segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

As 42 Leis de Maat.

Na mitologia egípcia, Maet ou Maat é a deusa da Justiça e do Equilíbrio. É representada por uma mulher jovem exbindo na cabeça uma pluma. É filha de Rá, o deus do Sol e esposa de Tot(alguns escritores defendem que o deu-lua Thot era o irmão de Ma'at), o escriba dos deuses com cabeça de ibis. Com a pena da verdade ela pesava as almas de todos que chegassem ao Salão de Julgamento subterrâneo. Colocava a pluma na balança e no prato oposto o coração do falecido. Se os pratos ficassem em equilíbrio, o morto podia festejar com as divindades e os espíritos da morte. Entretanto, se o coração fosse mais pesado, ele era devolvido para Ammut (deusa do Inferno, que é parte hipopótamo, parte leão, parte crocodilo) para ser devorado). Os deuses egípcios não eram pessoas imortais para serem adoradas, mas sim ideais e qualidades para serem honradas e praticadas. 1 - Eu não cometi assasinato e nem incitei qualquer ser humano a matar em meu favor 2 - Eu não cometi estupro e nem forçei qualquer mulher a fazer fornificação 3 - Eu não me vinguei e nem " agi " com raiva 4 - Eu não causei terror e nem causei aflição a alguém 5 - Eu nunca fiz ninguém sentir dor e nem forçei alguém a trabalhar pesadamente 6 - Eu nunca fiz qualquer dano ou mal a alguém, nem causei miséria 7 - Eu nunca feri qualquer ser humano e nem forjei qualquer danos aos animais 8 - Eu nunca fiz ninguém lamentar 9 - Eu não tenho nenhum conhecimento do Mal, não agi maldosamente e nem prejudiquei as pessoas. 10-Eu nunca roubei, nem tomei aquilo que não me pertence nem aquilo que pertence a outros. Nunca tomei nada dos pomares nem arrebatei o leite da boca das crianças 11-Eu nunca cometi fraude, nem adicionei pesos a balança e nem fiz o peso ficar mais leve 12-Eu não cometi desperdício na terra arada nem pisoteei os campos 13-Eu não tirei o gado do seu pasto e nem privei qualquer um daquilo que era seu direito 14-Eu nunca acusei nenhum homem falsamente e nem dei apoio a qualquer falsa acusação 15-Eu não falei mentiras, nem falei falsamente para ferir o outro 16-Eu nunca proferi palavras maldosas nem incitei à discussão 17-Eu não agi enganosa e traiçoeiramente, nem negociei desonestamente e nem falei qualquer coisa para ferir o outro 18-Eu nunca zombei de ninguém nem dirigi minhas palavras contra qualquer homem 19-Eu nunca fui intrometido 20-Eu não tirei meu ouvido das palavras do Direito/Daquilo que é certo e da verdade 21-Eu não julguei apressadamente e nem julguei severamente 22-Eu não causei nenhum crime no lugar do Direito e da Verdade 23-Eu não causei nenhum mal que possa ser feito aos empregados pelos seus patrões 24-Eu nunca fiquei bravo sem uma causa 25-Eu não disviei a água do seu fluxo, nem parei o fluxo da água corrente 26-Eu não quebrei a fonte de água corrente 27-Eu nunca turvei a água nem poluí a terra 28-Eu nunca almadiçoei e menosprezei Deus, nem fiz qualquer coisa que Deus "abomina" 29- Eu nunca vexei ou enfureci a Deus 30-Eu não roubei a Deus nem furtei o que foi oferecido nos templos 31-Eu não adicionei nada as oferendas e nem diminui as oferendas 32-Eu não roubei o bolo dos deuses 33-Eu não retirei ás oferendas feitas no corpo morto abençoado 34-Eu não desconsiderei a área designada para as oferendas 35-Eu não mandei embora o gado reservado para o sacrifício 36-Eu não contrariei as procissões de Deus 37-Eu não massacrei com más intenções o gado de Deus Transgressões Pessoais. 38-Eu não agi enganosa e traiçoeiramente e nem agi com insolência 39-Eu não fui por demais orgulhoso, nem me comportei com arrogância 40-Eu nunca magnifiquei minha condição para além do que ela realmente é 41-Cada dia eu tenho trabalhado mais do que é requerido de mim 42-Meu nome não veio além do barco do Príncipe.

sábado, 19 de janeiro de 2013

um poema.

Enquanto acalma sua mente, ouça a sabedoria do sábio... Procure seguir placidamente em meio ao barulho e a pressa e lembre-se da paz que se encontra no silêncio. Tanto quanto possível, viva bem com todas as pessoas. Fale a sua verdade clara e mansamente. E escute os outros, mesmo os estúpidos e ignorantes: eles também têm uma história para contar. Evite as pessoas escandalosas e agressivas; elas afligem o espírito. Se vc se comparar com os outros, pode se tornar vaidoso ou amargo, pois haverá sempre pessoas superiores e inferiores a vc. Viva intensamente seus ideais e o que vc já conseguiu realizar. Mantenha-se interessado em sua carreira, por mais humilde que seja: ela é um verdadeiro tesouro na contínua mudança dos tempos. O mundo é cheio de armadilhas, mas não deixe que isso venha cegá-lo para a presença da virtude. Seja vc mesmo. Sobretudo não finja afeição. Não seja cínico quanto ao amor, pois diante de toda falta de sensibilidade e de todo o desencanto, ele é tão perene quanto a relva. Cultive a força do espírito para proteger-se em caso de um inesperado infortúnio. Mas não se desgaste com temores imaginários. Muitos medos nascem da fadiga e da solidão. Seja gentil consigo mesmo. Vc é filho do Universo, assim como as árvores e as estrelas. Vc tem direito de estar aqui. E, quer vc entenda, quer não, o Universo está se desenrolando como deveria. Portanto, fique em paz com Deus, seja qual for a forma como vc o concebe. E, quaisquer que sejam suas aspirações, na confusão ruidosa da vida, procure manter a paz em sua alma. A despeito de todas as fraudes, enganações e sonhos perdidos, este ainda é um mundo belo. Então, seja alegre e esforce-se para ser feliz.osho.

DESAFIOS.

