sábado, 21 de novembro de 2009

Literatura Gótica.


Na literatura, o termo gótico se refere a uma forma peculiar de romance popular no século XIII. Até o surgimento desse gênero, havia dois tipos de romances. O primeiro afastava-se da verossimilhança nas aventuras narradas, enquanto o segundo era fiel demais à realidade, por isso carente de imaginação. Assim, com a união desses dois tipos de romances, o gênero gótico emergiu como uma forma de romantismo, mas procurando mostrar o lado mais negro e obscuro do ser. Na melhor das hipóteses, as obras góticas forçavam o leitor a considerar tudo o que a sociedade considera ruim na vida humana.
Os autores góticos desafiavam as estruturas sociais e intelectuais pela apresentação da intensa, inegável e inevitável presença do não-racional, da desordem e do caos. Estas presenças são quase sempre retratadas como forças incontroláveis, materializando-se, a partir do subconsciente, em manifestações sobrenaturais do monstruoso e do horrendo.
A literatura gótica impõe o sentido do pavor. Cria uma mistura complexa de três elementos distintos: terror - a ameaça da dor física, mutilação e/ou morte; horror - a confrontação direta com uma força ou entidade do mal repulsiva; e o misterioso - a realização intuitiva de que o mundo é muito maior do que a nossa capacidade ou compreensão poderiam dominar.
A PRAGA AMALDIÇOADA DE STRAWBERRY HILL

