sábado, 13 de junho de 2015
SHAMS É O SOL DE RUMI.
"Estivesse eu no Leste ou no Oeste,
estivesse eu para ascender aos céus,
eu não teria encontrado nenhum traço Teu,
e nenhum traço da vida eterna.
Eu estava entre os ascetas da terra,
senhores do atril;
até que um acidente do coração
trouxe-me até um amor
que nada pode diante de Ti
mas que chega a acariciar Tuas mãos...
Primeiro eu me apaixonei pelos livros.
E elevei-me acima de outros eruditos
e outros homens letrados.
Mas ao ver que tuas mãos forneciam o vinho
do amor divino,
eu fiquei embriagado
e quebrei minhas penas.
Eu fiz minha ablução
numa chuva de lágrimas.
A qibla* da minha oração
tornou-se a face do amado.
Se houver algum obstáculo
entre tu e eu
que seja ele despedaçado.
Melhor, se eu tiver que viver
privado de ti,
que a minha existência
seja atirada ao fogo.
'És tu o meu amante,
na Kaaba ou na igreja...
As chamas do amor desprendem-se
para além da face da terra
e do trono de Deus.
E nestas chamas eu não posso
ocultar a face de Shamsuddin...
Shams de Tabriz é o Sheikh da religião,
o significado oceânico do senhor dos mundos.
É ele o mar da alma.
Ele é aquele que se precipita,
espumando, fluindo e
renovando o mar.
Diante dele, a terra, os céus e
todas as coisas existentes,
são como nada...
Como um astro iluminado,
Mevlana se move na órbita de Shams.
Ele foi atraído para a sua luz,
absorvido na sua radiação.
Quando o sol de Shams nasce,
todas as sombras se esvanessem..." Rumi
A Linguagem dos Pássaros.
Um grupo de pássaros desejava encontrar a seu rei; então pediram à poupa sábia (um pássaro com crista em forma de abano) que lhes ajudasse em sua busca. A poupa lhes disse que o rei que estão procurando se chama Simurgh (que significa em persa “Trinta Pássaros”) e que vive escondido na montanha de Kaf, porém é uma viajem muito difícil e perigosa. Os pássaros imploram à poupa que os guie. A poupa aceita e começa a ensinar a cada pássaro de acordo com seu nível e temperamento. Ela lhes diz que para alcançar o alto da montanha, necessitam atravessar cinco vales e dois desertos; quando tiverem passado o segundo deserto, entrarão no palácio do rei.
Os de vontade débil, temerosos da viagem, começam a por desculpas. O louro, que é egocêntrico e egoísta, diz que no lugar de ir em busca do rei, buscará o Santo Gral. O pavão real, a ave legendária do paraíso, exclama que tem sonhado que voltará ao céu e que vai esperar pacientemente esse dia. A pata, se lamenta porque sua vida depende de estar próxima da água e morreria se si separasse dela. A garça tem uma desculpa similar; não lhe é possível viajar longe do mar, porque seu amor pela água é tão grande que, embora permaneça sentado durante anos à sua margem, não tem ousado beber nem uma gota, se não o mar acabaria sem água. A coruja declara que prefere ficar e buscar as ruínas com a esperança de encontrar um tesouro algum dia. O rouxinol diz que não necessita viajar, porque está enamorado da rosa e este amor é suficiente para ele. Possui os segredos do amor que nem outra criatura tem; e com uma voz maravilhosa canta ao amor:
- Conheço os segredos do amor. Toda noite derramo meu canto de amor. A música mística da flauta se inspira em meu lamento, e sou eu quem faz desabrochar a rosa e comover os corações dos namorados. Ensino mistérios com minhas tristes notas, e quem me ouve se perde em êxtase. Ninguém conhece os meus segredos, unicamente a rosa. Tenho me esquecido de mim mesmo e só penso na rosa. Alcançar a Simurgh está acima de mim! O amor da rosa é suficiente para o rouxinol!
A poupa que escutou pacientemente responde ao rouxinol:
- Tu estás preocupado com a forma exterior das coisas, pelos prazeres de uma forma sedutora. O amor da rosa tem lançado espinhos a teu coração. Não importa quão grande seja a beleza da rosa, se desvanecerá em poucos dias; e o amor a algo tão passageiro só pode causar repulsa ao perfeito. Se a rosa te sorri é só para enxerte de dor, porque ela rir-se de ti a cada primavera. Abandona a rosa e seu quente calor.
