terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A literatura gótica em sua época.


A década de 1790 representou o auge da literatura gótica, é nesse período que suas principais obras são escritas consagrando autores como Ann Radcliffe e Matthew Lewis, por exemplo. Entretanto, se o termo 'gótico' já era conhecido na Inglaterra desde a época Shakespeare, até esse momento ainda não havia ainda consolidado um significado confortável para a palavra. 'Gótico' era empregado em um encontro de vertentes políticas e condições históricas, de ansiedades sobre a vida que encontrariam sumarização por meio de romance.
Dizer "gótico" podia ter diversas conotações, dependendo de lado a discussão se estava. Naquele contexto a palavra podia conotar: antiquarianismo inglês, diletantismo do partido Whig, influências do sturm und drang alemão, Jacobinismo, ocultismo e medo de sociedades secretas, nacionalismo inglês conservador, anti-catolicismo, medo da Inquisição, nostalgia do mundo feudal, medo da Revoluçao Francesa e uma série de outros significados antagônicos entre si. Apesar de ser um movimento multi-facetado, reflexo de conjunturas históricas e políticas, pode-se notar que a literatura gótica é, em grande parte, uma literatura ligada ao terror e ao medo.
Talvez, uma melhor maneira de se compreender o gótico na literatura seja entendê-lo como um momento narrativo no qual a nossa razão é desafiada por um acontecimento insólito. Como discurso literário, o efeito "gótico" consiste na criação de uma atmosfera narrativa, que deve envolver o leitor na história, para em seguida assustá-lo, mas de modo que lhe provoque prazer. Entendida assim, como efeito narrativo, a literatura gótica é um dos mais influentes modelos narrativos para as histórias de horror e terror que temos atualmente.
Características.
Há uma relativa consistência nas convenções narrativas que fazem do romance gótico uma literatura reconhecível como tal, mas que não chega a constituir um gênero. O romance gótico é uma manifestação essencialmente híbrida, um elo entre o romanesco e o romance no qual uma atmosfera de mistério, aflição e terror prevalece. Chamados de “góticos” por retirarem sua inspiração de construções medievais, em parte, pode-se dizer que tais romances representaram uma volta ao passado feudal, provocada pela desilusão com os ideais racionalistas e pela tomada de consciência individual frente aos dilemas culturais que surgiram na Inglaterra a partir da metade final do século XVIII.
Por este ângulo, o romance gótico representa uma mescla de tradições distintas, uma mistura entre o mitológico e o mimético, entre imaginação e realidade. A proposta subjacente seria o retorno a uma época de sonhos, contra o materialismo burguês e, até certo ponto, de encontro às características gerais do Iluminismo. Nesses romances aquelas convicções mais simples do pensamento cartesiano e racionalista são postas em dúvida em detrimento de um discurso do sentimento, o qual, ora choroso ora violento, é freqüentemente exagerado na sua representação das emoções. À luz de uma filosofia da literatura, o romance gótico levantou questões que desafiaram o projeto das Luzes ao expor, em parte, a natureza caótica do mundo e a contingência da vida. Ao se encarregarem de uma disposição existencial mais lúgubre, tais romancistas abrem um caminho para o surgimento da psicanálise do século seguinte, apresentando em suas narrativas a divisão ontológica do ser humano em duas grandes matrizes constitutivas: às vezes equilibrado, racional, harmônico (clássico) e às vezes exaltado, sentimental, excessivo (então gótico, ou possivelmente barroco).
Em oposição à filosofia neoclássica, de procedência aristotélica, os autores góticos investiram na criação de imagens obscuras e representações simbólicas. O medo e o anseio pela morte foram temas centrais nessas narrativas cujos enredos oscilavam entre a realidade verificável e a aceitação de um mundo sobrenatural. O romance gótico catalisou imagens que, devidamente adaptadas, reaparecerão no romance histórico do século posterior. Alguns exemplos recorrentes dessas imagens iniciais são: abadias decadentes habitadas por clérigos maléficos, castelos sinistros onde aristocratas tirânicos vivem isolados da sociedade como um todo. Dentro desses cenários, é possível que portas se fechem misteriosamente e velas se apaguem com uma súbita rajada de vento ao se caminhar em corredores escuros. Enquanto isso, personagens se locomovem através de passagens secretas ou se escondem em úmidos recintos subterrâneos. Em contraposição às ambientações internas, geralmente tensas e claustrofóbicas, também são freqüentes nesses romances as representações de quadros externos, ou seja, a interpretação de cenas da Natureza. Entretanto, o interesse por tais temas naturais não foi exclusividade da narrativa gótica e remontam a tradição clássica. A Natureza, enquanto tópico literário, já se encontra presente em Horácio e em Virgílio, cujo conceito de locus amoenus seria revisitado pelo neoclassicismo. Todavia, a Natureza nos romances góticos freqüentemente se reveste de um certo terror, cujo efeito é alcançado por uma retórica do excesso, uma linguagem hiperbólica com ênfase adjetival que torna o cenário grandioso e intimidante: vastas paisagens, montanhas, abismos, vulcões, tempestades, mares revoltos, cachoeiras trovejantes, florestas escuras nas quais bandidos cruéis espreitam e as heroínas perseguidas temem (e os leitores desejam) que o pior lhes aconteça.
Enquanto fenômeno comercial, o romance gótico, essa ficção pré-romântica e pseudomedieval, foi intensamente produzida e avidamente lida na Inglaterra do final do século XVIII até o começo do século XIX. Durante o período os romances góticos haviam se tornado voga e obsessão entre um público leitor que não se cansava de consumi-los. A publicação desses romances havia virado um negócio rentável para livreiros e escritores profissionais constantemente ocupados em suprir a demanda de um número crescente de leitores e em prover lançamentos para os gabinetes de leitura.Mas o ciclo de prosperidade teve curta duração. O romance gótico alcança seu auge na década de 1790, com a publicação das obras que consolidam suas características principais. Todavia, ao final da próxima década esses romances já eram tido como um produto literário “obsoleto”, criticado em seus aspectos mais extravagantes.
O grande sucesso de público deu início a uma série de lançamentos do mesmo formato. O furor desencadeado pela ficção gótica ocasionou uma produção enorme, em sua maioria direcionada para a venda e com pouca preocupação pela inovação literária. As imagens e símbolos usados pelos autores para a criação de efeito (ruínas, monastérios, castelos, labirintos, igrejas), as ambientações em países distantes e católicos, a donzela em perigo, seriam exemplos desses lugares-comuns. Primeira literatura pré-fabricada da História, a saturação da produção, a complexidade e previsibilidade dos enredos seriam os motivos para o declínio desse gótico passível de formularização, em função de uma literatura vitoriana de aspectos mais referenciais e contemporâneos, mas que volta e meia vê o gótico ressurgir nos espessos fogs londrinos de Dickens, por exemplo. Esse gótico reaparecerá no Romantismo do século seguinte fornecendo 1) quase uma cartilha para uma estética de efeito, 2) um inventário de objetos e situações e 3) a relação psicológica do homem com aquilo que ele considera o mundo exterior, embora o entendimento da cultura e da História já tenha mudado.Wikepédia.

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