contos sol e lua

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domingo, 4 de outubro de 2009

Cap 3.


Um recomeço.
Chove torrencialmente do lado de fora da casa, os ventos castigam a região e comprometem as plantações. Shing delira de febre em uma cama simples aos cuidados de Woo e uma pequena menina de dez anos. O menino agora é um rapaz desperto, mas sua mágika é incapaz de socorrer seu irmão e tutor de uma doença. A menina perdeu sua mãe durante o parto e foi educada, e muito bem, pelos dois irmãos. Agora ambos lutam para salvar da morte aquele que foi um pai para eles durante esse tempo. Shing perde cada vez mais sangue cada vez que vomita, a temperatura baixa cada vez mais e o pulso distancia-se da percepção táctil. Ele olha seus dois discípulos feliz, tentando esconder a dor enquanto o fígado vai se desfazendo. A mágika do assassino do império foi cruel e eficaz mesmo após ele morrer. Com o assassino detido era questão de tempo para que outros assassinos viessem atrás da menina e de Woo. A menina nada sabia sobre seu destino, mas Woo já desconfiava qual seria seu caminho. Ele tinha algumas certezas, sabia que tinha que proteger aquela criança, porque ela a levaria, de alguma forma, a mulher de suas visões. Ele jurou proteger a criança na frente do pai dela, seu falecido irmão Shang. Shing cuidou dos dois desde então, pois entendia o destino e sabia que sua passagem era temporária assim como a de Shang e a de Woo e a da própria menina. Todos, de alguma forma, estavam ligados ao destino de uma grande pessoa que algum dia iriam encontrar e obter respostas para suas dúvidas. Restava somente algum tempo para o coração cessar seus batimentos.
A chuva cessa, depois de toda uma tarde. A casa agüentou mais um dia, provavelmente o último, de pé. Woo prepara-se para correr até o curandeiro da cidade mas é tarde, ele não tem tempo de se despedir de seu irmão, pai, amigo, tutor. Não há mais o que fazer, apenas amparar a menina que chora ao pé da cama. A casa precisa ser reforçada para suportar a tempestade que virá, assim Woo começa a reunir suas filosofias, aprendendo. E assim eles seguem a vida, sobrevivendo, treinando o caminho da iluminação, buscando filosofias em locais diferentes e sempre procurando o destino.

A teia do destino.
As areias se vão depressa carregadas pelo vento. Uma a uma são levadas e depositadas de uma maneira completamente diferente da posição original. E assim é com a vida e com o destino que cada um carrega.
O vento sopra frio vindo da colina e desce atingindo as casas como uma onda de calafrios, trazendo as pessoas mais cedo para dentro de seus lares. A garota tece precisamente cada ponto de uma nova veste para o homem que está prestes a mudar sua vida. Ela pensa consigo como Woo foi bom com ela e a tratou com respeito durante toda a vida. Outro homem qualquer teria se aproveitado de sua recente maturidade, de sua beleza, como o filho do chefe da aldeia o fez. Ela se lembra das promessas feitas num leito de amor, da experiência estranha, mas excitante e se envergonha das sensações que sentiu no momento. Em sua mente a moral perde para um sentimento devasso que a acusa em seus pensamentos e a torna uma meretriz. Ela desvia o olhar de Woo, quando ele adentra na casa trazendo o arroz colhido nos campos, com vergonha de si mesma. Woo mantém-se tranqüilo apesar de desconfiar do ocorrido, mas não a recrimina por dentro. Ele sabe como os homens são em relação às mulheres, ele mesmo foi semelhante em sua maioridade. Agora ele lida com a situação dentro de casa e lembra-se da promessa feita a seu irmão de protegê-la. Seria correto enclausurá-la para sempre devido a uma promessa? Protegê-la significaria afastar dela os desejos e a curiosidade que permeiam a mente de uma jovem. Libertá-la seria deixar como decidir seu futuro, sua vida da maneira como lhe agradar. Talvez ela fosse feliz com um esposo, um filho e não sozinha, envelhecendo ao lado de um homem mais velho que nunca a olharia como uma mulher madura.
Próximo ao lago encontra-se Woo calmo como suas margens e sereno como a leve brisa que não chega nem mesmo a incomodar a pequena libélula em seu chapéu. Ele medita e espera encontrar respostas para suas dúvidas na própria natureza. Tudo está calmo e perfeito, seguindo seu próprio caminho sem a interferência do homem, sem ajuda. O pensamento de Woo está um pouco confuso, mas há razão para as coisas acontecerem, interferir pode ser tanto nocivo quanto benéfico. Ele retorna a casa trazendo alguns peixes, disposto dessa forma a consentir a decisão da jovem. A porta está entreaberta como sempre, mas ninguém encontra-se em seu interior. Woo olha através da janela e a procura pela plantação sem nada encontrar.
O centro da vila não é tão longe mesmo a pé. As pessoas estão recolhendo suas ferramentas de trabalho, pois já cai a tarde e somente um sol poente quase desaparecendo no horizonte ilumina as estradas. Woo se lembra do treinamento, o quanto a meditação servia para clarear seus pensamentos e é o que o tornou um homem extremamente calmo. Mas apesar disso a sensação de perda não se afasta e ele não faz nem idéia do que se passa na cabeça da jovem nesse momento. As lembranças da promessa mais uma vez retornam como imagens em sua mente e ele se ouve dizendo as mesmas palavras daquele dia. Só então ele se nota em frente a casa do jovem filho do dono da vila, uma casa, sem dúvida, luxuosa. Há serviçais por toda a casa, alguns são seguranças pessoais, todos fortes e bem armados. Entrar é um tanto difícil, mas nada que um desperto não possa notar e usar a seu favor. Para Woo é apenas uma questão de tempo para entrar na casa.
Noite, lua nova, cenário perfeito. Como uma sombra é fácil deslizar pelas paredes e se mover em silêncio, a mente dos outros faz todo o serviço. Os guardas estão cansados, sabem que nenhum camponês invadiria a propriedade a noite, mas não contam com um camponês em particular. As portas se abrem cuidadosamente sem atrair qualquer atenção, os roncos podem ser contados dos corredores dando uma idéia da dimensão dos quartos. Não leva tempo até que Woo ache a garota, ela está justamente num dos maiores quartos, mas não está sozinha. Há luzes de apenas duas velas iluminado os dois corpos sob o lençol, unidos em meio a um frenesi descontrolado de prazer. Não é uma cena muito agradável de se ver para quem jurou proteger a filha de seu irmão. E bastou alguns segundos para que Woo baixasse sua atenção para que uma serviçal saísse de um dos quartos e gritasse assustada. Constrangidos, todos os envolvidos procuram se esconder como podem. Os passos podem ser ouvidos do lado de fora se recompondo a procura do distúrbio. A moça é subitamente arrastada para dentro de seu quarto por Woo e calada cuidadosamente. Ele nota um certo pânico em seu olhar, nota suas vestes e se dá conta somente agora de como ela é bonita. Nunca havia tomado uma mulher em seus braços dessa maneira e se sentido perturbado assim. Ela consegue gritar novamente por descuido de Woo e ele toma seus lábios um pouco confuso, mas ela se cala... e se acalma. A porta é aberta abruptamente pelos vigias noturnos já de posse de suas espadas. Sem muito pensar, Woo se atira pela janela e corre. Ele despista os guardas, foge, mas lembra-se da moça que viu seu rosto e que agora tem a chance de entregá-lo as autoridades.
A casa nunca esteve tão vazia ao regressar, se antes o silêncio era angustiante, agora ele sufocava Woo. Ela não havia voltado há uma semana, ele ainda esperava de alguma forma que o destino apontasse o caminho a seguir como sempre aconteceu. E ele passava demasiadamente seu tempo meditando, esperando perceber a resposta nas coisas simples da vida. Mas elas não vinham.
As águas seguiram seu destino através da nascente rumo as águas do mar e assim se seguiu a vida naquela aldeia. Alguns anos se passaram sem que Woo tivesse qualquer notícia da jovem. Somente uma carta chegou em suas mãos um dia após a invasão da casa. A carta foi entregue pessoalmente pela mulher que Woo havia tomado nos braços, uma das serviçais da casa que havia se preocupado com a jovem e decidido a ajudar. Na carta havia somente uma despedida breve e um agradecimento gentil. Ela iria se mudar para a América onde se casaria com o filho do aldeão segundo a serviçal.
As palavras daquela carta nunca se apagariam e as lembranças inundavam sua mente para ele se lembrar sempre da promessa. O fogo consome lentamente a madeira que prepara o arroz. Cada vez que a madeira estala um pedaço se quebra e se separa do todo e é rapidamente consumido pelo fogo. Woo observa atentamente o crepitar e sente como se sua mente fosse se esvaziando. Ele logo vê a imagem dos pássaros em sua mente mesclar-se ao mundo real, revoando sobre sua cabeça. Um deles é bastante diferente e voa rumo ao Tibet e para além dele rumo ao Ocidente e pousa sobre uma rosa. As pessoas são diferentes, nem parecem pessoas, andam como os cegos andam, como se estivessem procurando um ponto para se guiar. Elas parecem perdidas em um labirinto de imensas paredes, nessas paredes há outras pessoas e por toda a parte há pessoas e paredes, se misturando e se perdendo umas as outras. O estalo seco da madeira rompe a concentração de Woo e ele se vê sentado em frente ao fogo. Esse tipo de visão não vinham há cerca de dez anos, desde quando passou a controlar seus poderes, logo ele imaginava que o destino tentava lhe dizer alguma coisa. Estava decidido, partiria para o ocidente.

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