“O que quer dizer Attar com esta simples conversação? Nós humanos temos o desejo de buscar a perfeição, mas muitas vezes tendemos a parar o processo tão logo detectamos o mais ligeiro sinal de progresso. Isto é especialmente certo nos aspirantes ao caminho espiritual: muitos buscadores estão encantados com as primeiras etapas do despertar e o confundem com a completa iluminação. Attar nos adverte de tais perigos: não devemos confundir o amor do imaginário com o amor do Real. Por esta razão, o rouxinol tem que abandonar seu enganoso apego pela rosa para buscar ao eterno Amado.”
A poupa deleita os pássaros com maravilhosas histórias daqueles que têm feito a perigosa viagem.
Depois de ter ouvido as histórias da poupa, os pássaros estão inspirados para começar sua viajem até o primeiro vale.
Entretanto, logo começam a ter problemas, e se dão conta de que o caminho vai ser mais difícil do que haviam imaginado. Alguns voltam a por desculpas. Um afirma que a poupa não é suficientemente sábia para conduzi-los. Outro se queixa que satanás lhe tem possuído e lhe está pondo as coisas difíceis. E outro expressa seu desejo de ter dinheiro e a comodidade de uma vida de luxo.
Finalmente, a poupa decide que a única forma para que os pássaros compreendam, é descrever-lhes os sete vales e desertos da viajem. O primeiro é o Vale da Busca. Aqui se busca a Verdade com inquietude, diz a poupa. Com constância, se busca um significado maior ao propósito da vida. Só um buscador com dedicação pode atravessar a salvo o primeiro vale e ir ao segundo, o Vale do Amor. Aqui se sente um desejo ilimitado de ver ao Rei Amado. Um fogo abrasador começa a crescer no coração e se faz devastador. O lugar é mais perigoso que o primeiro vale, porque há obstáculos no caminho para por a prova o amor. Entretanto esse mesmo amor impulsiona ao buscador sair do vale e ir até uma terra mais alta: o terceiro vale, o Vale do Conhecimento. Uma vez que se entra nesta terra, o coração se ilumina com a verdade. Se adquire aqui o conhecimento interior do Amado. Deste lugar o viajante continua a viajem ao Vale do Desapego, onde perde seus desejos de possessões mundanas. Não existe ataduras com o mundo material para o viajante que atravessa esse vale; liberado dos desejos agora o aspirante é completamente independente.
Cada novo lugar que o buscador encontra é mais perigoso que o anterior e deve ser explorado passo à passo, porque cada um contém suas próprias provas e dificuldades. Assim, cada encontro com uma terra diferente é uma experiência nova.
O quinto vale é o Vale da Unidade. O viajante experimenta nele que todos os seres são unos em essência, que toda variedade de idéias, experiências e criaturas da vida tem realmente uma só fonte.
O viajante chega ao Deserto do Medo. Então se esquece da existência de si mesmo e de todos os demais. Vê a luz, não com os olhos da mente, sim com os olhos do coração. A porta do divino tesouro, o segredo dos segredos, se abre. Nesta terra, o intelecto já não funciona. Aqui se pergunta ao viajante quem é e o que és, responde: “Não sei nada.”
Finalmente chega ao Deserto do Aniquilamento e da Morte. Neste ponto, o aspirante entende finalmente como uma gota se funde no oceano da unidade com o Amado. Tem encontrado o destino da viajem para encontrar ao rei.
Depois de ouvir a descrição da poupa sobre o que lhes espera, os pássaros se animam tanto que imediatamente continuam sua viajem.
No caminho alguns morrem pelo calor e se jogam no mar. Outros se cansam e não podem continuar; um grupo é caçado por animais selvagens e outros mais se distraem tanto pelo atrativo das terras que atravessam, que se perdem e ficam para trás. Só trinta alcançam seu destino: a montanha de Kaf.
No palácio real, o guarda da entrada trata cruelmente os trinta pássaros. Mas os pássaros, que têm passado o pior, são tolerantes e não se permitem sentir-se molestados por sua dureza. Finalmente, o servidor pessoal do rei sai e conduz os pássaros ao salão real. Ao entrar, os pássaros olham tudo assustados. Não sabem o que ocorre, porque no lugar de ver a Simurgh, “Trinta Pássaros”, tudo o que vêm é... Trinta Pássaros.
