sexta-feira, 23 de julho de 2010

As Transmutações.


SPHERA LUNAE – SEMPITERNUM - AUXILIUM.
Santo Agostinho duvida seriamente que Apuleio pudesse ser transformado em asno por uma feiticeira da Tessália. Teólogos dissertam longamente sobre a transmutação de Nabucodonosor em animal selvagem. Isto prova simplesmente que o eloqüente doutor de Hyppona ignorava os arcanos mágicos e que os teólogos em questão não eram muito adiantados em exegese. Temos de examinar, neste capítulo, maravilhas muito mais incríveis e, todavia, incontestáveis. Quero falar da licantropia ou transformação noturna dos homens em lobos, tão célebre nos serões dos nossos campos, pelas histórias dos lobisomens; histórias tão bem averiguadas, que, para explicá - las, a ciência incrédula atribuiu a manias furiosas e disfarces em animais.
M as semelhantes hipóteses são pueris e nada explicam. Procuremos alhures o segredo dos fenômenos observados neste assunto, e constatemos primeiramente:
1 º - Que nunca alguém foi morto por um lobisomem, a não ser por sufocação, sem efusão de sangue e sem ferimentos;
2º - Que os lobisomens acuados, perseguidos, feridos até, nunca morreram no mesmo lugar;
3 º - Que as pessoas suspeitas destas transformações sempre foram achadas nas suas casas, depois da caça ao lobisomem, mais ou menos feridas, às vezes moribundas, mas sempre na sua forma natural.
N ada no mundo, é mais bem atestado e mais incontestavelmente provado do que a presença visível e real do Padre Afonso de Liguori, junto ao Papa agonizante, enquanto que a mesma personagem era observada em sua casa, a uma grande distância de Roma, em oração e êxtase.
A presença simultânea do missionário Francisco Xavier em diversos lugares ao mesmo tempo não foi menos rigorosamente constatada.
Dirão que são milagres; responderemos que os milagres, quando são reais, são simplesmente fenômenos para a ciência. As aparições de pessoas que nos são caras, coincidindo com o momento da sua morte, são fenômenos da mesma ordem e que se podem atribuir à mesma causa.
Falamos do corpo sideral, que é o intermediário entre a alma e o corpo material. Este corpo fica acordado muitas vezes, enquanto o outro dorme, e se transporta com o pensamento em todo o espaço que a imantação universal abre diante dele. Assim estende, sem romper, o cordão simpático que o conserva unido ao nosso coração e ao nosso cérebro, e é o que torna muito perigoso o despertamento, em sobressalto, para as pessoas que sonham. Com efeito, uma comoção muito forte pode romper imediatamente o cordão e ocasionar subitamente a morte.
A forma do nosso corpo sideral é conforme o estado habitual dos nossos pensamentos, e modifica, com o tempo, as feições do corpo material. É por isso que Swedenborg, nas intuições sonambúlicas, via, muitas vezes, espíritos em forma de diversos animais.
Dizer, agora, que um lobisomem outra coisa não é senão o corpo sideral de um homem, de que o lobo representa os instintos selvagens e sanguinários, e que, enquanto seu fantasma passeia, assim, nos campos, dorme penosamente no seu leito e sonha que é um verdadeiro lobo. O que faz visível o lobisomem é a sobreexcitação quase sonambúlica causada pelos que têm medo dele, ou a disposição, mais particular das pessoas simples do campo, de pôr- se em comunicação direta com a luz astral, que é o meio comum das visões e dos sonhos.
Os golpes dados no lobisomem ferem realmente a pessoa adormecida, por congestão ódica e simpática da luz astral, por correspondência do corpo imaterial com o corpo material. Muitas pessoas acreditarão sonhar ao lerem semelhantes coisas, e nos perguntarão se estamos bem acordados, mas somente pediremos aos homens de ciência que reflitam sobre os fenômenos da gravidez e a influência da imaginação das mulheres sobre a forma do seu fruto. Certa mulher, que assistira ao suplício de um homem que era rodado vivo, deu à luz uma criança que tinha os membros deformados. Expliquem -nos como a impressão produzida, na alma da mãe, por um horrível espetáculo, podia atingir e deformar os membros da criança, e explicaremos como os golpes dados e recebidos em sonho podem quebrar realmente e até ferir gravemente o corpo daquele que os recebe em imaginação, principalmente quando o seu corpo sofre e está submetido a influências nervosas e magnéticas.
