contos sol e lua

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domingo, 4 de outubro de 2009

O Templo sete anos depois...


O jovem garoto treina sozinho em meio à neve enquanto a retira da entrada do templo. É um castigo por ter questionado seu mestre diante de seus alunos. Ele olha toda aquela neve e resmunga consigo mesmo em silêncio. O jovem Woo não mais irá levantar a voz com os mais velhos, ele descobriu que ouvindo se aprende mais do que falando. Para seu azar, toda neve que ele varre para fora volta em dobro para dentro e os murmúrios e gracejos a respeito de sua impetuosidade podem ser ouvidos pelas proximidades. Isso o aborrece e fere seu orgulho, pois ele se acha melhor do que as outras crianças e os mais jovens. O pequeno sente raiva das outras, ele pensa nas palavras do ancião sobre o importante destino que carrega e novamente questiona, apenas consigo mesmo - “que direito aquelas crianças têm de me zombarem?” Ele não ouve a resposta, somente o vento soprando e nada mais. E subitamente ele se vê sozinho dos outros e até mesmo do templo. Não há vozes senão a dos ventos e não há frio e nem fadiga, somente a neve repousa sobre o solo. Ele caminha de pés nus sobre a rocha fria e escorregadia até o lago coberto pela fina névoa do início da noite. O lago, não muito grande, apresenta um brilho diferente, como se o céu estivesse limpo e com a enorme lua cheia pairando sobre ele. O cheiro das plantas é mais forte ali e as próprias cores parecem saltar das coisas e vir diretamente nos olhos. O pequeno Woo se aproxima devagar e curioso, ele nunca esteve tão longe do templo e provavelmente não se lembra como voltar. Ele é chamado pelo lago a se aproximar cada vez mais, vendo gradativamente uma imagem refletida em sua superfície. Pouco a pouco, as imagens se revelam diante dele mostrando de forma ainda turva uma jovem em seu leito de morte e um velho segurando tristemente a mão dessa jovem. Uma tristeza invade Woo de forma inexplicável e ele chora quando as imagens do funeral da jovem se iniciam. Ele sente medo, dor e cai quando vê o velho sendo executado. Subitamente ele acorda em um aposento, soterrado por diversos cobertores e com um gostoso cheiro de sopa no ar. Os discípulos Shing e Shang estão diante dele preocupados e ele pacientemente começa a contar onde esteve. Shang conta ao pequeno Woo que ele em momento algum se afastou do templo. Shing explica que uma repentina tempestade o pegou desprevenido e ele não suportou o frio mesmo estando próximo à porta do templo. Eles discutem durante toda à noite a natureza do sonho, mas somente Woo sabe que o que aconteceu ali não foi um simples sonho.

