sexta-feira, 4 de junho de 2010

Bruxaria e Vampirismo.

À s vezes, também, o que é muito raro, as almas são acometi das com tão grande frenesi que não só entram nos corpos dos vivos mas também, impulsionadas por uma força incrível, retornam aos cadáveres que abandonaram e realizam, como se houvessem ressuscitado, actos horríveis. Assim, lemos no Saxon Gramático que alguém chamado Asuit e outro chamado Asmond fizeram o juramento recíproco de que aquele que sobrevivesse ao outro se encerraria com ele na tumba; quando Asuit morreu de uma enfermidade, colocaram-no numa caverna com seu cão e seu cavalo, e Asmond, para guardar o juramento de sua amizade, se deixou encerrar com o amigo, levando consigo víveres para muito tempo.
Sem embargo, Eric, rei da Suécia, ao passar um dia com seu exército pelas redondezas da caverna, fez abrir (pensando tratar-se de um tesouro) a tumba de Asuit, expondo Asmond à luz; ao vê-lo horrivelmente desfigurado, coberto de podridão mortuária e inundado de sangue que lhe saía de uma cruel ferida (porque Asuit, que revivia todas as noites, em seus ataques contínuos lhe havia arrancado a orelha esquerda), perguntou-lhe qual era a origem disso, e eis o que narrou ao rei, com estes versos:
"Por que assustar-vos com um verme tão desfigurado e pálido? Todo homem vivo desaparece entre os mortos. Não sei por qual empresa ousada do poder da Estígia, o espírito de Asuit foi enviado desde os infernos para devorar seu cavalo e meter incluso seu cão em sua detestável boca. Não contente em haver comido seu cavalo e seu cão, logo depois me cravou suas garras e arrancou-me a orelha. Eis aqui o porquê do meu rosto ser espantoso e porque vedes correr o sangue por esta cruel ferida. Sem dúvida, este monstro infernal não atuou impunemente, porque lhe cortei a cabeça com minha espada e trespassei com ela seu corpo maléfico.”
Esse relato encontra-se no livro Filosofia Oculta, de Cornélio Agrippa. O livro foi escrito por volta de 1500, ou seja duzentos anos antes da histeria de vampiros que varreu a Europa. Agrippa foi um dos maiores magos de todos os tempos, grande cabalista, alquimista e teurgo, tendo feito parte das cortes de Carlos V e Maximiliano I. A magia como um todo está inclusa na história do vampirismo, seja a bruxaria, o xamanismo ou o vodu — não importa o rótulo.
Mas onde reside o motivo dessa associação? É mera crendice? Muito possivelmente não; quase sem medo de errar, a afirmação mais correcta seria a de que a magia é a grande motivadora do vampirismo. Quando uso o termo magia, estou expandindo o seu significado original e lhe atribuindo uma nova valoração. Sendo entendido como magia toda relação do ser humano com o mistério e o oculto, na tentativa de tentar compreendê-lo, mas acima de tudo de compreender a si mesmo, como indivíduo e espécie. A ciência é prima-irmã da magia, e não poderíamos deixar de juntar a esse nosso conceito expandido os fenómenos para-psicológicos.
Arthur Machen, em algumas de suas obras, tem uma visão iluminada, muito similar aos axiomas de To Mega Therion. A sua obra faculta algumas reflexões bastante interessantes, que levam do vulgar ao estupor, e maravilham o Régio. Por mais que Machen mantenha aparentemente uma visão maniqueísta, ele insufla idéias fantásticas. Dentre elas nós temos os kalas, os centros secretos do organismo humano, terras inexploradas para o seu possuidor; outra afirmação de uma de suas obras faz lembrar Nietzsche, além do bem e do mal.
Os senhores do mundo devem ir além do bem e do mal, só aqueles que os conhecem e que a eles transcendem chegarão ao mundo real, a causa última de tudo. Tomar o céu de assalto, querer ser Deus, a maior de todas as blasfémias. Estes que assim agem são ascetas negros e, como os outros iniciados, comungam, só que com as forças dos abismos profundos, onde habita o mal. Não sejamos hipócritas: estes que assim agem muitas vezes têm a conduta mais ilibada do que os santos.
Os iniciados do caminho da mão direita tentam elevar sua consciência rumo ao divino; levando uma vida sã, são extasiados pelo espírito. Os ascetas negros são movidos por uma paixão aterradora em sua busca dos mistérios inversos. Os motivos de seus anseios escapam ao comum. Somente o iluminado, conhecedor da luz e sombra, capta o seu conhecimento. A bruxaria e os cultos femininos são tão antigos quanto o tempo. No Paleolítico, o corpo da mulher era sagrado, divino por natureza, mistério, a anima mundi. As mulheres eram, segundo muitos antropólogos e mitólogos, as portadoras do saber e poder mágico.
Tanto é que há mitologias cm todo o globo tratando do processo que os homens tiveram que encetar para tentar controlar esse poder. Em resposta a ele foram criadas as sociedades secretas exclusivamente masculinas, similares à maçonaria de hoje. O enfoque feminino possivelmente era mais ligado às plantas, e o masculino, aos animais. Esse conflito retrata uma deusa imanente versus um deus transcendente. Muito do mal e do demoníaco associado à mulher é advindo dessa transição. Sabemos que os deuses dos vencidos são os demónios dos vencedores, e com o arquétipo feminino não foi diferente.
Para as culturas antigas, o vampirismo estava intimamente associado ao feminino: Lâmia, Lilith e uma infinita turba de lascivas e demoníacas entidades femininas. É bem sabido que, para as grandes religiões de hoje em dia, a mulher é associada ao mal, ao pecado e à tentação. Algumas teorias, como já vimos, falam de uma era matriarcal que teria sido sobrepujada pela patriarcal; por mais que esse dado antropológico gere polémica, ele se apóia na psicologia interna, em que o matriarcado se identifica com a mãe e a fase oral, e o patriarcado, com a fase fálica.
É fácil imaginar que essa mudança não ocorreu de uma só vez, e também que, muitas vezes, foi feita de forma violenta. Encontraremos seus resquícios em várias partes do mundo, pois entre os judeus, até hoje, um filho de mãe judia é judeu, mas o de pai apenas, não. Para a compreensão desses fatos e sua ligação com o vampirismo, iremos tratar de um arquétipo que sintetiza sobremaneira a miríade de elementos da magia e do vampirismo.
Lilith, intimamente associada aos vampiros, e também às bruxas, é um espectro que paira sobre a religião judaica. No ato sexual, ela ficava por cima de Adão, e não quis ser subjugada pelo macho, daí sua revolta. Esse fato retrata, talvez, a transição dos cultos à deusa para o deus judaico, de uma sociedade agrária ou colectora para uma pastoril. Esse fato se repetiu inúmeras vezes pelo mundo (com isso não estou falando de sua existência objectiva, e sim subjectiva, mas com exteriorizações no mundo). Lilith, em sua origem, deve ter sido um arquétipo da grande deusa mãe, que tentou resistir à invasão do patriarcado. Possivelmente Abel, o pastor, foi sacrificado a essa grande mãe. Mas as coisas não foram tão fáceis para os pastores patriarcais. Muitas mulheres judias ficaram fascinadas pelo culto à grande mãe. Um bom exemplo é a história de Sodoma e Gomorra. Lot foi expulso da cidade; vejam esta passagem: “O povo de Sodoma cercou a casa de Lot, do mais velho ao mais jovem. E eles proferiram: Que se vá embora, um estranho, que veio morar connosco e agora quer ser um juiz”.
Com isso fica claro que eles não eram judeus (os habitantes de Sodoma), e que a alegoria da conversa entre Lot e Deus é um acréscimo posterior. A parte mais curiosa tem a ver com a mulher de Lot, que não quis acompanhá-lo, pois possivelmente preferiu ficar com o culto à grande deusa. Ou seja, a história de virar uma estátua de sal é mais uma alegoria. Lot afogou suas mágoas com as duas filhas em uma relação incestuosa. O nome Lilith vem da Mesopotâmia, encontrado nas civilizações sumeriana, acadiana e babilónica, onde há várias divindades nas quais ocorre o fragmento lil, como, por exemplo, os deuses Nilil, Enlil, entre outros.
Belit-ili, Lillake, a cananéia Baalat, a divina senhora, são alguns de seus nomes. Nas representações mais antigas de Lilith, ela aparece como Lillake (cidade de Ur, 2000 a.C). Lilith está intrinsecamente associada à coruja, sendo representada como uma mulher sedutora, torneada, de seios bem formados e suculentos, uma yoni (vagina) que exala o perfume do amor, com pés de coruja e asas. Na literatura hebraica, ela é a primeira mulher de Adão. Ao que tudo indica para a cabala (Zohar), o deus judaico criou Lilith e Adão como gémeos. Ela queria igualdade para com ele, mas lhe foi negada. Ela não se subordina a Adão, e, consequentemente, incorre na ira do deus. Foge para o Mar Vermelho e, com Samael, cria uma infinidade de seres demoníacos, que juram atacar a raça humana (fruto da união de Adão e Eva). Uma lenda islâmica atribui a ela a origem dos djinn (génios), seres de fogo que vivem nos espaços entre mundos. Ela era a responsável pela morte de crianças, pela esterilidade e pelo aborto. Também é sua característica a sedução sexual.
