segunda-feira, 25 de outubro de 2010

UMA CRISE DE AMOR.


Quando um grupo de duendes, à medida que surgiam da floresta, contemplou essa visão sem precedentes e se deparou com Jimmie carregando seu pequenino amigo duende em seus braços, demonstraram todos uma grande excitação.
Tão natural e exatamente como agiriam os seres humanos, eles chegaram à conclusão de que, pelo menos, um duende tomara-se um traidor de sua gente e de seus familiares. Rodearam Jimmie, permanecendo em uma certa distância e começaram a chamar por seu pequeno companheiro em sua própria língua, que Jimmie reconheceu ser uma espécie de língua universal, mas, mesmo assim, não podia inteirar-se do que eles diziam.
Porém, seu pequeno amigo compreendeu e demonstrou inconfundível indício de tristeza. Finalmente, quando as acusações se tornaram ásperas demais para suportá-las, ele pulou dos braços de Jimmie e correu diretamente para o duende que parecia ser o chefe do grupo. Então, começou a explicar o ocorrido. Jimmie pôde segui-lo perfeitamente, embora ele falasse mais rápido do que qualquer francês que já ouvira falar. Os poderes de gesticulação da criaturinha eram maravilhosos.
Representada diante dele e acompanhada pela apresentação verbal mais rápida que jamais ouvira, Jimmie se deu conta de toda aquela aventura. O pequenino duende daria um incomparável ator se pudesse ser atraído para um palco e possuísse um corpo material. A surpresa com os horríveis elementais; a busca desesperada por onde escapar; a grande luta e o terrível desgaste que rapidamente abria caminho para a certeza da morte; as contorções e os gestos agressivos do círculo hostil ao seu redor; o desespero que se apoderou dele quando cada tentativa para escapar era impedida; depois o grande alívio quando, repentinamente, este grande gigante humano, com essa incrível força de vontade humana colocou-se ao seu lado e tomou sua defesa nessa luta desigual “Vejam”, gritou o duende finalmente, “está tudo bem. Ele é meu amigo. Vejam.”
Neste momento, seu entusiasmo apoderou-se dele e, com um salto enorme, pulou exatamente no ombro de Jimmie e começou a saltar de um ombro para o outro dando, de vez em quando, um tapinha amoroso na cabeça de Jimmie cada vez que saltava por cima dela. Por ele ser uma entidade etérica, isso não provocou nenhum incômodo a Jimmie e era evidente que o grupo de duendes divertia-se imensamente com isso.
Aproximaram-se um pouco mais e Jimmie estava consciente da mudança de atitude de todos eles pelos olhares amistosos que lhe dirigiam, pelo sorriso constante com o qual o cumprimentavam e pelo bom humor com que falavam com seu ativo amiguinho.
Geralmente as vibrações da raça humana são ofensivas para esses pequenos seres pelo fato que a maior parte dos humanos, devido à sua linha habitual de pensar e agir, acumula em seus corpos etéricos grande quantidade de matéria etérica totalmente indesejável.
Em grande parte, isto também é aplicável a seus corpos de desejos e como os duendes estão no limite entre os dois reinos, são muito afetados adversamente por essa razão.
Jimmie não sabia exatamente como proceder e, por isso, fez o que lhe pareceu ser o mais natural possível, sentou-se em um tronco e esticou suas pernas. Um dos duendes mais corajosos, após várias simulações, correu e pulou sobre seus pés tocando um deles levemente com seu próprio pé. Descobrindo que mesmo assim, ele não se machucava, pulou novamente, desta vez aterrisando no pé de Jimmie e imediatamente pulando de volta.
Entretanto, muitos deles haviam subido ao alcance de seus braços e estavam falando sobre ele nas suas vozinhas estranhas e agudas, enquanto ele sentia muitos toques em suas costas e pequenos beliscões em seu cinto e camisa. Isso era perfeitamente possível mesmo que esses pequeninos seres não estivessem no plano físico. Esta incongruência aparente só ocorreu a Jimmie algum tempo depois, pois quando vemos que uma coisa realmente existe, aceitamos o fato sem questionar, jamais parando para considerar que, de acordo com todas as teorias e razões, o fato deveria ser apenas uma fantasia.
Diga-me, Buster - Jimmie disse para o pequeno duende que ele havia salvo dos ele mentais - Qual é o problema com seus amigos? Parece que estão com medo de mim. Diga-lhes que não os machucarei.
Oh, eles são bobos! Estão com medo. Você não vai machucá-los. Você é um amigo.
Começou uma arenga apaixonada em sua própria linguagem e o resultado foi que três duendes vieram e sentaram-se nas botas de couro de Jimmie, enquanto alguns outros aproximaram-se até onde seus braços podiam alcançar, mas percebia-se que estavam prontos para saltar a qualquer momento.
Jimmie sentou-se imóvel, não mexia um só músculo, exceto para falar com Buster, cujo verdadeiro nome ele perguntou em vão, pois a pequena criatura parecia estar orgulhosa do nome que carinhosamente Jimmie lhe dera e a todas as perguntas contestava que Buster era seu nome e que não tinha outro.
Aos poucos a conversa e as garantias de Buster surtiram efeito e o resto dos duendes começou a perder o medo desse ser humano que salvara seu companheiro de um destino tão horrível. Aproximaram-se e demonstraram mais interesse na conversa e Jimmie aproveitou para perguntar a Buster o que teria acontecido a ele se os elementais tivessem ganho a luta. Não tinha a certeza se a morte era possível para um ser que não possuísse corpo físico. Mas o grande alívio e gratidão que Buster havia demonstrado, tomou claro que um resultado adverso do combate teria sido, pelo menos, altamente desagradável para o duende.
Mas Buster não queria pensar no que poderia ter acontecido. Aparentemente não gostava de usar sua imaginação. Como uma criança que só deseja brincar, tomava-se impaciente com qualquer tentativa de fazê-lo pensar seriamente e só se interessava pela diversão na qual estivesse engajado no momento. A irrespon­sabilidade parecia ser a nota-chave de seu caráter e a concentração sobre qualquer coisa, a não ser que estivesse interessado, era-lhe aborrecida. Jimmie finalmente desistiu de tentar e decidiu tornar-se amigo do resto do grupo.
Nisto foi muito bem sucedido, pois os duendes, de imediato, perderam o medo dele e colocaram-se ao alcance de seus braços sem observá-lo, pois não receavam mais qualquer movimento hostil.
Buster - disse Jimmie ao final - diga-me por que seu povo tinha medo de mim. Que mal poderia fazer-lhes?
Olhe - respondeu Buster - sua força de vontade é muito vigorosa. Essa é a razão. Eles não o conheciam como eu o conheço.
Só depois de muitas perguntas foi possível entender a razão da timidez dos duendes, e Buster, com a ajuda de outros que tomaram parte na conversa, finalmente esclareceu Jimmie sobre a causa da má vontade de seu povo em relação à associação com mortais.
Parece que não só as vibrações humanas são geralmente muito desagradáveis aos duendes, mas também a força de vontade humana é tão vigorosa que quando é inteligentemente direcionada, freqüentemente são incapazes de resistir a ela. Isso os torna temerosos da proximidade dos homens, pois alguns seres humanos são dotados de uma ligeira clarividência e, algumas vezes, os clarividentes não são os membros mais avançados da raça. Assim, um mortal de grau inferior, com um pouco de poder clarividente, pode tornar-se muito desagradável para os duendes.
Também foi informado que o contato com um ser humano lhes dá, de certa forma misteriosa, um acréscimo de poder de se tornarem desagradáveis, se esse mortal assim o desejar. Por essas explicações, Jimmie pôde compreender por que os duendes ficaram tão horrorizados ao verem Buster em seus braços e a amizade que reinava entre os dois.
Desde então, toda a reserva foi posta de lado e o grupo imenso de duendes divertia-se pelo conhecimento adquirido sobre o homem. Subiam nele, sentavam-se em sua cabeça, pulavam em seus pés e foi com considerável dificuldade que Jimmie conseguiu parar um e fazer-lhe algumas perguntas. Era como se sua inteli­gência os fizesse semelhantes às crianças - eram capazes de falar e de compreender uma linguagem simples, mas totalmente incapazes de qualquer esforço mental como acontece com uma criança de seis ou sete anos. Mas também como as crianças, seu amor e confiança, uma vez dados, eram sem reservas.
Jimmie passou uma tarde muito agradável com seus amiguinhos até que a aproximação de alguns colhedores de frutos da floresta alarmou-os e eles fugiram depois de fazerem-no prometer outra visita. Havia chegado à conclusão de que para obter maiores e reais informações sobre os duendes, deveria buscar outra fonte além deles. Era a primeira vez que entrava em contato com os Espíritos da Natureza ou elementais. Resolveu averiguar mais sobre eles, uma vez que era evidente que ao encontrá-los vislumbrou outras das mansões da Casa de nosso Pai, que está tão plena de maravilhas.
Quando os duendes sumiram, regressou à sua casa caminhando lentamente e repassou em sua mente as coisas que escreveria em sua próxima carta a Louise e pensando um pouco, também, como ficaria feliz quando ela voltasse novamente para casa por a guerra ter terminado e a paz finalmente declarada. Ele teria que trabalhar muito para compensar o tempo perdido e ganhar o dinheiro para adquirir a casinha que tanto queria. E também a grande obra não deveria ser esquecida, pois precisava planejar, de alguma maneira, a forma de alcançar o maior número possível de pessoas que estão tão ávidas por uma migalha de conhecimento espiritual, e que, freqüentemente, são alimentadas com pedregulhos em lugar de migalhas. Afinal, o mundo era um bom lugar para viver, sobretudo para quem quiser trabalhar, e começou a sentir a sensação de alegria, que é a recompensa de todo trabalhador zeloso, pela qual pode-se imaginar a bênção que há de ser a parte dos grandes Irmãos da Luz que empregam sua energia no serviço pela humanidade, renunciando ao descanso e à própria paz no céu para servir.
Enquanto retomava, recapitulou tudo como em uma espécie de sonho, tão fascinado estava pelas esperanças e planos que havia feito e pelos castelos no ar que havia construído. E, através de tudo isso, corria aquela perigosa veia de vaidade que, com tanta freqüência, se insinua juntamente com outras e mais grosseiras formas do mal e que deveríamos esforçar-nos por lançar fora. Ainda não tinha consciência que era vaidade, mas, se tivesse parado para analisar, perceberia que todos os seus sonhos estavam firmados naquilo que ele faria, no serviço que ele executaria, e que aí faltava aquela grande qualidade do trabalhador devotado, isto é, um agradecimento ao Mestre por ter-lhe dado a oportunidade de servir.
É a diferença sutil entre a alegria louvável do serviço e o orgulho injustificável do serviço que, com freqüência, faz nossos depósitos na tesouraria celestial serem de humilde prata ao invés de régio ouro.
Mas Jimmie não tinha consciência deste sinistro contexto que corria através da urdidura de seus sonhos. Apoiava-se na felicidade que esperava possuir e também na possibilidade de poder voltar para a França antes do “espetáculo” terminar, pois cobiçava uma das medalhas de mérito e estava decidido a obter urna ainda que tivesse de capturar, sozinho, todo um exército alemão. Neste momento, não podia deixar de sorrir para si mesmo, pois sua imaginação apresentava-lhe quadros onde conduzia à sua frente toda uma companhia de “Fritzies”, e com esse sorriso, voltou para a terra novamente.
