contos sol e lua

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quarta-feira, 30 de março de 2011

O Significado Esotérico do Inferno.


Com a palavra "Inferno" indicam as religiões populares um lugar onde as almas, segundo a crença geral dos seus fiéis, sofrem castigos "eternos" pelas más acções praticadas durante a vida na Terra.
A palavra "Inferno" indica um estado inferior, e é usada como o oposto ao "Céu".

Os ingleses traduzem esta palavra por "Hell", e os Alemães "Holle", porque as suas mitologias descreviam esse suposto lugar como o reino da deusa Hell, que tinha domínio no tenebroso mundo das "sombras"1. E, enquanto os cristãos crêem que no Inferno arde incessantemente um horrível fogo, os antigos escandinavos, que viviam perto do Polo Norte, imaginavam que lá fazia muito frio. No que, porém, todas as religiões exotéricas são unânimes, é na ideia de ali haver trevas densas.
Os gregos chamaram ao reino das "sombras", das almas desencarnadas, o "Hades", isto é, "o invisível"; e a uma das suas regiões deram o nome de "Tártaro", lugar de escuridão completa.
Para os judeus, o termo "Inferno" corresponde à palavra "Sheol", mas às vezes usa-se o vocábulo "Geena" que, na realidade, era apenas nome de um vale, perto da cidade de Jerusalém, onde se mantinha perpetuamente aceso um fogo para fins sanitários, queimando ali os lixos retirados da cidade.

Quando a Bíblia menciona o Inferno, refere-se à dor que é resultado das más acções praticadas. Vamos explicar. A reincarnação, que foi admitida por quase todas as escolas éticas e religiões antigas, e até pelo cristianismo, como sabemos, ajudará a compreender melhor este assunto.

Liberto do corpo físico, depois da morte, o espírito vê o "filme" da vida que terminou. A recordação dos maus actos provoca um sentimento de mágoa, agudo, preciso, de imenso valor na vida futura. É a origem da voz da consciência, silenciosa e profunda. Todavia, a responsabilidade que decorre dos erros praticados não fica saldada! E como a vida no mundo celeste é interrompida pelas incarnações sucessivas, é então que se recolhe o que foi semeado sob o impulso da lei da consequência; "o que o homem semeia, isso colherá2. O renascimento ocorre no ambiente propício ao pagamento dessas dívidas, com a tendência para repetir os mesmos erros, até se aprender a agir bem conscientemente3. E, assim, parte da vida – as relações familiares, os amigos, o emprego, a saúde – transformar-se-á num vale de lágrimas.

É isto o Inferno: um conjunto de experiências que resultam da sementeira efectuada. São experiências de sofrimento, medo e tortura, física ou mental. Algumas são de tal maneira horríveis que só se podem descrever como "um inferno na Terra". Podem ser experiências de loucura4, que torna o espírito prisioneiro do seu corpo, incapaz de poder coordenar o seu corpo e a mente; ou de alienação, como é o caso de viver uma relação intolerável de que não se pode libertar5. Tudo isto são experiências bem reais. Vêmo-las todos os dias. Não são inventadas.

O que a teologia fez, foi interpretar todos esses aspectos da vida humana e dar-lhes uma dimensão simbólica, adequada à compreensão e à cultura de uma época distante – mas que se afasta do sentido pleno da vida.

No sentido real, a definição de Céu e Inferno é a mesma: estar com Deus. Mas uns terão uma vida – ou, pelo menos, parte dela – cheia de sofrimento.

Quando a Bíblia fala do fogo infernal e se refere ao "lago de fogo e enxofre", aonde foi lançado, na visão apocalíptica de S. João, o diabo, a fera e o falso profeta, usa apenas uma linguagem simbólica. A Bíblia serve-se unicamente da ideia do fogo para lembrar uma transformação, um processo moral de crescimento e purificação do espírito por meio do sofrimento. Como vimos, é por meio de amplos e profundos contactos com as vítimas prejudicadas na existência anterior que a maior parte das pessoas aprende e liquida as dívidas.

As apresentações populares do Inferno, que ainda vemos nas obras dos artistas plásticos, são um apelo flagrante ao horror e à violência. São as histórias de horror de outros tempos. E as menos violentas são positivamente sádicas.

Este fogo não tem o carácter material das realidades físicas. É uma maneira de dizer, um artifício literário usado pelo que tem de pitoresco. Não pode ser entendido como um fogo real.

A dificuldade em compreender o que é realmente o Céu e o Inferno está no facto de terem sido figurados erradamente como "lugares" no espaço, ou como regiões físicas ou geográficas, situados no outro lado da morte. Nenhuma filosofia, nenhuma religião, poderá ser mais do que uma coisa superficial e sentimental se não tiver isto em conta.

E assim chegámos ao segundo ponto fulcral da questão: a suposta eternidade do sofrimento.

Os esclarecidos rosacruzes separam as crenças mais ou menos populares da realidade dos factos. E ensinam que o conceito da palavra eterno, sendo popular, como quando se diz que uma pessoa fala eternamente ao telefone, significa mais a qualidade da experiência que a sua duração. A perdição definitiva não faz sentido. Basta pensarmos que é "nEle que vivemos e temos o nosso ser". Deus não pode ser em parte salvador e em parte carrasco.

Hoje, quase ninguém ou, pelo menos, os mais prudentes, deseja pregar o Inferno no velho estilo, como um lugar de suplício para castigo de pecadores e hereges, como certas prisões que havia no passado para castigo dos malfeitores.

O que temos visto, e é motivo de contentamento, é que a sociedade multiplica esforços para recuperar deliquentes e que a clemência é cada vez mais visível e frequente, numa tentativa de evitar formas de retaliação. É um sinal de que a lei de Talião, de "olho por olho, dente por dente", começa a ser substituida pelo preceito "amai-vos uns aos outros". Até aos prisioneiros de guerra se exige aplicação de tratamento baseado no espírito de humanidade.

E, se os homens corrigem e melhoram as suas instituições penais, como se pode permanecer incensível e indiferente à ideia de haver condenados a arder "no fogo eterno", como se diz na teologia tradicional?

A ideia de que Deus cria alguém para condenação eterna – para não dizer até que se compraz nisso – é, em si mesma, condenável e blasfema.

Tendo em vista o perigo de interpretações erradas de citações bíblicas isoladas, o que é preciso é ler atentamente a mensagem total dos evangelhos. E assim ver-se-á que todas as referências ao Inferno não passam de ensinamentos que se relacionam com episódios do crescimento espiritual, cujo objectivo é a cristificação.

O que é certo, é que ninguém permanece nesse estado de sofrimento mais tempo do que é preciso para despertar a consciência para a verdade das coisas.

Bibliografia.

1. Max Heindel, Mistérios das Grandes Óperas, F.R.P., 1998, pág. 129.
2. Mat., 7,2; Mc. 4,24, Lc. 6, 37-38. Gál. 6, 8.
3. Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmo, F.R.P., Lisboa, 1999, pág. 90.
4. Id., O Véu do Destino, Lisboa, F.R.P., 1996, págs 49-55.
5. Id., Id., pág. 52.

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