sexta-feira, 15 de novembro de 2013
O GRANDE SECRETO.
Sabedoria, moralidade, virtude: palavras respeitáveis, porém vagas, sobre as
quais se disputa desde há muitos séculos, porém sem haver conseguido
entende-las.
Queria ser sábio, mas terei eu a certeza de minha sabedoria, enquanto
acredite que os loucos são mais felizes e até mais alegres que eu?
É preciso ter bons costumes, porém todos somos um pouco de crianças: a
moralidade nos adormece. Falamos do que nos interessa e pensamos em outra
coisa.
Excelente coisa é a virtude: seu nome quer dizer força, poder. O mundo
subsiste pela virtude de Deus. Mas, em que consiste para nós a virtude? Será
uma virtude para enfraquecer a cabeça ou suavizar o rosto? Chamaremos
virtude a simplicidade do homem de bem, que se deixa despojar pelos
velhacos? Será virtude abster-se no temor de abusar? Que pensaríamos de um
homem que não andasse por medo de quebrar a perna? A virtude, em todas as
coisas, é o oposto da nulidade, do estupor e da impotência.
A virtude supõe a ação; pois se ordinariamente opormos a virtude, as paixões
é para demonstrar que ela nunca é passiva.
A virtude não é só a força, é também a razão diretora da força. É o poder
equilibrante da vida.
O grande segredo da virtude, da virtualidade e da vida, seja temporal, seja
eterna, pode formular-se assim:
É a arte de balancear as forças para equilibrar o movimento.
O equilíbrio que se necessita alcançar, não é o que produz a imobilidade,
mas sim o que realiza o movimento. Pois a imobilidade é morte e o movimento
é vida. Este equilíbrio motor é o da própria Natureza. A Natureza,
equilibrando as forças fatais, produz o mal físico e a destruição aparente
do homem mal equilibrado. O homem se libera dos males da Natureza, sabendo
subtrair a fatalidade das circunstâncias, pelo emprego inteligente de sua
liberdade. Empregamos aqui a palavra fatalidade, porque as forças
imprevistas e incompreensíveis para o homem, necessariamente o parecem
fatais, o que não indica que realmente o sejam.
A Natureza previu a conservação dos animais dotados de instintos, porém
também dispõe tudo para que o homem imprudente pereça.
Os animais vivem, por assim dizer, por si mesmos e sem esforço. Só o homem
deve aprender a viver. A ciência da vida é a ciência do equilíbrio moral.
Conciliar o saber e a religião, a razão e o sentimento, a energia e a doçura
é o âmago desse equilíbrio.
A verdadeira força invencível é a força sem violência. Os homens violentos
são homens fracos e imprudentes, cujos esforços se voltam sempre contra eles
O afeto violento se assemelha ao ódio e quase à aversão.
A cólera faz que a pessoa se entregue cegamente a seus inimigos. Os heróis
que descreve o poeta grego Homero, quando combatem, tem o cuidado de
insultarem-se para entrar em furor reciprocamente, sabendo-se de antemão,
com todas as probabilidades, que o mais furioso dos dois será vencido.
O fogoso Aquiles estava predestinado a perecer desgraçadamente. Era o mais
altivo e valoroso dos gregos e só causava desastres a seus concidadãos. Ele
é que faz a tomada de Tróia e o prudente e paciente Ulisses, que sabe sempre
conter-se e só fere com golpe seguro. Aquiles é a paixão e Ulisses a virtude
e é deste ponto de vista que devemos tratar de compreender o alto alcance
filosófico e moral dos poemas de Homero.
Não há dúvida que o autor destes poemas era um iniciado de primeira ordem,
pois o Grande Arcano da Alta Magia prática está inteiro na Odisséia.
O Grande Arcano Mágico, o Arcano único e incomunicável tem por objeto
colocar, por assim dizer, o poder divino a serviço da vontade do homem.
Para chegar a realização deste Arcano é preciso SABER o que deve fazer,
QUERER o exato, OUSAR no que deve e CALAR com discernimento.