Foi um Jimmie feliz e entusiasmado que regressou ao quartel naquela noite, cantando uma canção que havia sido uma das favoritas nas trincheiras e, literalmente, estava borbulhando de esperança e irresponsabilidade. E lá estava, sobre sua mesa, uma carta da França, de Louise.
Pegou-a rapidamente e sentiu uma pequena inquietação por ela ser tão leve, mas esta impressão foi semiconsciente quando rasgou o envelope em sua ânsia de saber o que a carta continha.
Seu rosto transformou-se ao ler as primeiras linhas e a carta pendeu de suas mãos. Não disse nada, mas apoiou-se na parede. Depois de alguns minutos apanhou a carta do chão e leu-a outra vez. Era cruelmente curta.
Prezado Sr. Westman”, dizia, “estou prestes a voltar para casa no próximo navio e escrevo-lhe para que não mais envie cartas para a França. Pensando melhor estou convencida que nosso compromisso não foi o resultado de um conhecimento suficientemente longo, assim, deixo-o livre e penso que seria melhor deixar o caso terminar aqui.
Espero não receber mais cartas suas e tenho a certeza que respeitará meus desejos e que irá esquecer que eu, algum dia, entrei em sua vida. Com os melhores votos por sua felicidade futura, .”
Jimmie sentiu-se atordoado. As outras cartas que recebera de Louise eram geralmente curtas, pois sabia que ela trabalhava muito e desculpava-se por isso, mas, naquelas cartas curtas, quase notas, ela jamais havia escrito uma palavra de arrependimento pelo compromisso que tinham assumido. Motivos de toda espécie passaram por sua mente, mas eram rejeitados por serem indignos dele ou de Louise.
Talvez houvesse encontrado alguém a quem amasse mais. Essa era uma possibilidade, admitiu para si mesmo, mas não explicava o tom lacônico e a rispidez da carta. Talvez tivesse - Oh!
Não podia acreditar que ela realmente tivesse escrito o que transmitiu. No entanto, se não escreveu o que realmente passava por sua mente, por que escreveu?
Não era obrigada a escrever. Não havia uma só lei que a forçasse a escrever. Com certeza não podia estar zangada com ele, pois sabia que ele tinha sido obrigado a obedecer ordens e que deixara a França contra sua vontade. Estavam em tempo de guerra, ordens eram ordens e Louise sabia disso tanto quanto ele, pois ela estivera próxima à frente de batalha onde homens morriam todos os dias devido a estas mesmas “ordens”.
Quanto mais pensava no assunto, mais percebia o quanto seu amor por Louise era um sentimento muito profundo e muito forte. Recordava-se bem, da maneira gentil e bondosa com que ela sempre o tratara; as pequenas coisas que fizera por ele quando se encontrava desamparado; como ela permanecera acordada, embora necessitasse tanto desse sono, para ler-lhe algo quando o nervoso pelo choque da convulsão o atormentava. Certa vez quando estava deitado, sem muita dor, mas quase gritando devido ao horror daquele nervosismo dilacerante, ela sentara-se ao seu lado colocando a mão em sua testa, acalmando-o com pequenos versos de poesia, trechos de hinos, tudo que pudesse recordar para aliviar seu estado de tensão, tirar seus pensamentos daquela situação estranha e peculiar que era o resultado da explosão que sofrera e cujos efeitos são sempre diferentes em cada caso.
Agora, depois de estar curado - tolice! com carta ou não, ele não acreditaria no que estava escrito naquele papel até que ela confirmasse com suas próprias palavras. Iria encontrá-la para ouvir a verdade de seus próprios lábios.
Era característica de Jimmie que em todas as desculpas, motivos e explicações que havia forjado em sua mente, jamais suspeitou que Louise o abandonara por razões financeiras. Era o melhor e mais nobre tributo que podia colocar aos pés de sua amada e analisando todos os motivos imagináveis que justificassem sua atitude começou a temer que, de alguma forma, involuntariamente, ele a houvesse ofendido. No entanto, nenhuma vez pensou em um motivo baixo, vil ou mercenário por parte dela. Se ela soubesse disso, seu coração ter-se-ia enternecido, mas Jimmie estava tão inconsciente do assunto quanto ela; acrescentar um motivo indigno à sua carta jamais lhe ocorreu.
Conhecia a cidadezinha onde ela morava. Calculou que, por causa da lentidão do serviço postal na França, ela provavelmente já teria regressado e estaria em casa antes da chegada da carta. O pensamento agitou-o, e decidiu pedir uma licença de uma semana e ir até ao fim para solucionar esse caso.
Mas não foi fácil conseguir uma licença em tempo de guerra. Sabia que necessitava pelo menos de um dia para chegar até a casa de Louise, outro dia pra voltar e mais um dia para lá permanecer. Se as conexões estivessem ruins, poderia até levar mais tempo, portanto, decidiu pedir uma semana.
Aquela noite, ao dormir, resolveu chamar Marjorie e, efetivamente, ao despertar nas agora já familiares condições do Mundo do Desejo, teve consciência plena de que Marjorie vinha ao seu encontro. Portanto, não ficou surpreso quando essa linda jovem, sorrindo e, evidentemente, com um excelente bom humor, apresentou-se a ele.
Jimmie começou logo a contar-lhe a história de sua aflição na esperança de Marjorie sensibilizar-se com ele e se prontificar a ajudá-lo. Mas calculou mal, pois tudo que sua anfitriã fez foi rir-se dele. Se as pessoas que julgam que o outro mundo seja um lugar de tristeza fúnebre, de desespero e desesperança, como ficariam surpresos ao presenciar aquela cena e como perderiam o temor da morte.
Marjorie estava morta. Esta jovem havia sido arrebatada de sua família por aquele implacável Rei dos Terrores e, de acordo com todas as crenças geralmente aceitas, ela podia ser tudo menos o que realmente era - feliz, alegre com a pura alegria de viver feliz devido às condições nas quais vivia, livre de todas as necessidades limitadoras da vida física, dor, exaustão, as dez mil pequenas coisas que jamais se elevam além do umbral da consciência, mas que agregadas equivalem a um desconforto contínuo. Mas, acima de tudo, feliz pois não estava separada de sua família, ainda que eles estivessem separados dela.
Esta condição, aparentemente anômala, derivava do fato de que todas as noites ela podia encontrá-los no plano do desejo, falar com eles e “visitá-los”, e embora eles não pudessem conservar a mem6ria desses encontros, para ela não existia essa limitação. Assim percebia-se verdadeiramente que toda separação estava do lado deles, não do dela. Por esse motivo, não há por que surpreender-se e reconhecer sua felicidade. Por que não haveria de sentir-se feliz?
Mas Jimmie pensou que ela estava feliz demais, pois ele sentia-se muito infeliz ou julgava-se estar assim, e precisava de consolo. Além disso, embora não admitisse, esperava que Marjorie dissesse alguma coisa sobre Louise e por que havia agido daquela maneira. Pressentia que Marjorie devia saber. Não seria correto perguntar, mas, talvez, ela proferisse, espontaneamente, algumas palavras de consolo. Esses pensamentos de Jimmie não passaram desapercebidos a Marjorie por nenhum momento, e era por isso que ela estava rindo. Jimmie havia chegado à conclusão que era muito importante e esta era uma lição que ele deveria aprender sobre o assunto.Prentiss Tucker.

domingo, 24 de outubro de 2010

Deixe a Semente Germinar.


É perigoso forçar o que não se conquistou. Esta advertência que é correta do ponto de vista prático e físico, constitui uma verdade ainda maior sob o ponto de vista espiritual.
No mundo material este fato é aparente: uma criança que passa para a série seguinte sem ter assimilado as disciplinas do ano anterior terá certamente imensa dificuldade, e a experiência pode ter até uma influência negativa na sua capacidade de aprendizagem, durante muito tempo. Quando alguém, sem preparação ou experiência prévia é promovido a algum cargo ou atividade, a sua incompetência deixa-o em desvantagem idêntica, podendo mesmo prejudicar outras oportunidades ou futuras possibilidades.
A um nível mais elementar, aqueles que, por meio de uma prática indevida, chantagem, artimanhas ou força, apropriam-se de coisas, situações, serviços ou projetos de outros, contrariam a Lei de Conseqüência, e, mais tarde ou mais cedo, colherão o resultado.
Sabemos mesmo que muitas vezes até as dádivas obtidas livremente, ( por amizade, por exemplo) pode constituir um perigo para aqueles que não desenvolveram (conquistaram) o discernimento e o senso necessário, através da própria experiência . Daí também a necessidade de aprendermos a utilizar o discernimento.
Sob o ponto de vista espiritual e esotérico as conseqüências que advêm do apressar ou do abortamento de conhecimentos ou capacidades que ainda não merecemos, podem ser muito mais graves, profundas e de longa duração. Os que se utilizam de meios artificiais (como drogas e exercícios respiratórios) , ou mesmo de exaustivo trabalho intelectual, poderão, provável e temporariamente dotarem-se de “poderes” .
No entanto, a prática demonstrará o seu valor, e a utilização desses falsos poderes, desprovidos ainda de legitimidade e tingidos de interesse pessoal, fará seu possuidor confrontar-se com graves problemas.
Se a má utilização de poderes espirituais, mesmo inocente ( inconscientemente ) traz já graves conseqüências, o seu mau uso de forma deliberada é evidentemente a violação mais flagrante da Lei Natural, que um dia trará conseqüências inevitáveis.
Que nossa preocupação principal, longe de ser a de adquirir capacidades espirituais ”fantásticas” ou grandes conhecimentos, seja a de viver o melhor possível com os talentos que já possuímos , deixando a “semente germinar” na paciente perseverança em fazer o bem, certos de que, no momento propício seremos Verdadeiramente Iluminados.Maria Lázara Franzini.

Adaptabilidade A Chave Para o Progresso.


Como chispas divinas do Deus de nosso sistema solar, possuímos potencialmente os poderes do nosso Criador. Esses poderes estão latentes e o propósito da evolução é convertê-los em poderes dinâmicos. Isso é feito através de ciclos evolutivos que possuem em si 3 fases: uma constrói, outra mantém e uma terceira dissolve, transforma e renasce em outro ciclo.
Os três poderes divinos são absolutamente necessários para manifestarmo-nos como seres divinos, mas são distintos em sua natureza.
Esses três poderes de Deus são:
Vontade: se expressa como poder criador , no sentido de dar origem, poder de expressar controle através do intelecto em todos os seus aspectos (razão, juízo, conhecimento, dedução. Também é o poder de destruir o que está cristalizado. É o aspecto do PAI. Está relacionado com o Mundo do Espírito Divino e vibra na cor azul.
Amor-Sabedoria: se expressa como força de atração, coesão, receptividade, imaginação, sentimento, intuição, memória, conservação, proteção, alimentação e concepção. É o aspecto do FILHO. Está relacionado com o Mundo do Espírito de Vida e vibra na cor amarela.
Atividade: se expressa como a força de movimento que impede a inércia e produz germinação, desenvolvimento, crescimento, expansão, originalidade, epigênese. É o aspecto do ESPÍRITO SANTO. Está relacionado com o Mundo do Espírito Humano e vibra na cor vermelha.
