contos sol e lua

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terça-feira, 18 de agosto de 2015

O BOTÃO DE ROSA.

O campo abrira o seio às expansões frementes das árvores senis, dos galhos viridentes. Caía a tarde fresca Loira, gentil, vivaz como a canção tudesca. A iluminada esfera Calma, profunda, azul como um sonhar de virgem, Dava um brilho-cetim às verdes folhas d'hera. No ar uma harmonia avigorada e casta, No crânio uma vertigem Duma idéia viril, duma eloqüência vasta. Tardes formosíssimas, Ó grande livro aberto aos geniais artistas, Como tanto alargais as crenças panteístas, Como tanto esplendeis e como sois riquíssimas. Quanta vitalidade indefinida, quanta, Na pequenina planta, No doce verde-mar dos trêmulos arbustos, Que misticismo, justos, Bebia a alma inteira ao devassar o arcano Das árvores titãs, das árvores fecundas Que tinham, como o oceano, Febris palpitações intérminas, profundas. Esplêndidas paisagens, Opunha o largo campo às vistas deslumbradas. As múrmuras ramagens, À luz serena e terna, à luz do sol - que espadas De fogo arremessava, em frêmitos nervosos, Pelo côncavo azul dos céus esplendorosos, Tinham falas de amor, segredos vacilantes Finos como os brilhantes. A música das aves Cortava o éter calmo, em notas multiformes, Límpidas e graves Que estouravam no ar em convulsões enormes. Aqui e além um rio Serpejava na sombra, em meio de um rochedo Áspero e sombrio. O olhar perscrutador, o grande olhar, sem medo E o espírito mudo, Como um herói gigante avassalavam tudo... Nuns madrigais risonhos Abria-se o país fantástico dos sonhos. Alavam-se os aromas Leais, inexauríveis Das largas e invisíveis Selváticas redomas. A seiva rebentava Em ondas - irrompia Na doce e maviosa e plácida alegria De uma ave que cantava, Dos belos roseirais Que ostentavam a flux as rosas virginais. E as jubilosas franças Dos arvoredos altos, Rígidos, atléticos, Derramavam no campo uns fluidos magnéticos Dumas vontades mansas. A doce alacridade ia explosindo aos saltos. E toda a natureza Robusta de saúde e estrênua de grandeza Libérrima e vital, Erguia-se pujante, audaz e redentora, No gérmen material da força criadora, Dentre a vida selvagem, mística, animal... Dos roseirais preciosos Nos renques primorosos, Numa linda roseira abria castamente, Como um sonho de luz numa cabeça ardente, O mais belo, o mais puro entre os botões de rosa. Tinha essa cor formosa, Tinha essa cor da aurora, Quando ensangüenta em rubro a vastidão sonora. Era um botão feliz Sorrindo para o Azul, zombando da matéria. Tinha o leve quebranto e a maciez etérea Que uma estrofe não diz. Das pétalas macias, Das pétalas sanguíneas, Doces como harmonias Brandas e velutíneas Uns perfumes sutis se espiralavam, raros, Pela mansão do Bem, pelos espaços claros. Perfumes excelentes, Perfumes dos melhores Perfumes bons de incógnitos Orientes. Matéria, não deplores O viver natural dos vegetais alegres; Eles são mais ditosos Que os nababos e reis nos seus coxins pomposos; E por mais que tu regres O matéria fatal, a tua vida inteira, No rigor da higiene; E por mais que a maneira Do teu grande existir, desse existir - perene De ironias e pasmos, Explosões de sarcasmos Tu completes, matéria - ó humanidade ousada Com a ciência altanada; E por mais que no século, Tu mergulhes a idéia, o prodigioso espéculo, Será sempre maior e exuberante e forte, Ó matéria fatal, Essa vida tão rica Que se corporifica Na valente coorte Do poder vegetal. Era um botão feliz, Cuia roseira, impávida, Ébria de aromas bons, ébria de orgulhos - ávida De completa fragrância, Palpitava com ânsia