sexta-feira, 16 de outubro de 2009
VAMPIROS O LADO OCULTO.
Em 1996 um autor que usa o codinome Konstantinos finalmente passou para o papel um ‘causo’ narrado por uma conhecida, que ouviu de sua mãe, que ouviu de uma amiga que jura que conhecia a mãe de um vampiro. Diz ele que, no ano de 1922, um bêbado da aldeia de Pyrgos, na Grécia, foi encontrado morto, “pendurado pelo pescoço, numa corda amarrada a um ramo de uma árvore alta” Tomaram-lhe por suicida, motivo pelo qual não pôde receber um sepultamento tradicional, segundo o rito da igreja ortodoxa grega, sendo enterrado do lado de fora do cemitério.
Dois meses depois, o fado foi responsabilizado pela incidência de uma praga na região, o que levou sua viúva a confessar ao pároco que seu finado marido retornava ao lar conjugal todas as noites e se “deitara com ela” até as primeiras horas da madrugada.Ela estava grávida do vampiro.
O pároco reuniu imediatamente alguns dos homens da aldeia para irem com ele à sepultura do vrykolakas, do lado de fora do cemitério, “para fazer o trabalho de Deus”; às mulheres não foi permitido que se aproximassem do local.
Para toda regra existe uma exceção. No ocidente, em regra, os corpos dos vampiros não se putrefazem. Mas neste caso, a contrario sensu, salvo pelo coração intacto que “ainda batia” o finado se encontrava “enrugado e endurecido”, como um esqueleto revestido de uma fina camada de “carne enrugada”. Em suma, apresentava um estado de conservação pior que o de quaisquer ser humano morto há apenas dois meses! Compare com a descrição do corpo do jovem enforcado possuído pelo baital (vetāla) na tradução livre do Baital-Pachisi tibetano feita por Richard Francis Burton:
Seus olhos, que estavam arregalados, eram de um castanho esverdeado e nunca piscavam. Seus cabelos também eram castanhos e castanho era seu rosto — três matizes diferentes que, não obstante, aproximavam-se um do outro de forma desagradável, como em um coco seco. Tinha o corpo magro e cheio de nervuras como um esqueleto ou um bambu e, estando pendurado de um galho, como uma raposa voadora, pela ponta dos dedos, seus músculos contraídos ressaltavam como se fossem cordas de fibras de coco. Não parecia ter uma gota de sangue, ou este estranho líquido devia ter-se escoado todo para a cabeça, e quando o rajá tocou-lhe a pele, sentiu-a fria como o gelo e viscosa como a de uma serpente. O único sinal de vida era o furioso agitar de uma pequena cauda semelhante à de um bode.
No Tibet a cor castanha é um traço étnico atribuído aos homens de castas inferiores, às feiticeiras e aos demônios. A culpa moral pelo suicídio do bêbado grego substitui esse traço lombrosiano. Ele só não está mais enforcado na árvore porque alguém o enterrou. O vrykolakas grego também não tem um rabo agitado que delata sua sobrevida de forma poética, e sim um coração que bate. O resto é idêntico. Mas ninguém estava interessado em estudar uma hipótese de interação cultural. Os caça-vampiros partiram direto para a ação:
Nessa altura, o pároco pegou num pequeno frasco de água benta que verteu sobre o coração. Ao fazer isto “o coração começou a derreter” e o tronco do vrykolakas foi tomado de estremecimentos, que só pararam quando o coração ficou completamente liquefeito.
Os outros homens desmembraram e cremaram o corpo, cujas partes “se incendiaram como pedaços de madeira seca”. Cremaram igualmente outros dois defuntos que supostamente morreram por causa da praga do vampiro. As demais providências tiveram de ser tomadas no dia do parto da viúva.
O bebê parecia-se com o “mostro que era o seu pai”. Morreu segundos apenas depois de ter nascido e o pároco tirou-o da mãe para tomar certas precauções e o enterrar.
Depois disso a viúva entrou num convento ortodoxo “para rezar pelos seus pecados” até o fim da vida. Mas isso não é importante. O fato é que às vezes a criança suspeita sobrevive e pode ser rejeitada, como no seguinte caso compilado por Luís Marcondes:
Há alguns anos vivia em Praga, Checoslováquia, uma mulher que em sua juventude amou um vampiro. Daquela funesta paixão nasceu um totenkind, um filho de tumba. Quando jovem, Petra Vucek era muito bela. Muitos a cortejavam e ela conheceu seu amado durante uma festa ao ar livre. Decidiu que aquele devia ser seu homem. Mas ficou horrorizada quando foi mordida pela primeira vez.
Não poderia fazer outra coisa que abandonar o rapaz. E o fez. Mas tinha já dentro de si a semente de um outro terror, um mal vourdalek ou, para usar a expressão eslava mais comum, um vampirevich – filho de vampiro. Karel Vucek cresceu com sua mãe, que trabalhava para mantê-lo. Parecia um garoto normal, mas Petra sabia que, não era verdade e esperava, com angústia, que ele se manifestasse. Passaram-se anos de agonia, antes que o garoto ameaçasse morder. Foi uma menina da mesma idade que Karel, a primeira vítima. Quando Petra soube do fato, não disse nada ao menino. Experimentou quase uma sensação de alívio: finalmente a espera acabara.
Num domingo de agosto, vestiu o filho com a roupinha mais bonita e o levou fora da cidade, numa localidade acima do rio Vltava, muito conhecida dos namorados pelos passeios de barco. Petra alugou um barco. Quando voltou à margem estava só. Não procurou esconder seu crime, foi presa. Ficou 20 anos na cadeia. No fim da vida, era uma velhinha como tantas outras, mas lembrava bem a sua história e não hesitava em contá-la. Só uma coisa a perturbava: o apelido que lhe deram no bairro onde vivia e que os moleques lhe gritavam: mamãe morte.
Por aí já da para ver que a vida do filho de um vampiro não é fácil. Uma das coisas que o membro da comunidade rotulado de vampirevich pode fazer para fugir do preconceito é se isolar. Outra é abraçar o presente do destino, abnegar abertamente sua origem ‘diabólica’ e usar a credulidade alheia para ganhar dinheiro. Gordon Melton descreve a crença eslava:
Os sérvios e os bósnios compartilhavam com os ciganos a crença no dhampir, o filho de um vampiro. A prole de um vampiro era considerada como possuidora de poder para ver e destruir seu pai e outros vampiros. O produto dessa união, geralmente do sexo masculino, era chamado dhampir. Acreditava-se que o dhampir tinha poderes inusitados para detectar e destruir o vampiro – uma habilidade deveras importante. Alguns dhampirs modernos entre os ciganos da Europa oriental se vangloriavam de sua habilidade em localizar o vampiro, que era simplesmente morto a tiros se localizado fora de sua sepultura. Alguns indivíduos, que acreditavam ser dhampirs, suplementavam sua renda oferecendo-se como caçadores de vampiros. Por outro lado, o dhampir era um membro normal da comunidade de ciganos. Os poderes do dhampir podiam ser transferidos para a prole masculina e em última instância através de uma linhagem familiar. Conquanto as habilidades para caçar vampiros pudessem ser herdadas, não podiam ser aprendidas.
Rireis quando freqüentemente virdes que não tive escrúpulo em enganar distraídos, velhacos e tolos, sempre que me foi preciso. Felicito-me sempre que me recordo de os ter feito cair em minhas armadilhas, pois eles são insolentes e presunçosos a ponto de desafiarem o espírito. Vingamo-lo quando enganamos um tolo, e a vitória vale a pena, pois um tolo tem couraça, e de ordinário não se sabe por onde pegá-lo. Creio finalmente que ludibriar um tolo é expediente digno de um homem de espírito.Eles acharão que sempre amei a verdade com tanta paixão que não raro comecei mentindo a fim de conseguir fazê-la entrar em espíritos que desconheciam os encantos dela. Não me quererão mal quando me virem esvaziar a bolsa de meus amigos para atender aos meus caprichos, pois esses amigos tinham projetos quiméricos, e, fazendo-os esperar o êxito, esperava eu mesmo curá-los desenganando-os. Enganava-os para torná-los prudentes, e não me considerava culpado, pois nunca agia movido por espírito de avareza. Para custear meus prazeres, empregava somas destinadas à obtenção de posses que a natureza não possibilita. Se hoje estivesse rico, sentir-me-ia culpado; mas nada possuo, tudo esbanjei, e isto me consola e me justifica. Era um dinheiro destinado a loucuras: pondo-o a serviço das minhas, não desviei absolutamente seu emprego.
Nas atas dos casos famosos de vampirismo os heiduques sempre citam ataques de vampiros realizados contra as tropas em guerras contra os turcos. Curiosamente um dos três maiores líderes heiduques nestas guerras foi o príncipe transilvano Franz-Leopold Rakoczy, que teve dois filhos com a princesa Charlotte Amália de Hesse-Wahnfried. Estes meninos foram feitos prisioneiros pelos austríacos e criados como católicos; embora um deles, cognominado Conde Saint-Germain, tenha levado fama de imortal e se comportado de forma ímpar. Salvo fraude, no mais antigo livro atribuído à sua autoria ele próprio revela ter sido assediado no cárcere por entidades vampíricas:
Fantasmas sombrios apareceram ante mim: Hydras, Lamias e serpentes cercaram-me. A visão da espada em minha mão dispersou completamente a lasciva mesmo enquanto os primeiros raios da luz dissipavam os frágeis sonhos noturnos de criança.
Por que será que seus sonhos de infância eram tão estranhos? Ninguém pode provar coisa alguma, exceto que ele se especializou no ramo da magia, ‘fazendo’ coisas tão pitorescas que de forma alguma poderiam ser verdadeiras. Fez de si mesmo uma lenda, uma entidade mágica.
KONSTANTINOS. Vampiros: A verdade oculta. Trd. Joaquim António Nogueira Gil.
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