O desequilíbrio atual que a humanidade enfrenta teve origem na falta de adaptabilidade por parte do ser humano em aprender as lições apresentadas pelas Hierarquias Divinas
Podemos dizer que a humanidade atual possui três grandes grupos de pessoas onde cada um caracteriza-se por uma fusão harmoniosa de dois aspectos divinos, realizando sua atividade positiva no mundo com relação a estes, mas que estão em desequilíbrio com o terceiro aspecto, o qual agora procuram desenvolver a fim de manifestarem-se como "deuses". Assim temos:
1° Vontade/Amor-Sabedoria: Os que respondem a essa fusão (razão-imaginação), carecem do aspecto prático. Podem ter idéias magníficas, mas sentem dificuldade em levá-las à ação. Não gostam da vida ativa, podendo chegar ao escapismo.
Sua lição é a de que a espiritualidade é uma forma prática de viver, e que o futuro depende do agora. Regra geral serão as necessidades materiais que os farão aprender o que necessitam.
2° Vontade/Atividade: São os gigantes intelectuais de nossos tempos. Com sua força de vontade para agir podem passar por cima de todos os obstáculos, inclusive amigos e familiares, se necessário for para alcançar seus obje­tivos. Talentosos e espertos, mas geralmente carentes de amor, esses indivíduos são eminentemente práticos e eliminam de suas vidas tudo o que para eles for inconveniente. Seu extremo é a tirania.
A lição aqui a ser aprendida é clara: é a do amor e da compaixão, o que será alcançado depois de suportar muita hipocrisia e falsidade.
3° Amor-Sabedoria/Atividade: Contrariamente ao anterior esse grupo "perde a cabeça" por causa do coração e dos sentimentos. Sacrificam tudo e todos a fim de estar sempre perto do objeto de suas afeições - que pode ser uma pessoa ou um ideal. Em casos mais sutis jogam com os sentimentos dos outros provocando emoções difíceis de serem controladas. Seu extremo é a degeneração sexual.
Precisam desenvolver o discernimento e aprender a canalizar suas emoções para propósitos justos para a humanidade.
As experiências que visam testar a nossa capacidade de adaptação na grande maioria das vezes aparecem nas trivialidades do dia a dia, e se formos observadores, logo veremos revelados os pontos débeis de nosso caráter que devem ser fortalecidos.
Gradualmente toda a humanidade aprenderá a lição que constitui o moto da Fraternidade Rosacruz
Reto Pensar:uso correto do princípio da Vontade.
Reto Agir: uso correto do princípio da Atividade.
Reto Sentir: uso correto do princípio do Amor-Sabedoria.
Maria Lázara Franzini.

Um Tratado Musical de Alquimia Atalanta Fugiens.

Em 1618 aparecia em Oppenheim (Renânia) a obra da qual podemos admirar, ainda hoje, o soberbo frontispício: "Atalanta Fugiens", de Miguel Majer.
O autor, ou melhor, os autores, uma vez que o editor João Teodoro de Bry é, provavelmente, também, o gravador, nele se declaram poetas, gravadores e músicos. Miguel Majer, nascido em 1568, em Rendsburg (Holstein) e falecido por volta de 1631, era formado em medicina.
Entrou para o serviço do Imperador Rodolfo II, em Praga, inicialmente como físico ou médico. Passou depois para secretário particular, par ser, enfim, elevado à dignidade de conde do conselho Imperial (conde palatino). Era alquimista e rosacruciano.
João Teodoro de Bry, nascido em Liége, em 1561, era filho do gravador e editor com o mesmo nome. Retomou, quando da morte do pai, as actividades profissionais deste. Pertencia à religião reformada.
A obra de Majer e de Bry é um autêntico tratado de ocultismo em cinquenta "emblemas esotéricos". Cada "emblema" comporta três elementos: um "epigrama", breve poema alegórico em latim, acompanhado da sua tradução em alemão; uma gravura simbólica e uma "fuga" a três vozes, escrita sobre os dois primeiros versos do epigrama.
Um título indica a significação geral de cada emblema. Cada um deles transpõe um mito antigo, conferindo-lhe uma ressonância alquímica.
O ponto de partida, ilustrado no frontispício, tem por base a lenda da deusa Atalanta (também chamada Ártemis e mesmo Diana, pelos Gregos e Romanos). Podemos seguir a sua aventura no enquadramento do título: à esquerda, no Jardim das Hespérides (as três ninfas no alto da gravura, são Aegle, Aeretusa e Hespertusa), guardado pelo dragão de sete cabeças (igualmente em cima), Hércules apossa-se dos frutos de ouro.
Três deles caem nas mãos de Afrodite (Vénus) que, mortificada pela feroz castidade de Atalanta, os entrega ao belo Hipomanes com a missão de a seduzir.
Hipomenes, conhecendo o estratagema pelo qual Atalanta se livrava dos pretendentes, resolver enganá-la. Atalanta impunha-lhes uma prova de corrida. Se o pretendente a vencesse, teria direito a desposá-la. Caso contrário, teria a cabeça decepada - o que sempre acontecia, uma vez que Atalanta era mais leve e mais veloz do que qualquer mortal.
Hipomenes colocou-se entre os concorrentes. No momento da prova atirou os três frutos de ouro para a frente de Atalanta. Esta, curiosa, ou um tanto cúpida, abaixou-se para os examinar e recolher e, com isto, perdeu algumas passadas, o que bastou para que Hipomenes a vencesse (em baixo, à esquerda da gravura).
A união consumou-se num templo consagrado a Zeus ou a Deméter (em baixo, à direita). Irritado por semelhante acto de profanação, o deus (ou a deusa), transformou-os respectivamente em leão e leoa (em baixo, à direita).
As gravuras e o sentido geral dos "emblemas" foram admiravelmente analisados e explicados por J. Van Lennep. As fugas musicais permanecem mais misteriosas e demandariam um longo e minucioso estudo. Todavia, um exame sumário talvez não seja desprovido de interesse. Vejamos a fuga número 1, aqui transcrita em notação moderna.
Não se trata de uma "fuga" como a entendem os tratados clássicos em uso nos conservatórios. Apenas as duas vozes superiores são tratadas em cânon, mas à quarta inferior. A voz mais grave é tratada em cantus firmus ou teneure. A voz mais aguda, no sentido em que a entendiam os teóricos do século XVII, isto é, a "fugida". Representa, normalmente, Atalanta fugitiva, como o indica o compositor: Atalanta seu vox fugiens.
A Segunda voz, que e segue em cânon rigoroso na Quarta grave, personaliza Hipomenes. O cantus firmus, enfim, todo em valores longos, representa os frutos atirados a Atalanta.
Atalanta (primeira voz) representa o Mercúrio volátil (ou a Lua); Hipomenes (Segunda voz) o enxofre activo ou o sol alquímico. A terceira voz representa os frutos de ouro, frutos da imortalidade, mas também o símbolo do conhecimento.
Essas curtas peças musicais, cuja realização necessita, por vezes, de uma douta exegese contrapontística, não são, longe disso, obras-primas. Neles descobrem-se (cf. o exemplo acima) imperícias, na verdade erros que um estudante de conservatório, mesmo nos nossos dias, renegaria com horror.
Pode-se questionar a respeito da utilização que dela pretendia fazer os seus autores. O texto preliminar teria uma função equivalente à dos corais de Lutero: "serem lidas, meditadas, compreendidas, julgadas, cantadas e ouvidas".
Isso constituiria um método para gravar na memória do adepto o primeiro dístico essencial de cada poema que comenta a gravura correspondente.
J. Van Lennep lembra-nos que o Imperador Rodolfo II (em Praga), bem como o duque Vicente de Gonzaga (em Mântua), ambos alquimistas experientes, eram, para os músicos, mecenas esclarecidos e generosos. Ambos possuíam uma prestigiosa capela de música. O primeiro protegeu - entre outros - o compositor flamengo Filipe de Monte (1521-1603), e o segundo financiou o Orfeu, de Cláudio Monteverdi, cujo simbolismo foi, por certo, amplamente inspirado pelo comanditário.
J. Van Lennep adianta ainda que a música servia para dissipar a melancolia saturnina, que se apoderava dos alquimistas durante as longas noites de vigília diante do forno. Imagina-as então enganando a espera, cantando as "fugas" da Atalanta Fugiens. Supõe ainda que tais "fugas" também foram cantadas pelos membros da Fraternidade Rosacruz, a que Majer pertencia e que outorgava à música extrema importância
Revista "Rosacruz", Fraternidade Rosacruz de Portugal.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

BILHETE DE ENTRADA PARA O MISTERIOSO MUNDO DAS PLANTAS.


Na cidade dos Celtas, Citânia de Briteiros, próximo da cidade, berço de Portugal, Guimarães, cujas ruínas, tal como essa antiga civilização, estão envoltas em algo misterioso, viviam dois jovens adolescentes, muito amigos, bastante atentos a tudo o que os rodeava e bem conhecidos nessa antiquíssima cidade, cerca de 800 anos antes de Cristo. Um deles, de nome Altino, era um moço alto, forte, de olhos esverdeados e cabelos loiros, o outro, de sexo feminino, era a bela Júlia, de olhos castanhos e de encantos tamanhos.
O Altino fazia anos no princípio de Fevereiro, era por isso do signo Aquário e como tal, de carácter progressista, amigo da Liberdade e da Fraternidade. Quanto à sua encantadora amiga comemorava o seu aniversário natalício em meados de Dezembro, portanto do signo de Sagitário, amiga do contacto com a Natureza e de Ideais Superiores. Não admira que, entre eles, houvesse entendimento e harmonia fisiológica, pois ele era dum signo de ar e ela dum de fogo e, como o fogo precisa de ar para se exprimir, eles eram amigos por natureza, mas leais e puros nas suas relações.
Perto dessa cidade vivia um sábio, de nome Siegfried ou Siguefredo, homem muito idoso, do qual ninguém sabia a idade, pois sempre o tinham conhecido assim. Morava numa quinta maravilhosa, onde as plantas cresciam e viviam por artes que pareciam mágicas.
Conhecedores deste fato, os dois jovens, sequiosos de saber, decidiram visitar o sábio.
Mal tinham andado duas centenas de metros, quando chegaram à entrada da quinta, onde encontraram Siguefredo, esperando por eles!
Entrem amiguitos - disse o sábio, perante a admiração dos dois jovens que lhe perguntaram:
Como sabe que nós desejamos visitá –lo?
Captei os vossos pensamentos, por isso já sabia que viriam - informou Siegfried.
Altino e Júlia olharam um para o outro e interiormente disseram:
Será isto telepatia? Quando será que teremos esse Poder?
O sábio, que leu novamente os seus pensamentos, esclareceu-os, dizendo-lhes:
Estudem e trabalhem, dentro das Leis Divinas, que esse é o caminho mais seguro e recto para obter esse Poder, que permite não só captar longe os pensamentos, como lê-los, o que é superior à telepatia. Mas deixemos isso e vamos ao que vos trouxe e vos interessa saber que é conhecer um pouco do mundo maravilhoso das plantas.
Sim, é precisamente isso que nós queremos aprender - disseram os jovens que lhe perguntaram:
Como é que consegue ter sempre plantas tão belas e tão vigorosas?
