quarta-feira, 28 de outubro de 2009

CLEÓPATRA.HISTÓRIA.


CLEÓPATRA é geralmente lembrada como uma mulher fatal egípcia, uma sedutora libertina que se matou por amor ao general romano Marco Antônio. Há pouca verdade nisso. Embora Cleópatra fosse rainha daquele antigo reino, não corria nas suas veias uma só gota de sangue egípcio. Ela era grega da Macedônia; sua capital egípcia, Alexandria, era uma cidade grega, e o idioma da sua corte era o grego. Sua dinastia fora fundada por Ptolomeu, general macedônio de Alexandre, o Grande, que depois da morte deste se fizera rei do Egito.
Quanto à sua devassidão, não há o menor indício de ligações amorosas de Cleópatra, a não ser com Júlio César e, três anos depois da morte de César, com Marco Antônio. E estas não foram ligações ao acaso e sim uniões públicas, aprovadas pelos sacerdotes de então e reconhecidas no Egito como casamentos. É absurda a versão de que ela era uma mulher sensual, que usou de todos os ardis para seduzir esses homens. Júlio César, uns 30 anos mais velho do que ela, já tivera quatro esposas e inúmeras amantes. Seus soldados o chamavam de "adúltero careca" e cantavam um dístico advertindo os maridos que mantivessem as mulheres fechadas à chave quando ele andasse por perto. Marco Antônio, 14 anos mais velho do que a jovem rainha, era também um conquistador conhecido. E, no fim, não foi por amor a ele que Cleópatra se matou, e sim pelo desejo de escapar à degradação nas mãos de outro conquistador.
Mas a lenda persiste há mais de 2000 anos, principalmente porque poetas e dramaturgos, inclusive Shakespeare, têm dado maior ênfase aos encantos físicos e às paixões do que à inteligência e à coragem dessa rainha. Seus feitos, porém, revelam que ela foi uma mulher brilhante, engenhosa, que passou a vida lutando para impedir que seu país fosse aniquilado pelos romanos.
Nascida em 68 ou 69 A.C., Cleópatra cresceu entre as intrigas e as violências palacianas. Seu pai, Ptolomeu XIII, era um bêbado, um devasso cujo divertimento era tocar flauta. Morreu quando Cleópatra tinha 18 anos, e ela então se tornou rainha, governando juntamente com seu irmão de dez anos, Ptolomeu XIV. Dois anos depois, o jovem Ptolomeu, dominado por um trio de intrigantes palacianos, obrigou Cleópatra a exilar-se na Síria. Mostrando desde então a bravura que caracterizou sua vida, ela imediatamente organizou um exército e teve início a marcha através do deserto para lutar por seu trono.
Foi essa a Cleópatra que César conheceu no outono de 48 A.C. Ele fora ao Egito em perseguição ao general romano Pompeu, seu adversário numa luta pelo domínio político, gênero de contenda que manteria Roma convulsionada durante quase um século.
Qual o aspecto físico de Cleópatra? As únicas indicações são algumas moedas cunhadas com o seu perfil e um busto desenterrado de ruínas romanas cerca de 1800 anos depois da sua morte. Mostram um nariz aquilino, boca bem traçada, com lábios finamente cinzelados. Vários historiadores antigos escreveram sobre sua "beleza arrebatadora", mas não foram homens que a tivessem visto pessoalmente. A descrição mais precisa parece ser a de Plutarco, cujo avô ouviu falar em Cleópatra por um médico conhecido de uma das cozinheiras da rainha. Plutarco escreveu que na realidade a sua beleza "não era propriamente tão extraordinária que ninguém pudesse comparar-se a ela".
Todos os escritores antigos concordavam, porém, em reconhecer a sua conversa "fascinante", a sua bonita voz, "a habilidade e a sutileza de sua linguagem". Ela falava seis idiomas, conhecia bem a história, a literatura e a filosofia gregas, era uma negociadora astuta e, ao que parece, uma estrategista militar de primeira ordem. Tinha também uma grande habilidade para cercar-se de uma atmosfera teatral. Quando intimada por César a deixar suas tropas e a comparecer ao palácio que ele conquistara em Alexandria, Cleópatra introduziu-se na cidade ao escurecer, fez-se amarrar num rolo de roupas de cama, e assim escondida foi carregada nas costas de um servo através dos portões e até aos aposentos de César.
