domingo, 3 de outubro de 2010
Mandalas de Cura.
Uma das principais funções que a cura simbólica tem em comum com a mitologia geral é a construção de um mundo simbólico no qual o indivíduo pode sentir-se a vontade, seguro e confortável. Às vezes, como para o povo navajo, isso é realizado por meio de mandalas. A respeito delas disse Eliade: "Antes de mais nada, a mandala é um imago mundi; representa o cosmo em miniatura e, ao mesmo tempo, o panteão. Sua construção equivale a uma recriação mágica do mundo.
Certamente essa operação tem um propósito terapêutico." Essas imagens da ordem mundial às vezes são pinturas (ou pinturas em areia, como a dos navajos), na forma de um diagrama esquemático que mostra o equilíbrio de forças no universo simbólico. Os tibetanos e os índios americanos desenvolveram esse tipo de forma até um grau não encontrado em nenhuma outra cultura. Não só desenharam a mandala com areia, formando imagens em escudo de guerra e em rochas, como também projetaram-na no espaço e no tempo.
Alce Negro descreveu como essa mandala parecia aos Oglala Sioux, embora para estes essa forma representasse a roda da medicina: "Tudo que o poder do mundo faz é feito em círculo. O ceú é redondo, e tenho ouvido que a terra é redonda como uma bola, e assim também o são as estrelas. O vento, em sua força máxima, rodopia. Os pássaros fazem seus ninhos em círculos, pois a religião deles é a mesma que a nossa. O sol nasce e desaparece em círculo em sua sucessão, e sempre retornam outra vez ao ponto de partida. A vida do homem é um círculo, que vai da infância até a infância, e assim acontece com tudo que é movido pela força. Nossas tendas eram redondas como os ninhos das aves, e sempre eram dispostas em círculo, o aro da nação, o ninho de muitos ninhos, onde o Grande Espírito quis que nós chocássemos nossos filhos."
Os navajos simbolizam esse círculo mandálico em dois níveis. O primeiro, como para os Oglalas Sioux, está associado com os traços físicos de sua antiga terra e com o ciclo anual da vida. Proporciona significado simbólico a todas as partes da Terra Velha (Dinetah), e ancora, firmemente os mitos da origem e as jornadas dos heróis na realidade física. Coloca todas as coisas uma em relação com a outra: a geografia, a passagem do tempo e os estágios da vida humana. Tudo é contido, ordenado e harmonioso.
MANDALA MACROCÓSMICA.
O principal aspecto da mandala macrocósmica navajo é a presença das quatro montanhas sagradas, que delineiam os limites do território navajo e têm realidade geográfica, apesar de esta ser passível de discussão. Essas montanhas servem de lar para os deuses. Além disso, correspondendo com a qualidade mandálica do todo, cada montanha sagrada em seu ponto cardeal tem uma longa lista de atributos simbólicos, dos quais a cor é o mais proeminente. Sis Najini é a montanha do leste. Tem sido diversamente identificada como Blanca Peak, no Colorado, Pelado Peak, no Novo México e por vários outros nomes. Geralmente é representada em branco, embora possa variar para determinadas cerimônias. 'coberta de aurora branca e atata à terra pelos raios. Em seu pico estão as jóias simbólicas da concha branca e um cinto de nuvens escuras; o milho branco pintado é sua planta e o pombo, sua ave. Sua voz é como trovão na boca de Jovem Águia, e é movida pelo Vento Manchado. Ali vivem Menino e Menina Concha Branca, Menino e Menina Alvorada e Menino e Menina Cristal de Rocha. É conhecida pelos raios brancos, pelas nuvens escuras, pela chuva masculina e pelo milho branco. Deus Que Fala é sua deidade. A forma interna desta montanha é descrita no Caminho das Bênçãos como a Linda, vestida toda com conchas brancas e olhando para o cantador, a quem chama com uma voz maviosa. Canções semelhantes são entoadas para cada uma das outras montanhas em suas colocações cardeais e para forma interna que lhes dá poder.
Tso Dzil, a Montanha Língua, é a montanha sagrada do Sul. Sempre identificada com o Monte Taylor, é representata pela cor azul, e é associada com o meio-dia e o calor do sol. É coberta pelo céu azul e atada à terra por uma grande faca de pedra. Em seu pico estão as jóias simbólicas da turquesa; o milho azul é sua planta e o azulão sua ave. Move-a o Vento Azul e nela vivem Menino e Menina Turquesa. É conhecida por sua névoa escura, a chuva feminina e animais selvagens. Deus Negro é sua deidade tutelar. A forma interna dessa montanha é descrita como a Linda vestida em turquesa.