Saibam, meus amigos, que aqui tudo é semeado, plantado, transplantado, podado e colhido em dias e, por vezes, até horas apropriadas para o trabalho. Há dias bons para arrancar ervas daninhas, há dias bons para deitar à terra as sementes das flores de forma a que cresçam mais belas e exalem maior perfume, etc. Mas isso não é o suficiente, é necessário saber tratar dos terrenos e ter vivido de tal forma que não se esteja sujeito aos efeitos das pragas dos insectos. Estes têm a sua origem nos maus pensamentos, desejos e acções de cada qual e também no seu conjunto, ocasionando então destino colectivo. É necessário ainda tratá-las com carinho. Se as tratamos mal elas ressentem-se- disse o sábio, perante um silêncio atento dos dois jovens.
Então as plantas também gostam de Amor! – Exclamaram Altino e Júlia.
Precisamente, o Amor é a base de todas as relações, o entusiasmo e o carinho é o fio que as liga – Respondeu o sábio.
Ao lado do Altino e da Júlia estavam lindas rosas, que exalavam um perfume muito agradável.
Admirados com a sua beleza e embriagados com os seus perfumes, perguntaram a Siegfried:
Estas plantas devem sentir uma grande vaidade pelos seus lindos vestidos e pelos seus agradáveis perfumes?
Não – disse o sábio, que acrescentou: - Elas apenas sentem a sã alegria de poderem dar um pouco de prazer aos nossos olhos e ao nosso olfacto e de contribuírem para que os seres humanos sejam mais amigos da beleza natural do que da artificial. A vaidade é a glória das almas pequenas, das pessoas de pouco valor, que querem parecer grandes aos olhos do mundo.
Então nós não devemos vestir bem e andar limpos? – Perguntaram os dois jovens.
Vestir com gosto e higiene está correcto, o que está mal é a vaidade, o luxo, a moda extravagante, etc. – esclareceu o sábio, acrescentando:
Lembrem-se que, se o Criador veste a rosa com estas cores tão belas e lhes dá este perfume que nos delicia, muito melhor vestirá o ser humano que cumprir as Suas Leis. Então da sua cruz florescerão as rosas e sairá o perfume eterno.
Nesse caso deverá ser esse vestido que nós devemos procurar obter? – Perguntaram Altino e Júlia.
Sim, o que vos deve interessar é procurar o reino da Verdade, da Luz e do Amor Superior e tudo o resto vos será dado por acréscimo – esclareceu o sábio.
Júlia, ao sentir-se fortemente atraída por um botão de rosa, de cor branco – pérola, pediu ao mestre:
Posso apanhar este belo botão?
Sim, minha amiguinha, mas tem cuidado não te piques – respondeu o sábio, que acrescentou: - os picos servem para nos lembrar que para sermos dignos do perfume das rosas e de vestirmos tão belas cores, teremos de vencer os picos da nossa natureza inferior, os maus instintos que só ferem e nos fazem sofrer.
A Beleza da Rainha das Flores, símbolo de Amor, de Luz e de Virtude.
Esta ei-la já no estado de madura, abrindo os seus órgãos reprodutores em direcção ao Sol, onde estão, os masculinos e os femininos.
Depois de florirem eis a mutação final para a reprodução, formando um fruto onde estão as sementes, base para a criação de novos filhos.
PÉTALAS NUM FORMATO DE PENTAGRAMA.
Ao lado estava uma árvore frondosa, cheia de pequenitos frutos. Altino, quando os contemplava, perguntou: Mestre, como se faz a reprodução nas plantas?
Colhendo uma flor hermafrodita, o sábio começou a esclarecer:
Escutem com atenção o que vos vou dizer. A planta tem os seus órgãos sexuais voltados para o Sol e faz a reprodução com pureza, mas de forma inconsciente. Nós temo-los para baixo, e, como somos de sexo diferente, precisamos da outra metade ou lado para podermos reproduzir o que é feito com consciência. As plantas são, na sua maioria, hermafroditas, como é o caso desta flor, onde estão os órgãos masculinos, estames, que são estes, e os femininos, cujo conjunto são os carpelos.
Os órgãos masculinos são semelhantes aos do Altino, têm filamentos ou o filete e na ponta está uma cabeça, a que lhe deram o nome de antera, onde se encontra o pólen, que contem grãos, uns são esporos e outros têm células com esperma, as gâmetas, que, quando caiem nos órgãos femininos, semelhantes aos da Júlia, dão origem à reprodução.
Os femininos têm uma entrada, que se chama estigma, parecida com a vulva feminina, onde cai o pólen, grãos de semente com esperma. Esse estigma é viscoso, isto é, pegajoso, para que o pólen seja fixado, passa por este tubito que estais vendo, que se chama estilete, de função análoga ao canal entre a entrada e o útero da mulher, até que chega a esta zona, que, agora, acabo de abrir e que se chama o ovário, onde se encontram os óvulos. É então que tem lugar a fertilização com o nascimento das sementes e dum novo fruto. Isto nas plantas é feito sem mancha, de forma casta e só quando elas reúnem condições físicas para tal. O mesmo deverá ser no ser humano, que deverá saber aguardar e preparar-se para ter condições para isso.
O que é que acontece? – Perguntou Siegfried – se mexerem naquele botão de rosa e tentarem abri-lo antes do tempo de desabrochar por si?
Murcha e não será uma rosa – responderam Altino e Júlia.
Pois é isso o que acontece, quando se mexe em algum botão de rosa, ser humano, antes do tempo, ele ou ela murcha e perde o encanto – acrescentou o sábio.
Se bem percebi existe também para nós uma forma de fazer subir as energias sexuais, tal como nas plantas? – Perguntou Júlia.
Sim, esse tem sido o meu caminho – esclareceu Siegfried, que acrescentou: - É preciso amar em obras e em verdade toda a criação, inventar algo de original e útil para a humanidade e para todos os reinos, criar obras originais sejam literárias, musicais ou artísticas e fazer tudo com pureza. Então a energia que não é empregada na reprodução, sobe pela coluna vertebral, em forma serpentina, e vai activar a glândula pineal, localizada no cérebro, que se assemelha a um fruto, em forma de pinha.
Não se esqueçam, porém, que a maioria de vós deverá casar. A abstinência total é só para seres muito superiores. Esta não é sinónimo de castidade. Enquanto na abstinência absoluta, quando imposta por si ou por outras circunstâncias, pode não existir pureza nos pensamentos, na castidade ela existe, podendo até ter lugar a reprodução.
Mestre e jovens continuavam percorrendo a quinta até que, reparando no musgo duma árvore já secular, o Altino lembra-se de perguntar:
Mestre, quais são os seres adiantados e os atrasados no reino vegetal?
Os mais adiantados são as árvores. Quanto aos mais atrasados temos os musgos, os quais, contudo, exercem uma valiosa função para o meio ambiente. As formas em todos os reinos ou avançam ou degeneram e, neste caso, podem cristalizar. Então aparecem no reino mineral, como é o caso do carvão de pedra, que teve origem na madeira petrificada e da mica do granito que é o resultado da cristalização de flores pré-históricas! - ensinou o sábio.
Por isso há que progredir e não degenerar. Não é assim meus amiguitos? – Perguntou Siegfried.
Não há dúvida, responderam os dois jovens em uníssono.
Venham por aqui – disse o Mestre.
Umas dezenas de metros percorridos e o sábio parou e disse:
Estão vendo estas duas plantas?
Estamos, sim – responderam, acrescentando: - estão doentes! Na sua quinta parece impossível?
O que se passa é muito profundo – esclareceu o sábio, que acabou por explicar, dizendo: - a planta cujas flores nos fazem lembrar os órgãos sexuais masculinos dos seres humanos é do signo Escorpião, que rege os genitais, aquela é do signo de Leão. Esta é do signo de fogo; a outra, de água; logo fogo e água não se dão. Temos de separá-las.
Se quiser, fazemos isso – disseram os jovens.
Hoje, não é dia apropriado para esse trabalho. A Lua está no signo de Carneiro, só é bom para arrancar ervas daninhas. Obrigado, no entanto, pelo vosso espírito de colaboração, que prova o vosso desejo de progresso – respondeu o sábio.
Nesse caso, então, entre as plantas também há inimigos – disse o Altino.
Não é bem isso, mas sim desarmonias fisiológicas, electromagnéticas, como existe entre as pessoas. Há algo invisível em tudo, muito está por descobrir. A Vida está em toda a parte, tudo interpenetra. Por isso, sejam amigos das plantas, deitem sementes à terra, plantem árvores, flores, reguem-nas, tratem-nas com amor, tendo muito cuidado com o fogo. É um enorme crime deitar fogo às florestas, os incendiários cá as pagarão, nesta vida, ou quando reencarnarem, com provas de expiação, que poderão ser de demência. É que perante as Leis Divinas todos somos iguais, sejamos ricos ou pobres, soldados ou generais – esclareceu o sábio.
Bem, por hoje chega e muito obrigado por tudo – disseram os jovens.
Obrigado eu, por permitirem que vos fosse útil – respondeu Siegfried.
Altino e Júlia despediram-se com um forte e fraterno abraço, regressando à cidade.
Passaram anos, poucos, de vivo e alegre namoro, até que decidiram, juntos pelo matrimónio, seguirem os conselhos do sábio.
E os resultados foram excelentes para eles e para os 7 filhos que tiveram, quatro meninas e 3 meninos, todos belos e saudáveis, que faziam parar as pessoas para admirar tanta beleza.DOMINGO DE LA ROSA.

VIDA MAIS ABUNDANTE.


A grande mudança vulgarmente designada como “morte” não faz distinção de pessoas. Pode acontecer na juventude, na meia idade ou na velhice. Mas, em algum momento da vida, todos são chamados a deixar suas vestes físicas de lado e fixar-se novamente em reinos além da nossa esfera de conhecimento.
Sabendo que esta mudança é inevitável, certamente é imperativo que aprendamos, o máximo possível, sobre a grande transição. Para os menos esclarecidos, este fenômeno tem sido sempre uma questão que está além do entendimento e, comumente, quando somos chamados para enfrentá-lo, enchemo-nos de uma série de perplexidade e, no mínimo, de um reprovável terror. Esta apreensão, contudo, nem sempre existiu. No passado longínquo, quando a consciência do homem estava mais focalizada nos reinos espirituais do que no material, a perda de seu corpo físico era quase imperceptível. Ele se conhecia como espírito e sua veste física como algo adquirido, destinado para uma vida mais curta ou mais longa, e que, por fim, tal como uma folha de uma árvore, desprendia-se dele para ser substituída quando de novo fosse necessário.
Não foi senão quando o homem perdeu a visão de seu habitat celeste e de que era um espírito imortal ocupando de tempos em tempos um corpo físico, que ele começou a identificar-se com o veículo material e passou a considerá-lo como seu “Eu real” e, daí, o medo de uma possível existência sem ele. De fato, um grande número de seres tem suas consciências focalizadas no mundo material de tal forma, que chegam a acreditar que são apenas um corpo físico e que sua existência cessa no momento em que a morte aniquila este corpo.
Parece quase impossível, para o homem espiritualmente esclarecido, que tal condição ainda possa existir. Infelizmente, ainda temos evidência disto em torno de nós e por toda a parte. As pessoas, com desespero, vêem partir seus assim chamados mortos, pouco compreendendo que um Espírito liberto está retornando ao seu lar no mundo celeste para continuar uma ininterrupta existência.
