quarta-feira, 24 de novembro de 2010

SALOMÃO E A RAINHA DE SABÁ.


ABíblia relata, em I Reis 10, o interesse da rainha em conhecer Salomão, pela sua fama de sábio, a fim de pô-lo à prova, por meio de enigmas, tendo chegado a Jerusalém com uma grande comitiva e uma cáfila carregada de mercadorias de valor, oriundas de seu país.
Quando ela ouviu sobre a sua sabedoria e viu o palácio, as iguarias, as vestes e os sacrifícios, no Templo, bendisse a Jeová, e deu ao rei cento e vinte talentos de ouro, muitas pedras preciosas e grande quantidade de especiarias, principalmente incenso.
Depois voltou para a sua terra de origem.
Salomão e a Rainha de Sabá
O Alcorão transmite-nos história semelhante, relatando, a visita e a sua submissão final a Alá, na sura A Formiga.
Sempre causou grande admiração, em todos os tempos, esta bela história, e talvez o bíblico Cântico dos Cânticos seja parcialmente a ela dedicado. Até São Tomás de Aquino dela falou, na Aurora Consurgens.
Qisas Al-arabiya.
A Abu Mohammed Ibn Abdallah Al Kisai, escritor egípcio do século XI, devemos grande parte da lenda da rainha, registrada nos Contos da Arábia.
O rei Amru deixou de cuidar da grande represa e dos canais que alimentavam a rede de irrigação do Jardim dos Dois Paraísos, os dois oásis plantados com milhares de tamareiras e outras árvores frutíferas, onde se situava a cidade de Kitor, significando incenso, também ali cultivado.
A represa desmoronou e Amru fugiu. O vizir Al Himiyari foi quem a reconstruiu, mas apaixonou-se pela djina Umaya, com quem teve uma filha chamada Belquis, criada pelos djins da areia e pelas gazelas do deserto.
Tornando-se adulta, Belquis voltou para Kitor, sendo desejada pelo novo rei Sharak ibn Sharaquil, o qual foi por ela decapitado, sendo coroada rainha.
Em Jerusalém
Em certa sexta feira, em Jerusalém, o anjo Gabriel deu um anel a Salomão, que controlava os quatro ventos, transformando-o em rei dos djins e todos eles. Guiados pelo arcanjo amigo, vieram para aquela cidade, onde o rei ordenou-lhes a construção de um palácio com mil colunas de mármore e lâmpadas de ouro, tendo salões de ônix, enfeitados com pérolas brancas e cintilantes pedras preciosas.
As djinas cuidavam da alimentação e dispunham os pratos ao longo de uma imensa mesa de um quilômetro e meio de comprimento. Elas haviam tecido, para rei-sábio, um tapete voador vermelho de um lado e verde do outro, com quarenta quilômetros de comprimento. Os pássaros acompanhavam-no, fazendo a sombra necessária, quando nele viajava.
O passáro falante
Em uma de suas viagens um raio de sol atingiu-o e ele sentiu a falta da poupa Hudhud, que ficara na cidade de Kitor, e que lhe daria a primeira notícia da existência de Belquis.
Salomão escreveu-lhe uma carta em que lhe pedia para render-se a ele, e a poupa Hudhud deixou-a cair sobre o colo da rainha, que a leu, mandando presentes. Se o rei fosse um falso profeta, seriam recebidos, se não, devolvidos.
Salomão continuou a exigir a sua submissão, mas resolveu ficar com um dos presentes, adivinhando o seu conteúdo, uma pérola furada por onde fez passar uma lagarta, arrastando um cordão de seda, que por isso ganhou uma amoreira, um indício de que já se sabia produzir o tecido, nesses recuados tempos.
Os três enigmas.
Mahram Belquis atravessou desertos e entrou em Jerusalém, pela porta de Benjamim, chegando a Salomão por um caminho ladeado de sinos de cristal.
No canto da sala do trono, ela viu atônita o trono que deixara, em Kitor, trancado pelas sete chaves de sete portas de ferro, trazido de lá por um túnel feito pelos djins.
O trono de Salomão tinha sete degraus, sendo de ouro, pedras preciosas, marfim e pérolas. Ao pisar o primeiro degrau, águias de bronze batiam as asas; o segundo, leões de latão, rugiam; o terceiro, touros dourados, bramiam e assim sucessivamente até o sétimo, onde pavões aspergiam perfumes sobre o rei. O trono era sustentado por quatro djins invisíveis, daí parecer flutuar.
Belquis propôs ao rei judeu três enigmas :
· Qual a água que não vem da terra, nem do céu? Ao que Salomão respondeu, o suor.
· Uma ventania corre através dos seus cimos. É agradável aos livres, vergonhoso para os pobres, honroso para os mortos, alegre aos pássaros e doloroso para os peixes. O que é? O linho, disse o rei.
· Uma mulher disse à sua filha: teu pai é meu pai, teu avô é meu pai, tu és minha filha e eu sou tua irmã. Quem sou? E mais uma vez veio a resposta: Uma das filhas de Lot.
Belquis sentiu-se vencida e baixou a cabeça. Salomão ofereceu-lhe hospitalidade e sua companhia.
As suas 300 esposas e 700 cocumbinas murmuraram, mas o duro olhar da rainha calou-as e as dispersou.
O piso de vidro.
Os djins não queriam o casamento dela com Salomão, pois perderiam definitivamente a sua liberdade, se nascesse um filho homem dessa união. O djin Zabwa, expressando este temor, informou a Salomão ser ela uma djina de pernas cabeludas e patas de asno.
Salomão então mandou fazer um piso de vidro em seus aposentos, sob o qual colocou água e peixes, e convidou Belquis para visitá-lo. Ao entrar, pensando ter de atravessar um riacho, ela levantou o vestido, aparecendo suas cabeludas pernas e seus pés, que embora mal conformados, não possuíam cascos. Os djins ficaram alegres, mas Salomão inventou um ungüento de cal e cinzas, para eliminar os indesejáveis pelos.
Ela acabou sendo convertida e se rendeu a Jeová, casando-se com Salomão, de quem teve um filho chamado Jeroboão de longos braços até os joelhos.
A sedução da Rainha
Dizem que Salomão aplicou o seguinte artifício para seduzir Belquis: convidou-a para um jantar, servindo-lhe pratos salgados e temperados e, fingindo suspeitas, pediu-lhe para jurar que nada tomaria de suas posses, pois se isto fizesse ele teria o direito de possuí-la.
Ao deitar colocou água em um recipiente em seu quarto. À noite Belquis teve sede e ao retirar a água, para saciá-la., foi interpelada por Salomão, que logo lhe alegou o trato.
O regresso
Belquis voltou para Kitor, no sul da Arábia, onde dizem que Salomão a visitava três vezes por mês, em seu tapete voador.
O verme e a estaca
Quando Salomão recebeu a visita do Anjo da Morte, o aniquilador Azrael, de milhares de olhos,este deixou o corpo do rei encostado a uma estaca, e um verme levou um ano para destruir a madeira, caindo o seu corpo ao chão e se transformando em pó. Por isso dizia-se que um pequeno verme havia destruído a opulência de Salomão.
Os djins ao saberem desta notícia abandonaram os trabalhos de Belquis e voltaram para os seus cantos escuros.
Belquis ainda viveu dezessete anos após a morte do rei.
O anel dos quatro ventos
Dado por Gabriel a Salomão, transformou-o no rei dos gênios. Dizem que em certo período de sua vida o rei teve este anel roubado, pelo djin Sakr, que ocupou o seu lugar, explicando-se, desta maneira, um período de politeísmo e de magia do seu reinado, quando perdeu o seu harém e os seus tesouros.