Surge no meio da noite, trazendo sonhos eróticos carregados de emoção, e os homens são as principais vítimas. Quando despertam, dão-se conta do vulto monstruoso pousado sobre seu peito, pronta para absorver o esperma fruto da erecção. A morte, a loucura e a depressão são os resultados dessa visita. Um súcubo, um demónio da noite, sedutora de homens, assassina de crianças e mãe de demónios.
Roberto Sicuteri, em seu livro Lilith, a Lua Negra, cita Ernest Jones: “Como os íncubos sugam os fluidos vitais, levando a vítima à consunção, também os vampiros, frequentemente, pousam sobre o peito da vítima, sufocando-a. A Lilith hebraica, que Iohannes Wejer chamou Princesa dos Súcubos, descendia da babilónica Lilitu, conhecido Vampiro”. Deus enviou contra Lilith três anjos, Sanvi, Sansanvi e Semangelaf. Seu objectivo era capturá-la, trazendo-a de volta para Adão. Como não voltou, Deus mandou retirar dela seus filhos tidos com Samael. Depois de todo esse tratamento especial dispensado pelo deus judaico-cristão e o patriarcado, não é à toa que Lilith aja do seu jeito.
A relação das entidades vampiras pelo mundo com o ataque a crianças é estarrecedora; nos locais mais remotos, assim como nas culturas mais diversas, faz-se presente. Lilith é o arquétipo da mulher rebelde, devoradora de homens e, não se prestando à continuação da espécie, esse demónio fêmea aparece em todas as partes do mundo, com os mais diversos nomes: as Lâmias e Empusas gregas, a Strix romana, a Aswang filipina e deusas do porte de Hécate, Perséfone, Circe e Kali, o que a liga ao tantrismo. Estarrecedor, mas talvez a palavra Lâmia derive de Lamyros, garganta. Uma simples coincidência? Cremos que não.
O próprio termo strigoi vem de strega, bruxa em italiano, que por sua vez vem de strix, mocho, coruja, demónio alado, que atacava crianças sugando-lhes o sangue. Desde os primórdios romanos, a Strix era conhecida. De acordo com Ovídio, atacava crianças e causava-lhes lacerações no tórax, onde se alimentava do sangue. Rituais de protecção eram feitos para livrar a criança desses ataques, espinhos eram colocados nas passagens da casa, prática que se mantém após séculos no combate a vampiros. Durante a Idade Média, era crença que as stregas se transformassem em corujas para atacar crianças.
Na Albânia, há uma crença idêntica, e o nome é Shtriga, fruto da colonização romana. Ela podia surgir na forma de traça, mosca ou qualquer outro insecto. Vivia incógnita na aldeia, podendo ser qualquer mulher. Nos Bálcãs, as bruxas deixam seus corpos à noite e tomam a forma de animais. Nessa forma animal, elas entram nas casas de suas vítimas e alimentam-se directamente do coração. Em certas noites, reúnem-se em covens e novos membros são aceitos, desde que mantenham o segredo e sigam as regras.
Na Transilvânia e Moldávia havia a Strigele, que era basicamente igual aos tipos de bruxas vampiras já narrados. O Strigoi podia ser vivo ou morto, ou seja, um vampiro vivo, alguém que usa seus dons, e o corpo etérico para seus ataques, ou o corpo etérico de um defunto. Os vivos podiam deixar seus corpos à noite e assumir a forma de um lobo, gato, corvo, cachorro ou, como os vampiros do Suriname, de uma bola de luz. Para os romenos, os vampiros reúnem-se em covens, onde se encontram os vivos e os mortos. Lá eles trocam conhecimentos na arte da magia negra. As Strigas muitas vezes deixavam seus corpos (projetando-se astralmente) à noite para vagar com os Vampiros e participar de sabás.
