contos sol e lua

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domingo, 4 de outubro de 2009

Woo Shing Shang.


"Algumas pessoas acreditam que quando morremos, alcançamos um estado de perfeição e ascendemos caminhando para um local de equilíbrio e paz onde o criador nos aguarda. Nosso espírito não mais retorna senão no dia do Juízo, onde todas as almas serão julgadas. Mas algumas pessoas acreditam que os espíritos retornam e retornam até que cumpram seus objetivos nesse mundo. Suas essências vagam por eras e eras buscando ascenderem em suas muitas vidas, vivendo cada uma de maneira diferente, mas mantendo único o seu objetivo."
CAP 1

Tibet, 1939.

A mulher caminha com todas as suas forças seguindo por uma trilha íngreme entre os montes tibetanos. O vento castiga sua pele frágil e branca, ela balbucia consigo mesma e com o bebê que carrega em seu ventre alguma coisa sobre o velho que não resistiu ao percurso. Por dois dias ela caminha sozinha levando apenas alguns peixes e água da própria neve quando derrete. A caminhada é profundamente exaustiva e as esperanças de encontrar a sagrada ordem dos anciões da montanha vai se tornando cada vez mais estéril à medida que a vida vai deixando seu corpo. A mulher não desiste, ela não contesta os fatos, ela simplesmente caminha, pois sabe que a criança em seu ventre possui um destino importante e não cabe a ela interferir.

O caminho vai se tornando mais e mais tortuoso com a fria nevasca que não cessa por dois dias inteiros. Já não há qualquer sinal da trilha nesse tempo e a neve não mais derrete. Por um momento a mulher se senta e lamenta num choro abafado, sem forças para continuar. Não há esperança. Ela pensa na profecia que se revelou em seus sonhos, onde caberia a ela entregar a criança aos anciões da montanha. Ela se lembra da promessa feita a si mesma e a criança em seu ventre. Mas não imaginava que seria tão difícil assim para ela. Não há vozes.O coração dela bate com extrema dificuldade, ela tenta cantar uma canção bonita da qual se lembra, mas a voz não sai. Os braços e pernas não respondem quando ela tenta se encolher ainda mais do frio. Não há luz... Não há nada. Subitamente ela se levanta extraindo forças de si mesmo. A mulher sabe que não haverá milagres, nenhum anjo, nenhum peregrino, nenhuma luz aparecerá em seu caminho. Ela fez uma promessa ao bebê e fará de tudo para cumpri-la.

A Irmandade de Akasha, três dias depois.

Leng Shing e Fao Shang treinam afastados do templo condicionando os seus corpos e mentes a suportar o inverno rigoroso da montanha. Eles são aprendizes do dô, mas dedicam-se de maneira exemplar até mesmo para um discípulo hermético. Os movimentos expiram graça, mas os conhecedores do estilo sabem o quão mortal essa arte pode ser se empregada para atacar. Eles se movem como se fossem levados pelo vento, dançando através da neve como se fizessem parte dela. Eles se empenham cada vez mais no treinamento buscando algum dia escreverem suas histórias no registro akáshico.

Os jovens treinam assim normalmente durante toda a manhã, é uma forma de aprendizado descobrindo em si a harmonia com a natureza. Eles terminam o treinamento matutino e compartilham o que aprenderam individualmente e então retornam. Prestes a partir, no entanto, observam um corpo em meio à neve já tombado. Eles notam que se trata de uma mulher. O pulso quase perdido ainda resiste, a respiração lenta e forçada mantiveram uma criança viva em seu ventre. Ninguém se atreve a escalar a montanha durante o inverno, os próprios jovens em treinamento não são aconselhados e eles mesmos já ouviram dos eremitas que já passaram por perto que esse feito é impossível perto dessa época do ano. Mas a mulher é a prova que toda regra tem uma exceção, ela é um exemplo de coragem e determinação que com certeza serão lembrados e comentados entre os jovens daquela ordem.

Eles agem rapidamente em levá-la para dentro do templo diretamente a um dos anciões. Ele é velho e experiente, com certeza ciente de como se proceder nessas emergências. Porém, não apenas a fadiga e o frio abateram a mulher. O ancião calma e decisivamente percebe o trabalho de parto por vir e providencia água um pouco morna e uma toalha para trabalhar. O templo que outrora recebeu mulheres, não contava com nenhuma há alguns meses e o que deveria ser um dia como qualquer outro se revelara um aprendizado completamente diferente. Assustados, Leng e Fao transpiram mesmo estando frio dentro do grande salão. Eles olham ao redor desviando os olhos da mulher, inundados de rubor e ansiedade, mas sempre que retomam os olhares ela está ali sofrendo as dores da vida, recobrando a consciência para continuar o suplício. O ancião, com apenas um olhar os repreende e intima a ajudá-lo. Apreensivos, eles começam a auxiliar o velho, ainda um pouco tímidos. Eles se entreolham a cada minuto com toda a tensão estampada nos rostos e escutam o murmurar da mulher entre uma dúzia e meia de gritos. Os jovens observam uma serenidade forçada vinda do velho e só então percebem que a mulher não resistirá ao parto. Decorridos uma infinidade de minutos, nasce a criança. Mesmo sob as condições diversas a que mãe submeteu-se, os discípulos notam que o bebê não sofreu quaisquer injúrias. O ancião tenta uma última vez salvar a mulher da morte, mas ela balbucia algo que só ele escuta. Ele então toma a criança em seus braços e a aproxima da mãe. Ela fala com dificuldade ao velho e pede com um sutil gesto que os jovens se aproximem. A mulher sorri para os jovens, se aproxima da criança, beija sua testa e canta uma bonita canção de ninar até se silenciar para sempre.Wikepédia

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