Salomão recuperaria o anel de dentro da barriga de um peixe, como em um velho conto de fadas.
A tradição copta.
Os coptas são cristãos que habitam a Etiópia e o Egito, desde os primeiros séculos do cristianismo. A tradição copta está no livro Kebra Nagast. Segundo ele, Belquis foi uma rainha de Aksum, chamada Makeda. Do casamento de Makeda com Salomão nasceu Menelik, que voltou a Jerusalém quando tinha vinte e dois anos, acompanhado pelo amigo Azirah.
Ali permaneceu por três anos, onde aprendeu a sabedoria, retornando para a Etiópia com a Arca da Aliança, obtida com a ajuda do Anjo do Senhor, talvez Gabriel.
Menelik iniciou uma dinastia que só terminou há poucos anos, com a derrubada do imperador Hailé Selassié, o Leão de Judá. Esta antiga tradição foi confirmada com a aceitação de milhares de judeus etíopes evacuados daquela região, para Israel.
O estado Sabeu
Grande império que um dia existiu, no sul da Arábia, abrangendo trechos do Hadramaut, Aden e Yemem. A rainha Mahram Belquis teria governado este reino, em alguma época.
Recentes descobertas arqueológicas mostram a existência da grande represa de Marib e do Jardim ou Oásis Norte e Sul, citados no Alcorão, que armazenavam as águas do Wadi Adana, irrigando, através de sua rede de canais, mais de 9.600 hectares de terras férteis plantadas de árvores frutíferas, tamareiras e árvores de incenso, um verdadeiro paraíso. Com a destruição da represa, os oásis foram cobertos por 30 metros de aluvião. Seria ele o local dos Jardins do Éden ou do Aden e do Dilúvio?.
O verdadeiro nome da Rainha de Sabá.
As histórias acima contadas, umas estão na Bíblia, outras, no Alcorão, algumas nos Contos Árabes, e muitas, no Kitab al Tijan (O Livro das Coroas) de Wahb ibn Munnabih, onde ele registrou o nome completo da rainha: Belquis bent Sharahil ibn Dhu Jadan ibn Ayli Sharh ibn al Haith ibn Qais ibn Sayfi ibn Saba ibn Yashjub ibn Yacub ibn Qahtan, a longa lista de seus ancestrais, que governaram Marib.
Sabá/Lilith
O Zoa considerou a rainha de Sabá uma djina, um demônio feminino do deserto, sendo ela por isso ligada a Lili. Na realidade Sabá seria o arquétipo feminino ligado às mulheres independentes e de comportamento totalmente inaceitável, no tempo do Velho Testamento.
As tradições judaicas sempre foram contrárias a ela, pois representava a mulher estrangeira, de outra cultura, em competição com a mulher nativa, capaz de transmitir aos filhos as tradições venerandas. Contudo Sabá foi atraída pelo seu arquétipo masculino similar de Samael, representado por Salomão.
Esta concorrência entre a mulher estrangeira e a nativa sempre foi uma constante nas tradições arcaicas, daí as crianças terem de ser protegidas contra os seus malefícios.
Sabá também pode corresponder a Istar, a deusa da fertilidade dos povos semitas do fértil crescente, amoritas, cananeus, babilônios, arameus, judeus e assírios, entre outros, com um panteon de deuses da natureza, em que as primícias e os primogênitos eram queimados, em seu louvor. Seria ainda uma forma de Isis, a pomba negra egípcia, cultuada com ritos da fertilidade em vários pontos do Oriente.
Hoje podemos melhor entender a figura da rainha de Sabá, personificando essa mulher estrangeira capaz de interferir, na sucessão israelita, através da sua beleza, a madrasta cruel eliminadora dos enteados, mandada de volta para a Arábia ou Abissínia, com o seu herdeiro, como um dia Agar também o foi.
Antônio José Souto Loureiro.

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