Na Turquia, há o Obur, uma bruxa vampira, ou feiticeiro. Ele tem a capacidade de transformar-se em animais como o gato, o lobo e o cachorro. O Obur normalmente é um ancião, usa um unguento para voar, passando-o em seu corpo. Eles usam vassouras para seus vôos, e curiosamente portam um chicote, usado para açoitar os membros em suas reuniões, uma prática sadomasoquista. O Obur também entra por frestas nas construções, para atacar suas vítimas, especialmente crianças, das quais bebem o sangue. Por vezes eles caçam em bando, usando a forma de lobos, atacando gado e pessoas. Os relatos de viagens fora do corpo, a participação nos sabás, e mais inúmeros relatos, coincidem com os hábitos dos vampiros e bruxas em muitos locais.
Na Rússia, tanto a bruxa quanto o vampiro eram chamados de Eretik, um termo para herege, aquele que se afasta da cristandade. O vampirismo estava associado à prática da magia, bruxas e feiticeiros eram os candidatos, ou todos que estavam fora da fé cristã. Uma pessoa que incorresse na maldição de um feiticeiro, e morresse devido a isso, poderia ter sua alma transformada por ele em vampiro. O feiticeiro teria posse da alma da pessoa: algo similar é encontrado no culto vodu. Na Bulgária, pessoas que incorressem na ira da igreja eram candidatos a Vampiro, em especial as bruxas.
Na Transilvânia, durante a véspera da noite de São Jorge, reza a crença popular que as bruxas se reuniam. Os camponeses se preparavam com os métodos tradicionais: alho, símbolos sacros e o espinheiro. Era uma época de grande actividade vampírica. Em Montenegro, havia um termo para a bruxa ligada ao vampirismo: Vjeshtitza. A noite, em seu corpo astral, essa bruxa vagava em busca de suas vítimas, sugando-lhes o sangue. Com o tempo, sobrevinha a morte.
Na Espanha, a bruxa também foi associada ao vampirismo, em especial ao furto de recém-nascidos para vampirizá-los. Emily Gerard, em seu livro The Land Beyond The Forest, menciona a prática de vedar portas e janelas na véspera de 23 de abril, para impedir as bruxas e vampiros de entrar em casas, celeiros e estábulos, na Transilvânia. Ela também diz que as bruxas celebram um sabá especial na Véspera de São Jorge (23 de abril). Alho também era usado em outros países para o mesmo propósito. A rosa selvagem era usada na defesa e para manter os mortos dentro de suas tumbas. A noite de Walpurga tinha preparativos idênticos para a protecção.
As bruxas podiam assumir várias formas animais, e não podiam ser atingidas a não ser por um objecto de prata (bala, adaga), prática similar à utilizada na destruição do licantropo. Mesmo sendo invisível, o vampiro podia ser destruído com o emprego de armas de fogo, em alguns relatos. Na Boémia, a rosa selvagem era usada na véspera da noite de Walpurga como protecção para os rebanhos contra bruxas e vampiros.
Portugal e Brasil têm crenças idênticas a respeito da capacidade vampírica das bruxas, sendo também as crianças seu alvo principal. Brodie Innes, o fiel escudeiro de McGregor Mathers na Aurora Dourada, relata um fato narrado por Sir Archibald Dumbar que teve a Grã-Bretanha como palco. Um antigo castelo estava sendo demolido, e o responsável recebeu um aviso para parar com a destruição. Ele não deu ouvidos e continuou. Um belo dia, uma velha bruxa de aspecto malévolo estava sentada no castelo praguejando contra ele. O responsável pela demolição pegou um caibro para expulsar a velha. Nesse momento, ela se transformou em um cão negro de olhos em chamas. Ele recuou alguns passos, e, ao olhar de novo, lá estava a velha. Bem, o castelo esta lá até hoje.
Montague Summers relata que em toda a África há uma grande preocupação com o sangue. Quando um guerreiro ou qualquer outra pessoa da tribo sofre um ferimento, ele toma muito cuidado para que nem uma gota de sangue possa cair nas mãos de um inimigo, que a levaria para um feiticeiro. Ou pior: poderia ser encontrada por um demónio, o que possibilitaria a sua materialização:
O Obayifo é o nome ashanti para vampiro na África. Através de vários processos iniciáticos, uma pessoa se tornava um feiticeiro e, consequentemente, poderia se tomar um Obayifo. O feiticeiro era capaz de deixar seu corpo e viajar à noite como uma reluzente bola de luz. Suas vítimas eram especialmente crianças. No rio Niger, os feiticeiros saem de suas casas à noite para se reunir com demónios e tramar a morte dos vizinhos. A morte ocorria devido à drenagem do sangue. Esses feiticeiros tinham a habilidade de sorver o coração.