Ainda que não houvesse nenhuma outra razão senão o conforto daqueles que conhecem os fatos relacionados à assim chamada morte, examinemos a verdade em relação a este peculiar fenômeno.
O homem, o “Eu real”, é puro Espírito, diferenciado no Corpo de DEUS, o qual é todo o Sistema Solar, ambos com aspectos visível e invisível. Seu destino é tornar-se um Deus como seu Divino Criador, segundo o Iniciado Paulo. A fim de desenvolver seu poder divino em potencial, o homem passa através de várias fases de evolução, desde a mais etérea à mais densa, deparando-se com experiências as quais, lentamente mas seguramente, desenvolvem suas capacidades latentes. Durante uma fase do seu desenvolvimento, ele habita este plano terrestre, de vez em quando, usando um corpo físico. Mas somente uma pequena parte de seu tempo é passada aqui. O resto é vivido nos reinos suprafísicos onde ele recebe outra instrução e lhe são dadas outras tarefas a realizar como exercício, todas com o objetivo de desenvolver suas forças potenciais latentes em energia dinâmica pronta para ser usada a qualquer momento e controlada diretamente por seu próprio Espírito que é o seu Eu real.
Cada vez que um indivíduo desce ao plano terrestre, torna-se prisioneiro de um corpo físico; e a duração desta vida na Terra depende do número de lições que ele tenha para aprender. Há Egos que vêm à Terra para aprender lições em construção pré-natal do corpo e que se descartam de seu veículo físico tão logo essa tarefa particular esteja completa, o tempo variando em cada caso, em dias, semanas, meses ou anos. Outros usam seus corpos físicos do nascimento à adolescência, outros até a idade adulta e ainda há os que alcançam avançada idade. Mas, note-se, a duração de cada vida terrena depende de certas lições necessárias à aprendizagem individual, a fim de que sua evolução possa ser favorecida. De modo algum, somos meros joguetes do destino.
Tendo-se uma determinada quantidade de livre arbítrio, é-nos possível no passamento de um Espírito, através de nossas lamentações e outros tipos de perturbação, frustrar temporariamente os planos da Natureza e causar a este Espírito a perda do panorama post-mortem, tão necessário ao seu progresso no mundo celestial. Nestes casos, o Espírito, comumente, retorna àqueles que foram responsáveis por esta sua perda, renascendo em seu lar e logo deixa a vida terrena, indo diretamente para o Primeiro Céu, onde retoma as lições contidas no panorama destruído. Na hora do passamento, todas as crianças, bem como os adultos, são aguardados por amigos queridos e, às vezes, até por Anjos, para conduzi-los ao Grande Além.
A vida das crianças no mundo celeste é de uma beleza indescritível. Quando os pais compreenderem a vida agradável que tais crianças levam e os grandes benefícios usufruídos por elas durante sua breve estada naquele mundo, sua dor será certamente bastante suavizada e as feridas de seu coração curar-se-ão muito mais rapidamente.
Aqueles que deixam seu Corpo Físico em condições normais estão liberados inteiramente assim que o panorama da vida é gravado no Corpo de Desejos, o qual eles levam ao mundo celeste. Três dias e meio de perfeita quietude devem ser permitidos ao Espírito no momento da transferência da gravação do panorama da vida recém finda do éter refletor do Corpo Vital para o Corpo de Desejos, veículo em que o Espírito funciona quando entra nos mundos superiores. As imagens assim transferidas para o Corpo de Desejos, o veículo da emoção e do sentimento, são a base do subsequente sofrimento durante a estada do Espírito no Purgatório, devido aos maus atos cometidos, e, no Primeiro Céu, a alegria sentida é por conta das boas ações realizadas em sua última vida terrena.
O tempo de permanência do Espírito no Purgatório pode ser grandemente abreviado se ele estiver perfeita e prontamente desejoso de reconhecer e desfazer-se de seus erros e faltas, quando estas imagens aparecerem no panorama da vida, ao invés de tentar desculpar-se ou deixar-se inflamar de novo pela cólera e pelo ódio do passado. Este desejo de cooperação do Espírito reduz grandemente o sofrimento relativo à purgação do post-mortem.
Tão logo o corpo físico se separa dos corpos sutis, os portais do reino elemental se abrem e as forças que impregnam a terra, a água, o fogo e o ar retiram-se da forma inanimada pertencente ao seu particular domínio, e a reintegram em seu próprio reino.
O peculiar ambiente que envolve uma câmara mortuária e o medo que a maioria das pessoas tem de um corpo morto são ambos causados pelo estreito contato, então existente, entre os ocupados seres elementais e as pessoas que se encontram em volta do corpo inanimado. Estas forças elementais estão sempre presentes e excessivamente ativas quando qualquer tipo de matéria orgânica tem de ser desintegrada, e suas partículas devem retornar às respectivas esferas.
Tristezas, lamentações, pensamentos de desespero e ânsias de que volte o ser que partiu tendem a tornar o Espírito preso à Terra, impedindo-o de participar das atividades pertencentes ao seu novo ambiente de vida. Por outro lado, pensamentos de amor, coragem, esperança, alegria e boa vontade são mais benéficos e de valor inestimável. Se, ao invés de entregar-se às nocivas práticas das lamentações que impedem o progresso do Espírito que partiu, alguém fizesse, à noite, precisamente antes de adormecer, uma oração fervorosa para lhe ser permitido ir ao encontro do seu ente querido, tão logo tivesse adormecido, tal desejo o transportaria quase imediatamente para onde estivesse o ser querido e poderiam passar horas juntos, o que seria proveitoso para ambas as partes. Na ocasião em que este alguém fosse capaz de voltar às Regiões Suprafísicas em plena consciência, muitas experiências seriam conseguidas nos planos invisíveis e, desta forma, poderia auxiliar os amigos que partiram e, com o método já mencionado, eles poderiam encurtar muito sua permanência na região purgatorial.
O tempo de permanência no purgatório é comparativamente curto, cerca de um terço do período vivido no Mundo Físico, mas a vida no Primeiro Céu dura, aproximadamente, centenas de anos. Esta região é um lugar de alegria, sem a menor dose de amargura. Doenças, tristezas e pesares são desconhecidos então, e todas as nobres atividades almejadas pelo Espírito são totalmente realizadas. Belas casas, flores, árvores, etc. lhe pertencem, tudo composto pela sutil substância do Mundo do Desejo. Apesar disso, todas as coisas são tão palpáveis para os habitantes do mundo celeste como nossas propriedades materiais o são para nós.
Esta gloriosa região é lugar de progresso e contém tudo o que é bom e desejável nas humanas aspirações. Aqui, o estudioso e o filósofo têm acesso instantâneo a todas as bibliotecas do mundo. O artista, pelo poder da imaginação, cria seus modelos perfeitamente em cores luminosas e vívidas, de cintilante beleza. O escultor modela com facilidade a matéria plástica deste mundo, produzindo obras cuja delicada beleza ele nunca imaginou durante sua vida na Terra. O musicista também é grandemente beneficiado, pois, nesta região, ele ouve os ecos de celestiais melodias, muito mais doces e mais duradouras que quaisquer que tenha ouvido na Terra, e seu Espírito se inebria em sua especial harmonia. O poeta encontra uma inspiração maravilhosa em imagens, música e cores as quais será capaz de usar em seu próximo renascimento. Os filantropos elaboram planos altruístas que serão empregados em vidas futuras. Nesta região, ele vê também a causa das falhas do passado, aprende a transpor os obstáculos e a evitar os erros que tornaram os planos que usou no passado impraticáveis. Assim, após uma curta estada de purificação na região purgatorial, este é o lugar onde os nossos entre queridos são encontrados, preparando-se para uma nova, melhor, mais eficiente, mais compreensível vida terrena em tempos vindouros.
Mensagem Rosa cruz.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A Face Humana de Jesus.


Quais são os mistérios que ecoam na trajetória do homem que mudou a história da humanidade. Na busca pela humanidade de Jesus, e pelo debate de mistérios que intrigam grande parte da humanidade há séculos,a revista ISTOÉ fez 14 perguntas sobre a vida de Cristo a especialistas, autores consagrados e lideranças religiosas.
Confira abaixo a íntegra da matéria:
A descoberta dos restos da casa de uma família que viveu no tempo e na região de Jesus de Nazaré animou arqueólogos e entusiastas bíblicos no último dia 21. Ainda que ela não tenha vínculos diretos com o Messias, essa descoberta joga luz sobre um Jesus que vai além da figura mítica que morreu na cruz, como contam os evangelhos do Novo Testamento. Ela alimenta quem vive para especular o lado humano do Filho de Deus, que a Igreja nunca deixou se sobrepor ao divino. Mas o interesse por detalhes históricos de alguém como Cristo é compreensível. Afinal, foi esse judeu da Galileia quem plantou a semente da religião mais influente do mundo. E, para quem lê os evangelhos como relatos biográficos, um erro de princípio, segundo os especialistas, as lacunas parecem implorar por especulações. O Novo Testamento não traz, por exemplo, nenhum registro sobre a vida e as andanças de Cristo entre os 15 e 30 anos de idade. “Porque esses anos não são importantes”, explica Pedro Vasconcelos Lima, teólogo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Para a igreja, tudo de relevante sobre a missão de Cristo na terra está na “Bíblia”. Mas é o suficiente? A clareira histórica aberta por esses 15 anos perdidos é uma das brechas mais exploradas por estudiosos, uns mais honestos que outros, para especular sobre a vida e Jesus. Mas ela não é a única. Outras foram encontradas nas entrelinhas dos 27 livros, 260 capítulos e 7.957 versículos do Novo Testamento. Mais algumas foram pesquisadas, com base em descobrimentos arqueológicos que variam de objetos do tempo de Jesus a textos de grupos religiosos do cristianismo primitivo, no longínquo século I d.C. E, por mais que a Igreja prefira não tratar de alguns detalhes das faces divina e humana de Cristo, os mais de um bilhão de fiéis não param de fazer perguntas.
É na humanidade de Jesus que melhor podemos compreender a dimensão de sua divindade”, reconhece Frei Betto, religioso dominicano autor do recém-lançado “Um Homem Chamado Jesus”. Na busca pela humanidade de Jesus, e pelo debate de mistérios que intrigam grande parte da humanidade há séculos, ISTOÉ fez 14 perguntas sobre a vida de Cristo a especialistas, autores consagrados e lideranças religiosas. Em que época foram escritos os Evangelhos e quem os escreveu? Jesus teve irmãos? Maria foi virgem durante toda sua vida? Jesus estudou? Qual profissão seguiu? Como era fisicamente? Esteve na Índia? Deixou alguma coisa escrita? Teve um relacionamento amoroso com Maria Madalena? Teve filhos? Por mais simples ou absurdas que algumas dessas questões possam parecer, elas merecem uma discussão. “Algumas realmente atormentam a vida dos fiéis”, reconhece o padre mariólogo Vicente André de Oliveira, membro da Academia Marial de Tietê, no interior de São Paulo. As respostas apontam caminhos, mas não têm a aspiração de ser definitivas. O estudo científico da vida do Messias ajuda na construção do que se convencionou chamar de Jesus histórico. Em esforço que surgiu no final do século XVIII e ganhou ritmo com importantes e raras descobertas arqueológicas no século XX (leia quadro na página 76), um Jesus que vai além dos relatos bíblicos começou a ganhar forma.
