sábado, 20 de março de 2010

A BRUXA, A SERPENTE, E AS FADAS: O ETHOS FEMININO E O CONCEITO DE MARAVILHOSO NO MUNDO MEDIEVAL..


O maravilhoso é, em primeiro lugar, a projeção fora do nosso universo, e imerso em sua catarse, de atitudes mentais incompatíveis com a exigência de uma descontinuidade entre o ser humano e a natureza, e que o pensamento cristão tinha por essencial na Idade Média (1). O ethos feminino pode ser analisado como catalisador de mitos, elevando um fenômeno de cultura popular ao mito e vice-versa. Nesse sentido buscado por nós, o de perceber a entronização de uma fábula no meio social, como gêneses de uma cultura - a medieval - terão que analisar as relações entre níveis de cultura e grupos sociais.
Teremos que pensar a Idade Média como uma convivência de populações, impregnadas de tradições mentais completamente diferentes. Desde o fim da Antigüidade Tardia e mesmo em pleno período medieval, observamos a emergência de populações camponesas exercendo pressões sociais importantes, sobre uma elite latina, que somada a uma crescente indiferenciação cultural das camadas culturais laicas frente ao clero, convidam uma crise. Essa cultura clerical, que monopolizava as formas eruditas de cultura, sobretudo as escritas, no grego ou latim, tinha que se ajustar às resistências culturais de origem pagã sejam elas célticas, ou romanas.Teremos dificuldade em discernir qual seria o tamanho e o peso cultural da população camponesa frente ao monopólio clerical dessa mesma produção.
Se nos introduzirmos ao problema do feminino medieval, encontraremos a mulher perante os seguintes paradoxos:
A importância do caráter diabólico da mulher - ela permanece essencial, porque continua a ser o pivô de toda a sorte de desgraças e, na atmosfera cristã medieval, surge uma nova interrogação: a infidelidade da promessa não é menos culposa pelo caráter "diabólico" da mulher. Isso procede devido a cultura da época que desloca o problema. Como se faz a propósito das mulheres "maravilhosas", a distinção entre magia boa ou má, nas fadas ou feiticeira será construída - então o cristianismo oferece a Melusina uma possibilidade de salvação ou condena-a inevitavelmente às penas do inferno. Melusina, simbólica, evoca paixão, numa mescla entre erotismo e prosperidade, de abundância.
O Feminino no período medieval.
Elas emergem das fontes medievais com imagens contraditórias. A mulher é descrita no pacto matrimonial, como mercadoria a ser avaliada acordo com a herança ou o dote que traziam com elas. Somado a esse lugar social, existia a forte tradição misógina herdada de São Paulo e dos escritos patrísticos, que retratavam a mulher como Eva, a suprema e obstáculo para a salvação. A respeito disso temos o testemunho de Santo Agostinho, dado por Simone de Beauvoir:
"A mulher é um animal que não é seguro nem estável; é odienta para tormento do marido, é cheia de maldade e é o princípio de todas as demandas e disputas, via e caminho de todas as iniqüidades".
Logo, era melhor casar do que se consumir - mas não muito melhor - e um homem decidido a levar uma vida santa deveria ingressar em uma ordem religiosa. Santo Tomás também lhe assegurava esse lugar social discriminado.
Há algumas excepcionalidades. Pelo menos no fenômeno do amor cortês, representada pela figura do trovador, faz ventilar nas cortes algo contra a sedimentação cultural da sociedade cristã. São as "Cortezia es d`amar, o fin`amor, o bom amors, ou o amor valent " - todos inventados por poetas do século XII, exprimindo uma relação completamente nova entre o homem e a mulher, o que traduz um modus operandi de importante alcance: a promoção da mulher na sociedade nobre. Existe um pequeno espaço onde a mulher habita em igualdade de condições, e o faz na poesia. Até no trovadorismo, o mundo aristocrático não tratava a mulher com qualquer espécie de ternura. A princípio desprezada pela sua incapacidade para o manejo das armas, vivendo em um ambiente guerreiro que excluía toda a feminilidade, quase que eternamente tratada em condição de menoridade. Não se atribuía qualquer função além de procriar. Mas mesmo nas canções d´amour a mulher é tida como tentação do diabo. Nesse sentido não existe romance mais famoso que a de Heloísa. A amor cortês representado por Heloísa e Abelardo, foi resumido nessas linhas francamente eclesiásticas.
O próprio Abelardo escreveu uma obra intitulada História das Minhas Calamidades, onde relata seu romance com Heloísa, como algo de penoso. Trata-se de um retrato social importante, e com ele podemos penetrar na intimidade de um intelectual da Idade Média, oprimido pelos costumes.Wikepédia.

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