Na África, existe uma boa explicação para essa drenagem sanguínea: a anemia falciforme (latim para “forma de foice”). Todos sabem que, geralmente, a anemia é causada pela falta de ferro no sangue, o que leva à redução do número de glóbulos vermelhos, e consequente falta de oxigenação das células. Na anemia falciforme, o caso é diverso. A medula óssea pára de produzir glóbulos vermelhos sadios (células anucleadas) e passa a produzir células em forma de foice, de onde vem o nome da doença. Atinge ao menos um em cada dez mil negros e, ao contrário das outras anemias, independe da alimentação. Aliado a isso, nós temos casos de tuberculose (essas doenças são atribuídas a miasmas, criados pela acção do vampiro) também atribuídos ao vampirismo.
O Juju é uma forma poderosa de magia africana, na qual os feiticeiros praticantes criam dementais artificiais, que se alimentam da energia dos vivos, em especial das vítimas dos feiticeiros. Um policial inglês que trabalhou em Gana conheceu inúmeros casos da potência do Juju. Certa feita, ele estava sobre um dos intensos ataques desferidos pelos feiticeiros. Sentia a presença de algo desagradável, uma força sinistra. Tentou dormir, mas algo se enrolou em seu pescoço. Levantou prontamente, mas nada havia. Deitado novamente, sentiu a presença de algo, que sugava sua energia na altura do plexo solar. Na noite seguinte, conseguiu visualizar seus atacantes: eram animais com focinhos compridos, e mordiam-lhe o pescoço. Ele ficava cada vez mais fraco, terminando por ser internado em um hospital. A intervenção de outro feiticeiro foi o que salvou sua vida, criando um escudo mágico de protecção. Entre os yakos, na Nigéria, há a crença de que feiticeiros mortos podem atacar os vivos, enquanto estes dormem, e dessa maneira sugar seu sangue. Também tinham características de súcubos e íncubos.
A feitiçaria estava presente no quotidiano africano e sua influência é notada em todos os cantos do mundo onde a raça negra se fez presente, seja no Caribe ou no sul dos Estados Unidos — na Louisiana, por exemplo. Mulheres estéreis ou senhoras após a menopausa eram as mais frequentemente associadas à feitiçaria. As feiticeiras podiam se transformar em vários animais e dedicar-se a actos de canibalismo e necrofagia.
O Obayifo voava em seu corpo etérico para efectuar seus ataques, via de regra em crianças. Alguns relatos mencionam que esses feiticeiros se reuniam em volta de um caldeirão com o sangue de suas vítimas. Ali estava a vida de suas vítimas. A destruição do vampiro era feita de modo clássico, como em todo o mundo. A cabeça era separada do corpo, que era queimado, e a língua pregada ao queixo. Os suspeitos eram avaliados observando-se se havia sangue na sepultura, um inchaço anormal ou integridade física post-mortem. Às vezes, havia pequenos orifícios por onde o vampiro poderia sair. Essas feiticeiras, como todos os vampiros, tiveram em alguns casos morte violenta, ou estiveram envolvidas em práticas pouco ortodoxas como o suicídio, por exemplo.
O Asema, o vampiro do Suriname, pode ser morto com a luz do Sol, sal ou pimenta. No Caribe, encontraremos o Loogaroo, uma derivação de loupgarou, lobisomem em francês. Mas nesse caso, apesar do nome, o parentesco tem mais a ver com as feiticeiras africanas. Esses costumes foram trazidos pelos brancos e escravos negros, fundindo-se no Caribe. Para o vodu, o Loogaroo é uma mulher na maior parte dos casos. Ela consegue essa transformação usando uma poção de ervas. Depois sai voando, deixando um rastro de luz atrás de si. Mimetiza-se em pequenos animais, para poder penetrar nas habitações, onde chupa sangue ou gera doenças.
Alguns relatos nos contam que o Loogaroo deixava sua pele na árvore jumbie, como é chamada a árvore do diabo. Daí saía voando em forma de bola de luz. Contas e sementes são usadas para desviá-lo de seus ataques sangrentos. Na Louisiana, o Loupgarou é um lobisomem, mas também um feiticeiro, bruxa e vampiro. Eles assim transformam-se usando um unguento que espalham por todo o corpo. Comandam morcegos gigantes, que os conduzem para as casas das vítimas.
Suas vítimas, por sua vez, também se tornam Loupgarou. Têm compulsão por contar, e se, quando inadvertidamente estiver contando, alguém lhe jogar sal, ele pega fogo. Fazem encontros secretos em pântanos com outros de sua espécie. No vodu do Haiti também há o Loogaroo, um morto que retorna para beber o sangue dos vivos. Ele aparece na forma de luminescência.
Vodu é uma palavra do dialeto africano fongbé, de Dahomé, na África. Designa a vida religiosa, o culto. O vodu, em sua origem, se referia ao antiquíssimo culto da serpente Dangbé (Damballa, no Haiti). Nos templos do deus havia inúmeras sacerdotisas, responsáveis pelo seu culto. Nas cerimónias de vodu, o sangue é oferecido às Loas (divindades similares aos Orixás), e também é bebido, forma pela qual o sacerdote vodu é possuído pelo Loa. O vodu usa os veves, desenhos simbólicos que representam e atraem os Loas, lembrando os pontos riscados afros-brasileiros, e a magia talismânica medieval.
No panteão vodu, o Barão Samedi tem especial relevância para o nosso estudo. Samedi, palavra de origem francesa que significa sábado. Sábado, um dia especial para o fenómeno do vampiro devido a todas as suas implicações; dia consagrado a Saturno, regente do signo de Capricórnio (22 de dezembro a 22 de janeiro), justamente um período em que as forças das trevas caminham pelo mundo. Inúmeros casos de vampirismo são registrados em várias culturas nessa época. A morte é intimamente associada a Saturno, o Cronos grego, devorador dos próprios filhos, ligado ao bode sabático, ao Bafomé Templário, ao sabás das bruxas. Para a cabala, Binah, a grande mãe, tanto é quem dá a vida como quem absorve, simbolizada pela terra onde o corpo é depositado. O Barão Samedi é o senhor dos mortos, que ressuscita desse reino justamente no sábado. E o imperador dos cemitérios, dos ritos fúnebres.
Quando o Sol está em Escorpião, em especial no mês de Novembro, as almas dos mortos estão andando sobre a terra. Essa crença do vodu lembra o Halloween e o Samhain celta, nos quais os portais entre os mundos estavam abertos. De acordo com convicção do vodu haitiano, toda pessoa tem duas almas: quando uma pessoa morre, uma das almas segue para o céu. A outra alma fica nas proximidades do cadáver, ou vagando pelo mundo. Essa alma que vaga pelo mundo muitas vezes é chamada de zumbi, que pode ser a alma de alguém que teve morte violenta, um adolescente, ou uma pessoa que por, qualquer motivo, não teve os ritos fúnebres.
Além disso, o nome zumbi designa uma alma que foi escravizada por um sacerdote vodu, prática também encontrada entre magos egípcios. O sacerdote tem essa alma como escrava, para realizar seus intentos. Aleister Crowley alerta que certas práticas de vampirismo, além de drenar o indivíduo, podem escravizar sua alma após a morte. O rito é feito à noite em um cemitério, e o Barão Samedi é invocado. Esse tipo de zumbi pode ser enviado contra alguém, causando obsessão. Ele consome a vitalidade da pessoa, matando-a eventualmente. Outra forma de zumbi é o morto-vivo, ou, melhor, vivo-morto. O método é o mesmo narrado acima, com a variante de que a vítima ainda está viva. No entanto, ela perde totalmente sua vontade, ficando à mercê do sacerdote vodu.
Possivelmente, ervas são usadas para facilitar o ato: a vítima as ingere, ou são jogadas na casa onde habita. A forma mais conhecida de zumbi é aquela feita após a morte, onde o sacerdote vodu rouba o cadáver da sepultura, e através de rituais o reanima.
Willian Seabrook, numa visita ao Haiti, relata vários rituais vodus e a crença em Vampiros. Ele menciona que os vampiros são mulheres, sejam vivas ou mortas, que saem à noite para sugar o sangue de crianças. Os lobisomens, chauches em crioulo, eram homens e mulheres que se transformavam em lobos para atacar a criação. Outras fontes mencionam que as bruxas do Haiti e Caribe eram chamadas Loupgarou (lobisomem em francês). Suas capacidades mágicas eram atribuídas a um pacto feito com o demónio. Em troca, elas ofereciam sangue de suas vítimas a ele todas as noites. Elas faziam esses ataques usando seu corpo astral. O Asema, o vampiro do Suriname, faz seus ataques à noite como uma bola de luz, também entrando por frestas.
Uma forma eficaz de precaução contra seus ataques é espalhar sementes: o vampiro se distraía contando-as, e unhas de coruja são colocadas junto, pois dessa forma ele perde a conta ao apanhar a unha, e tem de recomeçar.