Ele surgiu do debate acadêmico do que podia e não podia ser considerado fonte para o entendimento da vida que o Nazareno levou na Terra. E, como a fé cristã, evolui e ganha novos contornos diariamente. Para o fiel bem resolvido, não há disputa entre o Jesus histórico e o bíblico, ou divino. “Cristo trouxe uma mensagem poderosa de amor e perdão que é inatingível”, afirma Fernando Altemeyer, professor de teologia e ciências da religião da PUC-SP. Para quem crê, é esse o legado do homem de Nazaré. Mas toda informação que contribuir para montar o quebra-cabeça dessa que é a mais repetida e famosa história da humanidade será bem-vinda.
Jesus nasceu em Belém ou Nazaré?
Embora os evangelhos de Mateus e Lucas afirmem que Jesus tenha nascido em Belém, é muito provável que isso tenha ocorrido em Nazaré. “Todos os grandes especialistas bíblicos são unânimes em admitir que Jesus nasceu em Nazaré”, afirma Frei Betto, religioso dominicano autor do recém-lançado “Um Homem Chamado Jesus”. Ao que tudo indica, Lucas e Mateus teriam escolhido Belém como cidade natal de Jesus para que suas versões da vida de Cristo se alinhassem a uma profecia do Antigo Testamento, segundo a qual o Messias nasceria na Cidade do Rei Judeu, ou seja, a Cidade de Davi, que é Belém. Quanto à afirmação de que Jesus teria nascido em uma manjedoura rodeado de animais, Sylvia Browne, americana autora do best seller “A Vida Mística de Jesus”, é taxativa: “Tanto José quanto Maria provinham de famílias judias nobres e prósperas, de sorte que Jesus nasceu em uma estalagem e não em um estábulo, rodeado de animais”, diz. “José, de família real, não podia ser pobre – era um artesão especializado.” A afirmação de Sylvia é contestada por Fernando Altemeyer, professor de teologia e ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Afirmar que a ascendência nobre de José garantiria o bem-estar da família não faz sentido”, argumenta. Ele lembra que Davi é do ano 1000 a.C. e em um milênio sua fortuna certamente teria se dispersado. “Fora que a ascendência entre os judeus vem de mãe, não de pai”, explica. Para o teólogo, são muitas as fontes independentes que tratam da pobreza da família de José e é quase certo que Jesus tenha nascido em um curral e morado em um gruta com o pai e a mãe, que não eram miseráveis, mas tinham pouca terra e viviam como boa parte dos judeus pobres das áreas rurais.
Quando Jesus nasceu?
Uma coisa é certa: ele não nasceu no dia 25 de dezembro. E a razão é simples. Esta data coincide com o solstício de inverno do Hemisfério Norte, quando uma série de festas pagãs, muito anteriores ao nascimento de Cristo, já aconteciam em homenagem a divindades ligadas ao Sol e a outros astros. Ao que tudo indica, o dia foi adotado pelos católicos primitivos na esperança de cristianizar uma festa pagã. Faz sentido. Jesus também significa “Sol da Justiça”, o que faz dele um belo candidato a substituto de uma efeméride como o solstício de inverno. Se Jesus não nasceu em 25 de dezembro, a Igreja Católica também não sabe qual o dia nem o ano exatos. Os registros abrem um leque relativamente grande de possibilidades. É certo, porém, que o nascimento aconteceu antes da morte do rei Herodes, em 4 a.C., já que foi ele quem pediu o recenseamento que teria obrigado a viagem de Maria e José a Belém. Quanto ao mês e o dia, só há especulações. Para o padre mariólogo Vicente André de Oliveira, da Academia Marial de Tietê, no interior de São Paulo, Jesus teria nascido entre os meses de setembro e janeiro, quando, segundo ele, eram tradicionalmente feitos os censos em Belém. Já as pesquisas do astrônomo australiano Dave Reneke mostram que a estrela que teria guiado os Reis Magos apareceu em junho – crença compartilhada por parte da comunidade católica. Wagner Figueiredo, colunista do site Mistérios Antigos e autor de “Trilogia dos Guardiões – O Êxodo”, por sua vez, coloca as fichas no oitavo mês do ano, que, segundo ele, seria o período oficial de recenseamento dos romanos.
Quem e quantos foram os Reis Magos?
Se realmente existiram, os Reis Magos não eram reis e provavelmente não seguiram estrela nenhuma. O único registro dessas figuras nos evangelhos canônicos, ou oficiais, está em Mateus, que fala dos magos do Oriente e de uma estrela seguida por eles. Mas a menção não diz quantos eram os visitantes nem se eram, de fato, reis. “Como esses magos trouxeram três presentes, supõe-se que eram três reis”, explica o cônego Celso Pedro da Silva, professor de teologia e reitor do Centro Universitário Assunção (Unifai), em São Paulo. A versão atual da história se formou junto com o forjar de diversas tradições católicas durante o primeiro milênio da Era Cristã. Convencionou-se chamar os visitantes de Melchior, rei da Pérsia, Gaspar, rei da Índia, e Baltazar, rei da Arábia. Também ficou estabelecido que eles teriam trazido incenso, ouro e mirra como presentes ao recém-nascido. Para Wagner Figueiredo, colunista do site Mistérios Antigos e autor de “Trilogia dos Guardiões – O Êxodo”, os três seriam, ainda, astrólogos ou astrônomos, já que usaram uma estrela para guiá-los até Belém. “Mas não sabemos se a estrela de Belém era mesmo uma estrela”, diz Figueiredo.Ela pode ter sido um cometa, uma supernova ou o alinhamento celeste de planetas”, explica. Em consulta ao histórico astronômico de então, Figueiredo descartou a possibilidade de a estrela ser um cometa. Segundo ele, o único fenômeno astronômico desse tipo visível da Terra em anos próximos ao nascimento de Jesus foi a passagem do cometa Halley. Mas o Halley riscou o céu em 12 a.C., no mínimo cinco anos antes do nascimento de Jesus, o que o elimina como candidato a estrela de Belém. Um registro do que hoje chamamos de supernova por astrônomos chineses na constelação de Capricórnio no ano 5 aC. é o candidato mais forte. “A supernova, que é a explosão de uma estrela, cria um forte ponto luminoso no céu”, especula Figueiredo. Ele lembra, ainda, da impressão de movimento que esses fenômenos deixam, o que as alinha com a descrição que se tem da estrela de Belém. A terceira e última possibilidade de explicação astrológica trata do alinhamento de planetas entre os anos 7 a.C. e 6 a.C. Na primeira tese, Júpiter e Saturno se alinharam criando um ponto luminoso que caminhou pelo espaço entre maio e dezembro daquele ano. Já na segunda, Júpiter, Saturno e Marte se aproximaram na constelação de Peixes, formando um único e poderoso ponto luminoso no céu.
Jesus teve irmãos? Maria se manteve virgem?
Muito da discussão em torno dessa pergunta se deve à ambiguidade do termo grego adelphos, que para alguns significa irmão, enquanto para outros significa companheiro, amigo. Nos evangelhos de Mateus e Marcos e na carta de Paulo aos Gálatas, a palavra surge e, para quem é partidário da primeira interpretação, confirma a existência de irmãos e irmãs de Jesus. Segundo Rodrigo Pereira da Silva, professor de teologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp-EC), se os irmãos existiram, eles seriam seis – quatro homens e duas mulheres –, identificados no Evangelho de Marcos. Silva lembra também que no evangelho apócrifo de José fala-se que o pai de Jesus era viúvo quando se casou com Maria e que teria filhos do primeiro casamento. O teólogo ressalva, porém, que duas situações narradas pelos evangelhos canônicos, tidos como fonte mais confiável, depõem contra essa interpretação. “Esses supostos irmãos dão ordens a Jesus”, argumenta. “Isso jamais aconteceria se eles fossem, de fato, irmãos, porque Jesus foi o primogênito. E o mais velho, na Galileia de então, tinha autoridade sobre a família”, diz.
Soma-se a isso o fato de Jesus ter confiado sua mãe ao apóstolo João no momento da crucificação, segundo está descrito no Evangelho de João, e não a um de seus supostos irmãos. Sabe-se também, a partir dos textos bíblicos, que, além de Maria, mãe de Jesus, nenhum parente direto do Messias estava ao pé da cruz quando ele foi morto. O rechaço da igreja à possibilidade da existência de irmãos de Jesus se explica. Se a teoria fosse verdadeira, iria contra um dos dogmas marianos segundo o qual a mãe de Jesus teria dado à luz virgem e assim permanecido até a assunção de seu corpo aos céus. Por isso o apego ao problema de tradução da palavra adelphos e aos sinais que estão na “Bíblia” da ausência de irmãos (segundo interpretação oficial). Para o padre mariólogo Ademir Bernardelli, da Academia Marial de Aparecida, no interior de São Paulo, a existência ou não de irmãos é mais simbólica do que prática. “A virgindade de Maria é uma tradição que foi criada com o tempo”, diz Bernardelli. “A pergunta pela virgindade no parto ou depois do parto nunca foi um assunto discutido entre a hierarquia católica primitiva, só surgiu depois”, afirma.
Especulação ou não, a tese de que Jesus teria irmãos ganhou força com um precioso achado arqueológico em 2002. Chamado de ossuário de Tiago, o artefato é uma urna de pedra-sabão com as inscrições “Tiago, filho de José, irmão de Jesus”. Embora a Igreja conteste as inscrições, feitas em aramaico, o objeto atraiu a atenção tanto de sensacionalistas quanto de estudiosos. A urna é, sem dúvida, legítima e data do tempo de Cristo. Já a autenticidade das inscrições, mais especificamente a parte que diz “irmão de Jesus”, ainda está sendo avaliada pela comunidade arqueológica internacional. Se comprovada, esse seria o primeiro e único objeto vinculado diretamente a Jesus já descoberto.
Jesus estudou? Qual profissão seguiu?
Para Wagner Figueiredo, colunista do site Mistérios Antigos e autor de “Trilogia dos Guardiões – O Êxodo”, Jesus teve formação intelectual mais rica do que se supõe a partir dos evangelhos. “Era comum, na Antiguidade, que os mais ricos custeassem os estudos dos prodígios apresentados ao conselho do templo”, diz. Cristo era uma dessas crianças brilhantes e certamente não passou despercebido no templo, onde chegou a protagonizar uma cena curiosa, aos 12 anos, quando colocou os sábios para ouvi-lo. Mas mesmo que tenha tido uma formação, Jesus continuou como um homem de hábitos e mentalidade rurais. “Podemos chamá-lo de um caipira antenado, que tinha sensibilidade suficiente tanto para dialogar com o povo quanto com a elite intelectual de sua época”, resume Paulo Augusto Nogueira, professor de teologia da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo.
Segundo o americano H. Wayne House, autor do livro “O Jesus que Nunca Existiu”, o Messias provavelmente sabia ler em hebraico e aramaico e escrever em pelo menos um desses idiomas. Suspeita-se, também, que falava um pouco de grego, a língua comercial da época.
Quanto à profissão que seguiu, há controvérsias. E as dúvidas surgem por causa de uma palavra ambígua, usada nos registros mais antigos dos evangelhos. Neles, José é apresentado como “tekton”, uma espécie de artesão que faria as vezes de um mestre de obras. Ele teria, portanto, as habilidades de um carpinteiro, mas não apenas. Jesus e José seriam uma espécie de faz-tudo. Faziam a fundação de uma casa, erguiam paredes como pedreiros e construíam portas como carpinteiros. É sabido também que tinham ovelhas e uma pequena plantação. Portanto, teriam algumas noções de pastoreio e agricultura.