Quer o estratagema se destinasse a evitar os assassinos a soldo do irmão, quer se destinasse a impressionar César, o fato é que a sua entrada na cidade foi uma das mais sensacionais de todos os tempos. Sua coragem e seu encanto concorreram para convencer César de que seria de boa política restituir-lhe o trono. E, pouco tempo depois desse primeiro encontro, ela estava grávida.
Talvez para impressionar César com a riqueza do Egito, Cleópatra organizou na primavera seguinte uma expedição para subir o Nilo. Durante semanas, ela e César navegaram pelo rio num luxuoso barco-residência, acompanhados por 400 embarcações levando tropas e provisões. Em junho, Cleópatra deu à luz um filho, Cesarion ou Pequeno César, em grego. O recém-nascido, filho único de Júlio César, parece ter sido a origem de um plano ambicioso de César e Cleópatra para fundirem Roma e o Egito num vasto império sob o domínio deles e dos de sua estirpe. Logo depois do nascimento do menino, César partiu de Alexandria e começou operações militares na Ásia Menor e na África do Norte, eliminando todos os focos de oposição restantes. Um ano depois, voltava triunfalmente a Roma, como ditador incontestado. Cleópatra já estava lá com Cesarion, instalada por César numa vila imponente.
Como rainha, com uma corte real, Cleópatra começou a exercer influência na vida romana. Levou de Alexandria cunhadores de moedas para melhorarem a cunhagem romana, especialistas em finanças para organizarem o programa tributário de César. Seus astrônomos reformaram o calendário romano, criando o calendário no qual se baseia o nosso atual sistema. César mandou colocar uma estátua de Cleópatra num novo templo construído em honra de Vênus, e emitiu uma moeda em que Vênus e Eros se identificavam com a figura de Cleópatra carregando Cesarion nos braços. Seu poder parecia absoluto. De repente, 20 meses depois de Cleópatra chegar a Roma, Júlio César foi assassinado.
Ninguém sabe se Cleópatra foi tomada de desespero. Ao cabo de um mês, voltou para o Egito. Os historiadores não dispõem de dados sobre os três anos seguintes de seu reinado. Só se sabe que, na luta pelo poder, que mergulhou Roma numa guerra civil, os contendores procuravam seu auxílio. Ao que parece, sua política foi de cautelosa espera, para ver quem se tornaria o sucessor de César.
Quando Marco Antônio surgiu como homem forte do Oriente, pediu a Cleópatra que fosse ao seu encontro em Tarso. Durante algum tempo ela não tomou conhecimento do convite; depois, levantou vela com uma frota magnífica, levando ouro, escravos, cavalos e jóias. Em Tarso, em vez de ir à terra como suplicante, Cleópatra esperou calmamente, ancorada ao largo. Depois de haver manobrado habilmente para que Marco Antônio se tornasse seu convidado, ela o confrontou com um espetáculo ofuscante: os remos da galera, com pontas de prata, marcando o compasso da música das flautas e harpas, as cordas manobradas por belos escravos vestidos como ninfas e graças, enquanto outros espargiam o incenso de perfumes exóticos. Reclinada sob um toldo de ouro, Cleópatra se apresentava como Vênus, abanada por meninos que pareciam cupidos.
Ao terminar o banquete, Cleópatra deu de presente a Marco Antônio o prato de ouro, as formosas taças, os suntuosos canapés e bordados que tinham sido utilizados para servi-lo. Na noite seguinte ofereceu nova festa a Marco Antônio e seus oficiais, e, quando eles partiram, todos os convidados receberam idênticos presentes. Seu propósito não era conquistar a afeição de Marco Antônio, mas impressioná-lo com a riqueza ilimitada do Egito e, portanto, com as suas potencialidades como aliado.
Três meses depois, Marco Antônio foi a Alexandria, e lá passou o inverno. Partiu na primavera, seis meses antes de Cleópatra dar à luz os seus filhos gêmeos, e passou quase quatro anos sem tornar a vê-la. Nesse intervalo, Cleópatra fortaleceu as defesas de seu país, organizou sua esquadra, acumulou ouro e provisões. Quando Marco Antônio, na esperança de expandir seu poder no Oriente, a convidou a ir ao seu encontro na Síria, ela foi, mas resolvida a impor condições. Conseguiu obter um acordo pelo qual seriam dadas ao Egito todas as vastas áreas que haviam sido propriedade dos Faraós 1400 anos antes, mas que eram então províncias romanas. Marco Antônio concordou também com um casamento legítimo, e, para comemorar o acontecimento, foram cunhadas moedas com as efígies dos dois. Nessa ocasião, Cleópatra começou uma nova etapa de seu reinado.