É a estes fenômenos e leis ocultas que os produzem que é preciso relacionar os efeitos do enfeitiçamento de que temos de falar. As obsessões diabólicas e a maior parte das doenças nervosas que afetam o cérebro, são ferimentos feitos ao aparelho nervoso pela luz astral pervertida, isto é, absorvida ou projetada em proporções anormais. Todas as tensões extraordinárias e extranaturais da vontade predispõem às obsessões e doenças nervosas; o celibato forçado, o asceticismo, o ódio, a ambição, o amor repelido, são tantos princípios geradores de formas e influências infernais. Paracelso diz que o sangue regular das mulheres engendra fantasmas no ar, os conventos, neste ponto de vista, seriam o seminário de pesadelos e poderíamos comprar os diabos a estas cabeças da hidra de Lerna, que renasciam sem cessar e se multiplicavam até pelo sangue das suas feridas.
Os fenômenos de possessão das Ursulinas de Loudun, tão fatal a Urbano Grandier, foram desconhecidos. As religiosas estavam realmente possuídas de histeria e imitação fanática dos pensamentos secretos dos seus exorcistas, transmitidos ao seu sistema nervoso pela luz astral. Elas recebiam a impressão de todos os ódios que este infeliz padre levantava contra si, e esta comunicação totalmente interior parecia a elas mesmas diabólica e milagrosas. Assim, nesse negócio todos estavam de boa fé, até Laubardemont, que, executando cegamente as sentenças adjudicadas pelo cardeal Richelieu, acreditava cumprir, ao mesmo tempo, os deveres de verdadeiro juiz, e tanto menos desconfiava de ser um criado de Pôncio Pilatos, quanto lhe era menos possível ver no cura de Saint-Pierre du Marche, que era um espírito forte e libertino, um discípulo do Cristo e um mártir.
As possessões das religiosas de Louviers são simplesmente uma cópia da de Loudun: os diabos inventam pouco e são plagiários uns dos outros. O processo de Gaufridi e Madalena de la Palud tem um caráter mais estranho. Aqui são as vítimas que acusam a si próprias. Gaufridi se reconhece culpado de ter tirado de várias, por um simples sopro nas narinas, a liberdade de defender- se contra as seduções. Uma jovem e bela mulher, de família nobre, insuflada por ele, conta, com maiores detalhes, cenas em que a lubricidade disputa ao monstruoso e ao grotesco. Tais são as alucinações ordinárias do falso misticismo e do celibato mal conservado.
Gaufridi e sua amante estavam obscecados pelas suas quimeras recíprocas, e a cabeça de um refletia os pensamentos do outro. Até o marquês de Sade não foi contagioso para certas naturezas debilitadas e doentias? O escandaloso processo do padre Girard é uma nova prova dos delírios do misticismo e das singulares nevroses que pode trazer após si.
Os desmaios de la Cadière, seus êxtases, suas cicatrizes, tudo isso era tão real como a depravação insensata e, talvez involuntária do seu diretor. Ela o acusou quando ele quis se afastar dela, e a conversão desta moça foi uma vingança, porque nada é tão cruel como os amores depravados. Um corpo poderoso que interviera no processo de Grandier para perder nele o sectário possível, salvou o padre Girard, para a honra da companhia. Grandier e o padre Girard, tinham, aliás, chegado ao mesmo resultado por caminhos bem diferentes, de que teremos de nos ocupar especialmente no décimo sexto capítulo.