Doko'o'slid é a Montanha Brilhante no Topo, a oeste, sempre identificada com o Monte Humphreys, na Serra de São Francisco. É representata pela cor amarela, e é coberta pela luz amarela do entardecer, atada à terra por um raio de sol. Em seu pico estão as jóias simbólicas do abalone; o gorjeador amarelo é sua ave o milho amarelo, sua planta. Ali vivem Menino Milho Branco e Menina Milho Amarelo, Menino Luz da Tarde e Menina Abalone. É conhecida por suas nuvens escuras, pela chuva masculina, pelo milho e pelos animais selvagens. Deus Que Chama é sua deidade correlata. A forma interna dessa montanha é descrita como a Linda vestida de abalone.
Dibe Ntsa é a sagrada Grande Montanha Carneiro, ao norte. Sua identidade é incerta, alguns dizem que é o Pico Hesperus, no Colorada. É representada pela cor preta e é coberta pela trevas e atada à terra por um arco-íris. Em seu cume estão as jóias simbólicas de âmbar negro. O melro é sua ave e o milho variado, sua planta. Nela vivem Menino Pólen e Menino Besouro, e Menino e Menina Trevas. É conhecida por sua névoa escura e por todos os tipos de vegetação e de animais, incluindo as espécies raras de caça. Matador de Monstros é sua deidade associada e sua forma interna é descrita vestindo âmbar negro. Essas quatro montanhas não são os únicos pontos geográficos demarcatórios. A reserva é pontilhada com muitos outros, dotados de poderosa associações mitológicas.
O centro da reserva é geralmente concebido como Montanha-Em-Torno-Da-Qual-Foi-Feita-A-Mudança, identificada ou como a Mesa Huerfano ou como o Outeiro Governador (Spruce Hill). Esse foi o local de nascimento e primeiro lar de Mulher Que Muda. Mais tarde, ela se mudou para uma ilha na costa do Pacífico. Seus filhos, os Gêmeos Guerreiros, moram na Montanha Navajo, e uma rocha alta e esquia no cânion de Chelly é o lar de Mulher Aranha. Lá estão também as famosas ruínas da Casa Branca onde transcorreu a primeira grande execução do Canto da Noite.
Até os monstros têm seus marcos de terra: um fluxo de lava perto de McCarty está associado com o sangue derramado pelo Grande Monstro, e o Monstro Penhasco teria supostamente se tornado a Mesa Navio de Pedra, depois de ter sido morto pelos Gêmeos Guerreiros.
A confluência dos rios Pine e San Juan é as vezes concebida como o local em que "as águas se cruzam", mais acima no curso de San Juan encontra-se a mítica localização do lago dos Troncos Rodopiantes. O local do Aparecimento não é mais possível de ser demarcado, mas supõe-se que esteja em algum ponto das Montanhas do Colorado.
Existem muitos outros exemplos. As jornadas dos heróis e heroínas estão repletas de nomes e locais identificáveis, e mapas elaborados têm sido desenhados para refazer seus percursos pelas montanhas e cânions do território navajo.
Todo esse simbolismo tem um propósito definido: vincular os eventos míticos à realidade física, da mesma forma como fazem as preces quando começam com lugares conhecidos e aos poucos vão passando para os míticos. Isso permite à psique fixar-se em imagens bem conhecidas, como as montanhas, os rios, os cânions familiares, e depois gradualmente deslocar-se mais além, entrando em um contexto mítico interno.
Não só a geografia como também as estações do ano em sua sucessão fazem parte do grande círculo, que não é estático e sim em constante movimento rítmico.
Em seu "Mito da Criação" disse Hosteen Klah: "Fizeram o sol a partir do fogo, com um arco-íris em volta, e puseram o Homem Turquesa dentro dele, como seu espírito. Puseram o outono e o Inverno no Oeste e no Norte, e a Primavera e o Verão no Sul e no Leste. O monte de Outubro foi reivindicado por Coiote. Ele é metade verào e metade inverno, é chamado de Mês Que Muda. Depois, todos os espíritos foram para os lugares aos quais pertenciam, e criaram o Sol e a Lua, as Estrelas e os Ventos. O Deus Fogo colocou a Estrela do Norte, e os outros Deuses colocaram outras constelações, as mulheres colocaram a Via Láctea e as outras estrelas...Colocaram os 48 ciclones embaixo das bordas do mundo, nos quatro pontos cardeais, para segurá-lo no lugar, e mandaram outros ventos para segurar o céu e as estrelas. Begochidi pegou então os Ethkay-nah-ashi, os misteriosos transmissores de vida, e os aplicou a toda a criação e tudo tornou vida e saiu andando em diferentes velocidades.
MANDALA MICROCÓSMICA.
O drama místico dos navajos é encenado numa forma menor, mas muito mais intensa, no microcosmo das pinturas em areia. Eliade diz a respeito delas: "A cerimônia (navajo) também inclui a execução de complexas pinturas em areia, que simbolizam os vários estágios da Criação e a história mítica dos deuses, dos ancestrais e da humanidade. Esses desenho (que estranhamente lembram a mandala indo-tibetana) reencenam sucessivamente os eventos que aconteceram nos tempos míticos.