Em 1747, Horace Walpole (1717-1797), 4o Conde de Oxford e membro do Parlamento, filho do poderoso Primeiro Ministro, fixou-se em Strawberry Hill, em Thames, próximo a Windsor, e, apaixonado pela Idade Média, começou a reformar sua propriedade, apelidada por ele de pequeno castelo gótico. Esta paixão declarada terá as mais espantosas repercussões na história literária da Europa. Anos mais tarde, Walter Scott descreverá a morada de Walpole como um verdadeiro castelo feudal, com armaduras, broquéis, lanças de torneio, em suma, todo o armamento típico da cavalaria.
Dezessete anos depois, deve-se precisamente a um dos típicos sonhos estratosféricos de Walpole o advento de um sinistro e conhecido romance, muitas vezes plagiado, O Castelo de Otranto (1764), que povoará de pesadelos, fantasmas e pobres heroínas perseguidas a literatura popular e os filmes de horror do nosso século. Em seu sonho, Walpole viu, sobre o degrau cimeiro de uma escada interminável, uma mão gigantesca escondida numa luva de ferro. Na mesma noite, Walpole começou a escrever seu romance e publicou-o, anonimamente, dois meses mais tarde, com o título de História Medieva de 1528, reencontrada na biblioteca de uma velha família católica da Inglaterra do Norte e traduzida pelo gentil-homem William Marshall. O seu autor teria sido um tal Onófrio Muralto, cônego da Igreja de São Nicolau, em Otranto, mas, depois, com o sucesso da obra, Horace Walpole assumiria a autoria desse romance em que acontecimentos sobrenaturais sobrepujam as personagens.
A ação ocorre na Itália, durante a época das Cruzadas. Manfredo, duque de Otranto, descendente de um usurpador, deverá sofrer as conseqüências do crime do seu antepassado. Retomando, nesse aspecto, a desmedida, característica do herói trágico grego, que, tal como Édipo, deve resgatar os crimes de seus antepassados e ser punido pelos crimes cometidos, o desequilíbrio deve ser corrigido e o equilíbrio deve ser restaurado. Segundo a profecia de São Nicolau, o domínio dos usurpadores deverá cessar no dia em que a sua linhagem deixe de ter herdeiros masculinos e o proprietário legítimo do castelo se torne muito grande para poder habitá-lo. Esmagado sob um enorme capacete coberto de plumas e caído subitamente do céu, o jovem Conrado, filho único de Manfredo, morre antes de ter podido casar-se com a doce Isabel. Manfredo resolve, então, rejeitar a sua esposa para desposar Isabel, mas a garota resiste-lhe e consegue fugir, auxiliada pelo jovem Teodoro, de obscura ascendência. Furioso pela afronta sofrida, Manfredo prende Teodoro numa torre, mas a sua filha, Matilde, apaixonada pelo rapaz, liberta-o.
Advertido por um empregado de que uma dama do castelo tem se encontrado com Teodoro, o rebelde, no cemitério, Manfredo arma uma cilada à culpada e mata-a. Ao desvendar o rosto do cadáver, percebe que acabou de matar a própria filha, Matilde. Com esse acontecimento, nem sequer a segunda parte da profecia deixa de realizar-se.
O fantasma de Afonso, duque legítimo de Otranto, torna-se tão grande que abala e faz ruir o castelo. Manfredo confessa o crime do seu antepassado, e vai para um convento com a esposa, ao passo que Teodoro, que é o descendente legítimo dos duques de Otranto, desposa Isabel e ascende ao trono de seus antepassados.
Tudo isso é acompanhado de aparições de fantasmas, de mãos gigantescas, empunhando enormes espadas, de misteriosos cavaleiros aparecendo às portas da cidade para denunciar Manfredo como usurpador, de estátuas e retratos subitamente dotados do gesto e da palavra e a sangrarem das faces, entre outras coisas sinistras. Juntamente com as conhecidas tragédias gregas, temas como falsa herança, vingança, erros de identidade, e incesto, e conhecidos fantasmas shakesperianos aparecem no romance em infinitas variações.
Assim, uma crença no sobrenatural surgia para acompanhar uma preocupação com o materialismo, como se a instabilidade do mundo material inspirasse uma compensada fé em uma outra ordem religiosa. Para Walpole e muitos dos seus seguidores, crer no sobrenatural era uma reação para uma sociedade que priorizava uma empírica e exagerada verdade transcendental e que bania a gótica e convencional leitura para o mesmo lugar da literatura infantil. Não só para Walpole, mas para muitos autores do século XIX, a arquitetura e a literatura gótica contribuíram para uma fantasia que era favorável à degeneração, destruição e visível decadências da política e da igreja, com a qual muitos deles estavam envolvidos.
No romance gótico, o pano de fundo, influenciado pela Idade Média, é composto, quase sempre, de um castelo, que é palco de aparições e acontecimentos sobrenaturais como, por exemplo, a ira de um fantasma vingativo. No Castelo de Otranto, como nos romances góticos subseqüentes, aparece uma versão diferente dos contos de fada - coisas inanimadas e fantasiosas rebelam-se e adquirem poder sobre o homem que, gradualmente, perde ou abdica o controle de si mesmo. Na época, o sobrenatural e a fantasia tinham uma relevância social muito grande, porque transmitiam à classe média um sentimento de insegurança acerca da propriedade, autoridade e status social. Na verdade, romances e peças teatrais, geralmente góticos, no que se refere à herança, reforçam-se imperceptivelmente no século XVIII, expressando os precoces medos e desejos das pessoas que viviam em uma sociedade que surpreendentemente se tornara fluida, na qual herdar status era ser desafiado por mérito e dinheiro e as mulheres não tinham direito a nada. Enfim, O Castelo de Otranto é uma obra primariamente masculina em que um dominante e insensível vilão mantém uma infeliz, inocente e medrosa virgem subjugada.(Bloom, 1981)
ATERRORIZAR PARA COMOVER.
O sucessor imediato de Walpole é uma mulher, Clara Reeve (1729-1807), filha de um pastor protestante, que publicou, em 1777, O Campeão da Virtude, intitulado depois de O Velho Barão InglêS, História Medieval. Clara Reeve reconhece bem cedo e, espontaneamente, a sua dívida com Walpole, mas vangloria-se de ter modernizado as estruturas do gênero e de ter, sobretudo, suprimido numerosos exageros. Ela achava que um fantasma, para ser uma verdadeira personagem de um romance, deveria ter um comportamento discreto e submeter-se às leis naturais que limitam a ação desta espécie de figurante.
O sobrenatural deve aparecer sob a forma de sonhos, pesadelos e os habituais ruídos misteriosos, tais como gemidos, correntes que se arrastam e murmúrios.
Em seu romance, Edmundo foi despojado dos seus bens por um tio malvado que lhe assassinou os pais covardemente. Mas é recolhido e protegido pelo velho barão inglês, amigo de infância de seu pai, justamente regressado da Palestina e que fora rogado em sonhos pelo seu velho companheiro para vir vingá-lo e proteger os direitos do órfão. Assim como Hamlet, após variadas peripécias, o tio infame é finalmente punido.
O romance do castelo fortificado tem vida breve, nasce com Walpole e morre com Clara Reeve. Mas a semente plantada pelo extravagante dono de Strawberry Hill crescerá com Ann Radcliffe, Gregory Lewis e o reverendo Maturin, que a transplantam para um terreno muito mais fértil. Com isso, desaparecem as intervenções sobrenaturais muito forçadas ou muito artificiais.
Nada mais resta agora do medieval senão a decoração, ainda hoje de importância neste gênero de literatura: castelos em ruínas, torres freqüentadas por fantasmas errantes, salteadores ferozes e monges demoníacos, que se encarniçam contra frágeis donzelas ou órfãos desamparados.
Há, então, uma conciliação entre os dois tipos de romance, o antigo e o moderno, pois o primeiro tem muito de fantasia e pouco de verossimilhança, ao passo que, no segundo, há muita verdade e pouca imaginação, como disse Walpole no trecho a seguir:
Foi uma tentativa de combinar os dois gêneros de romance, quer dizer, o antigo e o moderno. No primeiro, tudo é imaginação e inverossimilhança; já no segundo a natureza é sempre contemplada para ser ilimitada e às vezes tem-no sido com sucesso. Aí não falta imaginação, mas suas grandes riquezas encontram-se obscurecidas, por causa da estrita aderência às circunstâncias banais da vida.
Por fim, pode-se dizer que no segundo a imaginação está limitada pela natureza, esta, por sua vez, foi totalmente banida dos romances antigos. As ações, os sentimentos, as conversas dos heróis e das heróinas dos tempos passados são tão artificiais quanto os mecanismos que se empregam para dar-lhes vida. (Walpole, 1766)