A vida só é possível através dos desafios. A vida só é possível quando você tem tanto o bom tempo quanto o mau tempo, quando tem prazer e dor; quando tem inverno e verão, dia e noite; quando tem tristeza tanto quanto felicidade, desconforto tanto quanto conforto. A vida passa entre essas duas polaridades. Movendo-se entre essas duas polaridades, você aprende a se equilibrar. Entre essas duas asas, você aprende a voar até a estrela mais brilhante. Nascemos para atingirmos o êxtase, a felicidade suprema, é nosso direito de nascença. Mas as pessoas são tão tolas, nem mesmo exigem seus direitos de nascença. Ficam mais preocupadas com aquilo que os outros possuem e começam a correr atrás dessas coisas. Nunca olham para dentro, nunca procuram em suas próprias casas. Uma pessoa inteligente irá começar sua busca a partir de seu ser interior. Este será o ponto de partida de sua exploração, porque a menos que eu saiba o que está dentro de mim, como poderei sair procurando mundo afora? O mundo é tão vasto. E aqueles que olharam para dentro encontraram imediatamente aquilo que buscavam. Não é uma questão de progresso gradual, é um fenômeno súbito, uma iluminação repentina. Ame algo mais elevado, algo maior, algo no qual você se perderá e que não possa controlar; você pode ser possuído por ele, mas não pode possuí-lo. Então o ego desaparece, e, quando o amor não tiver ego, ele será prece." A vida deveria ser uma celebração contínua, um festival de luzes por todo o ano. Somente então você pode se desenvolver, você pode florir. Transforme pequenas coisas em celebração... Tudo o que você faz deveria expressar a si próprio; deveria ter a sua assinatura. Então a vida se torna uma celebração contínua. Osho.

Eros e Psique.

Há muito, muito tempo, quando os deuses ainda viviam entre os homens, havia na Grécia um rei que tinha três filhas. Todas belíssimas, todas em idade de casar. As filhas do rei eram belas, mas a mais nova delas, Psiquê, era mais do que bela. As palavras humanas não davam conta de descrever seus encantos e os milhares de pretendentes que chegavam ao reino, atraídos pela fama das irmãs, sentiam-se indignos diante dela e sequer ousavam pedi-la em casamento. O reino fervilhava, gente de todos os outros reinos vinham em romarias e se deixavam ficar pela cidade, apenas esperando ver a jovem princesa passar; músicas e poemas eram escritos em sua homenagem, mas Psiquê, no alto do castelo de seu pai, continuava solitária: nenhum homem podia se apaixonar por uma mulher bela como uma deusa. E como os deuses não costumam tolerar os arroubos divinos dos humanos. Afrodite estava mais do que furiosa! Como ousava uma mortal ser mais bela do que a própria Deusa da Beleza? "Vê, Grande Mãe da Natureza, origem de todos os elementos, observa como tu, que és a alma de todo o universo, estás dividindo as honras da majestade com uma simples mortal e como teu nome está sendo profanado pelos humanos!", resmungava a deusa para si mesma. Chamou seu filho - quem senão Eros - o Deus do Amor e mandou, como só mandam as mães: Psiquê deveria se apaixonar pedidamente pelo mais horrendo dos homens. E mal disse, partiu, deixando o filho com a imagem da princesa. Partiu Afrodite, solene, para o mar, onde nascera, e que se abria encantado a cada vez que a deusa tocava os pés nas brancas espumas. Enquanto isso, desesperado com a situação da filha mais nova, o rei havia decidido buscar os conselhos do oráculo do deus Apolo: "Vista a princesa de luto, leve-a à mais alta rocha à beira do mar. Lá, uma serpente alada virá buscá-la e a transformará em sua esposa!". Terrível profecia! Mas como os gregos não costumavam discutir os conselhos dos deuses, a bela Psiquê foi levada em cortejo pelas ruas para cumprir seu destino, em meio às lágrimas e à tristeza de todos. Mas qual seria o destino de Psiquê? Sem querer - ops, como pode uma deusa fazer algo sem querer? - Afrodite não tinha apenas alterado o futuro de sua rival. Sozinho com a imagem da jovem, Eros havia se apaixonado, irremediavelmente. Uma pausa, só para perguntar se você reconhece por detrás do cenário os temas universais que tornam esta história fascinante ainda hoje? Mas espere só para ver... é claro que será Eros em forma de "monstro alado" que vai resgatar Psiquê acorrentada no alto do rochedo. É ele que vai tornar-se seu esposo, com uma única condição: a princesa jamais poderia ver o rosto do marido! Parece fácil, não é? Mas todas as mulheres que um dia tentaram manter casamentos ou relações à custa de varrer para baixo do tapete os aspectos sombrios do parceiro ou da relação sabem que esta é realmente uma tarefa impossível. E foi impossível mesmo para Psiquê. Embora feliz como um gato , vivendo como uma rainha, rodeada de todo luxo de que precisava e com um marido amoroso que só via à noite e no escuro. algo a incomodava. Um dia, alimentada pelas suspeitas das irmãs invejosas de sua riqueza, ela decide descobrir com quem estava realmente casada. Aproximou-se do marido e, pela primeira vez ousou olhar. E, imediatamente, apaixonou-se pelo Deus do Amor. Psiquê, aflitíssima, queria voltar atrás, fingir que nada havia acontecido, continuar sua vidinha, mas não era mais possível. A cera da lâmpada escorreu e pingou no rosto do deus adormecido. E lá está a pobre Psiquê em prantos. Eros, indignado, vai embora sem ouvir as desculpas nem ligar para as lágrimas da esposa. E, de certa forma, é neste momento que a história começa de verdade. Porque, para recuperar o amor e a confiança do marido, Psiquê precisa percorrer um longuíssimo caminho. A viagem da alma. Em grego, Psiquê significa "alma". No momento em que conhece o esposo, a jovem se transforma em mulher, apaixona-se e precisa sair em busca de si mesmo. A história de Psiquê foi usada pelos estudiosos como analogia para a história do desenvolvimento da alma. E não são fáceis estes movimentos da alma. Assim como a jornada de Psiquê, o caminho do autoconhecimento e do amor verdadeiro é cheio de perigos, cheio de armadilhas. Nenhum herói se faz sem provar sua coragem e sua competência. Psiquê é uma história de heróis, feminina... Quando parte em busca do amado, Psiquê está absolutamente só... mas grávida (talvez porque as mulheres, quando decidem percorrer seu caminho feminino, nunca estejam de fato sós; talvez porque toda decisão de mudança faça germinar uma semente de possibilidades). Mesmo assim, nem os outros deuses se atrevem a ajudá-la. Finalmente, é levada até a própria Afrodite que, como não poderia deixar de ser, uma vez que este é um legítimo conto de fadas, impõe à moça várias tarefas, para testá-la ou para destruí-la. As tarefas de Psiquê. Seu primeiro trabalho é separar um gigantesco monte de grãos variados em pilhas organizadas. E como não podia pedir ajuda aos deuses, Psiquê chama pelas pequenas criaturas da terra e as formigas vêm em seu auxílio. Depois desta, Afrodite manda a nora trazer a penugem de ouro que cobria a pele de uns carneiros ferozes que vagavam pelos campos. Mais uma vez, quem salva a moça é uma criatura da terra, um junco que lhe dá bons conselhos: "seja paciente, menina, aguarde o momento certo. Quando cair a noite, os ferozes carneiros não vão parecer tão ferozes, nem tão ameaçadores para quem traz em si a semente do feminino”... Para completar a terceira tarefa, Psiquê deve trazer a água da fonte que alimenta os rios infernais, no cume de um rochedo. Desta vez, quem vem ajudar a jovem é a águia de Zeus, a pedido de Eros, que começava a sentir saudades da esposa. Afrodite dá ainda à moça uma última tarefa. A mais difícil. E se você - que está lendo - é mulher, vai concordar... Psiquê deve descer até as profundezas do mundo subterrâneo e pedir o creme de beleza de Perséfone, a rainha do Hades. Quando a moça já vem vindo de volta, quase chegando, quase vitoriosa, não resiste e abre a caixinha, na esperança de passar na pele um pouquinho só do creme mágico e tornar-se mais bela... para Eros. E no mesmo instante, é envolvida pelo sono da morte! Não, nem adianta se impacientar com a vaidade da moça. Erich Neumann, que conta a história no belo livro Eros e Psiquê, comenta: no momento em que escolhe o fracasso de forma tão paradoxal, Psiquê realiza seu destino feminino. E é um Eros que não tem mais nada do menino ferido, que busca abrigo nas pregas da saia da mãe, quem vai acordar Psiquê. Ele devolve o sono à caixinha, toca a mulher com a ponta de suas asas e diz a ela para ir cumprir sua tarefa até o final, sem medo. É ele que vai ao Olimpo solicitar a benção dos deuses para o casamento. E é ele que pede a Hermes, o deus-guia, que conduza Psiquê à sua nova e eterna morada. A história acaba como devem acabar todas as histórias: os deuses comemoram as núpcias de Psiquê e Eros com um grande banquete. Zeus oferece à jovem o néctar da imortalidade. Afrodite, a Grande-Mãe, ora terrível, ora bela, apaziguada, recebe sua nora. E juntas celebram o mistério do nascimento e do renascimento, quando Psiquê dá à luz uma menina, Volúpia. que vai ser chamada também, Deleite ou Bem-aventurança. Expressão mais do que feminina da união entre o humano e o divino.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

