciática Interior) que o homem tem indubitavelmente que passar para alcançar o Deus de sua compreensão e realizar o Cristo interno. Iniciaticamente é desta forma que acontece. O Sol, que pretende simbolizar o Sol da Graça a ser alcançada, com sua claridade, brancura e calor, ilumina a alma em contrição. É com a luz do Sol das primeiras horas da manhã - símbolo do Sol interior - que são dissipadas as trevas da noite. É com o nascer do Sol místico que são esvaecidas a superstição e a ignorância. E o ser purificado, limpo e perfeito, entra na posse do conhecimento de seu Criador [que está, como sempre esteve e estará, em seu interior]. Esse Sol, depois de nascido, jamais se põe. Essa foi uma afirmação feita por Santo António e por todos aqueles que alcançaram a 'perfeição', e passaram pelo processo místico purgativo da Noite Negra da Alma. O ato derradeiro de humildade ao conquistar a Aurora é, assevera-se mais uma vez, o retorno à Caverna, para consolar e auxiliar os que ainda desconhecem a LLUZ. Repete-se: por evidente, esta reflexão não está presente em Frei António.
É exatamente isso, ou um pouco pior. Depende! Depende do tamanho e da intensidade das nossas paixões, dos nossos desejos e das nossas cobiças! Illuminatus Rodolfo D. Pizzinga.
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