Como era Jesus fisicamente?
A imagem de Cristo que se consagrou foi a de um tipo bem europeu: alto, branco, de olhos azuis, cabelos longos ondulados e barba. Mas são grandes as chances de que essa representação esteja errada. “É praticamente certo que ele não foi um homem alto, a julgar pelos objetos, como camas e portas, deixados por seus contemporâneos”, revela a socióloga e biblista Ana Flora Anderson. O fato é que não há registros fieis da aparência do filho de Maria. Essa ausência de documentos se explica. Para os especialistas, até o ano 30 d.C. pouquíssimas pessoas sabiam quem era Jesus. “Mas ele é Deus encarnado. Então teve um corpo, uma aparência física”, afirma padre Benedito Ferraro, professor de teologia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), no interior de São Paulo. E se por um lado a existência carnal de Jesus impôs limites físicos a um Deus todo-poderoso, ela deu asas à imaginação e à especulação dos fieis já no século II e III d.C. sobre a aparência desse Deus em carne e osso.
A julgar pelos registros históricos que contam um pouco da vida na região em que Jesus nasceu e foi criado, o Messias deve ter sido um homem baixo, de pele morena e cabelos escuros e encaracolados (à esq., uma reconstituição feita pelo médico especialista em reconstrução facial inglês Richard Neave, da Universidade de Manchester). Por ser um trabalhador braçal, tinha uma estrutura física bem desenvolvida. “Como palestino, deveria ter as características daquele povo”, lembra frei Betto, dominicano autor do recém-lançado “Um Homem Chamado Jesus”. Esse é o máximo a que chega a especulação baseada em estudos. “Não saberemos nem precisamos saber da real aparência de Jesus – ela não importa”, afirma o cônego Celso Pedro da Silva, professor de teologia e reitor do Centro Universitário Assunção (Unifai).
Jesus foi à Índia?
Teria Cristo pregado às margens do rio Ganges? Quem garante de pés juntos que ele esteve na Índia, cita duas possibilidades cronológicas. A primeira, durante os chamados anos perdidos, dos 12 ou 14 anos de idade aos 28 ou 30 anos. A segunda, depois da ressurreição. Ambas as afirmações são extremamente controversas e têm tanto apaixonados defensores quanto vigorosos detratores. O teológo americano H. Wayne House, do Dallas Theological Seminary no Texas, Estados Unidos, não acredita na visita de Jesus à Índia, mas reconhece que são muitas as fontes que narram uma suposta passagem do Messias, não só pela Índia, mas também pela região das Cordilheiras do Himalaia. Um texto hindu do século I d.C. menciona a suposta visita de Cristo ao rei Shalivahan, empossado mandatário da cidade de Paithan, no Estado de Maharashtra, em 78 d.C.
Sylvia Browne, americana autora do best seller “A Vida Mística de Jesus”, é fervorosa defensora da visita de Jesus à Índia. “Há dezenas de textos de eruditos orientais que confirmam a estada de Jesus na Índia e em regiões vizinhas na época”, conta ela em seu livro. Segundo Sylvia, Jesus recebeu diferentes nomes nas culturas pelas quais circulou, entre eles “Issa”, “Isa”, “Yuz Asaf”, “Budasaf”, “Yuz Asaph”, “San Issa” e “Yesu”.
Para a maioria dos cristãos, essas afirmações são absurdas. “Esses nomes são muito comuns na Índia, não permitem concluir que se referem ao Jesus que reconhecemos como Cristo”, sentencia Rodrigo Pereira da Silva, professor de teologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp-EC). Silva explica que uma série de documentos reunidos em livro do alemão Holger Kersten chamado “Jesus Viveu na Índia”, de 1986, incendiaram uma discussão vazia sobre o assunto. “Isso é uma picaretagem”, afirma o teólogo Pedro Vasconcelos Lima, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (Abib). Para ele, explorar esse tipo de ideia é caminhar no limite ético da especulação. “Era uma época de efervescência religiosa”, lembra o teólogo Fernando Altemeyer, colega de Lima na PUC-SP. “Um sem-número de sujeitos com o nome Issa ou Yesu pode ter aparecido na Índia e se anunciado profeta ou liderança de Israel”, lembra. Há também o argumento das dificuldades e custos de uma viagem como essa no século I d.C. Jesus, muito provavelmente, não teria como arcar com as despesas de uma empreitada desse tipo.
Jesus foi tentado pelo demônio no deserto?
Que Jesus foi tentado no deserto, não há dúvida. O episódio é relatado por três evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas, e citado pelo quarto, João. O que se questiona é a natureza do demônio que se apresenta a ele. Seria ele o demônio feito homem ou apenas uma síntese simbólica das tentações às quais todos os seres humanos estão sujeitos? Para o padre Vicente André de Oliveira, mariólogo da Academia Marial de Tietê, no interior de São Paulo, a tentação do demônio é simbólica. “O deserto e o demônio são maneiras de ilustrar o encontro de Jesus com suas limitações como homem”, diz Oliveira. Simbólico ou não, o encontro aconteceu. E para o teólogo Pedro Vasconcelos Lima, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (Abib), segundo os textos oficiais, o demônio se materializa diante de Jesus. Nesse sentido, ele tinha uma aparência física, apesar de ela não estar descrita. Pelos relatos de Mateus e Lucas, sabe-se apenas da conversa entre o Filho de Deus e Satanás. “Eram tentações que tinham como objetivo tirar Jesus de seu caminho”, lembra o mariólogo. A saber: a tentação do poder, da vaidade e do exibicionismo.
Jesus já gozava de fama quando foi levado pelo Espírito Santo para passar 40 dias e 40 noites no deserto. Se quisesse um cargo público na burocracia romana, por exemplo, era praticamente certo que o conseguiria e, com ele, viriam fartos benefícios. Mas isso seria se entregar às tentações. Ele resistiu e saiu recompensado, na visão dos cristãos.
Jesus era um judeu taumaturgo?
Judeus taumaturgos eram figuras muito comuns no tempo de Jesus: homens que circulavam pela Galileia fazendo milagres como uma espécie de mágico. Mas, para a maioria dos especialistas, não há possibilidade de Cristo ter sido um deles, apesar de suas andanças e milagres. A afirmação vem de muitas fontes. “Jesus pedia segredo dos milagres que fazia, não cobrava por eles e evitou fazer curas diante de quem tinha meios de recompensá-lo”, explica Rodrigo Pereira da Silva, professor de teologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp-EC). Segundo ele, os taumaturgos jamais agiriam dessa maneira. “Eles eram profissionais da cura. Jesus, não.” Outra diferença importante entre Jesus e os taumaturgos era que o Messias apresentava Deus de maneira acessível aos fiéis. Diferentemente dos taumaturgos, que valorizavam uma espécie de canal exclusivo que teriam com o divino para operar seus milagres, Jesus tentava ensinar as pessoas a cultivar o contato com Deus. E, assim, receber suas graças sem intermediários.
Mas a fama de Jesus como um judeu taumaturgo existiu e, em alguns lugares, ainda existe. Quem afirma é Giordano Cimadon, coordenador da Associação Gnóstica de Curitiba e membro de um dos braços brasileiros do gnosticismo, grupo religioso que condiciona a salvação ao conhecimento. Ele conta que, no início da Idade Média, provavelmente no século VII, alguns escritos chamados “Toledoth Yeshu”, que significa algo como o “Livro da Vida de Jesus”, circularam tentando expor Cristo como mais um entre os muitos judeus taumaturgos da Galileia. “A obra, que mostra Jesus como um falso Messias, circulou também como tradição oral”, conta Cimadon. Depois, ela foi redigida em aramaico e traduzida para ídiche, ladino e latim. A versão mais famosa foi compilada pelo alemão Johann Wagenseil e impressa na segunda metade do século XVII. O texto cria polêmica até hoje por divulgar uma versão deturpada supostamente por grupos de judeus da vida de Jesus. Argumenta-se que ela foi usada para legitimar o antissemitismo entre os séculos XIII e XX.
Qual a relação de Jesus com seus apóstolos?
Há quem argumente que a escolha que Jesus fez dos discípulos tenha sido um desastre. Não houve um sequer, por exemplo, que o acompanhasse durante a crucificação. Mas a Igreja Católica garante que ele confiava nos apóstolos que escolheu, inclusive nos que o traíram. Para o cônego Celso Pedro da Silva, professor de teologia e reitor do Centro Universitário Assunção (Unifai), em São Paulo, Cristo tinha plena consciência de que lidava com homens e que os homens têm suas limitações. “É a beleza da obra de Jesus”, diz. Cristo tratava todos com igualdade, mas com Pedro, João e Tiago tinha mais intimidade. Mesmo sabendo que Pedro, por exemplo, negaria conhecê-lo em três ocasiões no dia de sua morte. Da mesma maneira, Jesus escolheu Judas, que também o traiu. Sobre ele, há farta literatura. Em evangelho atribuído a Judas, o apóstolo não aparece como traidor, mas como engrenagem fundamental do projeto de Deus , pois sem ele Jesus não seria crucificado e não se martirizaria para salvar os homens.
Com que idade Jesus morreu?
Provavelmente não morreu com os consagrados 33 anos. Essa marca foi estabelecida pela tradição durante os primeiros séculos do cristianismo primitivo – ou seja, não há nada que a comprove. Para o espanhol Ramón Teja Cuso, professor de história antiga da Universidade da Cantábria, Jesus não poderia ter morrido com 33 anos. Se ele nasceu entre os anos 6 a.C. e 5 a.C. e Pôncio Pilatos, algoz de Jesus, ocupou o cargo de prefeito da Judeia entre 29 d.C. e 37 d.C., o Messias morreu com, no mínimo, 34 anos e no máximo 43 anos.
Já o professor de filologia grega da Universidade Complutense de Madri, Antonio Piñero, usa a astronomia para fazer suas estimativas. Segundo ele, analisando o calendário de luas cheias no dia da Páscoa judaica, e existem registros desse fenômeno na data da crucificação, há apenas duas possibilidades de morte de Jesus dentro da janela estabelecida pelo professor Teja: 7 de abril de 30 d.C. e 3 de abril de 33 d.C. Nesse sentido, Jesus teria morrido com 36 anos ou 39 anos. Ainda assim, essas são apenas conjecturas. Elas dependem de variáveis que não podem ser verificadas, como, por exemplo, o relato de que havia uma lua cheia na ocasião da morte de Jesus ou que seu ministério teria durado três anos. O ano certo, portanto, dificilmente será conhecido, mas sabe-se, com uma margem mínima de dúvida, que foi entre os anos 29 d.C. e 37 d.C.
O dia da semana é consenso. De acordo com a “Bíblia de Jerusalém”, a tradução mais fiel dos originais das Sagradas Escrituras, Jesus morreu em uma sexta-feira, dia 14 de Nisã, que equivale, no calendário judaico, a 30 dias entre os meses de abril e março. A crença de que essa é a data correta é quase unânime entre os especialistas ouvidos por ISTOÉ.
Jesus manteve um relacionamento amoroso com Maria Madalena?
