quarta-feira, 4 de agosto de 2010
O Renascimento e a Bebida Letal.
Nosso nascimento não é mais que um sonho e um esquecimento.
A alma que conosco se eleva, nossa Estrela da vida,
Teve seu pôr-do-sol em qualquer outro lugar
E vem de longe.
Não está em completo esquecimento,
Nem em total nudez parece estar.
-Wordsworth
Quando Siegfried deixa a rocha da Valquíria e chega à corte mundana de Gunther, dão-lhe uma bebida preparada para fazê-lo esquecer tudo sobre sua vida passada e sobre Brunilda, o Espírito da Verdade, a quem ele havia conquistado para si.
Supõe-se que a doutrina do renascimento foi ensinada apenas nas antigas religiões do Oriente, mas um estudo da mitologia escandinava logo desmentirá esse conceito errôneo. Na verdade, eles acreditavam tanto no renascimento como na Lei de Causa e Efeito aplicada à conduta moral, até que o Cristianismo obscureceu essas doutrinas por razões descritas no "Conceito Rosacruz do Cosmos". É curioso ler sobre a confusão causada quando a antiga religião de Wotan estava sendo suplantada pelo Cristianismo. Os homens acreditavam realmente no renascimento, mas o repudiavam externamente, como é mostrado na seguinte história sobre Santo Olaf, rei da Noruega, um dos primeiros e mais ardorosos convertidos ao Cristianismo. Quando Asta, a rainha do rei Harold, estava em trabalho de parto, mas não conseguia dar à luz, um homem chegou à corte trazendo algumas jóias, sobre as quais relatou o seguinte: O rei Olaf Geirstad, que havia reinado na Noruega há muitos anos e era o ancestral direto de Harold, havia-lhe aparecido num sonho e instruiu-o a abrir o grande outeiro em que jazia seu corpo e, depois de separá-lo da cabeça com uma espada, devia levar à rainha certas jóias que encontraria no caixão, e suas dores, então, cessariam. As jóias foram levadas ao aposento da rainha, e, logo em seguida, ela deu à luz uma criança do sexo masculino, ao qual deram o nome de Olaf. Era crença geral que o espírito de Olaf Geirstad tinha passado para o corpo da criança, que assim levou seu nome.
Muitos anos depois, quando Olaf se tornou Rei da Noruega e abraçou o Cristianismo, cavalgava um dia, como fazia com freqüência, pelo outeiro onde jazia seu ancestral, e um cortesão que o acompanhava perguntou:
- "É verdade, meu senhor, que vós em outra época jazíeis neste outeiro?"
- "Nunca meu espírito habitou dois corpos", respondeu o rei.
- "Contudo, conta-se que ouviram-vos dizer, ao passar por este outeiro: "Eu estava aqui. Aqui eu vivia".
- "Eu jamais disse isto", retorquiu o rei, "eu nunca direi tal coisa".
Estava muito embaraçado e cavalgou em outra direção, provavelmente para evitar discutir uma convicção íntima que todos os dogmas da nova fé não conseguiram erradicar.
A verdade é que todos os povos antigos, tanto no Leste como no Oeste, sabiam muito sobre nascimento e morte, o que foi esquecido nos tempos modernos porque a segunda visão era, então, mais predominante. Até hoje, muitos camponeses da Noruega asseguram ter capacidade de ver o Espírito saindo do corpo na ocasião da morte, como uma nuvem branca, comprida e estreita, que é certamente o corpo vital. Os Ensinamentos Rosacruzes - de que os mortos pairam em torno de suas moradas terrestres por algum tempo depois da morte, que assumem um corpo luminoso e que ficam extremamente afligidos pelo pesar de seus entes queridos - eram de conhecimento geral entre os antigos nórdicos. Quando o finado rei Helge da Dinamarca materializou-se para mitigar o pesar de sua viúva, e ela exclamou angustiada:
"O orvalho da morte banhou teu corpo de guerreiro", ele respondeu:
"És tu, Sigruna,
A causa única
De que Helge. seja banhado
Pelo orvalho da tristeza.
Não queres pôr fim a teu pesar,
Nem as amargas lágrimas secar.
Cada lágrima ensangüentada.
Cai em meu peito gelada.
Elas não me deixam descansar".
Quando os estudantes compreendem o renascimento, geralmente perguntam porque a memória de vidas passadas é apagada, e muitos sentem um desejo quase incontrolável de conhecer o passado. Eles não podem entender o benefício que decorre da bebida letal do esquecimento, e olham com inveja as pessoas que alegam conhecer suas vidas passadas - quando asseguram haver sido reis, rainhas, filósofos, padres, etc. Contudo, há um propósito altamente benéfico neste esquecimento, pois nenhuma experiência tem valor na vida, exceto pela impressão que ela deixa na vivência "post-mortem", no purgatório ou no céu. Esta impressão atua de tal maneira que, em determinado momento, dirige, adverte ou impele a uma certa linha de ação. Este aviso ou impulso, embora dissociado da experiência da, qual foi extraído, age com maior rapidez do que aquela do pensamento.
Para esclarecer este ponto, talvez possamos comparar este registro, gravado em nossos mais sutis veículos, a um disco, cujo movimento faz com que uma bateria de diapasões colocada perto dele vibre quando cada nota é tocada. Do ponto de vista externo, parece não haver razão por que um certo denteado num disco deva corresponder a um outro no diapasão e, quando a agulha cai nesse denteado, um determinado som deve ser produzido, o que fará o diapasão vibrar. Mas, entendamos ou não, a demonstração indica uma ligação de tonalidade entre esse pequeno denteado e o diapasão. E isto não depende de um conhecimento de como a impressão foi gravada no disco, ou o que fez o diapasão responder a essa vibração. Ela está lá, quer conheçamos ou não todos os fatos sobre isso.