Desde a própria raiz. E entanto o sol tombara e triunfantemente Como um supremo Rubens, Jorrando à curvidade etérea do poente, O ouro e o escarlate, aprimorando as nuvens, Numa distribuição simpática de cores, De tintas e de luzes De galas e fulgores Rubros como o estourar dos férvidos obuses. O cérebro em nevrose, No pasmo que precede a augusta apoteose De uma excelsa visão perfeitamente bela, De uma excelsa visão em límpidos docéis, Exaltava o acabado artístico da Tela E o gosto dos pincéis. Caíam da amplidão em névoas singulares Os pálidos crepúsculos. Os fúlgidos altares Do homem primitivo - a relva, o prado, o campo Onde ele ia buscar a força de uma crença Que então lhe iluminasse a alma escura e densa, Morriam de clarões - os poderosos músculos Da fértil mãe de tudo - a natureza ingente - Deixavam de bater. - O olhar do pirilampo Oscilava, tremia - azul, fosforescente. As sombras vinham, vinham, Lembrando um batalhão d'espectros que caminham E a casta nitidez sintética das cousas Tomava a proporção das funerárias lousas. Completara-se então o mais extraordinário, O mais extravagante, Dos fenômenos todos: A noite. - Enfim descera a treva do Calvário, A treva que envolveu o Cristo agonizante. Coaxavam negras rãs nos charcos e nos lodos. A abóbada espaçosa, a física amplitude, Mostrava a profundez da angústia de ataúde De um operário pobre, Quando se escuta o dobre Amplíssimo e funéreo, Sinistro e compassado, Rolar pela mansão gloriosa do mistério, Assim com um soluço aflito, estrangulado. Devia ser, devia Por uma noite assim, Como esta noite igual, Que derramou Maria A lágrima da dor, - que o célebre Caim Sentiu dentro do crânio as convulsões do Mal. Mas o botão de rosa, Traído pelo estranho zéfiro da sorte, Rolou como uma cisma Intensa e luminosa Ardente e jovial em que a razão se abisma E foi cair, cair no pélago da morte, Em um dos mais raivosos, Em um dos mais atrozes Rios impetuosos, Cheios de surdas vozes, Sozinho, em desamparo, assim como um proscrito, Em meio à placidez Dos astros no infinito E à mesma irracional e fúnebre mudez. Depois e além de tudo, Além do grave aspecto inteiramente mudo, Ao tempo que morria O cândido botão - em um dos tantos galhos Virentes da roseira - alegre no ar se abria Um outro que ostentava as pétalas sedosas, As pétalas gracis de cores deliciosas, De cores ideais. As auras musicais Passavam-lhe de leve, Nos tímidos rumores, De um ósculo mais breve. E dentre a exposição das delicadas flores, Das rosas - o botão Aberto ultimamente às cúpulas austeras, Às plagas da esperança, a irmã das primaveras, Pendido um quase nada, esbelto na roseira, Mostrava aquela unção, A ínclita maneira De quem se glorifica Subindo ao céu azul da majestade pura, Da eterna exuberância, Da fonte sempre rica, Da esplêndida fartura Da luz imaculada - a egrégia substância Que faz das almas claras Pela fecundidade olímpica do amor, Magníficas searas, De onde se difunde à vida sempiterna, À vida essencial, à lei que nos governa, À idéia varonil do poeta sonhador. A arte especialmente, esse prodígio, atriz, Como o botão de rosa Tão meigo e tão feliz, Pode ser arrojada e brutalmente, ao pego, Na treva silenciosa, Onde o espírito vai, atordoado e cego, Cair, entre soluços, Como um colosso ideal tombado ao chão de bruços, Ou pode equilibrar-se em admirável base Estética e profunda, Assim, bem como o outro, à mais radiosa altura. Deves sondá-la bem nesta segunda fase. Precisas para isso uma alma mais fecunda. Precisas de sentir a artística loucura... Cruz e sousa.

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