contos sol e lua

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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Afrodite - a face negra do amor.


Freqüentemente, entre muitos outros, um erro tem sido cometido entre os
neopagãos, talvez movidos pelo intenso pedantismo reinante ou pela misologia
característica dos "novos-bruxos", muitas divindades tem sido banalizadas e
tidas como seres eternamente à disposição das vontades humanas. Infeliz engodo.
Nessa ânsia de transformar de não reconhecer em certas divindades seus aspectos
negativos, acabamos caindo no velho conto do cego que não deseja a visão.
Afinal, é mais fácil fantasiar e decorar o mundo como um eterno mar de rosas e
viver boiando sobre ele. Uma deusa que, invariavelmente tem sido alvo de tais
praticas é Afrodite, umas das mais antigas divindades da arcaica religiosidade
helênica. Como divindade assaz primitiva, mesmo após sua entrada no Olimpo,
Afrodite permaneceu distante dos demais deuses, como Hécate ela era cultuada em
diversas partes do mundo antigo, chegando até mesmo à costa norte da África onde
há indícios de seu culto e lendas seus amores na região. Como
Hécate, por demais inserida no cotidiano dos povos helênicos, Afrodite não
apenas uma olimpiana, mas uma presença constante na vida de todos os gregos
arcaicos, como é ainda hoje para os reconstrucionistas da religiosidade grega.
Como deusa do amor, Afrodite não possuía em si apenas os aspectos
judaico-cristãos de afetividade tola que temos inserido em nossa sociedade. Era
a deusa do amor, do sexo e dos prazeres da carne, entretanto, possuia faces de
um amor celestial, divino, por demais elevado aos nossos conceitos, o amor
platônico como conhecemos hoje é regido também por essa deusa, sob o nome de
Afrodite Urânia.
Em seu aspecto de sedutora Afrodite incorporava o nome de Afrodite Pandemo,
"comum", e essa sua face, tão pouco desconhecida para os povos contemporâneos,
era a mais respeitada entre os gregos. Em alguns mitos ela aparece como Grande
Mãe, principalmente na Ásia Menor, onde era tida também como Afrodito, recebendo
barbas e transformando-se em uma divindade andrógina. Algumas lendas referem-se
à ela como amante de Zeus, o Pai.
Atualmente há uma pratica comum entre nossos escritores, principalmente os
religiosos e não históricos, em dar destaque somente à face boa e 'cristã' de
Afrodite, talvez por que certos conceitos ainda estejam por demais inseridos em
nossa mentalidade para serem claramente expostos. Nosso objetivo aqui não
agradar aos olhos dos leitores, é tornar claro que Afrodite não era para os
gregos uma divindade piedosa e caridosa, como muitos gostariam que o fosse, ao
contrário, em sua face negra Afrodite se mostra como a mãe destrutiva, a deusa
que dá a vida e a recolhe, sem utilizar critérios de pecado ou piedade, bondade
tola para sermos mais exatos. Ligada às deusas orientais Ishtar e Astarde,
Afrodite regia suas sacerdotisas nas antigas praticas da prostituição sagrada,
como assim o fazia Ishtar. As sacerdotisas de Ishtar eram escolhidas em tenra
idade, iam para os templos demasiado jovens, após receberem o primeiro
sangramento. Lá se deitavam com viajantes e todos aqueles que ali parassem
e pagassem à deusa pelos prazeres da carne. Afrodite, como nos atestam variados
indícios, também era simpática a tal prática. Talvez nossas pseudo-sacerdotisas
dos movimentos neopagãos se interessem por esse lado ao se dizerem filhas dessa
divindade. Astarde, à semelhança de Afrodite possuía também seu consorte divino,
Tamuz. Tamuz e Adônis, amantes das duas deusas, padeceram do mesmo mal, o
excesso de amor que as duas divindades lhes dedicavam. Eis a face negra do amor
divino. Essa história se assemelha muito ao mito da Roda do Ano dos wiccanos de
hoje, mas faremos tal analogia em uma próxima oportunidade.
Afrodite, como deusa negra, recebeu entre os gregos o nome de Afrodite Zeríntia,
sob o qual regia os espíritos e os mortos. Na Trácia recebia sob essa forma
sacrifícios de cães em seus oráculos. Aconselhamos assim certos indivíduos a
