sexta-feira, 12 de outubro de 2012
A Passagem.Jean Bazerque.
O simples bom senso deveria ser suficiente para se compreender que, no organismo humano, o mau funcionamento de uma pequena engrenagem pode comprometer muitos sonhos. Mas escondemos a morte. Nós a temos sempre na mente porque ela se impõe independente de nós mesmos; mas nunca falamos dela. Outrora, fazia-se o sinal da cruz; hoje em dia, bate-se na madeira. Portanto, a despeito de se fazer isso ou não, quer o queiramos ou não, ela estará lá na sua hora. O homo-sapiens, diferentemente do animal, pensa, mas é tomado de cegueira quando se trata de ver o que é essencial; como se o essencial fosse justamente não pensar nisso! A que seria devida esta obstinação no desinteresse?
É calúnia pretender que com sua pompa fúnebre, suas missas, seu cerimonial, a religião católica tenha contribuído em grande parte para a tristeza da perspectiva da última viagem. Diz-se que no tempo do cristianismo primitivo os enterros se efetuavam com acompanhamentos de cantos alegres, em cortejos de jovens vestidos de branco agitando palmas. Seria essa angústia do mistério da vida de além-túmulo, que não tem podido comover as religiões, o que aperta os corações das testemunhas na partida para a viagem aparentemente sem retorno?
Não é essencial que o Espiritismo tenha trazido ao homem o conhecimento, pela intermediação dos médiuns, de uma parte das leis que regem a vida, a descrição do estado dos seres (entrantes e retirantes) após a grande partida?
O essencial é que o Espiritismo, procurando sob o véu, traz ao ser sofredor um clarão de esperança que dá a certeza da sobrevivência do ser querido.
NÃO! O ESSENCIAL NÃO ESTÁ NAQUILO QUE TU ÉS.
A confiança na vida futura não exclui as apreensões provocadas pelo desconhecimento da passagem de uma vida à outra. A ciência e a religião são mudas nesse assunto porque lhes falta, a uma e outra, o conhecimento das leis que regem as relações do espírito e da matéria; uma se detém no limiar da vida material e a outra em fazer artigo de fé. O Espiritismo dá alguns passos a mais; pelas manifestações mediúnicas daqueles que deixaram a vida terrestre, permite uma visão mais completa da questão.
A passagem para o lado de lá é diferente para cada indivíduo, em função de certas leis decorrentes das vidas anteriores e das leis da reencarnação, às quais os seres humanos estão submetidos. A grosso-modo as diversas situações tornaram-se conhecidas após a aurora do Espiritismo; é fácil tomar conhecimento do assunto nas obras de Allan Kardec, particularmente em "O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina" onde se encontram as descrições para toda sorte de situações.
Para facilitar a compreensão da passagem do estado de encarnado (a vida terrestre) ao estado de desencarnado (a vida no lado de lá), nós decompusemos aqui o movimento esquematicamente em quatro fases sucessivas (os quatro pontos cardinais do espaço) que têm apenas um valor didático, porque de fato essas fases são variáveis segundo o grau de evolução espiritual de cada um.
A primeira fase é a separação da alma do corpo físico.
A segunda fase é o estado de perturbação, de inconsciência, no qual a alma se encontra com muita freqüência, para não dizer sempre, após seu desligamento.
A terceira fase é o momento em que o espírito reconhece sua nova situação.
A quarta é o período mais penoso; freqüentemente o espírito tem uma visão exata do que se tinha imposto fazer ao longo de sua vida terrestre e do que fez em realidade. De uma maneira geral, este exame não lhe dá nenhuma satisfação, causando-lhe remorso e desejo de reparação.
Essas situações são perfeitamente conhecidas graças ao Espiritismo e aos livros de divulgação de Allan Kardec; pode-se dizer que a questão está ali perfeitamente tratada, assim não nos retardaremos a descrevê-las sobre o plano teórico, contentando-nos em publicar algumas manifestações espirituais relevantes no curso de nosso trabalho.