O Ulisses de Homero tem, contra si, os deuses, os elementos, os ciclopes, as
sereias, Circe, etc., por assim dizer, todas as dificuldades e todos os
perigos da vida. Seu palácio é invadido, sua mulher é assediada, seus bens
são saqueados, sua morte é decidida, perde seus companheiros, seus navios
são afundados; enfim, acha-se só em sua luta contra a noite e o mal. E assim
só, aplaca os deuses, escapa do mal, cega o ciclope, engana as sereias,
domina Circe, recupera seu palácio, libera sua mulher, mata aqueles que
queriam mata-lo, e tudo, porque queria voltar a ver Ítaca e a Penélope,
porque sabia escapar sempre do perigo, porque se atrevia com decisão e
porque calava sempre que fora conveniente não falar.
Porém, dirão contrariados os amantes dos contos azuis, isto não é magia. Não
existem talismãs, ervas e raízes que façam operar prodígios? Não há fórmulas
misteriosas que abram as portas fechadas e façam aparecer os espíritos?
Falaremos disto em outra ocasião com comentários sobre a Odisséia.
Se haveis lido minhas obras anteriores, sabeis então que reconheço a
eficácia relativa das fórmulas, das ervas, e dos talismãs. Porém estes são
pequenos meios que se enlaçam aos pequenos mistérios. Falo agora das grandes
forças morais e não dos instrumentos materiais. As fórmulas pertencem aos
ritos da iniciação; os talismãs são auxiliares magnéticos; as ervas
correspondem à medicina oculta, e o próprio Homero não as desprezava. O Moly
o Lotho e o Nepenthes têm seu lugar nestes poemas, porém são ornamentos
acessórios. A taça de Circe nada pode sobre Ulisses, que conhece seus
efeitos funestos e soube engana-la sobre a bebida. O iniciado em alta
ciência dos magos, nada tem que temer os feiticeiros.
As pessoas que recorrem a magia cerimonial e vão consultar adivinhos, se
assemelham aos que, multiplicando a prática de devoção, querem ou esperam
suprir com isso a verdadeira religião. Estas pessoas nunca estarão
satisfeitas de vossos sábios conselhos. Todas escondem um segredo que é bem
fácil de adivinhar, e que poderia expressar-se assim: "Tenho uma paixão que
a razão condena e que anteponho a razão; é por isso que venho consultar o
oráculo do delírio, afim de que me faça esperar, que me ajude a enganar
minha consciência e me dê a paz do coração".
Vão assim beber em uma fonte enganosa, que depois de satisfazer a sede, a
aumenta cada vez mais. O charlatão receita oráculos obscuros e a gente
encontra neles o que quer encontrar e volta a buscar mais esclarecimentos.
Retorna no dia seguinte, volta sempre, e é desse modo que os charlatões
fazem fortuna. Os Gnósticos basilidianos diziam que Sofia, a sabedoria
natural do homem, havendo-se enamorado de si mesma, como Narciso da
mitologia clássica, desviou a direção de seu princípio e se lançou fora do
círculo traçado pela luz divina chamada pleroma. Abandonada então às trevas,
fez sacrilégios para dar a luz. Porém uma hemorragia semelhante a que fala o
Evangelho, a fez perder seu sangue, que ia se transformando em monstros
horríveis. A mais perigosa de todas as loucuras é a da sabedoria corrompida.
Os corações corrompidos envenenam toda a natureza. Para eles o esplendor dos
belos dias é apenas um ofuscante tédio e todos os gozos da vida, mortos para
estas almas mortas, se levantam diante delas para maldize-las, como os
espectros de Ricardo III: "desespera e morre". Os grandes entusiasmos os
fazem sorrir e lançar ao amor e a beleza, como para vingar-se, o desprezo
insolente de Stenio e de Rollon. Não devemos cruzar os braços acusando a
fatalidade; devemos lutar contra ela e vence-la. Aqueles que sucumbem nesse
combate são os que não souberam ou não quiseram triunfar. Não saber é uma
desculpa, porém não uma justificativa, posto que se pode aprender. "Pai,
perdoai-os porque não sabem o que fazem", disse o Cristo ao expirar. Se
fosse permitido não saber a oração do Salvador, haveria sido inexata e o Pai
nada haveria tido que perdoa-los.
Quando a gente não sabe, deve querer aprender. Enquanto não se sabe é
temeroso ousar, porém sempre é bom saber calar.
Eliphas Levi.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário