contos sol e lua

contos sol e lua

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

o mergulhador.Vinicius de morais.

Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos No líquido luar tateiam a coisa a vir Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti. És a princípio doce plasma submarino Flutuando ao sabor de súbitas correntes Frias e quentes, substância estranha e íntima De teor irreal e tato transparente. Depois teu seio é a infância, duna mansa Cheia de alísios, marco espectral do istmo Onde, a nudez vestida só de lua branca Eu ia mergulhar minha face já triste. Nele soterro a mão como a cravei criança Noutro seio de que me lembro, também pleno... Mas não sei... o ímpeto deste é doído e espanta O outro me dava vida, este me mete medo. Toco uma a uma as doces glândulas em feixes Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos Na massa cintilante e convulsa de peixes Retiradas ao mar nas grandes redes pensas. E ponho-me a cismar… - mulher, como te expandes! Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância! De coordenadas tais e horizontes tão grandes Que assim imersa em amor és uma Atlântida! Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço. E te amo, e te amo, e te amo, e te amo Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea Como o mar ao penhasco onde se atira insano E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre. Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva O imo do teu ser, o vórtice absoluto Onde possa colher a grande flor da treva. Amo-te os longos pés, ainda infantis e lentos Na tua criação; amo-te as hastes tenras Que sobem em suaves espirais adolescentes E infinitas, de toque exato e frêmito. Amo-te os braços juvenis que abraçam Confiantes meu criminoso desvario E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio. Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue E me afogar de amor e chorar e chorar. Amo-te os grandes olhos sobre-humanos Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem. Por isso - isso e ainda mais que a poesia não ousa Quando depois de muito mar, de muito amor Emergindo de ti, ah, que silêncio pousa Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!

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