domingo, 3 de abril de 2011
O Calendário Maia: O Apocalipse na Ciência e na Religião
Durante os últimos 3000 anos não faltaram profecias sobre o fim do mundo. Desde muito cedo que se formou em alguns espíritos religiosos a ideia da destruição total da Criação. Entre os Germanos desenvolveu-se a ideia de um cataclismo tremendo e simultaneamente grandioso. A esta grandiosa catástrofe deram o nome de Ragna Rok, que significa “destino fatal”1. O Apocalipse de S. João também descreve, por seu lado, a luta e a vitória contra o mal, o Anti-Cristo. A linguagem, com visões medonhas e imagens cifradas, fazem deste livro um texto crítico cheio de metáforas, alegorias e símbolos.
O receio do fim próximo do mundo está em consonância com o esquema agostiniano da História, elaborado segundo doutrinas criadas ao sabor das controvérsias do tempo. Santo Agostinho (354-430), em A Cidade de Deus, obra que teve imensa influência na Idade Média, dedica um livro inteiro ao Juízo Final. O autor mostra verdadeira simpatia por Platão e coloca-o acima de todos os outros2. Não admira: a Igreja católica histórica começou por ser platónica. Os Padres cristãos eram muito mais neo-platónicos do que os sábios do Renascimento. Todavia, a escatologia agostiniana tem profundas raízes judaicas. Mas a interpretação que faz do Antigo Testamento não está articulada com o pensamento judeu. O padrão judaico da História, passada e futura, que Santo Agostinho adaptou como apelo aos oprimidos e infelizes, está longe da melhor linha da tradição hebraica. Parece até desconhecê-la. Tem uma visão a curto prazo da história humana que reduz a seis períodos históricos antes do derradeiro, o “sábado perpétuo”3. Defende a explicação unilateral da realidade a partir de uma forma de saber que elege como hegemónica. E rejeita as virtudes pagãs, “prostituídas pela influência de demónios obscenos e asquerosos”4. Limita assim, irremediavelmente, o conhecimento e o espaço salvífico ao interior de uma religião, como se a salvação consistisse numa docilidade servil a doutrinas e ritos.
As correntes escatológicas cristãs, uma das maiores formas da espiritualidade medieval, fizeram uma leitura literal do Apocalipse de João 20, 1-15. Alguns crentes de espírito estreito, como os Agostinianos rígidos, que não queriam a ciência, nem a razão, nem o uso racional das coisas seculares, continuaram a apoiar-se febrilmente sobre cada texto que parecia mais pessimista e desenvolveram ideias estéreis sobre o futuro5. Deram origem a uma utopia social e religiosa denominada “Milenarismo”. O Milenarismo defende a existência de um tempo de prosperidade e de beatitude de mil anos antes do Julgamento Final.
A tradição catastrofista ainda encontra acolhimento em algumas confissões religiosas actuais – e na ingenuidade que caracteriza uma boa parte do actual espírito europeu.
Este contexto ajuda a compreender a curiosidade actual pelas especulações associadas ao ano de 2012, o último do actual ciclo do calendário maia. E tudo isto porque nesse ano ocorrem certos fenómenos astronómicos que os mais crédulos temem ser o prenúncio de acontecimentos ligados ao Juízo Final.
ACivilização Maia.
Os Maias formaram a civilização mais complexa do Novo Mundo. Ocuparam um território que se estendia do sul do México à Guatemala. São herdeiros culturais dos Olmecas, cuja civilização havia surgido em 1200 a.C. Depois de 800 d.C. a cultura maia concentrou-se na península do Iucatão.
Por isso, embora alguns estudiosos da cultura Maia tenham concluído, apressadamente, que as inscrições hieroglíficas se referem apenas a factos históricos e concretos da vida dos senhores ou reis das cidades, a verdade parece diferente. O livro ritual Popul Vuh, o Livro do Conselho, relata a história da criação do mundo e uma contenda entre os deuses, genealogias dos chefes, etc.6 E no famoso “calendário” cosmogónico, que viria a influenciar o asteca, os Maias registaram os conhecimentos de astronomia e astrologia que estão no Livro do Conselho.
Quando falamos no “calendário” maia referimo-nos a um conjunto de 3 calendários de escala circular que se baseiam em três períodos de tempo distintos: o ano sagrado, o ano solar e o ano de Vénus.
O que regula eventos civis e actividades agrícolas, chamado Haab, tem 365 dias, de acordo como o nosso ano solar. É dividido em 18 meses de 20 dias, acrescido de um mês de 5 dias funestos. Estes dois calendários associados incluem o ano de Vénus, que é de 584 dias terrestres8. O interesse dos Maias pelas revoluções do planeta Vénus parece estar ligado à astrologia. Tudo indica que tenham identificado perfeitamente as cinco posições fundamentais que este planeta ocupa, no período de 8 anos, na sua trajectória aparente, formando uma figura de cinco braços. Este pentagrama só pode ser visto por um observador fora da órbita terrestre – o que parece dar razão ao Prof. Landon do Código da Vinci9.