Finalmente compreendem que, olhando-se a si mesmos, têm encontrado ao rei, e que em sua busca do rei, têm encontrado a si mesmos.
Os que atravessam as sete cidades do amor se purificam. Quando chegam ao palácio real, encontram ao rei que se revela a seus corações.
"Fariduddin Attar"
domingo, 24 de maio de 2015
Êxodo – Capítulo 12
1 O Senhor disse a Moisés e a Arão, no Egito:
2 Este deverá ser o primeiro mês do ano para vocês.
3 Digam a toda a comunidade de Israel que no décimo dia deste mês todo homem deverá separar um cordeiro ou um cabrito, para a sua família, um para cada casa.
4 Se uma família for pequena demais para um animal inteiro, deve dividi-lo com seu vizinho mais próximo, conforme o número de pessoas e conforme o que cada um puder comer.
5 O animal escolhido será macho de um ano, sem defeito, e pode ser cordeiro ou cabrito.
6 Guardem-no até o décimo quarto dia do mês, quando toda a comunidade de Israel irá sacrificá-lo, ao pôr-do-sol.
7 Passem, então, um pouco do sangue nas laterais e nas vigas superiores das portas das casas nas quais vocês comerão o animal.
8 Naquela mesma noite comerão a carne assada no fogo, com ervas amargas e pão sem fermento.
9 Não comam a carne crua, nem cozida em água, mas assada no fogo: cabeça, pernas e vísceras.
10 Não deixem sobrar nada até pela manhã; caso isso aconteça, queimem o que restar.
11 Ao comerem, estejam prontos para sair: cinto no lugar, sandálias nos pés e cajado na mão. Comam apressadamente. Esta é a Páscoa do Senhor.
12 Naquela mesma noite passarei pelo Egito e matarei todos os primogênitos, tanto dos homens como dos animais, e executarei juízo sobre todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor!
13 O sangue será um sinal para indicar as casas em que vocês estiverem; quando eu vir o sangue, passarei adiante. A praga de destruição não os atingirá quando eu ferir o Egito.
14 Este dia será um memorial que vocês e todos os seus descendentes celebrarão como festa ao Senhor. Celebrem-no como decreto perpétuo.
15 Durante sete dias comam pão sem fermento. No primeiro dia tirem de casa o fermento, porque quem comer qualquer coisa fermentada, do primeiro ao sétimo dia, será eliminado de Israel.
16 Convoquem uma reunião santa no primeiro dia e outra no sétimo. Não façam nenhum trabalho nesses dias, exceto o da preparação da comida para todos. É só o que poderão fazer.
17 Celebrem a festa dos pães sem fermento, porque foi nesse mesmo dia que eu tirei os exércitos de vocês do Egito. Celebrem esse dia como decreto perpétuo por todas as suas gerações.
18 No primeiro mês comam pão sem fermento, desde o entardecer do décimo quarto dia até o entardecer do vigésimo primeiro.
19 Durante sete dias vocês não deverão ter fermento em casa. Quem comer qualquer coisa fermentada será eliminado da comunidade de Israel, seja estrangeiro, seja natural da terra.
20 Não comam nada fermentado. Onde quer que morarem, comam apenas pão sem fermento.
21 Então Moisés convocou todas as autoridades de Israel e lhes disse: Escolham um cordeiro ou um cabrito para cada família. Sacrifiquem-no para celebrar a Páscoa!
22 Molhem um feixe de hissopo no sangue que estiver na bacia e passem o sangue na viga superior e nas laterais das portas. Nenhum de vocês poderá sair de casa até o amanhecer.
23 Quando o Senhor passar pela terra para matar os egípcios, verá o sangue na viga superior e nas laterais da porta e passará sobre aquela porta, e não permitirá que o destruidor entre na casa de vocês para matá-los.
24 Obedeçam a estas instruções como decreto perpétuo para vocês e para os seus descendentes.
25 Quando entrarem na terra que o Senhor prometeu lhes dar, celebrem essa cerimônia.
26 Quando os seus filhos lhes perguntarem: “O que significa esta cerimônia?”,
27 respondam-lhes: É o sacrifício da Páscoa ao Senhor, que passou sobre as casas dos israelitas no Egito e poupou nossas casas quando matou os egípcios. Então o povo curvou-se em adoração.