Ao ouvir o mito cosmogônico e, então, os mitos da origem, e ao comtemplar as pinturas em areia, o paciente é projetado para fora do tempo profano e ingressa na plenitude do tempo primordial; ele é levado "de volta" a origem do Mundo e, nessa medida, testemunha a cosmogonia". É de fato notável como ele observa, que um processo com características tão similares deva ser vivido pelos tibetanos. Estes realizam quatro grandes desenhos quadrados, com areia, no chão do templo, da mesma forma que os navajos fazem no hogan.
Os desenhos destes últimos também são orientados pelos quatro pontos cardeais, e estabelecem um relacionamento, em torno do centro da mandala, envolvendo os poderes que governam cada um dos pontos. As pinturas tibetanas são geralmente ainda mais complexas do que as dos navajos, e levam muito tempo, semanas às vezes, para serem concluídas. São realizadas para determinados procedimentos iniciáticos, sendo destruídas e refeitas sempre que a cerimônia é realizada. Essas mandalas tibetanas provavelmente não são usadas para cura, mas tanto elas como as navajos devem promover importantes transformações nos participantes.
As pinturas navajos em areia são também semelhantes a alguns códigos pré-colombianos no México. Um destes, analisado por C. A. Burland, era composto por peles de couro esbranquiçadas, como algumas pinturas navajos. A orientação da pintura pelos quatro pontos cardeais; o aparecimento das quatro plantas sagradas; e uso de simbolismo com cores - todos esses elementos remetem às mandalas navajos.
Entretanto, a finalidade principal das pinturas navajos em areia não é orientar o paciente no cosmo navajo (macro ou micro), nem comemorar sua história. É identificá-lo com as imagens de poder que estão representadas nas pinturas. Pela identificação, um símbolo que serve de representante de um certo poder é esse poder. Por isso, entender o símbolo em suas várias significações é entender o poder e as técnicas para invocá-lo. Toda pintura em areia é um padrão de energia psíquica. A pintura focaliza o poder, e o curandeiro transfere-o para o paciente através do meio físico da areia. O paciente só não faz uso do poder das figuras que estão na pintura: ele se torna esse poder.
Imagens encontradas nessas pinturas mandálicas.
Na sua maioria, são personagens sobrenaturais que representam as forças do mundo natural. Em muitos casos, as pinturas em areia consistem principalmente em quatro Pessoas Sagradas em pé e, em fila. Em outros, as figuras podem ser multiplicadas várias vezes - sempre em múltiplos de quatro - para indicar o poder aumentando. O mais comum é as Pessoas Sagradas estarem dispostas em forma verdadeiramente mandálica (circular).
Uma importante referência com o Local do Aparecimento, um lago profundo, uma fogueira no centro, o lar dos deuses, ou o herói principal do canto, ocupa o centro da pintura. Em torno desse ponto central, os Poderes Sagrados a serem convocados são colocados nas direções cardeais: Norte, Sul, Leste e Oeste. Esses Poderes podem ser o Povo Vento, o Povo Estrela, o Povo Cáctus, o Povo Ciclope, o Povo Búfalo, as Aves Trovões, ou o Povo Serpente. No nordeste, noroeste, sudeste e sudoeste estão os seres secundários. Geralmente, estes são quatro plantas sagradas - milho, feijão, tabaco e abóbora - que originalmente vieram até os navajos dos vales do México.
Em torno da pintura costuma existir uma pintura de proteção, como a do Guardião do Arco-Íris. Sempre existe uma abertura para o Leste, com dois pequenos guardas ali estacionados para proteger a entrada. Estes podem ser duas serpentes, dois ursos, dois insetos, ou outras criaturas pequenas. As montanhas sagradas, representadas por círculos nas cores tradicionais, são colocadas às vezes do lado de fora da área principal, circundando a pintura nas quatro direções. Em algumas delas, montículos reais de terra ou potes de cerâmica emborcados são usados para representar as montanhas, e tigelas com água tornam-se os lagos sagrados. Existem numerosas variações, e em qualquer imagem uma ou mais dessas qualidades típicas podem não estar presentes.
Às vezes, as pinturas comemoram um episódio na história do herói do canto, ou a peregrinação histórica dos ancestrais em seu caminho rumo ao alto. Isto é visto nas pinturas em areia sobre a inundação e sobre o roubo do fogo por Coiote. As pinturas em areia do Conto das Contas e dos Dois-Que-Vieram-Ter-Com-Seu-Pai ilustram o mito numa série de imagens intimamente relacionadas.
As pinturas mais simples são as que mostram um plano esquematizado de solo para um rito cerimonial. Indicam por meio de pegadas e outros recursos, onde o paciente deve se posicionar ou sentar, e onde os homens representando os sobrenaturais ficarão e se movimentarão durante o ritual. Eles podem indicar um altar ou lugar especial onde determinada ação cerimonial será realizada.Wikepédia.
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