sábado, 22 de agosto de 2009

CORVO A FORÇA CRIADORA.


A simbologia do corvo é, ao contrário da da águia, tipicamente européia... embora haja referências bastante antigas e importantes na mitologia dos índios norte-americanos.
Por sua cor negra, o corvo é associado à idéia de PRINCÍPIO (noite materna, trevas primigênias, terra fecundante...); por seu caráter aéreo, associado ao CEU, ao PODER CRIADOR E DEMIÚRGICO; às FORÇAS ESPIRITUAIS; por seu vôo, MENSAGEIRO. Por tudo isso, ele aparece na mitologia dos povos primitivos como um ser investido de extraordinária significação cósmica: tanto para os índios na América do Norte, quanto para os celtas, germanos e siberianos, ele é o grande civilizador e criador do mundo visível.
Um mito grego, segundo Pausânias (séc. II) afirma que o corvo era, inicialmente, uma ave branca. Colocada por Apolo como guardião de sua amante Coronis, ele se descuidou e a mulher, embora grávida, fugiu para trair o deus com Isquis. Irado, Apolo o castigou tornando-o preto.
Algo "curiosamente" muito semelhante aparece na Saga de Yelt, o heróico iniciador das civilizações indígenas norte-americanas. Segundo a lenda, Yetl transformou-se em corvo para conseguir para seu povo um pouco da água mantida sob a guarda dos deuses. Surpreendido na fuga, foi condenado à mudança de cor, do branco para o preto. Ainda assim, Yelt fugiu, sobrevoou o mundo, vomitou sobre ele a água roubada dos deuses e, assim, criou rios e lagos.
Outra lenda grega, também nos fala de uma condenação, desta vez pelo crime da desobediência: forçado a buscar água para uma cerimônia celebrada pela coletividade dos deuses, o corvo atrasou-se no caminho, para esperar o amadurecimento de uns figos cobiçados por ele. Como castigo, fora condenado a ficar sem água durante todo o verão... o que lhe valeu uma rouquidão que explica o crocitar dos corvos até hoje.
Aliás, apesar de os corvos habitarem regiões secas, é notável as inúmeras associações dele com a água. Talvez as mais comuns tratam de sua ligação com as tempestades: é sabido que os corvos recolhem-se sempre que há iminência de chuvas fortes; isso gerou a crença de que são capazes de prever tempestades. A observação de seu comportamento tornou-se, então, um bom fator de previsão meteorológica.
Por causa de seu vôo alto, o corvo foi, muitas vezes, visto como um mensageiro dos deuses. Inúmeras lendas, de diferentes partes do mundo, falam-nos de como um corvo orientou humanos em suas jornadas. Por exemplo: segundo uma tradição, foram corvos que orientaram os beócios rumo ao lugar em que deveriam fundar uma nova cidade – a Beócia. Teriam sido eles que, também, guiaram Alexandre, o Grande, até o templo de Júpiter Amon, no oásis de Siwa, no Egito... e que, lá, predisseram sua morte. O imperador japonês Jimmu, teria marchado para a guerra, no século VII, guiado por um corvo dourado. Um corvo era o mensageiro do Rei Marres, do Egito. Odin informava-se a respeito do que acontecia no mundo por intermédio de dois corvos: Huginn e Muninn: todos os dias eles sobrevoavam a terra e, depois, empoleiravam-se nos ombros do deus para lhe cochichar o que viram. Huginn e Muninn representam, portanto, a memória e o pensamento.
Uma derivação oriental interessante é aquela em que um corvo de três pernas aparece dentro de um disco solar. As três pernas correspondem ao trípode – símbolo solar: aurora/sol nascente, zênite/sol do meio-dia e ocaso/sol poente. É assim que aparece como emblema imperial chinês, significando a vida e atividade do imperador e, por extensão, o YANG.
Na poesia anglo-saxônica, o corpo é freqüentemente associado às batalhas. E há tanta semelhança entre as tradições celtas e germânicas que, sem dúvida, suas origens remontam a uma época em que as duas correntes étnicas ainda não haviam sofrido ramificações.
É interessante notar que muitas fábulas envolvem corvos e corujas como antagônicos. Certamente incorporam reminiscências muito antigas relacionadas à oposição dos corpos celestes: Lua (coruja) e Sol (corvo). Uma tradição grega afirma que os corvos jamais penetram a acrópole exatamente por causa disso: a rivalidade entre Apolo (Sol/corvo) e Atenas (Lua/coruja), obviamente uma derivação de lendas de contraposição dia-noite.
Na Europa cristã os deuses, sem falar na sua cor negra e voz rouca, adquiriu uma simbologia sinistra e uma ligação com maus espíritos. Santo Ambrósio, por exemplo, exprobra o corvo por não haver retornado à arca quando Noé o soltou a inspecionar os efeitos do dilúvio. Lendas judaicas, maometanas e cristãs apresentam-no como desprezível e ímpio, por causa de seu regime alimentar de carniça. Falam de santos atormentados no deserto por demônios em forma de corvos e de bruxas que os cavalgavam. Shakespeare faz inúmeras menções ao corvo como ave mau-agourenta: acreditava-se que o esvoaçar crocitante de corvos sobre alguma casa onde houvesse alguém doente, sobretudo ao entardecer, era sinal de morte iminente. Esse misterioso relacionamento com a morte decorre do fato de a presença de corvos no céu indicarem, aos caçadores, a proximidade de carniça.
Apesar de toda propaganda negativa dos cristãos em relação ao corvo, ele nunca perdeu seus atributos místicos. Como o poder, a ele atribuído, de uma capacidade especial para predizer o futuro. A observação do hábito de os corvos devorem primeiro os olhos dos cadáveres associado à grande eficiência ocular dessa ave (capaz de localizar uma carniça a enormes distâncias) , levou à crença de que, se um cego tratasse os corvos com benevolência, poderiam recuperar a visão; quem comesse três corações de corvo reduzidos a cinzas, viraria um exímio atirador. Além disso, como enxergar longe é uma forma simbólica de se descrever o dom da clarividência ou antecipação do futuro, a ingestão de corações de corvos também podia dar às pessoas o poder profético – atribuído à essas aves. Essa reputação oracular subsiste até hoje em algumas ilhas britânicas. A expressão irlandesa "conhecimento de corvo" , é uma figura de linguagem para indicar conhecimento e percepção de tudo.
No campo da medicina popular, há igualmente inúmeras atribuições aos corvos: segundo Plínio, os ovos de corvo são ingredientes de uma antiga magia homeopática grega. Já Ovídio refere-se, em sua Metamorphoses, à bruxa Medea aplicando uma mistura de antílope e cabeça de corvo que sobrevivera a nove gerações humanas, nas veias envelhecidas de Jasão para restituindo-lhe a juventude. Aliás, a longevidade sempre foi um dos atributos de todos os pássaros da família dos corvos.
Outra lenda fala-nos das capacidades fantásticas ao corvo: seus ovos servem para pintar cabelos grisalhos, dando-lhes novamente a coloração negra. Mas havia um cuidado especial: o "paciente" deveria manter a boca cheia de óleo para evitar que seus dentes também se escurecessem irremediavelmente.
Só com o desenvolvimento da alquimia, é que ele recupera alguns dos aspectos de sua simbologia primitiva: aqui o corvo é o nigredo ou estado inicial, como qualidade inerente à "primeira matéria" ou provocada pela divisão dos elementos (putrefactio). Dentro da simbologia alquímica, o corvo manteve uma certa representação alegórica da SOLIDÃO – o isolamento daquele que vive num plano superior aos demais.

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