sábado, 22 de agosto de 2009
AS HEROÍNAS NAVAJO.
A posição das mulheres na cultura navajo é importante em vários aspectos. Para começar, elas detêm a posse de quase toda a propriedade. Depois a linhagem é reconhecida pelo ramo materno: o navajo pertence ao clã da mãe, e diz-se que simplesmente “nasceu para” o pai. Além disso, as mulheres têm uma forte e decisiva forma de interferência nas questões familiares, e são responsáveis por boa parte do trabalho, incluindo o trabalho da lavoura, dos animais, da fiação de tecidos (fonte importante de renda) e das tarefas domésticas.
Diante desse pano de fundo, não surpreende que existam heroínas cujo papel é tão arriscado e perigoso quanto o dos heróis. Elas têm também um papel importante nas cerimônias de cura. As mais notáveis de todas são as irmãs Glishpah e Bispáli, cuja história começa no mito do Caminho do Inimigo.
CAMINHO DO INIMIGO.
Parte desse mito conta como os guerreiros navajos sustentaram um forte e contínuo ataque contra os Pueblo Taos, com intenção de capturar dois escalpos sagrados como troféus. Os bravos guerreiros que conseguiram os escalpos deveriam ser recompensados com essas adoráveis virgens, com as quais se casariam. Quando a batalha tinha terminado , descobriu-se para consternação geral , que dois velhos feios e desprezíveis tinham conseguidos os escalpos. Como isso não era aceitável, foram propostos vários testes para os candidatos a noivo das moças, após os quais elas seriam dadas ao que atirasem mais longe e com mais precisão. Para a vergonha dos demais competidores, os dois velhos ganharam todas as provas com ampla vantagem. Ainda assim, os guerreiros relutavam em oferecer-lhes o prêmio.
Depois de terem dançado à noite, as moças ficaram cansadas e foram buscar água fresca para beber. Sentiram o odor de tabaco doce vindo do lugar onde os dois velhos estavam acampados. Seguindo o rastro de fumaça, elas descobriram, para sua surpresa, que lá estavam dois belos e jovens candidatos, vestidos com elegância, usando lindas jóias e armas muito bem confeccionadas. Elas pediram um pouco de tabaco de suave aroma e, quando o inalaram, seus sentidos ficaram anuviados que foram facilmente persuadidas a passar a noite ali. A irmã mais velha, Bispáli, ficou com Homem Urso, e a mais jovem , Glíspah, com Homem Serpente.
Quando as moças acordaram, no dia seguinte, em vez de belos amantes encontraram os velhos, feios novamente. Ficaram repugnadas, mas um urso que rosnava de um lado e uma serpente que chacoalava guizos do outro impediram-nas de partir. Seus parentes ficaram furiosos quando descobriram o que tinham acontecido. Senteciaram-nas a ser açoitadas até a morte. Glíshpah e Bispáli não poderiam mais voltar, e então fugiram para a selva perseguidas pelos feios noivos. Os velhos foram capazes de seguir sua rota de fuga com sua fumaça mágica. Logo elas perceberam que se quisessem escapar precisariam se separar. Distanciaram-se uma da outra vertendo muitas lágrimas, sem saber se um dia iriam encontrar-se de novo. A mais velha foi para oeste e tornou-se a heroína do Caminho até o Topo da Montanha; a mais jovem rumou para leste e deu origem ao Caminho da Beleza.
CAMINHO ATÉ O TOPO DA MONTANHA.
Bispáli fugiu para as montanhas recebeu os cuidados dos protetores sobrenaturais, enquanto ficava numa caverna. Permaneceu lá por muito tempo e deu à luz uma menina ursa que tinha os membros recobertos recobertos de pêlos, assim como os seios e a parte de trás das orelhas, e um rosto humano de cor branca. Depois ela iniciou uma viagem em busca de poder, ao longo da qual encontrou muitas personagens sagradas e aprendeu com eles a cerimônia do Caminho até o Topo da Montanha. Seu marido urso tentou recuperá-la, porém ela estava sendo protegida pelos guardiães que a devolveram ao seu próprio povo, mas cuja filha ficou em seu poder. Foi bem recebida pela família e mais tarde casou-se e teve um filho, que também foi criado pelos ursos. O mito então relata as aventuras deste rapaz e as de Osilyí Néyani, o herói do Caminho até o Topo da Montanha.