SOLIDÃO DE DUENDES.

Enquanto não se cumpre o ditame do destino... Sofro, mantendo a luz dentro de mim, Mesmo na noite A solidão de duendes... O silêncio o vento, invocam ao beijo Que não bebi nos teus lábios. A Lua reflete seu brilho, Avivando suas opiniões que são minhas, Um ou dois, são quantos parecem Aos olhos da alquimia de quem ama. Da mocidade A amargura da cura finda, Ao ver os ídolos todos nus Na dura realidade da mente e, afinal brilha um raio Que ilumina a cegueira... E faz, no silêncio de um olhar, Nos tocarmos... Sonho o que mortal algum sonharia Assim, devolvo a paz ao coração Onde repousa a dor Que flutua quando surge a tua luz E desperto radiante Como a estrela que se ergue em teu olhar. Brindo, a cada alvorecer e, Com o sol a despertar-me Trazendo consigo O desenho perfeito de teu rosto. Brindo, em taças o vinho da vida que renasce, Quando renasço, quando te vejo. Como a um bailado de luzes multicores, Quando por pequenos momentos Estendo minhas mãos E tua face parece que toco. Ana Maria Passos.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O Banquete, de Platão.

Em O banquete, Platão define o amor como a junção de duas partes que se completam, constituindo um ser andrógino que, em seu caminhar giratório, perpetua a existência humana. Esse ser, que só existe no mundo das idéias platônico, confere à sua natureza e forma uma espécie peculiar de beleza: a beleza da completude, do todo indissociável, e não uma beleza que simplesmente imita a natureza. Assim, temos em Platão, uma concepção de belo que se afasta da interferência e da participação do juízo humano, ou seja, o homem tem uma atuação passiva no que concerne ao conceito de belo: não está sob sua responsabilidade o julgamento do que é ou não é belo. A dialética de Platão aponta para duas direções: o mundo das idéias, num plano superior, do conhecimento, que é, ao mesmo tempo, absoluto e estático; a outra direção segue para o mundo das coisas, dos humanos. Este, de aparência sensível, é constituído pela imitação de um ideal concebido no mundo das idéias: portanto, num processo de cópia. Gilles Deleuze aponta para uma terceira possibilidade que quebra a dicotomia platônica: a cópia fiel e o simulacro, não mais tido como degenerescência da semelhança ao mundo das idéias, um mero fantasma. Para os gregos, o belo artístico situava-se no embate entre as boas cópias e o simulacro. O Banquete não pode ser considerado um diálogo; tende muito mais para um duelo no qual os participantes pretendem fazer, cada qual, o melhor discurso sobre a amizade. O início da obra lembra-nos outras de Platão: alguns estão em caminho para a cidade quando são interrompidos por outros e se colocam a discutir determinado assunto. Desta mesma forma acontece em A República (Sócrates e Glauco estão descendo do Pireu e terminam na casa de Céfalo) e no Fedro (Fedro, depois de ouvir Lísias, encontra Sócrates no caminho para a cidade e se colocam a debater o discurso retórico de Lísias). No Banquete, Apolodoro e seu Companheiro (a obra não revela o nome dele) estão indo de casa, em Falero, para a cidade quando são interrompidos por Glauco: Recentemente, quando eu subia de casa, em Falero, para a cidade, um conhecido que me tinha visto por de trás, gritou de longe, em tom de brincadeira: Ó cidadão de Falero, de nome Apolodoro! Por que não esperas? Então, me detive para esperá-lo. E ele: Apolodoro, me falou, andava à tua procura, porque desejo obter informações precisas a respeito da conversa de Agatão com Sócrates, Alcibíades e os demais convivas do banquete dado por ele, em que proferiram vários discursos sobre o amor. Aristodemo havia estado presente no banquete no qual se deu a discussão a respeito da amizade. Esse contou o que ali se passara para Apolodoro e esse, por último, se empenha em relatar o acontecido na presença do seu Companheiro e de Glauco. Assim como em A República, O Banquete tem lugar certo e público identificável: ocorreu na casa de Agatão, discípulo de Sócrates. Lá discursaram sobre o amor, ou sobre a amizade (philia), esses dois, além de Fedro, Pausânias, Erixímaco (o médico) e Aristófanes (o poeta). O que realmente se passou na casa de Agatão começa a ser relatado por Apolodoro em 174a. Sócrates chega por último, quando todos já estavam acomodados e o banquete já havia se iniciado, estando pelo meio (cf. 175c). Frente ao banquete, Pausânias lembra que deveriam beber com moderação: faz referência ao dia anterior, no qual havia bebido exageradamente e ficado abalado fisicamente. Os discursos sobre o amor iniciam com Fedro: "iniciou o seu discurso [Fedro] declarando que Eros era uma divindade poderosa e admirável, tanto entre os homens como entre os deuses, por várias razões, mas, antes de tudo, pelo nascimento." (178a) Fedro é o primeiro, e por isso pai do discurso, a falar sobre o deus Eros: ele condena o ofício dos poetas que têm por missão cantar hinos aos deuses mas se esquecem de Eros. Fedro, no seu discurso, faz a justificação moral de Eros, mas não investiga a fundo sua essência e suas formas. De qualquer forma, é devido à fala desse discípulo de Sócrates que toda a discussão se inicia. Com o intuito de elevar Eros, Fedro encerra seu discurso dizendo que esse é o deus mais antigo, mais respeitável e o mais "autorizado" (cf. 180b) a levar o homem à posse das virtudes e da felicidade, nesta vida e depois da morte! Sucede Fedro no discurso em defesa de Eros outro discípulo, agora Pausânias: censura a falta de precisão do discurso anterior e tenta uma definição concreta. Para ele, existem dois tipos de Eros para os homens, um vulgar e repudiável, outro sendo uma força educadora. O Eros usual e corrente, o instinto e irrefletido e vulgar, é vil e repudiável, porque tende à mera satisfação dos apetites sensuais; em contrapartida, o outro é de origem divina e o impulsiona o zelo de servir ao verdadeiro bem e à perfeição do amado. Este segundo Eros pretende ser uma força educadora, não só no sentido negativo de desviar os amantes das ações vis, o que o discurso de Fedro realça, mas também em toda a sua essência, como força que serve ao amigo e o ajuda a expandir a sua personalidade. (JAEGER, 2001, p. 727) O amor para Pausânias é sinônimo de liberdade para o homem. O amante faz coisas para o amado que escravo algum aceitaria fazer, tal como se jogar no chão ou se deitar na porta da moradia do amado. O amor é louvável, que denota a liberdade do indivíduo em fazer ou não determinadas coisas e, segundo Pausânias, é ratificado pelas leis, como ele mesmo nos diz: O amante faz tudo isso [serviços para o amado] com certa graça, o que lhe é permitido pela liberdade de nossos costumes, sem incidir na menor censura de ninguém, como se se tratasse de um ato louvabilíssimo. E o mais de admirar é que, no dizer do povo, somente o amante obtém perdão dos deuses, em caso de perjuro. Não há juras de amor, dizem. Desse modo, tanto os deuses como os homens concedem plena liberdade a quem ama, o que nossas leis confirmam. As atitudes de quem ama não o faz parecer ridículo e, se em agressão aos deuses, é logo perdoado pela sua condição de amante. O amor aproxima o sujeito das virtudes. Assim finda Pausânias e, de acordo com a disposição dos homens no banquete e da forma organizada que ia seguindo a discussão, seria a vez de Aristófanes. Mas esse se encontrava em soluços e passou a palavra para o próximo, Erixímaco. Em seguida, a vez de discursar voltaria para Aristófanes. O médico Erixímaco propõe ao amigo em soluço três "remédios" para o problema: 1. Que prenda a respiração por um momento; 2. Se não resolver, que gargareje um pouco de água; 3. Se mesmo assim não resolver, que cheire algo que irrite o nariz. Assim, repetindo essa etapa por duas vezes, Erixímaco garante que o soluço, por mais forte que seja, passará. É interessante observar a aplicação da medicina na época de Sócrates e de se perceber o interesse de um médico pela filosofia e pelas idéias de Sócrates. O discurso de Erixímaco é aquele que transpassa o homem e atinge a natureza. Com a visão de um médico, visão naturalista, Eros aparece aqui como um deus poderoso, princípio e devir de todo o físico, "como potência criadora daquele amor primogênito que tudo anima e penetra, com o seu ritmo periódico de pleno e de vazio." (JAEGER, 2001, p. 730) Erixímaco vê a existência de um Eros bom e um ruim. É o Eros bom que promove o bem-estar e a harmonia, estando em todas as esferas do cosmo e das artes humanas. Ele compara a medicina e a música: a primeira deve fazer existir a harmonia entre as forças físicas antagônicas e segunda deve combinar tons altos e baixos para formar uma sinfonia. A idéia de harmonia, tão presente em A República, aparece aqui novamente, até mesmo quando o médico grego diz que o homem deve sim consentir o prazer, mas não deve se deixar corromper por esse. Findada a fala do médico Erixímaco, Aristófanes já tem por cessado o seu soluço e começa a expor o que tem a falar sobre o amor. O discurso do poeta Aristófanes é menos extenso que o do Erixímaco, mas maior que o de Fedro. Percebe-se que a discussão vai avançando e se aproximando de definições mais claras para o que seria o amor, ou a amizade, ou Eros. Para Aristófanes, Eros é um anseio, uma busca metafísica do homem por uma totalidade do Ser, inacessível sempre à natureza do indivíduo. Uma das coisas que revela isso é a saudade dos amantes que desejam não se separar em tempo algum: não se trata somente de algo corporal, mas de algo que une as suas almas ou, dizendo de outra forma, complemento que uma alma busca na outra. Diz-nos Aristófanes: Quando acontece encontrar alguém a sua metade verdadeira, de um ou de outro sexo, ficam ambos tomados de um sentimento maravilhoso de confiança, intimidade e amor, sem que se decidam a separar-se, por assim dizer, um só momento. Essas pessoas, que passam juntas a vida, são, precisamente, as que não sabem dizer o que uma espera da outra. [...] E a razão disso é que primitivamente era homogêneo. A saudade desse todo e o empenho de restabelecê-lo é o que denominamos amor. Não se deve esquecer que Aristófanes é poeta e apresenta uma visão mais romantizada da definição de Eros, de amor e amizade. Ele quer deixar evidente que não se trata de apenas uma conexão corporal, muito mais de essência e de complementaridade. Não é, evidentemente, a união física que faz com que um sinta um prazer tão grande com a presença do outro e a ela aspire com tanta força, mas é indubitavelmente uma coisa diferente o que a alma de ambos quer, uma coisa que ela não pode exprimir e que só palpita nela como obscura intuição do que é a solução do enigma da sua vida. Aristófanes termina seu discurso sobre o amor de forma belíssima, profetizando que o homem só terá uma vida feliz se tomado por Eros: Falo em tese, tanto do homem como da mulher, para afirmar que nossa espécie só poderá ser feliz quando realizarmos plenamente a finalidade do amor e cada um de nós encontrar o seu verdadeiro amado, retornando, assim, à sua primeira natureza. Terminado Aristófanes, o leitor tem pela frente dois discursos: o de Agatão e Sócrates. Esses dois começam a discutir para saber quem vai falar primeiro. Sócrates não perde a oportunidade para lançar sua ironia: diz ter uma posição temerosa, falar sobre o amor depois do belo discurso que provavelmente Agatão proferirá. Fedro reorganiza o banquete (a ordem dos