A primeira fase da desencarnação, isto é a separação do espírito do corpo físico, malgrado o aspecto dramático que freqüentemente possui, é a fase menos penosa. Assim quando uma pessoa morre subitamente, em seguida a uma embolia, por exemplo, ouvimos esta reflexão: «Ela teve uma boa morte» porque não sofreu. Atendo-nos aos fatos, lembramos que a mãe de um dos irmãos do Grupo morreu subitamente em seguida a uma embolia e ele foi procurar a Irmã Maria Munoz, nossa fundadora, que ao ver o corpo lhe disse: "Ela não está mais aí", a separação da alma e do corpo foi efetivamente constatada pela médium vidente.
Exemplos de visões da partida do espírito dos moribundos tem sido objeto de numerosas narrativas nos conhecidos livros espíritas de Ernesto Bozzano ou de Flammarion. Não acrescentaremos nada mais a isso.
Eis o ponto de vista de Allan Kardec em seu livro "O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina" para o que é a primeira fase:
"A extinção da vida orgânica leva à separação da alma e do corpo pela ruptura dos laços fluídicos que os une; mas esta separação não é nunca brusca; o fluido perispiritual se desliga pouco a pouco de todos os órgãos de modo que a separação não está completa e absoluta senão quando não reste mais um só átomo do perispírito unido a uma molécula do corpo. A situação dolorosa que a alma experimenta nesse momento é em razão da soma dos pontos de contato que existem entre o corpo e o perispírito e da maior ou menor dificuldade e lentidão que apresenta a separação. Não é preciso então se dizer que, segundo as circunstâncias, a morte pode ser mais ou menos penosa”.
Colocamos inicialmente, como princípio, as quatro circunstâncias seguintes, que podem ser observados como situações extremas, entre as quais há uma infinidade de nuances:
Se no momento da extinção da vida orgânica, o desligamento do perispírito estivesse completamente operado, a alma não sentiria absolutamente nada.
Se nesse momento a coesão dos dois elementos está em toda sua força.
Se a coesão for fraca, a separação é fácil e se opera sem abalo.
Se, após a cessação completa da vida orgânica, existisse ainda numerosos pontos de contato entre o corpo e o perispírito, a alma poderia sentir, até que os laços estivessem totalmente rompidos, os efeitos da decomposição do corpo e com mais forte razão as chamas em caso de incineração do corpo.
Do acima, resulta que o sofrimento que acompanha a morte está subordinado à força de aderência que une o corpo e o perispírito; que, para ajudar a diminuição dessa força e a rapidez do desligamento, tudo o que pode ser feito for operado sem nenhuma dificuldade, a alma não experimentará nenhuma sensação desagradável.
Na passagem da vida corporal à vida espiritual, produz-se ainda um outro fenômeno de importância capital; é o da perturbação.
Este ensinamento de Allan Kardec resulta de sua experiência mediúnica, das mensagens dos guias instrutores espirituais, de manifestações de espíritos no momento de seu desencarne e não, como o pretendiam certos detratores, de sua inteligência fértil. Temos a sublinhar que essas mensagens, como ele as teve, os grupos sérios continuam recebendo atualmente. A fonte não está seca.
Não poderia deixar de ser dito que, quanto mais o espírito é evoluído espiritualmente ou elevado no plano moral, menos ele tem laços com seu corpo carnal e a separação se faz mais facilmente, sem choques e sem sofrimento. O caso mais rápido que conhecemos é aquele da partida de nossa fundadora, a irmã Maria Munoz; ela estava sentada sobre sua poltrona onde, impotente, passava seus dias, e deixou seu corpo escrevendo: « Viva a liberdade ». Evidentemente, ela se referia à liberdade espiritual. No retorno do enterro do corpo, os irmãos do grupo estavam reunidos na sua pequena barraca, ela tomou o médium falante e deu uma mensagem censurando inicialmente os irmãos lacrimosos por não haverem compreendido nada dos ensinamentos, pois que se lamentavam enquanto ela estava toda alegre de ser liberada desta prisão carnal que era seu corpo fatigado, e de se encontrar entre os irmãos espirituais que a acolheram no espaço. Ela tinha seguido o cortejo fúnebre andando ao lado de seus companheiros humanos e estava sabendo de tudo.
Caso nos seja dado assistir à partida de irmãos no instante crucial, podemos ajudá-los dando passes fluídicos no corpo para facilitar o desligamento da alma. Uma prece, em tal momento, ajuda também a separação.
