terça-feira, 31 de maio de 2011

A Gnose.


A gnose é um conhecimento esotérico que surgiu na Antiguidade. Desenvolveu-se no seio do cristianismo antigo, principalmente na Ásia Menor e no Egipto (Alexandria). A gnose contém elementos de antigas doutrinas provenientes da Grécia e da Babilónia, do judaísmo e do Egipto faraónico. Todas se orientaram para a exégese mística e esotérica dos mistérios cristãos. Na maior parte dos casos relacionam-se com ritos iniciáticos, capazes de provocar o êxtase.

Do ponto de vista da doutrina, a gnose revela uma surpreendente homogeneidade quando estuda os mistérios da "queda" e da "redenção" do homem. Pode-se dizer mesmo que a gnose vai mais longe do que a interpretação vulgar da revelação testamentária, uma vez que remonta às origens do acto criador e desenvolve uma tese que transcende os mitos bíblicos. Para esta doutrina, o problema do bem e do mal estão ligados ao conhecimento (gnose) e à ignorância.

Havia numerosas escolas gnósticas no passado. O cristianismo desse tempo via nelas uma espécie de heresia, mas, curiosamente, foi através dos escritos dos Padres da Igreja que a sua doutrina essencial chegou até nós.

Os Gnósticos

O termo "gnose" significa, em grego "conhecimento". Não se trata do conhecimento empírico do mundo físico, mas o conhecimento místico de Deus. Os gnósticos eram filósofos místicos. Diziam que o homem podia conhecer pela razão o segredo da divindade e a essência do mundo.

Alguns historiadores costumam considerar o gnosticismo como um ramo do cristianismo. Outros, porém, acham que o cristianismo cresceu com base no gnosticismo e que este é mais antigo que o cristianismo. Há, por certo, uma parcela de verdade tanto num como noutro ponto de vista.

Os Cristãos

No século I já existiam no seio das comunidades cristãs várias correntes em luta entre si. Na Revelação, de S. João, mencionam-se os herejes nicolaítas.

No século II acentuou-se a luta encarniçada entre seitas e correntes. As mais interessantes de todas foram os movimentos dos gnósticos, especialmente dos marcionitas, e o movimento dos montanistas. A Igreja desse tempo, que se apresentou como a Nova Profecia, tomou a defesa da pistis, a fé, e reagiu contra os "gnósticos", que eram partidários da salvação por meio do conhecimento (gnose). No entanto, o estudo da teologia gnóstica mostra até que ponto as teologias das várias confissões cristãs actuais lhes são devedoras de vários princípios dogmáticos.

A Influência dos Gnósticos

A doutrina gnóstica do Logos (o Verbo), passou para o cristianismo na figura de Cristo Salvador. Isto é visível, em especial, no quarto Evangelho (segundo S. João), impregnado de espírito gnóstico: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus...1".

Há um livro, chamado Tratado Tripartido, escrito por um gnóstico (Heraclião, discípulo de Valentim), que expõe a concepção trinitária de Deus, composto de Pai, Filho e Ekklésia, na acepção que lhe dá Hermes: "comunidade mística de fiéis". Quase um século antes do concílio de Niceia, Heraclião concebe a trindade tal como irá penetrar no dogma católico: o Pai, o Filho e o Pneuma/ Espírito Santo.

Outro livro, intitulado Pistis Sophia, é uma espécie de romance filosófico em que Jesus e Sofia (a Sabedoria) desvendam a complexidade do universo regido por uma coorte de entidades, no seio das quais a alma procura, em peregrinação iniciática, a luz da salvação. O Pistis Sophia, que se pode considerar o "Livro dos Mortos" cristão, revela a vontade de pôr em concordância a gnose (conhecimento intelectual) e a pistis (fé).

Na época, porém, a corrente cristã intelectual foi vencida pelo cristianismo popular, pouco inclinado a deixar-se arrastar para tais especulações.



Glossário

Dogma. Do grego, com sentido de "decreto", "mandato". Desde o século XVIII significa uma imposição doutrinal sem base crítica dos seus princípios, apenas fundamentada na autoridade.

Exégese. Do grego, "explicação" ou "interpretação". Ciência que estuda o sentido de um texto, uma palavra ou uma frase.

Heresia. Separação, eleição. A palavra deriva do grego airesis, que significa ruptura, separação. No âmbito religioso, é considerado como heresia o desvio, opção, opinião particular ou não, que se afasta ou separa da doutrina oficial da Igreja.

Marcião. Rico armador de Sínope, no Mar Negro. Em 144 funda um movimento, por estar em desacordo com os presbíteros acerca de diversas passagens do Antigo Testamento. O seu movimento durou séculos, florescendo na Idade Média.

Nicolaítas. Um dos numerosos grupos gnósticos que surgiram no século I. Havia outros, como os ofitas, cainitas, etc. Cf. Ap., 2, 6 e 15.

Valentim. Membro da principal escola gnóstica, a egípcia. Foi a escola que produziu o sistema de maior maturidade. Valentim viveu em Roma entre 160-170 d.C.

Padres da Igreja. São os autores que reúnem as quatro condições seguintes: 1. Ortodoxia na doutrina; 2. Santidade de vida; 3. Aprovação da Igreja; 4. Antiguidade. Há "Doutores da Igreja" que não foram considerados "Padres da Igreja".
Bibliografia.

Orbe, Antonio – La Teologia dei Secoli II e III, Il Confronto della Chiesa con lo Gnosticismo, Vol I: Temi Veterotestamentari, Pontificia Università Gregoriana, Roma, 1995; Tokarev, Sergei – História das Religiões, Edições Progresso, 1986; Vaneigem, Raoul – As Heresias, Edições Antígona, Lisboa, 1995; Visieux, Dominique – La Pistis Sophia et la Gnose, Pardès, 1988.

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