segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS.


O Livro Tibetano dos Mortos, hoje bastante conhecido no Ocidente, constitui apenas parte de um ciclo completo de ensinamentos oferecidos pelo notável mestre Padmasambhava, considerado pelos tibetanos como o segundo Buda que levou o budismo para o Tibete e a região do Himalaia.
O verdadeiro título do chamado Livro Tibetano dos Mortos é: A grande libertação por meio da audição no bardo.
A palavra tibetana bardo significa a transição, ou hiato, entre duas realidades. Padmasambhava expressou todo o espectro da vida e da morte no contexto de seis bardos: três de vida e três de morte. Cada bardo possui um conjunto de ensinamentos e de práticas de meditação a ele relacionados. Nesses hiatos, está particularmente presente a possibilidade da natureza da mente ser revelada.
As experiências de bardo estão acontecendo conosco o tempo todo. O objetivo dos ensinamentos do budismo tibetano é mostrar como fazer uso dessas oportunidades para despertar o que são continuamente apresentados, tanto durante a vida como na morte.
Os três bardos da vida são:
1 - A consciência ordinária, desde o momento em que nascemos até quando morremos - A vida presente;
2 - O sono e o estado onírico;
3 - O estado meditativo, ou estado superior de consciência.
Os três bardos da morte são:
1 - O momento da morte, que é o tempo que transcorre entre o início do processo de morrer e sua culminação na morte;
2 - Dharmata - A essência das coisas tais como elas são, quando a natureza da consciência se manifesta sob forma de visões;
3 - O vir-a-ser, desde o momento em que a consciência abandona o corpo até o nascimento seguinte.
Segundo o budismo, a mente tem dois aspectos: A mente ordinária, trata o sentido do eu, como gostaríamos que continuasse, pois ela é a única indicação que temos de nossa existência.
A consciência fundamental está além da mente ordinária, é a nossa verdadeira natureza, e sobrevive a morte do corpo e da mente ordinária. O ensinamento e prática budista tenta mostrar nossa verdadeira natureza, que fica além do nascimento e da morte.
Quando reconhecemos a natureza dessa clareza da mente, ao morrermos podemos deixar esta vida de maneira mais confiante que, na realidade, nada perdemos. Muito pelo contrário, ganhamos:
Para a compreensão da reencarnação, a questão central é o princípio do carma. Assim, o futuro está em nossas próprias mãos e em nossas próprias ações.
Se quiserdes conhecer vossa vida passada, olhai para vossa condição presente; se quiserdes conhecer vossa vida futura, olhai para vossas ações presentes”(Buda). A palavra karma significa ação, cada uma de nossas ações é dotada de poder e está grávida de suas conseqüências.
O carma afeta nossas mentes, o que, por sua vez, afeta nossas ações e nossa vida.
A única maneira de por fim a esse ciclo é interrompê-lo. No ponto exato em que o cortamos está o começo e o fim. Nesse momento começa a cessar a nossa confusão.
O primeiro passo para interromper o ciclo do Samsara é tornar-se mais atento e sereno. A atenção é desenvolvida disciplinando a mente na meditação. O estado desperto da atenção esclarece a percepção e elimina o obscurecimento.
A aceitação emocional da morte por meio da contemplação e da meditação, assim como o aprendizado de fazer uso das crises, conturbações e mudanças na vida, é outro elemento importante no treinamento budista e na preparação para a morte.
As mudanças, ou pequenas mortes que ocorrem com tanta freqüência em nossas vidas, constituem um elo vivo com a morte real, incitando-nos a abrir mão, a desistir. Podemos com treinamento, perceber a verdadeira natureza de nossa mente e na transição e incerteza da mudança está a oportunidade para despertar.
Nosso objetivo supremo, ao longo de muitas vidas, é descobrir nossa mente fundamental. Ela se revela lentamente; quando é realizada por completo, tem-se a iluminação.
Assim, para um indivíduo, mais importante que uma prova científica da sobrevivência após a morte é a questão do que realmente significa para ele a sobrevivência.
Se compreendemos efetivamente a continuidade e o significado da vida, assim como os efeitos de nossas ações, levar uma vida justa terá um propósito. Quando realmente prestamos atenção em nossas ações, o futuro está em nossas mãos, de modo que a melhor maneira de ajudar a nós mesmos a nos preparar para a hora da morte é começar a dar atenção ao que fazemos agora.
A prática mais enfatizada na tradição budista é a do abrir mão dos apegos, dos condicionamentos e dos hábitos que constituem o nível enevoado da mente.
O budismo ensina que, quando morremos, tudo que acumulamos na memória durante esta vida desaparece por completo e que, quando renascemos, desenvolvemos uma nova memória. Entretanto, o carma fica registrado como caráter ou disposição fundamental de uma pessoa, afetando todo o seu ser.
O momento da morte é aquele o qual podemos romper a concha da mente comum e obter a libertação. Se falhamos é porque não conseguimos abrir mão, agarramo-nos aos nossos hábitos. Nosso futuro nascimento é então determinado por nossas antigas maneiras de ser, se nos rendemos determinamos um nascimento melhor.
O budismo tibetano ensina que, no momento da morte, o importante é poder se agarrar ao aspecto da mente que sobrevive, e abrir mão daquele que está morrendo.
Conhecer a natureza da mente nos proporciona a coragem, na morte, de deixar partir todos os aspectos menores de nós mesmos.
O Livro Tibetano dos Mortos descreve oportunidades de libertação nos três bardos da morte, que é destinado a ser lido para uma pessoa agonizante que tenha se dedicado às práticas e esteja habituada a essa tradição.
Ao penetrar no bardo do momento da morte, quando os sinais indicam morte inevitável, a pessoa deverá juntar todas as suas forças e focalizar sua atenção na essência da prática espiritual. É essencial que o indivíduo não se distraia nem se perturbe. Este é o momento de perdoar e esclarecer assuntos inacabados e abandonar apegos.