Fica claro a partir do mito, assim como de outros elementos do Caminho até o Topo da Montanha, que irmã mais velha tem uma íntima identificação com os ursos e o poder desses animais. A família da Mãe Ursa é familiar na mitologia nativo-americana, especialmente na costa noroeste. Existe uma maravilhosa escultura dos índios Haida, mostrando a mãe ursa em agonia, dando de mamar a dois filhotes cujos dentes rasgam a carne de seus seios. Assim, de acordo com os mitos, o modo da mulher domar o poder selvagem é por meio de um casamento com o animal e do provimento de cuidados aos seus filhotes – um estilo bem diferente do herói, que é um caminho de lutas e triunfos bélicos.
Às vezes, os navajo pensa que os ursos são homens disfarçados, especialmente por causa do modo como dão de mamar aos seus filhotes. Outras vezes, referem-se a eles como os ancestrais do navajos. Supõe-se que conheçam poderosos medicamentos e que estejam associados com as montanhas, as ervas de cura e o fogo. Seu poder é tão grande que os navajos sentem medo deles; raramente são caçados e nunca são comidos. Fazem parte dos Guardiães especiais da casa do Sol e, no Canto do tiroteio, um personificador do Urso de repente entra e corre até o paciente, causando um choque que coloca todos em transe, como parte da cura (uma antiga forma de terapia de choque).
O lado negativo ou nefasto do poder do urso está associado com a Virgem Urso Que Muda, a contrapartida sombria da heroína do canto. Ela também é chamada de Deusa Urso, ou, por causa dos muitos pingentes de casco de veado que veste, também é conhecida como Virgem-Cujas-Roupas-Tocam-Como Chocalho. É a esposa do Coiote.
NO início, Virgem Urso Que Muda era virtuosa e linda. Cuidava da casa para seus doze irmãos, e sempre que apareciam um candidato a seu noivo ele a impunha certos testes difíceis, antes de este poder pedi-la em casamento. Coiote decidiu tentar, e porque sua vida estava escondida na ponta de seu nariz e na ponta de sua cauda, ele era praticamente indestrutível. Os irmãos dela ficaram com raiva e tentaram matá-lo, mas não conseguiram. Um dos testes para o candidato a noivo era matar Gigante Marrom e trazer-lhe o escalpo, o que ele fez. Em outra prova, ela o esmagou com pedras por três vezes, e na Quarta pulverizou-o. Todas as vezes ele recuperou sua vida embora na última tivesse precisado de mais tempo para se recompor. Quando finalmente conseguiu, ela teve que aceitá-lo como marido. Desde esse tempo, ela tem ficado ao lado de seu marido contra os seus irmãos e tem sido má.
Coiote ensinou-lhes os procedimentos da feitiçaria e, como ele, ela conseguiu esconder a sua força vital fora do corpo. Para testá-la, Coiote matou-a quatro vezes e depois ela recuperou sua vida. Podia tornar-se uma grande ursa sempre que queria. Vendo todas essas coisas terríveis, seus irmãos fugiram, mas ela os seguiu e matou um a um, exceto o mais jovem, que se escondeu num buraco bem fundo, no chão. Os deuses o estavam ajudando, mas Mulher Urso caçou-o e encontrou seu esconderijo usando mágica. Ela tanto insistiu que finalmente ele saiu do buraco. Pretendendo matá-lo, ela se ofereceu para cuidar dele e pentear seu cabelo. Quando ele se sentou para que ela o penteasse, foi advertido pelo Vento para prestar atenção na sombra dela. Ele viu o focinho dela ficando cada vez maior e no instante em que se preparava para morder sua cabeça e arrancá-la numa só dentada, ele saltou e correu para atacar a força vital da irmã, cujo o local secreto lhe havia sido revelado pelos deuses.
Uma vez que agora seu poder para o bem estava mais forte do que sua força para o mal, ele pôde encontrar aquela força vital e destruí-la. Realizou a cerimônia para ela, para reavivá-la (o simbolismo da morte e renascimento é usado aqui para transformar uma pessoa ruim), e depois transformou-a numa ursa comum. Para sempre, desde então, ela ronda pelas florestas das montanhas, arisca perto dos homens, mas mesmo assim usando seus poderes em benefícios para as pessoas. Nesse ínterim, ele havia lançado os bicos dos seios dela dentro de um pinheiro, e eles se tornaram os pinhões que as pessoas comem, em tempo de penúria.
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