Agimos pela imaginação sobre as imaginações dos outros, pelo nosso corpo sideral sobre os deles e pelos nossos órgãos sobre os seus órgãos. De modo que, pela simpatia, quer de atração, quer de obsessão, nós possuímos uns aos outros e nos identificamos com aqueles sobre os quais queremos agir. São as reações contra este império que, muitas vezes, fazem suceder às simpatias mais vivas a antipatia mais pronunciada. O amor tem por tendência identificar os seres; ora, identificando - os muitas vezes os faz rivais e, por conseguinte, inimigos, se o fundo das duas naturezas é uma disposição insociável, como, por exemplo, seria o orgulho; saturar igualmente de orgulho duas almas unidas é desuni - las, fazendo - as rivais. O antagonismo é o resultado necessário da pluralidade dos deuses.
Quando sonharmos com uma pessoa viva é o seu corpo sideral que se apresenta ao nosso na luz astral ou, ao menos, o reflexo deste mesmo corpo, e o modo como somos impressionados à sua vista nos revela, muitas vezes, as disposições secretas desta pessoa a nosso respeito. O amor, por exemplo, faz o corpo sideral de uma à imagem e semelhança do outro, de modo que o médium anímico da mulher que como que um homem e o do homem como que uma mulher. É esta mudança que os cabalistas quiseram exprimir de um modo oculto, quando dizem explicando um termo obscuro da Gênese: “Deus criou o amor, pondo uma costela de Adão no peito da mulher e a carne de Eva no peito de Adão, de modo que o fundo do coração da mulher é um osso de homem, e o fundo do coração do homem e carne de mulher ”; alegoria que certamente não é sem profundeza e sem beleza. No capítulo precedente, do que os mestres em Cabala chamam o embrionato das almas. Este embrionato, completo depois da morte da pessoa que possui outra, é, muitas vezes, começado na sua vida, quer por obsessão, quer por amor. Conheci uma jovem que tinha grande terror de seus pais e que praticou, de um momento para outro, contra uma pessoa inofensiva os atos que temia da parte dos pais. Conheci outra que, depois de ter tomado parte numa evocação em que se tratava de certa mulher culpada e atormentada, no outro mundo, por certos atos excêntricos, imitou, sem razão alguma, os atos da mulher morta. É a este poder oculto que é preciso atribuir a influência terrível da maldição dos pais, temida entre os povos da terra, e o verdadeiro perigo das operações mágicas, quando a pessoa não chegou ao isolamento dos verdadeiros adeptos.
Esta virtude de transmutação sideral, que existe realmente no amor, explica os prodígios alegóricos da baqueta de Circe. Apuleio fala de uma Tessaliana que se transformava em pássaro; ele se faz amar pela criada desta mulher, para surpreender os segredos da sua patroa, e só chegou a mudar- se em asno. Esta alegoria explica os mistérios mais ocultos do amor. Os cabalistas dizem ainda que, quando uma pessoa ama a uma mulher elementar, quer seja ondina, sílfide ou gnomide, imortaliza - se com a amada ou com esta morre.
Os seres elementares são homens imperfeitos e ainda mortais. A revelação de que falamos e que consideraram como uma fábula é, pois, o dogma da solidariedade em amor, que é o fundo do próprio amor e explica toda sua santidade e onipotência. Qual é, pois, esta feiticeira que muda seus adoradores em porcos e cujos encantos são destruídos desde que seja submetida ao amor? Ela a cortesã antiga, é a moça de mármore de todos os tempos. A mulher sem amor absorve e avilta tudo o que dela se aproxima; a mulher que ama espalha entusiasmo, nobreza e vida.
No último século, de um adepto, acusado de charlatanismo, e que era chamado em vida o divino Cagliostro. Sabemos que ele praticava as evocações e que foi vencido nesta arte pelo iluminado Schroepffer. É sabido que se vangloriava de ligar as simpatias e que dizia ter o segredo da grande obra; mas o que o tornava ainda mais célebre era um certo elixir de vida que dava instantaneamente aos velhos o vigor e a seiva da juventude. Esta composição tinha por base o vinho de Malvasia e se obtinha pela distilação do esperma de certos animais com o suco de várias plantas. Nós possuímos a sua receita e compreenderão facilmente por que devemos conserva- la oculta.Eliphas Levi - Dogma e Ritual da Alta Magia.

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