De igual maneira, quando tivemos uma certa experiência na vida, tenha sido alegre ou não, ela é condensada na experiência "post-mortem", deixando uma determinada impressão na alma que serve para prevenir, se a experiência for purgatorial, e para estimular, se for celestial. Numa vida posterior, quando uma experiência surge semelhante à que causou a impressão, a vibração é sentida pela alma, despertando o tom da dor ou do prazer no registro da vida passada, de forma mais rápida e exata do que se a própria experiência fosse evocada perante nossa visão mental. Atualmente, ainda não somos capazes de ver a experiência na sua luz verdadeira, pois estamos impedidos pelo véu da carne. Mas o fruto da experiência colhido no céu ou no inferno diz-nos, sem perigo de errar, se devemos repetir ou evitar nosso passado. Além disso, se nós realmente conhecêssemos nossas vidas passadas e por nossos atuais esforços tivéssemos conquistado a faculdade de viver bem e dignamente, mesmo sabendo que pautamos nossas vidas pela devassidão, crueldade, crime e egoísmo; e agora, em conseqüência disso, as pessoas nos desprezassem, nós acharíamos que elas não deveriam julgar-nos pelo passado. e estariam erradas em condenar-nos ao ostracismo. Argüiríamos que o julgamento deveria ser baseado nos esforços meritórios de nossa vida presente, com exclusão de condições anteriores, e nisto estaríamos totalmente certos. Pela mesma razão, por que deveríamos exigir honras na vida presente, adulação ou admiração, só porque em vidas anteriores fomos reis e rainhas? Mesmo se fosse verdade que tivéssemos ocupado essas posições, por quê deveríamos expor-nos ao ridículo dos céticos contando essas histórias? Portanto, quer tenhamos ou não memória de nossas vidas passadas, é melhor concentrarmos nossos esforços sobre as possibilidades mais elevadas de hoje.
Não há dúvida de que a pessoa que for capaz de investigar a Memória da Natureza, e o fizer pela investigação ligada ao progresso e evolução do homem, cedo ou tarde entrará em contato com vislumbres de seu próprio passado. Mas, um verdadeiro servidor, que sente ser um trabalhador na vinha de Cristo, nunca se desviará do caminho do serviço para seguir a trilha da curiosidade. O discípulo que recebe os ensinamentos dos Irmãos Maiores é advertido, na primeira Iniciação, a nunca empregar seu poder para satisfazer a curiosidade, e, em todas as suas visitas subseqüentes ao Templo, esta idéia lhe é relembrada.
A diferença entre o uso legítimo e o ilegítimo dos poderes espirituais é tão tênue e sutil que, à medida que crescemos neste campo, as restrições pelas quais nos sentimos cercados multiplicam-se tanto, que se a narrativa fosse contada a outros, noventa entre cem diriam: "Então, qual é a vantagem de desenvolver a visão espiritual ou ser capaz de sair do corpo? Ao ficarmos tão limitados, quando a possibilidade de transgredir é tão multiplicada, não há vantagem em possuir essas faculdades". Respondemos que elas são realmente de grande valor e a responsabilidade é apenas o resultado natural de maior crescimento anímico.
Um animal toma livremente qualquer coisa que deseje, não comete nenhum pecado e não é considerado responsável por seus atos porque não tem consciência disso. Mas, desde que a idéia do "meu" e "teu" foi impressa na nossa consciência, surge, em decorrência, a responsabilidade. À medida que nosso conhecimento cresce, aumenta essa responsabilidade, e quanto mais refinadas forem as qualidades da alma, mais sutis serão as distinções entre o certo e o errado. Isto observamos em nossas vidas diárias, onde os critérios do que é permissível ou não, variam conforme o caráter de cada indivíduo.
E quando desejamos esse poder, pelo qual podemos conhecer o passado, descobrimos que não há razão para usá-lo para nosso engrandecimento, nem para obter riquezas e poderes mundanos. Assim, a vida ou vidas que tenhamos levado estão ocultas para nós por um propósito, isto é, até sabermos como abrir a porta, mas, quando tivermos a chave, provavelmente não vamos querer usá-la.
Por essa razão, é dada a Siegfried a bebida letal no momento em que entra na corte de Gunther. Imediatamente ele se esquece de sua vida passada com Mime, o anão, que alega ser ele seu filho. Esquece como forjou a espada mágica, "a coragem do desespero", que tanto o ajudou na luta com Fafner, o espírito da paixão e do desejo. Esquece que foi assim que conquistou o Anel do Niebelungo, o emblema do egoísmo, pelo qual adquiriu conhecimento de sua verdadeira identidade espiritual e matou Mime, a personalidade, que erradamente alegou ser seu progenitor. Esquece como, sendo um Espírito livre não dominado pelo medo, quebrou a lança de Wotan, a sentinela do credo, e seguiu o pássaro da intuição até a morada do adormecido Espírito da Verdade. Esquece seu casamento com ela e o voto de altruísmo subentendido quando lhe deu o Anel.
Mas, cada um destes importantes acontecimentos deixou impressões em sua alma e agora ele deve ser provado, isto é, verificar se aquela impressão foi profunda ou superficial. A tentação sobrevém-nos, vida após vida, até que o tesouro armazenado no prova pela tentação na Terra céu tenha sido posto à se agüentará ou não a traça da corrupção. Depois do Batismo, quando o Espírito de Cristo ocupou o corpo carnal de Jesus, este foi levado ao deserto da tentação para provar sua fraqueza ou sua força. Do mesmo modo e depois de cada experiência celeste, devemos esperar ser reconduzidos à Terra para que possamos aprender a resistir ou a cair na fornalha da aflição.Max Heindel.
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