discursos) e coloca Agatão para discursar. Diz ele ser necessário tratar primeiro da natureza do deus e para depois tratar de seus benefícios; Eros é o deus mais bem-aventurado, o mais belo e melhor. O discurso de Agatão é o menos psicológico, o menos relacionado com a alma. Ele limita-se a descrever Eros e suas características. Jaeger muito bem resume o discurso de Agatão sobre Eros: Conforme Ágaton o descreve, Eros é o mais feliz, o mais formoso e o melhor de todos os deuses. É jovem, fino e delicado, e só mora em locais floridos e perfumados. Sobre ele nunca põe as mãos a coação, pois o seu reino é o da vontade pura e livre. Possui todas as virtudes: a justiça, a prudência, a bravura e a sabedoria. É um grande poeta e ensina os outros a sê-lo. Desde que Eros pisou o Olimpo, o trono dos deuses passou de terrífico a belo. Foi ele quem ensinou à maioria dos imortais as suas artes. E o entusiasta adorador do deus de Eros, hino capaz de competir com qualquer hino em verso, tanto pelo equilíbrio harmônico da composição como pela sonoridade musical. O grande momento do Banquete, e talvez o mais esperado, é quando Sócrates passa a discursar sobre o amor. Para ele, ao contrário de Agatão, Eros não é o próprio belo, mas aspira-o, tem o desejo de possuir algo. Lembra que quem ama deseja possuir aquilo que ama. Sócrates faz uso do mito de Diotima: segundo ele, em determinado tempo, havia perguntado à profetisa Diotima, de Mantinéia, coisas sobre Eros. Isso revela que o discurso de Sócrates aparece não como uma sabedoria dele, mas como uma verdade que ele desvendou. De acordo com esse mito, Eros é filho de Poros (riqueza) e de Penia (Pobreza). Isso coloca Eros em uma posição intermediária: ele não é nem feio e nem belo, nem participa da bem-aventurança, característica essencial da divindade. Eros é um ser duplo, herdado da diferença de seus pais, o que o coloca numa posição intermediária. O Eros de Platão revelado por Sócrates no Banquete é o próprio filósofo: está na posição intermediária, entre o saber e a ignorância, é aquele que aspira algo. O Eros em Platão é a aspiração do ser humano ao bem. O Eros socrático é o anseio de quem se sabe imperfeito por se formar espiritualmente a si próprio, com os olhos sempre fitos na Idéia. É, em rigor, o que Platão entende por "filosofia": a aspiração de conseguir modelar dentro do homem o verdadeiro Homem. O discurso de Diotima, na fala de Sócrates, está na tradição grega e coloca na idéia de Eros toda a atividade de criação espiritual. Eros é um poder educador e que matem unido todo o cosmo espiritual, isso porque ele é a aspiração comum a todo homem de buscar e se apossar por completo do belo. Recordemos que Diotima definia acima a essência do Eros como a aspiração a apropriar-se 'para sempre' do Bem. [...] o Bem constitui o amor humano de si próprio, no seu mais alto sentido, então é evidente que o objeto sobre o qual ele recai, o eternamente belo e bom, não pode ser senão a substância deste mesmo eu. Banquete encerra com a chegada de Alcibíades e seu bando: todos bêbados. Alcibíades põe fim aos louvores a Eros e inicia elogios a Sócrates. A passagem final de Banquete pode ser despercebida em uma leitura corrente, mas é de grande significado. Com o encerramento das honrarias a Eros e o início dos elogios a Sócrates, esse encarna o próprio Eros, ou seja, encarna a filosofia. Se não bastasse, Alcibíades anuncia ter grande amor por Sócrates: como pode um jovem de beleza exuberante fazer elogios e anunciar o seu amor (philia) a um velho tão desfeito como Sócrates? Insere-se aí a valoração da filosofia e um novo valor: a beleza interior superior à beleza exterior, perecível. O Banquete trata da amizade, do amor e é um dos diálogos de Platão da categoria política. Mas como a discussão sobre a amizade pode inserir essa obra na problemática política? Para Platão, a amizade é uma força educadora e nexo que mantém o Estado. A amizade é "forma fundamental de toda comunidade humana que não seja puramente natural, mas sim uma comunidade espiritual e ética. " Não é possível existir uma comunidade que não seja baseada na amizade, pois essa tende para aquilo que é o bem e este une os homens. O bem é aquilo que é supremo, está impresso na alma, é o primeiro amado, aquilo que permite a admiração pelas demais coisas, em outras palavras, antes de tudo vem o bem, para o qual o ser humano deve voltar-se, aquilo que tudo une, ente unificador. Depois de tantas exposições a respeito de Eros no Banquete, começando por Fedro, depois Pausânias, Erixímaco, Aristófanes e Agatão, Sócrates bem o caracteriza, como compêndio da aspiração humana ao bem. Ao contrário do que diziam seus discípulos, a amizade (ou amor, representado pelo deus Eros) não é o próprio belo e próprio bem. Eros é originado de duas oposições, filho da riqueza e da beleza. Isso o coloca numa situação intermediária, não fazendo estar de nenhum lado oposto e extremo. A posição intermediária de Eros atribui-lhe movimento, sendo o mesmo movimento do homem em busca do bem supremo. O bem é o que há de mais supremo, é o divino, como Platão expressa literalmente em A República e no próprio Banquete. É a forma unificadora, é o que harmoniza e unifica o cosmos e o homem; é o que todo ser humano deve buscar. Toda forma de sociedade deve se voltar também para o bem e essa busca do bem, do supremo e divino, Platão a caracteriza como amizade, como Eros. Por isso dizemos que Eros (philia, amor e amizade) é movimento, a busca incessante do homem pelo bem e que tanto o homem quanto a sociedade não pode existir sem esse movimento em direção ao que o bom e belo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Amor platônico.

