quarta-feira, 31 de outubro de 2012

BRUXA SOLITÁRIA Rae Beth.

Que eu seja como algo que tece o pano na floresta, profundamente escondida. Que eu possa fazer o meu trabalho sem interrupção. Que eu seja uma exilada, se é este o sacrifício. Que eu conheça a procissão sazonada do meu espírito e do meu corpo, e possa celebrar os quartos em cruz, solstícios e equinócios. Que cada Lua Cheia me encontre a olhar para cima, nas árvores desenhadas no céu luminoso. Que eu possa acariciar flores selvagens, cobri-las com as mãos. Que eu possa libertá-las, sem apanhar nenhuma, para viver em abundância. Que meus amigos sejam da espécie que ama o silêncio. Que sejamos inocentes e despretensiosos. Que eu seja capaz de gratidão. Que eu saiba ter recebido a alegria, como o leite materno. Que eu saiba isso como o meu cão, nos ossos e no sangue. Que eu fale a verdade sobre a alegria e a dor, em canções que soem como aroma do alecrim, como todo dia e na antigüidade, erva forte de cozinha. Que eu não me incline à auto-integridade e à autopiedade. Que eu possa me aproximar dos altos trabalhos da terra e dos círculos de pedra, como raposa ou mariposa, e não perturbar o lugar mais que isso. Que meu olhar seja direto e minha mão firme. Que minha porta se abra àqueles que habitam fora da riqueza, da fama e do privilégio. Que os que jamais andaram descalços não encontrem o caminho que chega à minha porta. Que se percam na jornada labiríntica. Que eles voltem. Que eu me sente ao lado do fogo no inverno e veja as achas brilhando para o que vier, e nunca tenha necessidade de advertir ou aconselhar, sem que me peçam. Que eu possa ter um simples banco de madeira, com verdadeiro regozijo. Que o lugar onde habito seja como uma floresta. Que haja caminhos e veredas para as cavernas e poços e árvores e flores, animais e pássaros, todos conhecidos e por mim reverenciados com amor. Que minha existência mude o mundo não mais nem menos do que o soprar do vento, ou o orgulhoso crescer das árvores. Por isso, eu jogo fora minha roupa. Que eu possa conservar a fé, sempre. Que jamais encontre desculpas para o oportunismo. Que eu saiba que não tenho opção, e assim mesmo escolha como a cantiga é feita, em alegria e com amor. Que eu faça a mesma escolha todos os dias, e de novo. Quando falhar, que eu me conceda o perdão. Que eu dance nua, sem medo de enfrentar meu próprio reflexo.

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