Com a Santíssima Trindade do romance noir - Radcliffe, Lewis e Maturin - passa-se a uma nova concepção, resumida nesta fórmula breve: aterrorizar para comover. (Orlandi, 1969)
OS MISTÉRIOS DE ANN RADCLIFFE.
Nascida em Londres, no ano em que Walpole publicou O Castelo de Otranto, Ann Radcliffe (1764-1824) passava a maior parte do tempo sozinha, lendo os seus grandes mestres, Shakespeare e Rousseau. Casada com o editor de um jornal semanal, ela não teve filhos e foi considerada morta durante 30 anos. Publica o seu primeiro livro em 1789, Os Castelos de Athlin e de Dunbayne, confuso romance de aventuras que mostra a luta feroz que opõe, na Idade Média, duas velhas famílias escocesas. No ano seguinte, surge a obra O Siciliano, na qual narra as aventuras da infortunada marqueza Mazzini, presa num medonho subterrâneo pelo seu cruel marido.
Em 1791, Radcliffe obtém o seu primeiro sucesso com O Romance da Floresta, aceito de maneira muito benévola, mesmo pela crítica mais severa. No enredo, uma pobre órfã, Adelina, é obrigada a conviver com o pai adotivo, um falsário perseguido pela justiça - nas ruínas de uma velha abadia medieval.
Em 1794, Ann Radcliffe publica, finalmente, a sua obra-prima: Os Mistérios de Udolfo, que é editada em quase todos os países da Europa, e mesmo na América, onde influenciou Charles Brockden Brown. A obra é ambientada na França e na Itália do século XVI. Emília de Saint-Aubert é vítima das perseguições de uma tia megera e de seu marido, o malvado conde Montoni, chefe de bandoleiros - nota-se aqui a nítida influência de Os Bandoleiros, de Schiller. Montoni aprisiona Emilia em seu castelo, em Udolfo, na Itália, e tenta forçá-la a doar sua propriedade. A excessiva imaginação de Emília povoa o castelo, o principal foco do romance, com espíritos e efeitos sobrenaturais, como se o genuíno mal com o qual ela convive não fosse suficiente para aterrorizá-la. No final, Montoni, que assassinou a sua cúmplice, é punido pela justiça, e Emília é salva pelo seu amor, Valancourt.
A descrição formal, o gosto pelo sublime e especialmente a evocação da sensibilidade contribuíram para a popularidade dos romances de Ann Radcliffe, apesar de serem obviamente anacrônicos, uma projeção de gostos contemporâneos e personagens do século XVI. (Fairclough,1986)
Após a publicação de O Italiano e até a sua morte, a escritora leva uma vida isolada e não volta a escrever. Aproveitou-se essa circunstância para fazer correr o boato de que os horrores descritos com tanto agrado nos seus livros a teriam enlouquecido.
INFINITO E IMAGINÁRIO MUNDO DE BECKFORD
Nas mãos de uma ressentida e deturpada pessoa como William Beckford, que se refere a Walpole como a praga amaldiçoada de Strawberry Hill, o gótico, aceitação popular do terror e do sobrenatural, tornou-se uma forma de fuga da moral restrita e elementar que mantinha pessoas a par da existência de tortura, assassinato e mutilação.
Nascido em 1760, filho do Lorde Principal de Londres e neto de um colonialista jamaicano, Beckford obteve a herança de seu falecido pai aos onze anos de idade. Estudou música com Mozart, arquitetura com William Chambers e pintura com Alexander Cozens, enquanto adquiria facilidade em muitas línguas, falando e escrevendo francês com uma facilidade impecável. (Orlandi, 1969)
Beckford escreveu, em francês, o livro The History of Caliph Vathek, descrevendo-o como uma coletânea de situações e mortes horripilantes. A obra tem como ambiente o infinito e imaginário mundo oriental das noites árabes.
Vathek, com suas diversas esposas, vivia em um palácio composto de cinco pavilhões e uma torre central, onde sua mãe, Carathis, uma bruxa com gostos particularmente demoníacos, cuidada por cinco negros mudos e muitos eunucos, realizava constantes feitiços com esqueletos e óleos venenosos.
A ambição pelo poder faz com que o califa Vathek entregue ao diabo o corpo de cinqüenta crianças dentre as mais lindas de todo o reino. Após realizar tal oferenda, ele adquire o direito de visitar o Palácio do Fogo Subterrâneo, local onde se encontram os maiores tesouros e talismãs do mundo. Contudo, Eblis, o diabo maometano, impõe uma única condição: durante a jornada até o Palácio, o califa não deve entrar em nenhuma aldeia ou residência. Vathek desobedece a ordem e invade um povoado. Na sua passagem pelo Inferno, o califa encontra esqueletos, fantasmas, vampiros e várias outras criaturas assustadoras.
Com essa obra, o leitor depara-se com a seguinte questão moral: vale a pena encarar o inferno para se tornar ainda mais poderoso? (Fairclough, 1986.F.Wikepédia.

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