Todos já ouvimos falar de amor platônico e presumimos que ele está relacionado com a filosofia de Platão. O que é isso, exatamente? O amor platônico é o mais incompreendido de todos os conceitos de Platão. As pessoas, que em sua maioria não conhecem a obra de Platão, pensam que amor platônico significa amor ascético ou assexuado. Isso não é verdade. Em O Banquete, Platão apresenta o amor sexual como um ato natural, mas com raízes infinitamente mais profundas. No pensamento de Platão existe um princípio cósmico sobre o amor? Sim. Para Platão o amor é um princípio cósmico. Ele afirmou que o amor é uma escada com sete degraus, que vão do amor por uma pessoa até o amor pelas realidades superiores do universo. Todo o livro O Banquete, sua mais importante obra sobre esse assunto, é dedicado ao amor em seus diversos aspectos. Ele diz que, mesmo que eu me apaixone por uma pessoa, atraído por qualidades, fixar-me exclusivamente nessa pessoa é permanecer no primeiro degrau de uma escada que possui muitos outros. O passo inicial nessa escada, para a maioria das pessoas, ocorre através do amor físico. Platão diz que o ser humano busca a imortalidade através da pessoa amada, por meio da procriação. Entretanto, fixar-se nesse primeiro degrau é permanecer parado, em comparação a tudo o que uma pessoa pode vir a ser. Isso não quer dizer que Platão negue o corpo ou o amor físico. Ele apenas afirma que, se eu deixar de ampliar esse relacionamento e não subir até os outros seis degraus, irei permanecer estagnado. Os passos seguintes serão um desdobramento natural da condição humana. Aonde mais o amor pode levar? Como ele pode crescer até dimensões maiores? O diálogo completo de O Banquete é a resposta de Platão a essa pergunta. No livro, diversas figuras da sociedade ateniense estão reunidas discutindo a natureza, o sentido e as implicações do amor. Elas fazem várias descrições de amor, todas unilaterais, embora não falsas, até chegar a vez de Sócrates. Uma das pessoas disse que o amor nos faz adotar atitudes nobres para sermos merecedores do amado. Outra afirmou que o amor é uma espécie de frenesi e loucura, e outros, como Aristófanes, classificaram-no como a busca da nossa outra metade. Você poderia perguntar como é que a nossa "outra metade" se extravia. Segundo Platão, Aristófanes disse que todas as pessoas têm corpos duplos e dupla face. Haveria três tipos de humanos no mundo. Na figura homem/homem, o corpo todo era formado por figuras masculinas. Um outro tipo seria composto por elementos femininos, e por último haveria o masculino/feminino. Seria um ser andrógino? Sim, uma figura andrógina, com uma metade feminina e outra masculina. Trata-se, na verdade, de uma fábula, um mito encantador, destinado a revelar um ponto muito profundo. Segundo Aristófanes, esses seres duplos cometeram transgressões contra os deuses; como castigo, foram divididos ao meio. Sob essa perspectiva, o amor é literalmente a busca da outra metade. Essa fábula tem implicações muito abrangentes em termos da metafísica e da ética de Platão. É um outro modo de afirmar que não somos seres completos, e que os movimentos do amor são uma busca de complemento. Platão diz que o amor "é uma loucura que é dádiva divina, fonte das principais bênçãos concedidas ao homem." Exatamente. Ele tem uma visão muito exaltada do amor entre os sexos e, na verdade, não quer que subestimemos o seu alcance e significado. Acho que ele emprega o termo loucura para se referir ao primeiro degrau, porque, sob a influência da paixão física, perdemos de vista perspectivas e prioridades. A alma anseia tanto pelo contato com a outra pessoa que perde o juízo. Quando você está apaixonado, é como se o universo estivesse concentrado na outra pessoa. Isso não é necessariamente falso. Platão diz que, em certo sentido, o universo realmente está nessa pessoa. Você só precisa transformar essa dimensão e ver não apenas a pessoa, mas o universo nela. Mas, no primeiro nível da escada, esse seria apenas um tipo de amor com motivação pura ou incluiria também uma relação amorosa normal, com suas doses de motivação egoísta? Essa é uma pergunta vital para compreender a ótica de Platão sobre o amor. Tudo o que ele disse em O Banquete - ao amar uma pessoa você está amando o universo e vice-versa - relaciona-se ao amor genuíno, sem egoísmo. Ele jamais apóia o relacionamento físico apenas como meio de obter prazer. Seria correto dizer que, para Platão, o relacionamento sexual significa mais que um impulso instintivo, porque poderia colocar a pessoa na senda do amor autotranscendente? Sim, mas com a ressalva que você acabou de levantar: desde que seja uma paixão genuína, carinhosa e abnegada. Em todos os diálogos de Platão, o uso do outro simplesmente para uma gratificação egoísta se dissocia dessa senda; é uma cilada, um perigo, não é amor e não levará a lugar algum. O amor platônico é tão amplo e universal que, embora comece como amor pela forma bela, termina como o amor pela própria beleza, um princípio eterno do universo. Você é levado, de um modo muito natural, a perceber que todas as formas belas são dignas de amor, se torna sensível a todas elas. Platão emprega constantemente o termo beleza; a beleza das idéias toma-se tão ou mais real que a beleza física. Ao universalizar o conceito de beleza manifestada na forma, Platão a vincula ao amor? Amor e beleza estão ligados. Você vê beleza quando está amando. À medida que progride, você sente por todas as formas belas a espécie de exaltação que experimentou quando se apaixonou pela primeira vez. Quando permite que o amor o leve para a frente, você sai do particular em direção ao múltiplo. Em seguida, você vê que a beleza da mente é mais maravilhosa que a beleza da forma. Platão afirma que você se apaixona pela qualidade da mente de uma pessoa mesmo que sua forma física não seja tão graciosa. Essa é uma progressão do concreto para o imaterial, sob a influência e inspiração do amor. Esse é o passo número dois? Não. O passo número dois é amar todas as formas físicas belas. O terceiro passo é amar a beleza da mente, independente da forma física à qual ela está associada. E qual é o passo seguinte? O quarto passo da escada do amor é a ética - o amor pelas práticas belas. Envolve integridade, justiça, bondade, consideração - características que também contêm beleza e impelem ao amor. É um passo mais abrangente e universal. Ele conduz ao degrau número cinco, que é o amor pelas instituições belas. Esse quinto estágio diz respeito ao modo como a sociedade funciona quando suas instituições estão em equilíbrio e harmonia. Trata-se de amor pelo governo, pela cultura e por tudo que a obra A Republica cita como exemplo de instituições belas. O bem comum é o