No fim de cada ciclo de 73 anos sagrados, ou de 52 anos solares, os dois voltavam a coincidir no mesmo ponto inicial. No início de cada ciclo de 52 anos, que este povo considerava a duração ideal de vida, celebravam-se determinados ritos: acendia-se o “Lume Novo”, quebram-se as louças, queimavam-se roupas velhas, faziam-se oferendas e diversos sacrifícios.
Calendário Maia.
O terceiro calendário, chamado de “Contagem Longa”, serve para registar acontecimentos ao longo de um Grande Ciclo, que tem cerca de 5130 anos. O presente Grande Ciclo abrange o tempo decorrido entre 13 de Agosto de 3114 a.C. e 21 de Dezembro de 2012 d.C. É provável que o ano de 3114 a.C. represente qualquer acontecimento importante da mitologia maia.
Estes três calendários funcionam sincronizados como peças de uma engrenagem perfeitamente ajustada.
Os especialistas conseguiram, já no século XIX, esclarecer o sistema de contagem do tempo e das datações clássicas dos Maias. Mas nada de semelhante aconteceu quanto à escrita. Como nunca se encontrou nenhum documento que servisse de “Pedra de Roseta”, a descodificação da língua maia tem-se arrastado apesar dos esforços realizados.
A escrita não-alfabética dos Maias utiliza um complicado sistema com mais de 800 signos básicos ou glifos. Para complicar ainda mais o estudo, os Maias deixaram de usar o calendário de “Contagem Longa” antes da chegada dos Espanhóis. Por isso, a transcrição das datas dos mais e dos calendários pode não estabelecer com rigor uma correlação exacta com o nosso calendário.
O ano de 3114 é, portanto, uma simples hipótese. A escrita maia permite outras leituras: 3014 a.C., 2914 a.C..
A Relação Espaço/Tempo.
O Ocidente incorporou a ideia do tempo linear dos hebreus e persas. Todavia, os Maias pensavam doutra maneira. Para eles, terminado um ciclo, iniciava-se outro. O mito dos “Quatro Sóis”, ou quatro idades sucessivas do mundo, revela que acreditavam ter havido quatro períodos evolutivos distintos antes do actual, que é o quinto.
Os Maias chamavam “fim dos tempos” ao fim de cada ciclo.
Fenómenos Astronómicos.
O ano de 2012 vai estar associado a fenómenos astronómicos assinaláveis. Ocorrerá então o fim de três ciclos: o de 26000 anos e, segundo o calendário maia, o de 5130 anos e o de 13 anos.
Tudo isto leva a temer perigosas repercussões no nosso planeta. Mas sobre este assunto é preciso ter em conta que o fenómeno em causa não é um acontecimento repentino. Devido ao facto de o conjunto dos corpos celestes se deslocarem no espaço a velocidades diferentes, este alinhamento forma-se lentamente, ao longo de vários anos. Segundo os cálculos de Jean Meeus, especialista em Mecânica Celeste, teve início em 1980 e decorre até 2016. O seu ponto culminante já ocorreu em 199811.
É certo que os vários aspectos formados pelos corpos do nosso sistema Solar provocam induções capazes de influenciar os seres humanos, individual e colectivamente. Estimulam modificações emocionais e espirituais. E até podem causar perturbações de natureza sísmica no nosso planeta, ou na sua atmosfera.
Um cenário possível está associado a tempestades solares. No decorrer de Janeiro surgiram manchas solares no hemisfério norte do disco solar, o que pode indicar o início de um novo período de grande actividade da nossa estrela. Os previsíveis riscos incluem danos nas redes eléctricas e de comunicações, aparelhos de GPS, multibancos (ATM), etc. Podemos acrescentar perturbações na circulação aérea, ferroviária, e em diversas infra-estruturas modernas dependentes de tecnologias sofisticadas.
Mas associar estas ocorrências a um colapso do nosso planeta afigura-se um evidente exagero. Todas as modificações já estão em curso há vários anos e estes fenómenos astronómicos são processos e não momentos determinantes.
O que é certo é que o Juízo Final, segundo a interpretação à letra dos textos de Daniel, Esdras, Baruque e S. João, nunca chegará. É preciso não esquecer que os autores bíblicos fazem uso frequente de alegorias, símbolos, metáforas e parábolas, o que dificultam a interpretação dos seus escritos. E como a ciência parece estar de acordo com as escrituras, é certo que decorrerão muitos milhões de anos antes do “fim do mundo”.
Desde a Antiguidade que o homem vaticina e profetiza catástrofes e apocalipses. Mas os desastres vaticinados no passado eram, de um modo geral, prenúncio de uma grande felicidade, de um milénio feliz, ou de uma tranquila eternidade. A partir do século XI a Igreja definiu os critérios de profecia lícita e de profecia com heresia.
A novidade nas modernas “profecias” reside numa ausência de optimismo e de predições que, sejam tomadas a sério. Por isso, o resultado destas “profecias” pode ser comparado com o dos comediantes em palco: entretêm e divertem o público com as suas histórias.
Bibliografia.
Roy Willis, World Mythology, Duncan Publishers, London, 2006; Félix Guirand, Mythologie Générale, Larousse, Paris 1994; George Duby, Ano 1000 Ano 2000, No Rasto dos Nossos Medos; Teorema, 1997; Pierre Ivanof, Descobertas na Terra dos Maias, Bertrand Editora, 1999.
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