28 Depois os israelitas se retiraram e fizeram conforme o Senhor tinha ordenado a Moisés e a Arão.
29 Então, à meia-noite, o Senhor matou todos os primogênitos do Egito, desde o filho mais velho do faraó, herdeiro do trono, até o filho mais velho do prisioneiro que estava no calabouço, e também todas as primeiras crias do gado.
30 No meio da noite o faraó, todos os seus conselheiros e todos os egípcios se levantaram. E houve grande pranto no Egito, pois não havia casa que não tivesse um morto.
31 Naquela mesma noite o faraó mandou chamar Moisés e Arão e lhes disse: Saiam imediatamente do meio do meu povo, vocês e os israelitas! Vão prestar culto ao Senhor, como vocês pediram.
32 Levem os seus rebanhos, como tinham dito, e abençoem a mim também.
33 Os egípcios pressionavam o povo para que se apressasse em sair do país, dizendo: “Todos nós morreremos!”
34 Então o povo tomou a massa de pão ainda sem fermento e a carregou nos ombros, nas amassadeiras embrulhadas em suas roupas.
35 Os israelitas obedeceram à ordem de Moisés e pediram aos egípcios objetos de prata e de ouro, bem como roupas.
36 O Senhor concedeu ao povo uma disposição favorável da parte dos egípcios, de modo que lhes davam o que pediam; assim eles despojaram os egípcios.
37 Os israelitas foram de Ramessés até Sucote. Havia cerca de seiscentos mil homens a pé, além de mulheres e crianças.
38 Grande multidão de estrangeiros de todo tipo seguiu com eles, além de grandes rebanhos, tanto de bois como de ovelhas e cabras.
39 Com a massa que haviam trazido do Egito, fizeram pães sem fermento. A massa não tinha fermentado, pois eles foram expulsos do Egito e não tiveram tempo de preparar comida.
40 Ora, o período que os israelitas viveram no Egito[20] foi de quatrocentos e trinta anos.
41 No dia em que se completaram os quatrocentos e trinta anos, todos os exércitos do Senhor saíram do Egito.
42 Assim como o Senhor passou em vigília aquela noite para tirar do Egito os israelitas, estes também devem passar em vigília essa mesma noite, para honrar o Senhor, por todas as suas gerações.
43 Disse o Senhor a Moisés e a Arão: Estas são as leis da Páscoa: Nenhum estrangeiro poderá comê-la.
44 O escravo comprado poderá comer da Páscoa, depois de circuncidado,
45 mas o residente temporário e o trabalhador contratado dela não comerão.
46 Vocês a comerão numa só casa; não levem nenhum pedaço de carne para fora da casa, nem quebrem nenhum dos ossos.
47 Toda a comunidade de Israel terá que celebrar a Páscoa.
48 Qualquer estrangeiro residente entre vocês que quiser celebrar a Páscoa do Senhor terá que circuncidar todos os do sexo masculino da sua família; então poderá participar como o natural da terra. Nenhum incircunciso poderá participar.
49 A mesma lei se aplicará ao natural da terra e ao estrangeiro residente.
50 Todos os israelitas fizeram como o Senhor tinha ordenado a Moisés e a Arão.
51 No mesmo dia o Senhor tirou os israelitas do Egito, organizados segundo as suas divisões.
quarta-feira, 20 de maio de 2015
PACIÊNCIA.
Ah! Se vendessem paciência nas farmácias e supermercados... Muita gente iria
gastar boa parte do salário nessa mercadoria tão rara hoje em dia.
Por muito pouco a madame que parece uma "lady" solta palavrões e berros que
lembram as antigas "trabalhadoras do cais"... E o bem comportado executivo?
O "cavalheiro" se transforma numa "besta selvagem" no trânsito que ele mesmo
ajuda a tumultuar...
Os filhos atrapalham, os idosos incomodam, a voz da vizinha é um tormento, o
jeito do chefe é demais para sua cabeça, a esposa virou uma chata, o marido
uma "mala sem alça". Aquela velha amiga uma "alça sem mala", o emprego uma
tortura, a escola uma chatice.