interesse primordial, não o bem do indivíduo, do núcleo familiar ou mesmo da pequena comunidade. Desse ponto, a alma ascende para o sexto degrau da escada do amor. Ele é uma curva gigantesca para o alto, em direção ao universal e ao abstrato. A isso Platão chama "ciência", ou seja, conhecimento e compreensão. No sexto passo você se apaixona pela ciência, que articula não só as leis que governam o indivíduo, a família e a sociedade, mas algo que transcende o meio local. A beleza da ciência é universal, como o Teorema de Pitágoras. Ou como a biologia da Terra? Exatamente. E como o universo de Einstein, que inclui o cosmo inteiro. A ciência apresenta beleza, harmonia e ordem. Você pode se apaixonar por isso tão profundamente quanto por um homem ou por uma mulher. Os grandes cientistas como Einstein, Kepler, Galileu e Newton afirmaram que, ao articularem as leis do universo, estavam estudando a lógica, a ordem e a beleza da mente de Deus. Giordano Bruno, filósofo e cosmólogo executado pela Inquisição em l600, preferiu ser queimado na fogueira a negar seu insight científico de um universo infinito e interligado. Ele manifestou uma paixão tão profunda pelas leis do universo que defendeu sua visão assim como um homem defenderia a mulher amada de uma agressão. Preferiu a morte à negação desse amor. Isso é amor verdadeiro. E o sétimo degrau? Sócrates fala sobre ele em O Banquete. Você sabe que algo importante está para ser dito quando ele começa a falar, alegando que aprendeu tudo com uma sacerdotisa sagrada chamada Diotima. Nesse ponto, Platão prepara a audiência para esperar algo importante e profundo, e não nos desaponta. Diotima afirma existirem os mistérios menores e maiores do amor. Os mistérios menores são os quatro primeiros degraus. Mas, ao explicar como ascendemos na escada, ela se detém; há uma espécie de momento solene no discurso. Ela diz a Sócrates: "Esforça-te, por favor, por estar o mais atento possível". Sempre que um personagem de Platão diz isso, você sabe que ele vai articular um ensinamento esotérico. É um momento cercado de grande solenidade, onde o autor chama a atenção para algo importante. Os mistérios maiores do amor (os degraus cinco, seis e sete) evoluem na direção da visão universal. Diotima afirma que, entre os passos seis e sete, passamos quase imperceptivelmente do mundano para as realidades superiores do universo. Platão emprega a palavra subitamente. Depois de passarmos por todos os degraus, ocorre, no sétimo passo, uma diferença de gradação; subitamente você vê não a manifestação da beleza, mas a beleza em si. Esse é o ponto alto dos sagrados mistérios. O amor se expressa como a manifestação eterna da beleza em si. Você se apaixona pela essência que torna belas todas as coisas. Segundo o discurso de Diotima, em O Banquete, "apenas em tal comunhão, mirando a beleza com os olhos da mente, o homem será capaz de suscitar não projeções de beleza, mas realidades (pois ele entronizou não uma imagem, mas uma realidade), produzindo e nutrindo a verdadeira virtude para tornar-se o amigo de Deus, um ser imortal". Isso soa como um contato visionário com uma realidade ou verdade suprema. É uma espécie de visão. É como ver o sol na alegoria da caverna, em A República. Depois de viver de costas para o sol e ver apenas sombras na parede, subitamente você vê a luz! É uma fusão com a forma amada, a integralidade; é uma espécie de imortalidade. O amor mundano e físico é o início da busca da totalidade. O final é a visão do que está por trás do universo, do que o faz girar. Portanto, no sétimo degrau da escada do amor, apaixonar-se é unir-se à origem do ser. É uma espécie de doutrina mística do amor, e esse é o amor platônico. Trata-se de um ponto de vista comovente e inspirador, que transcende enormemente a idéia de ficar de mãos dadas com alguém. Platão diria que o amor está no centro da vida universal? Sim. Em O Fedro, ele utiliza uma outra metáfora para mostrar essa mesma idéia de amor, oscilando entre o mortal e o imortal, entre o específico e o universal, entre o concreto e o abstrato. Nessa obra, os amantes são impelidos a buscar regiões mais elevadas, formas mais puras de amor. Por isso, criam asas. As asas permitem que eles voem até a borda do universo, onde eles vêem as formas eternas, ou seja, a essência das coisas temporais. Em seguida Platão expõe outra metáfora: a da carruagem puxada por dois cavalos, um branco e outro negro. O garanhão negro representa o amor egoísta, quando uma pessoa usa a outra para a autogratificação. Uma pessoa comandada pelo cavalo negro clama pela satisfação imediata dos seus desejos, sempre orientada pelo egoísmo. Se esse garanhão sombrio governa, ele perturba o equilíbrio da manada. Esse tipo de amor não conduz ao amor universal. São afirmações como essas que revelam a tendência ascética de Platão. Ele adverte contra o tipo de amor excessivo, desequilibrado e autocentrado. Isso não é amor, em absoluto; é apenas amor-próprio. Mas se a pessoa ama verdadeiramente, o cavalo branco ajuda a governar, de forma que todo o grupo - o cavalo branco, o cavalo negro e o cocheiro - possa ascender em direção à "borda do céu" e visualizar as verdades eternas. O cavalo branco fornece equilíbrio com seu bom senso, integridade, altruísmo e interesse pelo outro. O cavalo negro seria um símbolo dos sentidos físicos, enquanto o branco seria aquilo que está além dos sentidos? Essa é a idéia, em termos gerais. E o condutor do grupo? O que ele simboliza? Ele representa a alma e a visão da alma, o bom senso, a pureza, o desejar espiritual. O amor pode ser a própria carruagem, o veículo para nos conduzir a uma nova dimensão do ser e proporcionar vislumbres de outros estados de consciência, no próprio ato do amor. Atualmente poderíamos dizer que Platão sustenta uma união sexual intensa e profunda como a antecipação do êxtase da união com a realidade espiritual divina que está por trás do universo. É a imortalidade do homem simples. É uma manifestação, mesmo que reduzida, da união divina. Por isso, os seres humanos certamente valorizam a experiência do amor e do sexo. Por meio de um amor sexual intenso, cada um de nós experimenta por breves momentos a autotranscendência e a abnegação. No degrau número sete da escada, essa autotranscendência, que era breve e momentânea, transforma-se no estado natural onde passamos a habitar o tempo inteiro. O "eu" desapareceu no segundo plano. No primeiro plano passaram a brilhar as verdades eternas, o bem e a beleza, entendidos como indissolúveis e evidentes para a alma capaz de vê-los. por Scott Minners, do livro A visão espiritual da relação Homem & Mulher.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Trilogia das Lanças de Christos.