As bruxas vampiras também existiam entre os índios norte-americanos. Muitos vampiros têm o fígado como alvo, ao invés do coração ou pescoço. Os cherokees têm algo análogo. Há naquela tribo várias bruxas e feiticeiros que se nutrem dos fígados de vítimas assassinadas. Quando alguma pessoa está perigosamente doente, as bruxas permanecem invisíveis ao lado da cama, actuando como obsessões, e extinguindo sua vida. Quando a morte está consumada, após as cerimónias elas arrancam o fígado da vítima.
Muitos vampiros do Leste Europeu se alimentam do fígado de suas vítimas. Os relatos das bruxas não ficam restritos à Europa e à África. Na América Central e Latina nós temos relatos de “bruxas” ligadas ao vampirismo, como a Tlahuelpuchi. Ela era uma mulher que possuía o poder de se transformar em vários animais e atacar crianças. Os astecas, muito antes da conquista espanhola, já tinham sua bruxa vampira. Lá encontramos as Ciuteteo, ou Ciuapipiltin, as princesas. As lendas as relacionam a mulheres mortas no parto. Devido a isso atacariam crianças, fomentando doenças. Similarmente às bruxas européias, elas tinham o poder de voar.
As Cihuatetico astecas eram bruxas vampiras com o status de deusas, assim como Lilith, que também era encarada como uma divindade, não apenas como o mal. A deusa mor e matrona das Cihuatetico era Tlazolteotl, e também lembrava a deusa indiana Kali. A deusa Tlazolteotl tinha como atributos a luxúria e a destruição; era associada à Lua, como a Hécate grega. Faziam suas reuniões em encruzilhadas; os astecas construíram templos para elas nesses locais, onde bolos em forma de borboleta eram ofertados. As faces das Ciuteteo eram extremamente pálidas. As encruzilhadas eram um dos locais preferidos de ataque. Durante a noite, cuidados eram tomados contra os ataques das Ciuteteo. As portas eram trancadas, buracos e rachaduras preenchidos. Caso conseguissem a entrada, o ataque era certo, e as crianças, as vítimas principais.
Oferendas eram feitas em seus templos, uma forma de apaziguá-las. Montague Summers afirma que, no México, pessoas associadas à magia também eram ao vampirismo. Tanto assim que, após a conversão do país, os padres católicos recomendavam que as pessoas não sugassem o sangue dos outros e se livrassem da magia. No México também há uma conexão entre a licantropia e o vampirismo. O feiticeiro ou mago mexicano tinha a capacidade de se transformar em coiote. Carlos Castaneda, em seu livro A Erva do Diabo, menciona a capacidade que os brujos tinham de se transformar em animais. Ele mesmo viu algo inexplicável: um coiote de dimensões gigantes que acharam ser um brujo em sua forma animal, conhecido como diablero, o que eqüivale a dizer praticante de magia negra.
No México há a Tlahuelpuchi; é uma moça que ao sofrer a primeira menstruação desenvolve um desejo profundo por sangue. A noite, ela transforma-se em um animal para executar seus ataques. Suas vítimas são crianças, adultos e gado. A forma de descobri-la é oferecer-lhe alimentos que contenham alho. Além delas havia Camazotz, um deus do submundo maia. Era um homem morcego. No Oriente, o vampirismo é relacionado à magia. O leitor deve lembrar-se do vampirismo chinês e indiano, já tratados neste livro em capítulos precedentes. Mas é de bom-tom salientar alguns tópicos do vampirismo oriental. Na Malásia, há o Penanggalan, uma mulher vampira que caça à noite suas vítimas, preferencialmente crianças e mulheres.
A forma de protecção consiste em colocar espinhos no telhado. O uso dos espinhos, nesse caso, tem um aditivo especial: o Penanggalan tem uma aparência horripilante, a cabeça pendida para trás, e os intestinos pendurados; os espinhos servem para que o monstro prenda seus apêndices e seja destruído. O Aswang das Filipinas é uma bruxa ou bruxo vampiro. Ela tem uma língua extremamente longa e oca, por onde suga o sangue de suas vítimas. Voa na forma de um pássaro, pousando em locais estratégicos para facilitar seus ataques. A língua penetra o pescoço da vítima, notadamente crianças e mulheres grávidas. Na alvorada, ela retorna à sua casa, repleta de sangue de suas vítimas.
O Aswang usa um ungüento que lhe confere poderes mágicos, entre eles o de voar. O Aswang pode viajar transformado num grande pássaro negro. Esse termo também descrevia arrombadores de túmulo e lobisomens. Em Java, havia a lenda de uma mulher que morrera por problemas no parto. Ela atacava os homens e sugava-lhes o sangue. Igualmente atacava bebês e crianças de colo. Ciúme das mães era o elemento principal.