As preces podem ser encontradas no livro de Allan Kardec "O Evangelho segundo o Espiritismo" (cap. 28): ‘prevendo sua morte próxima’ (40), ‘por um agonizante’ (57), ‘por alguém que acaba de morrer’ (59 a 61). Nós as assinalamos não por convicção religiosa, mas por experiência. Conhecemos a força e a eficácia do pensamento. O defunto, mesmo estando invisível ainda que presente na câmara mortuária (os médiuns videntes o vêem inconscientes ou semiconscientes), na sua perturbação, capta os pensamentos das pessoas da assistência. Espíritos têm se comunicado dizendo ouvir os cantos da cerimônia religiosa ou as preces da missa, ainda que ignorem que são para eles.
Um filósofo disse que o sono é uma pequena morte.
É certo que durante o sono, abandonando o corpo em repouso, nosso espírito percorre o espaço para efetuar um certo trabalho durante um tempo mais ou menos longo. Geralmente não temos consciência disso. Algumas vezes, na hora de acordar, o sonhador pode guardar a lembrança de sua atividade espiritual; esse fenômeno é provocado por seu guia visando sua informação. Vários membros do Grupo têm vivenciado esta experiência. O fato de ver seu próprio corpo esticado, inerte, sobre a cama, produz um pequeno choque quando não se está habituado, porque pensamos que se trata da grande partida.
Eis aqui um exemplo:
Uma jovem médium estudante em meio católico se perguntava com certa angústia o que se pode sentir no momento da morte quando se tem medo desse evento. Seu guia espiritual provocou a seguinte experiência educativa, durante seu sono, que ela conta assim: "Estou estirada e experimento uma ânsia de vomitar em todas as partes de meu corpo: os cabelos, as unhas, os dedos, etc... e por três vezes alguma coisa me aspirou por toda parte. Na terceira aspiração alguma coisa se desligou e me encontrei de pé, meu corpo estando inerte diante de mim, aos meus pés. Penso: ”É isso a morte? A morte, não é ausência total de tudo“. Experimento a ânsia de partir e me volto para me afastar. Não vejo nada nem ninguém em torno de mim. Uma vontade superior à minha me ordena: "É preciso se reintegrar ao seu corpo". Recuso, mas esta vontade dominante se impõe. Sem saber como, encontro-me instantaneamente incorporada, com uma impressão muito forte de repugnância ao contato de meu corpo, desta carne. Recupero-me logo após."
Esta má impressão de repugnância continuou a ser sentida durante várias semanas após esta experiência.
De um outro ponto de vista, eis a descrição que fez uma testemunha espiritual da primeira fase de uma desencarnação à qual ele assistiu como espírito. A voz desconhecida que lhe deu explicações é a de seu guia espiritual. Esta narração é feita pela intermediação do médium falante em transe, irmão M.B.:
"Assisti um dia à partida de uma alma no momento em que ela deixava seu corpo. Ela formava um vapor claro que se desligava lentamente e que eu distinguia perfeitamente. Percebi em seguida algo como um gás, mais sombrio, menos nítido, quase invisível, que era atraído pelo vapor, mas que, entretanto, permanecia ligado ao corpo. À medida que o vapor se afastava do corpo, esse gás se esticava, se alongava, mantendo sempre contato com o corpo. O vapor, retido por esta espécie de laço elástico voltava então, depois tentava de novo se desligar. Cada vez que se afastava, o sujeito parecia sofrer. Percebia-se isso por suas crises e suas lágrimas. O vapor voltava então para o corpo endurecido, mas não podia retomar contato, separado dele pelo gás.
Observei esse fato com atenção perguntando-me o que isso significava até que o quadro mudou. O vapor, percebendo a presença de uma pessoa que ali se encontrava, se dilata, se desliga e por um fenômeno de condensação, toma a forma de um fantasma. Qual não foi minha surpresa ao reconhecer nela a mesma imagem daquela do corpo inanimado que permanecia estendido. O gás também estava se desunindo do corpo e envolvia agora o vapor saído do corpo inanimado que permanecia estendido com uma espécie de corda enlaçada.
Observei isso perplexo até que escutei uma voz desconhecida me dando a seguinte explicação:
"O vapor irá logo embora. O gás permanecerá enganchado durante algum tempo e depois desaparecerá por sua vez".
