segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A última Tentação de Cristo.


Todos sabem dos Evangelhos que relatam os aspectos da sua vida, de seus ensinamentos e o que foi legado para o seu mito. O mito de Jesus Cristo. Manifestação terrena de Deus. O Filho de Deus e Messias para o Mundo. Nascido de uma mulher, uma virgem, agraciada com a geração daquele que foi destinado a redimir os pecados de todos. E que morreu crucificado, sofrendo toda sorte de iniqüidades, mas servindo de exemplo e modelo para uma das mais influentes e duradouras crenças que o planeta já teve.
Nikos Kazantzakis, escritor grego e cristão ortodoxo, autor do livro “A Última Tentação de Cristo”, embora movido por sua fé e devoção inabaláveis aos preceitos regidos pela religião, sempre acalentou uma curiosidade a respeito de um Jesus Cristo diferente. Não aquela personalidade bíblica, como uma entidade à parte da humanidade, não como um profeta, nem como santo ou Deus vivo. Mas como uma pessoa de carne e osso, como alguém passível de dúvida e medo, de aflições existenciais, de conflitos e contradições condizentes com as de qualquer homem comum.
Nascido numa Palestina irresoluta e tolhida de sua soberania religiosa e cultural, com um povo submetido ao jugo romano e impedido de ir e vir, Jesus foi reflexo deste mesmo povo, que sofreu e padeceu da falta de autoconfiança e até mesmo de coerência em suas atitudes. E diferente do que a Bíblia mostra, sua força, sua coragem e sua determinação, tão celebradas no Cristo que conhecemos, não foram características imanentes neste Jesus como pessoa, mas conseguidas ao longo de sua jornada em busca de autoconhecimento.
Jesus teria sido um homem normal, de origem simples, mas com um destino grandioso, traçado pelas escrituras e pela necessidade de um povo que, em sua época, cultivava crenças recalcitrantes em busca de redenção e de liberdade. Homem humilde e de pouca instrução, senão por seu ofício medíocre de carpinteiro, Jesus sempre temeu por seu futuro, vendo-o se bifurcar entre a sua realização como ser humano e o cumprimento das profecias que seus antepassados predisseram. Profecias que conclamavam sua participação, lhe perseguindo e lhe vigiando os passos e faziam-se presentes, inclusive, em seus mais profundos pensamentos. Esse era futuro obscuro que lhe espreitava, cobrando um alto preço para acontecer – o de uma simples escolha.
Porém ninguém escolhe ser o Messias. Esse título, que significa “iluminado”, é uma alcunha um tanto vaga, mas cheia de significados, principalmente para o mundo em que Jesus vivia. Onde um povo subjugado acreditava desesperadamente nas sagradas escrituras e nos seus profetas, que diziam que o tempo de seu sofrimento findaria quando surgisse aquele que os lideraria para a revolução e para sua tão sonhada libertação. Mas essas profecias nada falavam de como seria essa revolução e como viria essa libertação. Elas não davam escolha alguma a não ser crer num ser mais que humano, que soubesse fazer as escolhas certas para todos. O destino de muitos nunca deveria depender de um só homem...
Jesus teria que aceitar o fardo de ter um futuro grandioso. Uma cruz pesada demais para qualquer um, pois requeria uma escolha difícil, solitária e sofrida. Fonte de todo medo e angústia, por justamente consistir em ter de negar, com todas as forças, o que lhe definia como um ser humano. Deixar de seguir somente seus interesses e suas vontades, de atender aos seus sentimentos e desejos, não se permitindo mais ter uma vida normal ao escolher seguir uma voz interior que nunca lhe dava todas as respostas que procurava. Mas que lhe mostrou como despertar para as necessidades do mundo como um só e com uma só vontade – ser livre.
Ser o Messias não foi uma escolha, mas lhe constituiu uma renúncia capital – esquecer de sua vida como homem e abraçar o seu mito como Salvador. E como tal, era necessário conhecer todas as vicissitudes da humanidade, seus percalços e defeitos mais graves, e mais crônicos. Esse foi o maior mérito de Jesus, e a sua maior tentação. Não foi o de ter sido o maior dos profetas, nem o Rei dos reis (Rex Mundi), nem o mais justo dos justos, e tampouco ter sido o “Filho de Deus”. Mas foi, na qualidade de “Filho do Homem”, uma pessoa humilde, capaz de saborear o desejo mais mundano, conhecer o pecado mais vil e sentir o medo mais desalentador lhe violar a própria carne. E ainda assim, alcançar a maior de todas as glórias - a superação de seus próprios defeitos.
Para ser alguém com um caráter íntegro e ser uma pessoa digna, é preciso aprender a deixar de ser mesquinho e falho, e isso sempre foi um trabalho árduo. É preciso maturidade emocional para equilibrar o dualismo maniqueísta que existe na natureza humana. Pois ser humano é, antes de tudo, servir de palco para uma batalha interna entre o bem e o mal. É ser, ao mesmo tempo, capaz de coisas justas e de outras até bem malignas. É estar, constantemente, submetido à vontades e desejos nem sempre puros e nobres. É ter de sempre estar fazendo escolhas e, principalmente, saber se elas farão realmente a diferença.
Jesus sonhou o mesmo que todo homem comum anseia, e descobriu assim que todas as limitações e todas as fraquezas podem ser dominadas, superadas, e inclusive suplantadas. Pois somente aquele que tem consciência de como é ser fraco, pode exprimir força verdadeira. Somente aquele que vivencia a dúvida pode despertar uma certeza mais profunda. Somente quem teme e assume seus medos, tem condições de desenvolver uma coragem duradoura. E somente quem conhece os efeitos da traição mais torpe e violenta, pode ser um redentor. E somente pode ser um redentor, aquele quem primeiro redime à si mesmo.
"Conheça a ti mesmo.”Do livro.A última tentação de cristo.Nikos Kazantzakis.

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