Se vamos ajudar uma pessoa que em vida não teve nenhuma experiência espiritual que a apoiasse, nossa confiança e força espirituais poderão trazer à tona sua essência espiritual. O amor pode ajudar as pessoas a aceitar a morte.
Oprocesso inverso da concepção e formação de uma nova criança. Tem-se início à dissolução simultânea dos componentes psicológicos ou agregados do ego: forma, sentimento, percepção, intelecto e consciência. Cada um dos estágios dessa dissolução é caracterizado por sinais internos, físicos, externos e identificáveis. Assim, o elemento terra se dissolve na água, a água se dissolve no fogo e o fogo no ar. Quando o ar se dissolve, ao respirar, a pessoa exala o ar e dificilmente consegue aspirá-lo. Finalmente cessa a exalação. Nesse momento, o ar interior (força vital), se dissolve dentro do “canal central” quando a essência do pai desce, produzindo uma visão de brancura e a essência da mãe sobe, produzindo uma visão semelhante ao vermelho sol poente. Quando essas essências se encontam no coração e se fundem, a consciência desfalece num espaço vazio e escuro. A mente morre apenas por um instante e, ao acordar, a pessoa experimenta a pura luminosidade da natureza da mente, o nível mais sutil de consciência.
As pessoas cujas energias estão cerradas devido ao carma, as que não tenham feito práticas espirituais podem permanecer bastante tempo nesse estado de escuridão depois de desfalecer.
No momento da morte, todos os condicionamentos se desfazem, e a consciência penetra no bardo do dharmata, onde a verdadeira natureza da realidade se apresenta com toda sua nudez. Ele tem acesso à luz. Quando o indivíduo deixa de reconhecer essa primeira visão de luminosidade, ela se dissolve e desaparece. Então, à medida que a mente começa a se libertar de suas projeções e bloqueios, a energia pura é libertada e explode em visões coloridas, sonoras e luminosas, descritas na tradição do Livro Tibetano dos Mortos como as quarenta e duas divindades pacíficas e as cinqüenta e oito divindades irritadas.
A consciência experimenta todos os diversos aspectos da mente. Tudo depende de conseguirmos ou não reconhecer essas visões como projeções da nossa própria mente. Se pudermos nos refugiar na brilhante luz da sabedoria que desponta quando essas energias são liberadas, teremos outra oportunidade de nos libertar.
Para a maioria dos ocidentais, as visões detalhadas no Livro Tibetano dos Mortos podem parecer estranhas e exóticas. Sendo constituídas dos mesmos elementos e componentes psicológicos, todos, de uma forma ou de outra experimentam visões e todos as experimentarão sob forma que lhes sejam mais familiares, de acordo com seu condicionamento cultural. Entretanto, o importante é a maneira da pessoa relacionar-se com elas e não a forma que elas possam assumir.
Quando uma pessoa não consegue obter a libertação por não reconhecer esses fenômenos como suas próprias projeções, as visões se dissolvem. Então, a consciência abandona o corpo e prossegue sua jornada para dentro do bardo do vir-a-ser.
A consciência do morto passa por várias experiências no bardo do vir-a-ser. Por exemplo, repete todas as experiências que teve durante a vida; sofre visões de todos os tipos; e tem visões precognitivas onde deverá renascer. O corpo mental é muito leve e lúcido, a consciência é nove vezes mais clara que durante a vida terrena, pode movimentar-se livremente quase para todo lugar e, para viajar, basta-lhe pensar.
Quando o morto não tem consciência que morreu, tenta conversar com a família, ficando imensamente aflito por não receber nenhuma resposta. Finalmente, ao ver seus parentes chorando, removendo objetos que lhe pertenciam, não colocando seu lugar à mesa, compreende que morreu. Verifica também que pode ver e conversar com os inúmeros viajantes que vai encontrando no mundo do bardo.
Por ser a consciência tão extremamente leve e móvel na experiência do bardo, qualquer pensamento que surja, seja ele bom ou mau, é bastante poderoso, de modo que o livro tibetano dos mortos incita a consciência do morto a se precaver contra pensamentos impuros, tais como sentimentos agressivos, medo e apego aos seus antigos bens.
A assistência e ajuda proveniente dos vivos é especialmente eficaz durante os primeiros vinte e um dias depois da morte, porque tem relação com a vida que acaba de ser vivida.
Sobre a concepção budista do que sobrevive à morte biológica é a compreensão da natureza da consciência, ou mente, uma compreensão considerada como a meta suprema da vida e preparação essencial para uma morte livre de desgostos no momento final.
O grande iogue tibetano Milarepa sintetizou os ensinamentos budistas nesta frase: “Não me envergonhar de mim mesmo quando eu morrer”.
Como será a sobrevivência da consciência depois da morte é algo que dependerá de nossa condição ao exato momento da morte. Para cuidar do futuro, precisamos estar atentos ao presente, à consciência que temos agora. Devemos cultivar uma percepção e uma compreensão mais profunda de nós mesmos nesta vida, podemos então optar por uma abordagem mais responsável e mais positiva da vida e com isso estimulando a paz e a harmonia pelas quais todos nós ansiamos.O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS
Baseado no texto intitulado “O que sobrevive? - Os ensinamentos do budismo tibetano”
do Lama e mestre de meditação Sogyal Rinpoche.
Baseado no texto intitulado “O que sobrevive? - Os ensinamentos do budismo tibetano”
do Lama e mestre de meditação Sogyal Rinpoche.

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