sacrificarem seus cãezinhos à deusa do amor, ora ela é apenas regente do amor, e
o amor não mata. Na península Ática seu nome Zerintia muda para Genítilis,
onde também recebia sacrifícios de diversos animais, entre eles os cães, que
também eram sacrificados à Hécate. Tais sacrifícios eram realizados
principalmente em oráculos, os cães como seres andantes eram tidos pelos gregos
como eternos conhecedores das estradas, eram sacrificados para auxiliar em
decisões de novos rumos e caminhos a serem tomados. Vale lembrar que Hécate
regia os caminhos, e freqüentemente era representada tendo um cão ao seu lado,
algumas vezes Cérbero, o cão de três cabeças que guardava, como se sabe, o
caminho para o Tártaro, o reino dos mortos. A deusa apareceu também sob os
nomes de Melena e Melênis, "a negra" e "a escura", respectivamente. Sob o nome
de Zerintia, Afrodite surge novamente como deusa negra, sob essa forma os gregos
à consideravam "a mais velha das Moiras". As Erínias, deusas da vingança e que
levam a morte lenta aos infratores das leis divinas eram filhas de Urano, como
Afrodite. Nessa versão de Hesíodo, enquanto Afrodite nascera do sêmen de Urano
fertilizando o mar, as Erínias e outras deusas negras surgiram do sangue de
Urano, quando este tocou o mar. Essas irmãs as Erínias, possuíam como Afrodite
duas faces, eram também as Eumênides, "as benevolentes". Já falamos da ligação
de Afrodite com Hécate pelo cão, o que falta ainda sobre esse tópico é que a
chegada das Erínias, era sempre ouvida por um forte ladrado de cães, assim
Ésquilo nos afirmou. O nome Erínia em seu significado original é "espírito de
cólera e vingança" e em alguns autores são citadas como Erini, forma única
dessas divindades. Karl Kerényi nos afirma que Afrodite não
era apenas uma das Erínias, e sim Erini, a mais poderosa delas. Em um trecho da
tragédia 'Hipólito', do autor grego Eurípides, encontramos a seguinte narração:
"AFRODITE Tão grande e famoso é o meu nome entre os mortais como no céu: sou a
deusa Cípris. Mas hoje ainda, devido às faltas contra mim cometidas,
punirei Hipólito . De acordo com os meus desejos, Fedra, nobre esposa de seu
pai, ao vê-lo, no coração foi ferida por violento amor."
As Erínias eram os espíritos da vingança, e nessa obra antiga Afrodite surge
exatamente como vingadora. Hipólito, por despreza-la e adorar Ártemis, sofrerá
as conseqüências de não reconhecer em Afrodite as qualidades por ela possuídas.
Eis sem mascara a deusa do amor dos jovens apaixonados, quanta ternura!
Afrodite era conhecida por outros nomes, em sua maioria ligando-a à morte, e a
destruição. Devido à imensa maioria dos nomes e das faces negras de Afrodite,
vemos que era cultuada mais como uma deusa negra do que como deusa do tolo amor
cristianizado. Foi chamada de Afrodite Andrófono, "a matadora de homens (o mito
mais conhecida de uma vingança das Erínias fala sobre sua perseguição à Orestes)
Afrodite igualmente pune Hipólito. Afrodite Anósia, como "a pecadora", nome sob
o qual eram erigidos os raros templos de prostituição sagrada existente na
Grécia. Como Senhora da Morte era Timborico, "a cavadora de túmulos". Aspecto
sob o qual se fazem presentes suas qualidades pouco atraentes. Algumas histórias
contam sobre uma certa Afrodite Persefessa, o sobrenome deveras semelhante à
Perséfone, esposa de Hades e rainha do Tártaro, sela assim sua presença como
face negra do divino feminino grego. Como cavadora de túmulos Afrodite não é a
deusa celestial que tanto aspiramos adorar. É, ao
contrário a senhora negra, o útero que devassa a vida dos homens, ao mesmo
tempo que lhes levava prazeres, Afrodite destruía e matava. Fez Hipólito infeliz
por ousar desacredita-la e certamente não coroará de rosas certos atos e
praticas que tanto a banalizam, especialmente nos tempos atuais. Afrodite
mostra-nos claramente as diversas faces de uma divindade, como deusa mãe, é não
apenas o doce útero que dá à luz, mas as garras que a tiram.
Asgard.

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