Como a questão que envolve as possíveis viagens de Jesus ao Vale do Rio Ganges, essa é uma pergunta que gera discussões acaloradas. Um dos grupos que defendem a relação de amor carnal entre Jesus e Maria Madalena com mais fervor é o dos gnósticos. Como Sylvia Browne, americana autora do best seller “A Vida Mística de Jesus”. Para ela, Jesus conheceu Maria Madalena ainda na infância e se casou com ela no que ficou conhecido, nos evangelhos, como o episódio das Bodas de Caná. Nessa ocasião, Jesus transformou água em vinho, que era parte fundamental da cerimônia do matrimônio. “Maria, mãe de Jesus, não ignorava que, pelos costumes judaicos, o noivo era responsável pela distribuição do vinho”, diz Sylvia. “Então quem fabricou o vinho oferecido aos convidados em Caná? Jesus. Era ele o noivo”, afirma em seu livro.
Outro indicador de que Jesus e Maria Madalena teriam uma relação amorosa estaria registrado no evangelho apócrifo de Filipe. Nele estaria escrito que Jesus beijava Maria Madalena na boca – afirmação constestada por uma corrente de tradutores. Ela, por sua vez, o compreendia melhor do que qualquer discípulo. A certa altura, os apóstolos chegam a demonstrar ciúme.
A americana Sylvia vai mais longe. Ela sustenta que Jesus teve filhos com Maria Madalena. As crianças teriam nascido depois da suposta morte de Cristo, que, segundo ela, foi forjada com a ajuda de Pôncio Pilatos e José de Arimateia. Ambos teriam tirado Jesus e Maria Madalena da Galileia num barco que passou pela Turquia e Caxemira, até aportar na França. Durante a estada na Turquia, a primeira filha do casal Jesus e Maria Madalena, chamada Sara, teria nascido. Outra menina e dois meninos teriam sido gerados já na França.Portanto, de filhos entre os dois. “Jesus deixou sim descendentes, espiritualmente, bilhões deles espalhados por todo o planeta”, afirma o padre mariólogo Vicente André de Oliveira, da Academia Marial de Tietê, no interior de São Paulo. A instituição religiosa reconhece, porém, que Maria Madalena era de fato muito próxima de Jesus. “Para os homens daquela época, ver Jesus confiar segredos a uma mulher era uma afronta”, lembra o cônego Celso Pedro da Silva, professor de teologia e reitor do Centro Universitário Assunção (Unifai). “Mas da simples confiança concluir que havia uma relação matrimonial é deduzir demais.”
O professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Rodrigo Pereira da Silva lembra que quando o livro “O Código da Vinci”, de Dan Brown, foi lançado, em 2003, um sem-número de supostos especialistas surgiu para confirmar o que o próprio autor havia classificado de ficção. Uma das afirmações seria de que Leonardo Da Vinci retratou Maria Madalena, e não o apóstolo João, ao lado de Cristo na “Santa Ceia”. “Criei um curso com a Coordenadoria-Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão (Cogeae) da PUC-SP só para esclarecer a confusão criada pela obra”, lembra. Batizada de “O Código da Vinci e o Cristianismo dos Primeiros Séculos: Polêmicas”, a disciplina foi um sucesso. Ainda assim, muitas das afirmações do livro, que vendeu cerca de 80 milhões de cópias e foi traduzido para mais de 40 idiomas, permaneceram como aparentes verdades para muitos. “Mas não são”, sentencia Silva.
Jesus deixou algo escrito?
É mais fácil encontrar os vestígios de um palácio do que de uma choupana”, diz o teólogo Pedro Vasconcelos Lima, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (Abib). Com essa afirmação, Lima resume o argumento que explica a inexistência não só de qualquer documento escrito por Jesus, mas de objetos que tenham ligação direta com ele. É que, no início do século I d.C., Cristo não tinha nenhuma importância. E, historicamente, os documentos mais antigos só registram os feitos de estadistas e donos de grandes fortunas – como sabemos, ele não foi nenhum dos dois. O único registro que se tem de Jesus escrevendo está nos evangelhos. Eles relatam o episódio da adúltera que seria apedrejada até a morte – supostamente Maria Madalena –, mas que foi salva pelo Messias. Cristo teria escrito algo na areia para afastar quem queria matar a mulher. “Não sabemos o que foi, mas podem ter sido os nomes de quem havia se encontrado com ela, talvez alguém importante ou até alguns dos que queriam apedrejá-la”, explica o cônego Celso Pedro da Silva. Fora isso, porém, não há absolutamente nada escrito por Jesus que tenha sido encontrado – ou para ser achado, suspeita-se. Na melhor das hipóteses, pode haver anotações de um ou outro fiel feitas durante uma das pregações de Cristo. Mas, até hoje, esses registros permanecem perdidos.
Quem escreveu os evangelhos? E quando?
A própria Igreja Católica reconhece que não há como saber se os evangelhos foram, de fato, escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João. Nos textos não há menção aos autores. Sylvia Browne, americana autora do best seller “A Vida Mística de Jesus”, usa essas supostas brechas nas escrituras para tecer suas teorias. Ela lembra que a “Bíblia” como a conhecemos só tomou forma a partir do Concílio de Niceia, em 325 d.C., e que nesses três séculos a Igreja manipulou transcrições e traduções dos evangelhos para que eles divulgassem uma mensagem alinhada ao projeto de expansão da instituição. Sylvia sustenta ainda que os evangelhos de Mateus, Lucas e Marcos foram escritos pela mesma pessoa e que apenas o de João teve um autor exclusivo. Supostas contradições, omissões e coincidências seriam sinais da manipulação.
A teoria da coautoria começou a tomar forma no início do século XVIII, com os trabalhos do teólogo protestante alemão Heinrich Julius Holtzmann e do filólogo Karl Lachmann. Chamada de “Questão Sinótica”, ela tem apoio de importantes estudiosos da atualidade, como o inglês Marc Goodacre, responsável pelo núcleo de estudos do Novo Testamento na Universidade Duke, na Inglaterra, e John Dominic Crossan, teólogo e fundador do controverso Jesus Seminar. Em 1968, um outro pesquisador inglês, A.M. Honoré, chegou a fazer um levantamento mostrando que 89% do que está em Marcos se encontra em Mateus, enquanto 72% de Marcos está em Lucas.
Isso é uma besteira”, argumenta o teólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Fernando Altemeyer. Para ele, não há contradição nos evangelhos e as omissões e coincidências são justificáveis. “Os evangelhos não foram escritos como biografias de Jesus”, reforça o teólogo Pedro Vasconcelos Lima, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (Abib). “Eles contam as partes da vida do Messias que têm importância”, conclui. Os relatos da vida de Cristo que não entraram para o Novo Testamento circulam com o título de evangelhos apócrifos. Entre os séculos XIX e XX houve uma explosão nas descobertas desse tipo de documento. Hoje já são mais de 15 os relatos extraoficiais. A Igreja não os reconhece, embora utilize parte dos que datam dos séculos I d.C. e II d.C. para reconstruir o dia a dia de Jesus, que viveu como mais um dos milhares de judeus remediados da Galileia.
Os evangelhos também não foram escritos logo depois que os fatos aconteceram. Eles datam dos anos 70 d.C. e 90 d.C. e foram redigidos, provavelmente, em aramaico e hebraico. Chegaram até nós por meio de cópias, pois os originais foram perdidos. Não se tem registro de como isso aconteceu, mas não seria difícil danificar um manuscrito em papiro no tempo de Jesus. As cópias foram descobertas em fragmentos e reconstruídas por pesquisadores alemães no início do século XIX. A mais antiga, em papiro grego, data do século II d.C. e foi reconstruída no século XIX pela equipe Nestle & Alland, de Stuttgart, na Alemanha.
O que diz a arqueologia.
Só a arqueologia é capaz de preencher as imensas lacunas que compõem a trajetória de Jesus na Terra. Ao se debruçar sobre os costumes e a cultura do tempo do Messias, através de buscas por monumentos, documentos e objetos que compunham aquela época, os pesquisadores da área se movimentam para saciar as centenas de indagações acerca do judeu que mudou a história da humanidade. Praticamente não há esperanças de se achar algo diretamente ligado a Jesus Cristo ou à sua família. Mas há expectativa de se encontrar objetos relacionados a contemporâneos, da mesma classe social, que moravam na Galileia. Nesse quesito, o século XX foi recheado de conquistas. Novas técnicas e o renovado interesse por provar, ou desmentir, o que foi escrito pelos evangelistas alimentaram as buscas pelo que sobrou do tempo de Jesus. E as descobertas foram importantes. Entre papiros e pergaminhos, jarros, urnas, pedras e ruínas comprovou-se parte do que disseram Mateus, Marcos Lucas e João.
Por isso, o processo de verificação da autenticidade dos objetos é lento e rigoroso. Que o digam os estudiosos do que ainda vem sendo considerado o último grande achado do tempo de Cristo: uma urna que conteria os ossos de Tiago, irmão do Messias. Revelada em 2002, ela já foi reconhecida como objeto do tempo de Cristo, mas as inscrições em aramaico que a identificam como sendo de Tiago ainda estão sob avaliação da comunidade arqueológica internacional. “Pude ver o ossuário em primeira mão, quando estive em Israel no começo de 2009”, conta Rodrigo Pereira da Silva, teólogo, filósofo e doutor em teologia bíblica com pós-doutorado em arqueologia na Andrews University, nos Estados Unidos. “Mas ainda há muito o que ser feito para validar as inscrições.”
Professor de teologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp-EC), Silva também é arqueólogo e já participou de escavações em Israel, na Jordânia, no Sudão e na Espanha. Ele conta que, no caso da urna de Tiago, se comprovada a autenticidade de seus escritos em aramaico, esse será o primeiro artefato arqueológico com vínculos diretos com Jesus. No dia 21 de dezembro, um outro achado empolgou os arqueólogos. Foram encontrados os restos de uma casa humilde de Nazaré que datam do século I d.C. Com dois quartos, um pátio e uma cisterna, ela ajuda a resconstruir a vida de judeus do tempo de Cristo. “As informações vêm sempre fragmentadas”, explica Pedro Vasconcelos Lima, professor de teologia e presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (Abib). “Não podemos esquecer que esses fragmentos não foram criados para responder às nossas perguntas e, por isso, precisam de um cuidadoso trabalho de contextualização.”
Enquanto a contextualização segue a todo vapor, nos departamentos acadêmicos das melhores universidades do planeta, o trabalho de campo tem encontrado mais obstáculos do que de costume. Como se o calor, a areia e as outras tantas dificuldades usuais da arqueologia já não fossem suficientes, questões políticas das regiões escavadas têm influenciado pesadamente as áreas disponíveis para exploração. “Vemos muitas descobertas se esgotarem nelas mesmas”, explica Rafael Rodrigues da Silva, professor do Departamento de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e teólogo do Centro de Estudos Bíblicos (Cebi). “O sujeito faz a descoberta, quer escavar o entorno, buscar outros sinais e não pode”, afirma. É que boa parte da terra onde estão enterrados muitos desses objetos está em áreas de constante disputa, como é o caso de porções territoriais de Israel. “Se o século XX foi bom para a arqueologia, dos anos 90 para cá temos visto uma calmaria nos achados – mesmo com essa história do ossuário de Tiago”, afirma o professor Silva. Sem achados, sem história.
Revista Isto É – Edição 2094 de 23 de dezembro de 2009.