contos sol e lua

contos sol e lua

sábado, 2 de julho de 2011

Hafiz.[Poemas]


Em meu pensamento perdido,
a imagem de tua boca não desaparecerá jamais,
nem pela crueldade do Céu,
nem pela aflição dos séculos.
Na pré-eternidade meu coração já estava
ligado aos cachos dos teus cabelos;
até o final dos tempos ele será dócil
e manterá o pacto.
Tudo o que está neste pobre coração passará,
salvo o peso dessa dor por ti que
jamais deixará meu coração.
Teu amor invadiu a tal ponto
meu coração e minha alma que,
se minha cabeça tombasse, ele continuaria...

Vê o Um, escuta o Um, conhece o Um:
nessa fórmula estão o princípio
e os corolários da Fé.



GHAZAL

Para a Aliança que firmamos Contigo,
na plenitude da Crença,
possamos permanecer crentes até o dia do Julgamento,
como Moisés, que freqüentemente perguntava:
“Poderei eu Te ver, oh meu Deus?”

Possamos tocar a lira
e, com mãos estendidas para os céus,
murmurar orações
para que aqueles que são próximos de Ti
possam beber do vinho do amor.

Do mais alto dos céus
proclamaremos Teu nome ao som de tambores.
Na abóbada celeste
possamos desdobrar a qualidade de nosso amor.

No dia da Ressurreição
tomaremos um punhado daquela terra que é Tua
e humildemente cobriremos nossas cabeças
para Tua maior glória.

Oh Hafiz!
Nunca submeta seu orgulho a uma infame criatura,
pois encontrarás o que está procurando
unicamente na eterna Luz do Universo.



A CANÇÃO DE SAKI

I

Vem, Saki, vem, traz teu vinho extático,
Que aumenta a graça e aperfeiçoa a alma;
Enche minha taça, estou desesperado,
Tanto tempo separado de ambas.

Traz teu vinho, Saki, e a taça de Jamshid
Poderá resistir à visão do grande vazio;
Verte, que com a taça, fortalecido,
Possa ver cada segredo, como Jamshid.

Traz, Saki, traz teu divino e alquímico elixir
Que dá a idade de Noé e o tesouro de Korah.
Verte, e então se abrirão para ti
As portas da fama e da imortalidade.

Traz vinho, oh Saki, e sua imagem nele
Saudará a Kosroés e a Jamshid;
Verte, e ao som da flauta contarei
Que foi de Kaús em seu dia, e de Jamshid.

Canta deste velho mundo e com tuas cordas
Faz uma proclamação aos reis anciães.
O mesmo deserto distante ainda se estende
Onde Salm e Tur suas tropas perderam.
Ainda se ergue o mesão desmoronado
Que Afrasiyab acreditou ser seu palácio.
Onde estão os capitães que dirigiram suas hostes,
E onde o paladino que marchava à sua frente?
Alto era o palácio, a ruína foi sua sorte;
Sua própria tumba na memória se perde...

II

Traz, Saki, tua virgem castamente velada,
Ao ébrio morador da taverna agasalha;
Enche a taça, estou ávido de má fama,
E busco no vinho minha vergonha máxima.

Traz, Saki, esse sumo embriagador
Que bebem os leões, e que cause estragos.
Verte, e abrirei a armadilha deste mundo
Como um leão, e me alçarei dominando o espaço.

Traz o vinho, oh Saki, que a hurís especiam
Com paradisíaca fragrância angélica;
Verte, e lançando incenso ao fogo,
Lograrei da mente o prazer eterno.

Traz, Saki, teu vinho que outorga tronos;
Meu coração de sua pureza é testemunha,
Verte, para que diluído em seu rio
Possa surgir triunfante deste poço.

Por que ainda deste corpo me encontro cativo
Quando me chama um espiritual jardim?
Dai-me de beber, cumula-me de vinho
E observa o saber e poder que há em mim.

Deixa que tua taça às minhas mãos passe
E contemplarei o mundo nesse cristal;
Ébrio entoarei sagrados cantares
E julgarei ser rei em minha mendicidade.
Quando embriagado Hafiz se ponha a cantar,
Em sua esfera Vênus, o aplaudirá.



O DESPERTAR DO AMOR

I

Eh, Saki, rápido, traz o vaso,
Preenche-o e passa-o ao redor;
Quão fácil parecia no principio o amor,
Mas que despertar mais árduo!

II

A brisa matutina há pouco levou
Em suas tranças tão doce fragrância,
Que desastre para o coração se achava
Nesses cachos tão almiscarados!

No caravançarai da vida,
Que escassa é a segurança que tenho,
Quando a campainha gritar num momento:
“Atai vossa carga; a hora é vinda!”.

III

Sobre o tapete de oração, deixa fluir o vinho
Se assim solicita o taberneiro;
Aquele que deseja seguir este caminho
Conhece bem suas formas e seus métodos.

IV

Fixai-vos em minha louca carreira,
Da insensatez à infâmia;
Mas como se poderia ocultar
O mistério que os homens festejam?

Um mar de montanhas, a lua escondida
E o terrível rugido do torvelinho próximo.
Como podem saber de nosso laborioso trabalho
Os que passeiam, ligeiros de carga, pela margem?

V

Hafiz, se queres conseguir sua graça,
Jamais te ausentes de teu lugar;
Quando contemplares seu rosto bem amado,
Esquece-te, ao final, do tempo e do espaço.



DOCE DONZELA

Doce donzela, se deleitasses minha vista
e pedisses que em teu pescoço rodeassem meus braços,
essa mão de lírio, essa rosada bochecha,
para teu poeta seriam mais apreciados
que todo o ouro de Bokhara
e as jóias de Samarcanda.

Rapaz, deixa fluir o líquido de rubi
e pede ao teu coração pensativo que se alegre,
não importa o que os carrancudos
fanáticos possam dizer:
Contesta-os que o seu Éden não pode ter
um arroio tão claro como Ruknabad
nem um roseiral tão belo como Mosalla.

Ah, quando estas pérfidas donzelas,
cujos olhos assaltam nossas moradas secretas
seus queridos e destrutivos encantos mostram,
cada mirada meu terno peito enche
e rouba ao meu ferido coração o descanso,
como capturam à sua presa os tártaros.

Nosso seio com amor resplandece em vão,
podem todos nossos suspiros e lágrimas
dar novo lustre àqueles encantos?
Por acaso nas bochechas onde nascem rosas vivas,
e a natureza verte suas tintas exuberantes,
requerem o brilho emprestado da arte?

Não fales do destino: ah, muda o tema
e de aromas e vinho conversa;
fala das flores que ao redor nosso brotam:
tudo é uma nuvem, tudo é um sonho,
pensa só no amor e na felicidade,
não esperes transpassar a melancolia sagrada.

Tão irresistível é o poder da beleza
que inclusive a casta dama egípcia
pelo belo hebreu languidescia:
fatal foi a hora para ela
em que apareceu nas margens do Nilo
um jovem tão galante e tão frívolo!

Mas atende, doce donzela, ao meu aviso
(a juventude deve escutar quando aconselham
aqueles aos quais fez sábios a experiência):
enquanto a música alegre os ouvidos,
e a vista goze das taças e sua luz,
desfruta e despreza os sinais da senilidade.

Que cruel resposta escutei!
E sem embargo, pelo céu, ainda te amo:
dito por ti, o que poderia ser cruel?
Mas a amarga palavra como foi (sair)
pelos rios de doçura de teus lábios
que somente hão bebido mel?

Com valor se lança meu cantar
e fluem seus acentos com torpeza
como pérolas orientais unidas ao azar:
tuas notas são doces, dizem as donzelas;
oh, mas é ainda muito mais grata
a Ninfa por quem estas notas cantam.



AMÁVEL ZÉFIRO

Vai, amável zéfiro, e saúda em tom silencioso
A essa gazela dos pés ligeiros;
Dize que buscando-a percorro
Os terríveis abismos, a selva do amor.

Mercador que vendes a doçura
(Que o céu te outorgue longa vida!),
Por que com aversão assim esqueces
A tua ave canora cheia de ternura?

É acaso, oh rosa, tua beleza
Que orgulhosa se afasta do amor,
Quem te impede de escutar a lenda
De teu companheiro, o rouxinol?

Não sei por que é tão difícil achar
A cor da sinceridade
Em ninfas de majestosa graça,
De olhos negros e rostos de prata.

Pois ainda que teu rosto seja angelical
Uma só falta mancha sua beleza;
Teu encanto, que não tem fé nem constância,
Faria com que a aurora sentisse vergonha.

Controlamos com gentis maneiras
A alma sábia pelo juízo iluminada:
Nem inútil armadilha, nem falácia brilhante
Capturam a ave experimentada.

Como assombrar-se, Hafiz, se teu labor,
Cuja sonoridade encanta a planície etérea,
Tenta as mais solenes estrelas
A dançar com a estrela do amor?



CANTO DE PRIMAVERA

O inverno abandona a planície com passo severo
E a primavera brinca alegre pelas pradarias,
O doce rouxinol entoa seus lamentos
E sua amada rosa esparrama suas belezas.

Oh Zéfiro, enquanto sopras tua brisa suave
Carregada de aromas dos bosques da Arábia,
Murmura minhas saudações pelo teu fértil vale
E diz à formosa Layla que seu poeta a ama.

Com uma mirada celestial da amada donzela
Saltaria de gozo meu coração arroubado;
A seus pés, humilde, inclinaria a cabeça,
E com as sobrancelhas varreria o solo sagrado.

Se os néscios que roubam da religião o viço
E criticam os doces deleites do amor
Vissem a Layla, não desejariam mais o Paraíso
E por seu sorriso dariam o celestial gozo.

Não te fies da fortuna, enganoso encanto,
Da qual os sábios fogem e adoram os estúpidos.
Enquanto sorri, soa o alarme o Destino,
Gira sua roda e ficas para sempre submergido.

Por que erigis, ricos e poderosos,
Cúpulas principescas e torres infinitas?
Enquanto tudo brota triunfante em vosso entorno
O Anjo da Morte conta vossos dias.

Doce tirano, nesse peito endurecido
Não guardes mais meu coração, meu seio em teu trono real;
Deixa que ali descanse seu palpitar
E goze de deleites que ignora a alma vulgar.

Esses olhos feros, o que significam?
E os cachos que emprestam ao ar seu odor?
Minha esperança voa despavorida,
Cai meu amor presa da desesperação.

Não armes essas sobrancelhas de arco celestial,
Oh doce donzela, com tanto desprezo;
Não faças que um desditoso, tão afogado já,
Abatido padeça sua dor eterna.

Não sejas mais escravo dos seres formosos:
Bebe, Hafiz! Desfruta, desafoga teu ânimo,
Com valor depreza ao hipócrita rufião
Que usa a religião em defesa do pecado.



RUBÁIYÁT de HAFIZ - seleções
(Tradução de Aurélio Buarque de Hollanda)

(Rubays relacionados à Sabedoria Sufi)



Quando os botões de rosa entreabrem os cálices,
Narciso ergue sua taça em honra do vinho.
Ah! Feliz o que sabe a canção báquica
e liberta a alma pelo culto ao grande deus.

* * * * *

Dá-me desse velho vinho, lembrança de algum sultão extinto,
para que eu possa com uma nova paleta pintar a vida.
Oh! torna-me indiferente a este mundo insensível,
para que eu possa cantar-te o desejo do mundo.

* * * * *

Vem, amemos e bebamos à margem do rio.
Afogaremos em nossas taças o nosso leve desassossego.
A vida tem a duração da rosa: dez dias preciosos.
Que o dourado laço do riso prenda, então, esses dez dias.

* * * * *

Ó namorados felizes, de mãos entrelaçadas,
esquecidos da Roda do Tempo que voa através dos espaços,
quando soar minha hora, saudai o ciclo infinito.
Que outros abris evoquem meu semblante.

* * * * *

Vem, oh vem, traze-me o vinho, fonte de toda a alegria;
despreza os artifícios próprios de inimigos vis.
Bem doces são as palavras que te querem reter,
e doces as que se escoam de lábios ainda mais doces.

* * * * *

Se, como nós, caísseis na armadilha preparada pelo Amor,
somente o Vinho, ele só, vos poderia livrar do desespero.
Discípulos de Baco, abrasamos a vida.
Não vos aproximeis de nós, para não ouvirdes palavras impuras.

* * * * *

Não afastes a Taça de teus lábios
De medo que a Fortuna e a Glória te fujam.
A taça humana contém doçura e amargor:
Doçura do lábio amoroso, amargor da taça.

* * * * *

Minha estrela, cuja grave beleza eclipsa a beleza do dia,
Cresceu, fez-se um astro mais belo que o de Kausar.
Aprisionou todos os corações na covinha de suas faces,
E ordena-lhes, agora, vencer ou morrer.

* * * * *

Caíram-lhe, um por um, todos os véus,
E apareceu um Astro sem igual.
Ó carne tão frágil que o vermelho de seu coração transparece,
Como um rubro rubi ensangüenta a onda radiosa!


* * * * *

Ó Tu, que viste curvar-se ante a poeira do Teu umbral
A fronte orgulhosa do Sol e da Lua,
Não me deixes morrer abrasado na chama da espera,
Nem sentar-me à sombra da nuvem!

* * * * *

Não ouses censurar a violência de um suspiro,
Pois o que ateia a chama pode imprudentemente chamuscar-se.
Ó! Não sejas indiferente às lágrimas noturnas,
Nem aos tristes suspiros da aurora que vem morrer à tua janela.

* * * * *

A dor fez morada em minha alma – meu tormento vem de Ti.
Este querido tormento curará minhas feridas.
Quanto mais depositares Tua vingança em meu coração,
Quanto mais torturado ele for, mais fiel se há de mostrar-Te.

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