Uma forma de magia que trabalha com os mortos é a necromancia, e através dela é possível interrogar os mortos sobre o futuro e mais uma infinidade de temas. Uma das passagens da Bíblia fala da consulta que Saul fez à bruxa de Endor. Ela evoca o espírito de um profeta, e o espírito prevê a total derrota de Saul, como de fato ocorreu. Há poucos anos, Frater Piarus encetou uma cerimónia de necromancia com ajuda de um demónio, onde Aleister Crowley foi evocado. O ritual teve resultados fantásticos; o saber mágico fluiu copiosamente na forma de revelações de grande
beleza. Além disso, ocorreram mudanças atmosféricas e objectos foram destruídos sem o envolvimento físico de ninguém. A narrativa completa encontra-se no livro Rituais de Aleister Crowley, da Editora Madras.
Os tratados necromânticos podem ainda ser vistos em alguns museus da Europa, cheios de prescrições e procedimentos, alertando o vulgar do perigo de traficar com o reino dos mortos. Ressuscitar os mortos através da magia é uma história bem conhecida. Um exemplo é Jesus Cristo com Lázaro, e além dele há outros magos que encetaram essa quase impossível façanha. Abraão, o judeu, através da magia de Abramelin devolveu a vida à mulher do Imperador Sigismundo.
Elementais vampiros são conhecidos em muitas culturas. Em alguns relatos, o Vrykolakas confunde-se com elementais, em especial as nereidas (similares às sereias). O ponto em comum é a atuação de ambos como sedutores que atraem para a destruição. Alguns tipos de elementais têm estas características: são seres constituídos por um único elemento — fogo, água, ar ou terra. O folclore grego atual também pode ter confundido os dois seres; enfim, este é um campo para a especulação.
Os celtas conheciam fadas vampiras como a Sith de Baobhan, que seduzia e sugava o sangue de homens nas montanhas da Escócia. Ela surgia como uma linda mulher, embora tivesse patas de gamo, encobertas por sua roupa, ou às vezes na forma de um corvo. Uma lenda escocesa fala sobre quatro caçadores, que acampam e começam a beber. Um deles expressa o desejo de que houvesse mulheres com eles. Naquele instante, surgem quatro mulheres que se põem a dançar com os caçadores.
Um deles estava tocando música e, conseqüentemente, não estava dançando, e se assustou ao notar que sangue escorria de seus amigos. Discretamente, foi se retirando e se escondeu junto aos cavalos. Uma delas foi até ele, mas o ferro das ferraduras dos cavalos a impediu de agarrá-lo, e ele ficou entre esses animais até o amanhecer. Quando saiu, deparou-se com seus amigos mortos.
Liahennen-Shee é um elemental Vampiro que fica nas proximidades da água, especialmente poços, fontes e riachos. Quando um homem vai beber, ela surge em uma bela forma feminina. Caso a vítima se deixe enredar por seus encantos, ela o drena. O sangue de suas vítimas é colocado em um caldeirão, sendo usado com um revigorante para a eternidade.
Há uma lenda curiosa sobre o curupira: um índio dormia na floresta e o curupira o acordou. O índio, sobressaltado, nem acreditava no que estava havendo. O curupira queria comer o coração do índio; este, por sua vez, teve a idéia de dar um coração de macaco no lugar do seu. O curupira comeu e gostou, e nesse momento o índio foi assaz sagaz e pediu o coração do curupira. O curupira, vendo que o índio havia lhe dado o seu coração sem sofrer problema algum, não teve dúvidas: meteu a faca no próprio peito, tombando morto. O índio correu até a aldeia. Por muito tempo ficou longe das matas por causa do trauma. Mas haveria em breve o casamento de sua filha, então ele pensou que os dentes verdes do curupira dariam um belo presente. Rumou para a floresta, e, temeroso, aproximou-se do local fatídico. Lá estava o esqueleto do curupira; ele começou a bater com uma madeira no crânio, para soltar os dentes. E qual não foi a sua surpresa: o curupira retornou à vida. Um outro ser do folclore brasileiro é a jararaca. Ela se aproxima de mães aleitando seus filhos e, ao que tudo indica, hipnotiza-as. Coloca o rabo na boca da criança, para que ela não chore, e daí se põe a mamar no peito da mãe.
[ Vampiros Rituais de Sangue, de Marcos Torrigo, cap5.)

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