Efetivamente, pouco depois, o fantasma se afasta e desaparece, levando com ele o gás sombrio, e não resta mais que o corpo imóvel e sem vida.
Tinha guardado na minha memória a impressão da forma deste vapor. Ora, algum tempo após, veio a mim este mesmo vapor, sob o mesmo aspecto daquele sob o qual o havia visto. Reconheci-o imediatamente, e no mesmo instante percebo a matéria etérea que formava o gás se separar do vapor. Este se transforma aos nossos olhos, tomando logo a aparência de um homem que me dirige a palavra pela primeira vez nesses termos:
« Sinto-me atraído para você, não sei porque. Pode me indicar a razão? »
Eu mesmo ignorava esse fenômeno e sua causa, assim me era bem difícil dar-lhe a mínima explicação. Não sabendo o que responder, contei-lhe textualmente o que tinha visto quando ele deixou seu corpo material, omitindo todavia a repetição das palavras pronunciadas por não sei quem, que eu havia nitidamente percebido. Tive então a surpresa de ouví-lo me dar esta resposta:
« Enfim, sinto-me aliviado. Se bem que não tivesse visto ninguém, o som de sua voz me fez bem. Há longo tempo que vivo em isolamento completo. Queria, entretanto, que me dissesse porque sua voz me atraiu, e como posso ouvi-lo sem o ver. »
Estava desolado de não poder lhe dar a explicação desse fato que eu mesmo não compreendia. Queria lhe dar uma satisfação, a fim de apaziguar a tristeza que adivinhava nele, mas não sabia como me expressar. Escutei então a voz desconhecida me dizer:
« Faça um apelo à sua memória; lembre-se da cena que você assistiu enquanto deixava a existência. Faça uma comparação com o que você mesmo passou e poderá lhe dar a explicação que ele pede.
Não se deu conta da rapidez com a qual você se desloca? Como é que você pode fazer, quase que instantaneamente, tão longa viagem através o espaço? Jamais se fez esta pergunta? E acredita você que o som poderia atravessar o vazio, para além da atmosfera onde, entretanto, você consegue ir facilmente? Não! Além do mais o som não poderia te alcançar em seus deslocamentos vertiginosos. É então impossível à voz chegar até você, e se ouves pronunciar estas palavras, é uma falsa impressão. Em realidade, é o seu pensamento que percebe diretamente as radiações que um outro pensamento emite e você tem a impressão de ouvir. O pensamento é este vapor que você viu, é a alma mesmo, imaterial, imponderável, infinita, sem forma, que continua a viver e a trabalhar no espaço.
Quando ela deseja se manifestar a outros espíritos, ela se envolve de seu invólucro semimaterial e toma a forma que tinha no momento de sua desencarnação. A alma pode então, por intermédio de seu envelope perispiritual, emitir vibrações que traduzem seu pensamento e que outros espíritos poderão captar e compreender. É o porque de você ter visto por duas vezes o espírito que acabou de lhe falar tomando a forma humana; o fato havia lhe intrigado então, você agora conhece a razão.
Se a alma desejar se manifestar diretamente a um ser encarnado, ela se aproxima dele e atrai o pensamento desse ser; este, exteriorizando-se parcial ou totalmente, pode então captar as radiações do pensamento; ela tem então a sensação de ouvir uma voz, ainda que em realidade não haja nenhuma emissão de som. Durante esta exteriorização o corpo permanece animado por esse gás sombrio que você tem visto e que não o deixa. »
Foi assim que pude ter uma luz sobre os fatos que me haviam intrigado fortemente porque sempre tenho procurado raciocinar e compreender os fenômenos aos quais me é dado assistir.
Que a paz e o amor estejam sobre vocês meus irmãos!»
Os estados da alma no momento da passagem são muito diversos. São as manifestações mediúnicas provocadas pelos guias que nos fazem conhecê-los. Os críticos religiosos gostam de nos lembrar a Lei: "Deixai os mortos enterrarem os mortos"; A11an Kardec já respondeu a esta objeção; mas quando sabemos a eficácia da ajuda que levamos àqueles que nos deixam, quanto esta objeção nos parece pueril e a Lei mal compreendida e mal interpretada. Compreender a diferença que há entre «evocar » e «invocar » é então uma necessidade.
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