Cap 2

O sonho.
Está menos frio que de costume, o verão começa a aparecer preguiçoso, o sol forçando caminho dentre as nuvens da manhã tornando o momento ideal para iniciar o treinamento. O pequeno Woo ainda treme de frio trajando suas vestes simples, mas seus tutores parecem não se preocupar. O treinamento segue tenso pela parte do discípulo ainda verde, mas maleável. Os já iniciados Shing e Shang são extremamente severos no treinamento e esperam que Woo desperte algum dia preparado e já dominando os primeiros passos do dô. Para isso eles exploram todo o potencial do jovem e o esgotam facilmente. Ele pragueja, chora, naturalmente para uma criança, mas é sempre repreendido pelos seus mestres. Ele aparenta não se interessar muito pelo caminho e às vezes falta com as obrigações, é indisciplinado e atrapalha os outros jovens. Os seus tutores sabem que o mestre é calmo, mas não toleraria indisciplinas no templo e já era hora do aprendiz demonstrar algum resultado ou seria levado dali em meados do verão.
Durante o almoço, geralmente, os indisciplinados fazem alguma tarefa braçal, ficando um bom tempo sem o almoço e Woo já está quase uma semana lavando a roupa de seus companheiros, coisa que ele odeia fazer. Os alunos almoçam todos juntos numa espécie de refeitório e Woo se encontra de novo no tanque de lavagem. Ele pensa em como seria sua vida fora dali, se todas as garotas seriam bonitas como aquela que aparece em seu sonho. Com o rosto triste e com aquele sangue que estão em suas mãos, naquelas mãos velhas e nas mãos novas que ele sabe serem ambas as mãos dele. Súbito, ele se vê deixando o seu corpo como no momento em que morreu e não mais compreende o que acontece ou aconteceu. Como um turbilhão, ele sente a dor e o renascer, a carne se recolhe e estica e ele está frente aquela jovem. Ela treina o caminho que ele não sabe aparentando ter pelo menos oito anos. E ao que tudo indica ela é esperta, aprende rápido, ao contrário dele. Ele vê a dedicação nos olhos dela e ela o vê e sorri. No entanto, ela é impulsiva e um tanto arrogante e novamente ele a vê moça, bonita, sendo morta e o sangue mancha suas mãos e ele se vê frente a um velho. O velho o olha com tristeza e Woo, de alguma maneira, sabe que se ele a tivesse impedido de fazer alguma coisa se ele não tivesse falhado com ela.
O silêncio se quebra com a respiração forçada de Woo em frente ao tanque. A água rebate várias vezes nas extremidades do tanque, suas mãos estão molhadas e a roupa faltando mais da metade, com certeza ele demoraria muito mais. Os outros alunos já voltaram para o treinamento e Woo novamente se vê preso nas suas obrigações. Ele entende agora como sua indisciplina pode estar atrapalhando o seu próprio curso natural, que estagnado ele iria morrer e ter que repetir o mesmo erro que um dia cometeu. Woo se lembra de algumas palavras dos seus mestres, algo sobre não temer o que irá acontecer, porque de alguma forma irá acontecer, como em um rio, onde as águas nascem e morrem. Você escolhe o caminho,mas a origem e o fim são uma coisa só, ambos são água, invariáveis. Então, novamente, ele olha dentro do tanque, a água ainda está levemente agitada mas aos poucos ela pára e ele agora consegue ver, por inteiro, o seu reflexo.
Os dias seguem tranqüilos e para espanto de seus tutores Woo segue seu treinamento a risca, sem nenhuma reclamação. E assim o verão se passa sem que Woo saia do templo. Ele agora já acompanha os outros alunos e se dá melhor com eles. Tudo ocorre bem até o dia em que o grande ancião falece, no início do inverno. A ordem se desestrutura e duas facções surgem ambas seguindo os preceitos do velho ancião. De um lado os mais sábios e contemplativos e do outro os mais combativos e artistas marciais. A princípio ocorre a separação dos dois lados e os artistas deixam o templo, entre eles Shang, um dos tutores de Woo. O treinamento de Woo passa a ser mais filosofal e defensivo, portanto mais dedicado a paz interior e a busca de iluminação. Mas as noites de Woo passam a ser marcadas por constantes pesadelos, vozes, locais estranhos, pessoas estranhas e uma figura estranha. Seu rosto nunca é visto, mas sua fisionomia é sempre lembrada, assim como sua voz que sempre o questiona. E várias noites ele acorda com a jovem em sua cabeça e a mesma voz ecoando nas trevas.

Revelações.
O jovem completa mais uma seqüência de treinamentos com sucesso, sua dedicação o colocaram frente a frente com os melhores de sua idade. Ele observa a paisagem da beira do penhasco coberta por uma fria serração num momento de serenidade e sente um estalo seco de um galho que se quebra. O galho cai próximo dele chegando a arranhá-lo levemente e se quebra no chão. Woo nota um pouco de seiva, ainda que muito pouco, daquele galho, a maneira como quebrou transversalmente. Um sentimento ruim ocorre em sua mente, como um presságio que não consegue explicar-se. Momentaneamente, ele nota uma silhueta familiar subindo a colina por detrás dos arbustos, avançando rápido ignorando o cansaço como só um conhecedor do caminho ou alguém totalmente determinado o faria. O jovem espreita atenciosamente quando o homem pára e atira uma pedra em sua direção. A pedra acerta em cheio sua cabeça e Woo acaba denunciando sua posição. Shang aparenta estar mais cansado espiritualmente do que fisicamente e Woo nota como o treinamento dele deve ter sido totalmente voltado para o físico. Shang se aproxima e estende a mão para erguer Woo revelando algumas cicatrizes pelos braços. Algumas cobrem parte do pescoço e parecem descer pelo peito. Woo se pergunta que tipo de treinamento ele estava recebendo e onde ele esteve durante todo aquele tempo.
Eles se recolhem no templo onde Shang é recebido com desconfiança e hostilidade. Woo imagina que más noticias ele pode estar trazendo apenas observando os traços de preocupação no rosto dele. Woo sabia quando Shang ficava preocupado e aparentemente as coisas não estavam nada boas. Em meio aos gritos e exaltações Woo escuta passos vindos do penhasco onde estiveram, aproximadamente cinqüenta homens, pela maneira como andam estão empunhando armas. Um homem se destaca como líder, sua voz é severa, firme, mas baixa. Um grupo avança com cordas pelas laterais, um grupo se posiciona pela frente. Estão apreensivos mas confiantes, alguns hesitam por um momento. Os arqueiros tomam suas posições, flechas são arqueadas, a maioria acertará os monges precipitados em conter os ataques laterais, o portão é arrombado neste momento com um aríete e homens empunhando lanças empalam aqueles que um dia foram seus irmãos... O sangue vem de toda a parte, banha os céus e a terra, escorre pelas águas, cobre os olhos e enche os pulmões. A vida se esvai como um sopro, Hu Li é acertado por um projétil de fogo em sua cabeça, ele não tem tempo de implorar por Buda. Pai é atravessado por uma lança empunhada por aquele que um dia o ajudou a se levantar no treinamento. Só há tempo dele derramar uma lágrima. Três jovens que chegaram no verão passado morrem abraçados chorando. Cada um tinha doze anos e lembraram de suas mães pela última vez. Atrás de Woo um irmão tem sua cabeça arrancada ao meio por um facão. Lao é espetado mais de vinte vezes até morrer, seus atacantes desferem mais doze golpes até concluírem que ele morreu. A estátua de Buda é manchada de sangue, logo depois despedaçada pelo aríete junto com cinco irmãos que entraram no caminho. Todos morrem ali.
Shing balança levemente Woo e ele volta a si, pálido como cera, ainda golpeado pelas visões que recebera. Aquilo iria acontecer?. Shing já tinha conhecimento de algumas visões de Woo e já podia deduzir que algo ruim tinha acontecido ou iria acontecer. Mas no fundo ele temia que estivesse acontecendo nesse momento. Woo olha para Shang, ele só reclina sua cabeça para baixo e seus olhos enchem-se de lágrimas. Rapidamente Woo tenta gritar com todos, mas eles só estão preocupados em acusar Shang. As primeiras cordas são disparadas pelas laterais do templo. O coração dispara como nunca em Woo, um desespero toma conta dele, só há tempo de segurar Shing e Shang e impedir que eles avancem em direção a chuva de flechas que cai a poucos metros dali. O portão é arrombado, vários caem mortos sem entender o que aconteceu. Shing se vira para Shang mas é golpeado em seu centro nervoso e cai paralisado. Woo se assusta, golpeia Shang com fúria acertando seu peito. Woo é paralisado da mesma forma. Só há tempo de virar o rosto quando os três meninos são cercados. Ele segue até o aposento do velho mestre, carregando os dois nos ombros ainda conscientes. Há dois espadachins se aproximando da porta eles se entreolham e ordenam a Shang para se livrar dos corpos. Ele abaixa sua cabeça e deixa os corpos caírem próximos aos seus pés. Shang então saca dois punhais e os arremessa certeiros em cada cabeça. Os dois morrem imediatamente sem tempo de esboçar qualquer reação. Os dois espadachins caem e seus sangues se misturam ao chão. Ele recolhe os corpos de seus amigos no chão, assustados, e seus olhos novamente se enchem de lágrimas. Ele os carrega para dentro do aposento do mestre e reforça a entrada. O mestre o olha tristemente e balança sua cabeça com reprovação, mas sabe que seu destino era trair seus irmãos. Andando devagar e com dificuldade o velho pega um vaso com água quente e a despeja sobre uma banheira larga. Ele repete isso pacientemente e diversas vezes e pede para os três entrarem na banheira. O velho então começa a banha-los com água fria e uma estranha bruma começa a sair da banheira. Ela cobre aos princípios o chão mas rapidamente ela se espalha pelo teto e paredes conforme o velho despeja mais e mais água. Os três escutam a porta sendo arrombada e sentem em suas almas um poder nunca antes imaginado irradiar do mestre, eles podem sentir pelo ar, é como o tilintar de centenas de sininhos em suas cabeças. O barulho vai se tornando ensurdecedor, a visão vai sendo nublada até nada mais ser visto. A água começa a entrar pelo seus ouvidos e o barulho vai se afastando até desaparecer. Todo o corpo parece estar imerso em água, não há como respirar, somente uma luz brilha sobre suas cabeças. Shang arrasta os dois para cima e percebe que eles estão agora no lago um pouco afastado do templo. Ele pode ver fumaça se esvaindo ao longe e se pergunta quanto tempo teria passado. Ainda estava de dia, mas não parecia haver perigo por perto até então.
Algum tempo se passa até que os outros dois recobrem os movimentos. Woo se levanta com dificuldade se posicionando para lutar, mas não haverá luta naquele lugar, naquele momento. Seu corpo ainda não reage muito bem aos estímulos, sua visão está um pouco turva e a cabeça dói. Shang encosta próximo a árvore esperando os dois se aproximarem, ele parece estar sentindo alguma dor em seu peito. Ele começa a contar o que aconteceu no dia em que eles partiram do templo: o treinamento brutal que receberam nos charcos onde muitos pereceram. Todos os irmãos estavam empolgados a princípio com a idéia de usar o treinamento para mudar o mundo de modo a evitar que uma desgraça futura ocorresse. Um homem muito sábio que tinha visões havia previsto a morte de centenas de camponeses e que seus lares seriam cobertos pelos espíritos elementais do ferro. Um homem governaria todos com seus soldados e seu coração de metal e haveria lágrimas e dor onde quer que ele chegasse. O elo para tal evento acontecer estava em uma das pessoas do templo e Shang imaginava que poderia se tratar de Woo. Mas as ambições desse sábio obscureciam sua mente, Shang, sempre mais ponderado perguntava se essa era a saída certa. Mas esse homem tinha uma mancha negra em sua alma, uma obsessão que o devorava por dentro, tirando-lhe a razão, arrancando sua sanidade. E logo ele queria fazer tudo para concretizar seus planos. Tamanho era o fanatismo que Shang teve sua esposa ameaçada se ele não retornasse com a cabeça de um de seus antigos irmãos. Shang naquele dia decidiu que a única maneira de sua esposa, grávida nos primeiros meses, ser poupada era morrer em um combate.
Shang reclina sua cabeça para trás, a respiração forçada e devagar anunciando sua morte. Ele não teria coragem de matar seus irmãos, preferiria morrer, quanto aos outros, ele diz que os que se recusaram foram expulsos da ordem para morrerem pouco depois, pelos assassinos. No fundo da alma Shang teme que o sábio tenha relação com o próprio Imperador e revela isso aos dois. Ele mostra orgulhoso o ferimento causado por Woo em seu peito, o mesmo que está matando-o lentamente e revela a Shing, e somente a ele, que o pequeno discípulo está próximo a despertar. Eles tomam a sua mão e fazem uma prece a Buda antes de Shang fechar os olhos para sempre.Wikepédia

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