Então com 33 anos, partiu com Marco Antônio para fazer guerra aos persas, mas no Eufrates teve de desistir da campanha. Estava novamente grávida. A criança nasceu no outono, e naquele inverno chegaram apelos desesperados de Marco Antônio: seu exército fora destroçado, e os únicos remanescentes das tropas mal tinham conseguido escapar para a costa da Síria. Com dinheiro, provisões e armas, Cleópatra foi em seu socorro.
No ano seguinte, 35 A.C., ela teve de usar de todo seu engenho para evitar que Marco Antônio --- com o espírito anuviado pela continuidade da bebida --- tentasse outra invasão da Pérsia. Compreendendo que o verdadeiro inimigo era Otávio, sobrinho e herdeiro legítimo de César, que de Roma dominava o Ocidente, ela insistiu com Marco Antônio para que concentrasse todos os esforços em derrubá-lo. Em 32 A.C., Cleópatra precipitou a guerra com Otávio, persuadindo Marco Antônio a tomar duas providências: baixar um édito pelo qual se divorciava de sua outra esposa, Otávia (a bela irmã de Otávio), e determinar que suas tropas atravessassem o Mar Egeu e entrassem na Grécia. Cleópatra estava então no apogeu. Reis vassalos do Oriente Médio prestavam-lhe homenagem, os atenienses cobriram-na de honrarias, saudando-a como Afrodite e levantando sua estátua na Acrópole.
De repente, em Actium, na costa ocidental da Grécia, ao cair da tarde de 2 de setembro do ano 31 A.C., tudo se desmoronou. Os historiadores nunca chegaram a um acordo sobre essa batalha decisiva: não se sabe o motivo por que Marco Antônio, com um exército superior, deixou que ela se transformasse numa batalha naval; nem por que, em plena batalha naval, com o resultado ainda indeciso, Cleópatra levantou vela e partiu a todo pano para o Egito, com os seus 60 navios de guerra; ou por que Marco Antônio deixou abandonado seu imenso exército para embarcar no navio de Cleópatra e partir com ela.
Ao voltar para o Egito, quando se espalhou a notícia do desastre, Cleópatra tentou fortalecer os laços com os países vizinhos. E começou também a transferir navios de guerra do Mediterrâneo para o Mar Vermelho --- projeto fabuloso, que importava em arrastar os navios através de muitos quilômetros de deserto.
Quando chegaram as tropas de Otávio e tomaram os fortes da fronteira do Egito, Cleópatra permaneceu em Alexandria, pronta a negociar com Otávio, ou a combatê-lo. Mas, à aproximação do exèrcito invasor, a esquadra e a cavalaria da rainha desertaram e Marco Antônio suicidou-se. Capturada viva, Cleópatra foi posta sob guarda e advertida de que, caso se matasse, seus filhos seriam executados.
Embora Otávio prometesse clemência, Cleópatra presumiu que seu destino seria semelhante ao de centenas de outros reis cativos, que haviam sido levados em cortejo pelas ruas de Roma, acorrentados, para serem depois executados. Audaciosa até o fim, fingiu abandonar qualquer idéia de suicídio. Obtendo permissão para visitar o túmulo de Marco Antônio, parece que conseguiu comunicar-se com partidários fiéis quando a sua liteira era carregada pelas ruas. Voltou aos seus aposentos, tomou banho, jantou e mandou que suas servas a vestissem como Vênus. Sobre o que aconteceu depois só sabemos o seguinte: oficiais romanos que arrombaram seus aposentos encontraram Cleópatra morta. Segundo a lenda, a rainha se deixara morder por uma víbora que lhe fora mandada como contrabando numa cesta de figos.
Quando se comemorou em Roma a conquista do Egito por Otávio, foi arrastada pelas ruas uma estátua de Cleópatra com uma víbora agarrada a um dos braços. Os seus três filhos com Marco Antônio --- Cesarion já fora executado --- foram obrigados a marchar na degradante procissão. Foi então que os poetas romanos, para caírem nas boas graças do vencedor, começaram a espalhar o mito de uma perversa e libertina rainha egípcia --- mito que dura até o dia de hoje.P.Wiképedia.

Nenhum comentário: