contos sol e lua

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domingo, 31 de agosto de 2014

A PROMETIDA.

Abram a velha charuteira, dêem-me um Cuba bem fornido; complicaram-se as coisas, Maggie e eu nos temos desentendido. Por causa do Havana brigamos, brigamos por um bom charuto, e eu percebo que ela exagera, e ela então me chama de bruto. Abram a velha charuteira; que por um instante eu sossegue, vendo através do véu azul da fumaça o rosto de Maggie. É bem bonita de se olhar – Maggie, uma amável jovenzinha; mas belas faces logo murcham e até o mais puro amor definha. Num Larranaga existe paz, num Henry Clay a calma mora; mas o melhor charuto logo se acaba, e a gente o deita fora – deita fora por outro, tão perfeito, e escuro, e bem curtido; coisa que com Maggie não faço, por medo ao boato e ao alarido. Maggie, minha esposa aos cinqüenta – grisalha, e velha, e aquele humor! – e não poder adquirir outra nem por ouro, nem por amor! Tornada na treva de agora a luz ardente do passado, e como a guimba de um charuto o lume do Amor apagado – a guimba extinta de um charuto que no bolso se há de meter, sem que, fumado até o toco, se tenha outro para acender. Abram a velha charuteira – deixem-me ao menos refletir. Aqui um suave Manila, ali uma esposa a sorrir. O que é melhor: a servidão comprada ao preço de um anel, ou todo um harém de morenas, cinqüenta, presas a um cordel? Hábeis e mudos conselheiros, confortadores experientes, e nem uma só das cinqüenta para esnobar as concorrentes? Pensamentos de manhã cedo, consolo em épocas de abrolhos, paz no silêncio do crepúsculo, bálsamo antes que eu feche os olhos, eis o que as cinqüenta hão de dar-me, sem nada em troca demandar, com só esta paixão sati (*): cumprir seu dever e queimar. Eis o que as cinqüenta hão de dar-me. E, quando extintas e acabadas, cinco vezes outras cinqüenta novas servas me serão dadas. Encostas da distante Java e ilhas hispânicas também – hão de outra vez enviar-me noivas quando acabar o meu harém. Não me preocupará vesti-las nem tê-las bem alimentadas, nem quando as gaivotas aninham, nem no outono das chuvaradas. Vou perfumá-las com baunilha, temperar com chá suas peles; Mouro e Mórmon terão inveja ao ouvirem a história delas. Pois Maggie escreveu numa carta que eu escolhesse meu destino entre o pequeno Amor chorão e o grandioso deus Nico Tino. E por menos de doze meses do Amor não fui mais que um servente, mas Sacerdote de Cabanas fui por sete anos certamente. Meus negros dias de solteiro são coloridos no fulgor de troncos que queimei somente por Gozo, Amigos, Lida e Ardor. Se me volto para o futuro que provaremos Maggie e eu, a única luz que há sobre os pântanos é o duro Amor e o jugo seu. Terei uma jornada livre, ou nesses pântanos me afogo? Se o fumo de um charuto o embaça, devo seguir o incerto fogo? Abram a velha charuteira – deixem-me pensar outra vez; velhos amigos, quem é Maggie para que eu despreze vocês? Um bom milhão de Maggies extras aí estão para levar o andor. Uma mulher é uma mulher, mas um Charuto é puro Odor. Acendam-me mais outro Cuba – que fiel aos meus votos serei. Se Maggie não vai ter rivais, nenhuma Maggie esposarei. Rudyard Kipling. Traduções de Renato Suttana.

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