O cinema se arrasta, o teatro nem pensar, até o passeio virou novela.
Outro dia, vi um jovem reclamando que o banco dele pela internet estava
demorando a dar o saldo, eu me lembrei da fila dos bancos e balancei a
cabeça, inconformado...
Vi uma moça abrindo um e-mail com um texto maravilhoso e ela deletou sem
sequer ler o título, dizendo que era longo demais.
Pobres de nós, meninos e meninas sem paciência, sem tempo para a vida, sem
tempo para Deus.
A paciência está em falta no mercado, e pelo jeito, a paciência sintética
dos calmantes está cada vez mais em alta.
Pergunte para alguém, que você saiba que é "ansioso demais" onde ele quer
chegar?
Qual é a finalidade de sua vida?
Surpreenda-se com a falta de metas, com o vago de sua resposta.
E você?
Onde você quer chegar?
Está correndo tanto para quê?
Por quem?
Seu coração vai agüentar?
Se você morrer hoje de infarto agudo do miocárdio o mundo vai parar?
A empresa que você trabalha vai acabar?
As pessoas que você ama vão parar?
Será que você conseguiu ler até aqui?
Respire... Acalme-se...
O mundo está apenas na sua primeira volta e, com certeza, no final do dia
vai completar o seu giro ao redor do sol, com ou sem a sua paciência...
NÃO SOMOS SERES HUMANOS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL...
SOMOS SERES ESPIRITUAIS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA HUMANA...
Paulo Roberto Gaefke.
Anjo sem asas.
Sou anjo caído na estrada
Ajoelhado, com as asas quebradas
Nos olhos a amargura da solidão
Uma flecha pontiaguda atravessou o meu coração!
Meus dias estão incertos
Eu danifiquei a máscara
Meu rosto está descoberto
Como voltar para casa?
Eu sou um vento frio!
Um pote vazio
Chuva gelada
Caminhos tortuosos na estrada
Quem passa não me vê
E quem me vê só quer me esquecer
Eu sou predestinado à solidão
Guardo os meus segredos no coração
Eu sou a canção que ninguém cantou
Restos do amor que se acabou
Eu sou a lágrima do humilhado
Um espírito cansado
Eu sou como a porta do cemitério
Todos os que entram nela, temem ir para o inferno
Eu sou o mistério que lhe tira o sono
Sou a angústia do abandono!
Anjo que não consegue e não quer voar
Sem as asas onde estão os motivos para sonhar?
A noite cai e as estrelas sumiram do céu, escureceu!
Esqueceram de mim e este destino é só meu!
janete sales.
Saudades. Clarice Lispector.
Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida. Quando vejo retratos, quando sinto cheiros, quando escuto uma voz, quando me lembro do passado, eu sinto saudades. Sinto saudades de amigos que nunca mais vi, de pessoas com quem não mais falei ou cruzei... Sinto saudades da minha infância, do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro, do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser... Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo, lembrando do passado e apostando no futuro... Sinto saudades do futuro, que se idealizado, provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser... Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei! De quem disse que viria e nem apareceu; de quem apareceu correndo, sem me conhecer direito, de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer. Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito! Daqueles que não tiveram como me dizer adeus; de gente que passou na calçada contrária da minha vida e que só enxerguei de vislumbre! Sinto saudades de coisas que tive e de outras que não tive mas quis muito ter! Sinto saudades de coisas que nem sei se existiram. Sinto saudades de coisas sérias, de coisas hilariantes, de casos, de experiências... Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer! Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar! Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar, Sinto saudades das coisas que vivi e das que deixei passar, sem curtir na totalidade. Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que... não sei onde... para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi... Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades Em japonês, em russo, em italiano, em inglês... mas que minha saudade, por eu ter nascido no Brasil, só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota. Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria, espontaneamente quando estamos desesperados... para contar dinheiro... fazer amor... declarar sentimentos fortes... seja lá em que lugar do mundo estejamos. Eu acredito que um simples "I miss you" ou seja lá como possamos traduzir saudade em outra língua, nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha. Talvez não exprima corretamente a imensa falta que sentimos de coisas ou pessoas queridas. E é por isso que eu tenho mais saudades... Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis! De que amamos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência...
O PRIMEIRO BEIJO.
Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.
O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...
Ele se tornara homem.
Clarice Lispector.
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