A Trilogia das Lanças de Christos, também conhecida como Trilogia dos Anjos, é uma série de romances escritos por Antônio Augusto Shaftiel. Narra a história de uma falange angelical chamada Lanças de Christos que desce à Terra em nome de um Serafim para capturar um criminoso que ofendeu as leis celestiais. O mundo da Trilogia das Lanças de Christos é composto de muitos elementos mitológicos. As lendas são verdadeiras e o perigo que elas representam só pode ser evitado pela força de vontade de cada pessoa. A maioria não está ciente do mal que cerca o mundo, nem das batalhas entre os seres sobrenaturais e ordens secretas. O Mundo de Trevas não é maniqueísta. Até os anjos podem ser maus e os demônios nem sempre são a pura perversidade que aparentam. A procura por redenção e a ânsia pelas trevas pode ser encontrada em qualquer espírito. É a partir daí que começa a trama, quando um Serafim pretende uma vingança após um plano milenar, movimentando as hostes celestiais como há muito não era feito. Para iniciar os eventos, ele envia as Lanças de Christos para caçar o arquimago Adapa. Entre Anjos e Demônios. Laviniah, anjo líder das Lanças de Christos, sente-se feliz e orgulhosa quando o Serafim Laoviah lhe concede a honra de descer à Terra para caçar o arquimago Adapa. Ela avisa sua inusitada falange que é hora de uma das batalhas mais importantes que enfrentarão sem saber dos horrores e das verdades com que se depararão. Fatos cada vez mais assustadores deixam os anjos das Lanças de Christos desnorteados. Primeiro é a aparição da Irmandade Rubra, uma seita há muito desaparecida. De volta, esses anjos caídos que tingem seus mantos com o sangue celestial massacram a falange de Laviniah. Agora os anjos só podem contar com um estranho mago brasileiro chamado Francisco para poderem escapar das armadilhas que Adapa lhes prepara. Assassino de Almas. O mago Francisco vive atormentado após os eventos de Entre Anjos e Demônios. Marcado para o Inferno e convivendo com a maldição de sua amante, a anjo caída Gabriela, ele procura desesperadamente um meio de se livrar de todos esses males. Sempre com o pensamento pronto para se livrar de qualquer problema, Francisco consegue as pistas para se limpar da maldição e ainda salvar Gabriela. A única resposta do mago é um ritual baseado no assassinato de almas. Agora a questão é se ele conseguirá realizar essas ações, somando mais um tormento a sua alma. Enquanto parte para esses feitos, as Lanças de Christos dessem dos céus mais uma vez para procurar por almas de santos assassinados. Desconfiam logo de Af, o Anjo da Fúria campeão da Irmandade Rubra. Já tendo sofrido com os ataques desses, agora os anjos de Laviniah precisam enfrentar mais uma vez um de seus arquiinimigos. O Serafim Laoviah continua ativo em meio a todos esses problemas. Observa os movimentos de cada criatura, dedilhando suas almas como se lidasse com um tabuleiro de xadrez. Príncipe da Destruição. O romance Príncipe da Destruição, lançado em 2006, fecha a Trilogia das Lanças de Christos. É o maior volume da série e tem início com um prólogo sobre a Insurreição de Lúcifer, contando sobre a inimizade entre o Primeiro dos Anjos e Laoviah, o Príncipe da Destruição e do Castigo Final. Francisco, vivendo com sua amante e agora com um novo amigo, Liel, é quase assassinado por demônios e um mago. Ajudado por Laviniah e por Dumah, o anjo muçulmano do silêncio, precisa investigar quem estava por trás desses assassinos. Juntam-se a eles dois heróis inusitados, Elkalas, um anjo da morte que sempre quer parecer carismático para as almas que pretende levar para o Paraíso, e Zem´Yuriah, Anjo da Destruição que se irrita com freqüência com o pavor que o amigo Elkalas inspira nas pessoas com quem quer se dar bem. Os eventos da série se encaminham para o final com batalhas grandiosas e inimigos cada vez mais perversos, o que transparece em algumas partes de teor mais adulto no livro. Laviniah: anjo líder das Lanças de Christos. É famosa por caçar pecadores e demônios liderando seu grupo há mais de cem anos. Utiliza uma lança forjada no fogo da destruição de Sodoma e Gomorra, além de uma espada que se mancha quando utilizada com soberba. Dumah: um dos guerreiros mais poderosos das Lanças de Christos. É um anjo negro de asas cinzentas. Não emite palavra alguma. Convive com anjos cristãos em paz mesmo sendo um anjo muçulmano. Utiliza um machado de batalha e mesmo nas piores lutas combate no mais pleno silêncio. Azis: um dos anjos mais detestados das Lanças de Christos, conhecido por disputar o poder com Laviniah. Repleto de poderes mentais, é o responsável pelas ações sociais da falange. Gabriela: uma anjo guerreira que não perdeu seu ar de pureza. Tem asas de bem-te-vi e uma face bela que atraiu a paixão do mago Francisco. Batalha com uma lança e arremessando adagas. Liel: anjo mago conhecido por manipular poderes de luz. Após os eventos de Entre Anjos e Demônio, Liel passa a recuperar parte de suas memórias como mortal, fato proibido pelos anjos. Francisco: um mago brasileiro com mais de 200 anos. Esperto e cheio de recursos, é perito em magias espirituais. Mesmo sendo o mais frágil fisicamente ao lidar com os anjos, seu pensamento rápido e poderes mágicos o livra de muitos problemas. Af: Anjo da Fúria temido tanto no Céu quanto no Inferno. Caiu há muitos séculos e sua história é pouco conhecida. Reservado e taciturno, conversa apenas com sua amante, outra assassina da Irmandade Rubra. Batalha com uma lança que pertenceu ao Assassino de Almas e com duas espadas chamadas Assassina e Flagelo. Laoviah: o Serafim da Destruição e do Castigo Final é uma figura de influência. Criado por Demiurgo com a missão de destruir e castigar os pecadores, ainda se lembra que Lúcifer não foi punido devidamente e anseia pelo momento em que batalhará com o inimigo. Batalha com uma espada chamada Expurgo. Adapa: O arquimago milenar é conhecido por uma magia que pode destruir Serafins. Fugiu da prisão dos anjos e agora é perseguido para pagar por seus crimes. É a peça chave para os eventos desencadeados por laoviah. Outros personagens Lanças de Christos: A falange de Laviniah é composta de vários membros que aparecem mais ou menos no decorrer dos livros. Entre eles estão o mensageiro Aelus, o guerreiro das sombras Kiah, o mago Simão, a inquisidora Bianca e o fiel Ioulah. Irmandade Rubra: Outros assassinos da Irmandade Rubra são Patrícia, a amante de Af, e Natanael, o anjo jovem que prende suas tranças com nervos ópticos de suas vítimas. Outros personagens surgem durante os livros, mas revelar sobre eles também é contar sobre eventos especiais da trama como a aparição de Lúcifer, Gabriel, Azazel, Rafael e Miguel.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O Livro da Vida.

Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia... — Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada, Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria Ao primeiro clarão da primeira alvorada. Perto dele caminha, em ruidoso tumulto, Todo o humano tropel num clamor ululando, Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto, Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando. Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos; E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,— A ler e a meditar postulados eternos, Sem um fanal que o seu espírito esclareça! Cada página abrange um estádio da Vida, Cujo eterno segredo e alcance transcendente Ele tenta arrancar da folha percorrida, Como de mina obscura a pedra refulgente. Mas o tempo caminha; os anos vão correndo; Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão... E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo! E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão. Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta: Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos, Nem o humano sofrer, que outras almas enluta, Nem a neve do Inverno a pratear-lhe os cabelos! Só depois de voltada a folha derradeira, Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado, É que o Sábio entreviu, como numa clareira, A luz que iluminou todo o caminho andado.. Juventude, manhãs de Abril, bocas floridas, Amor, vozes do Lar, estos do Sentimento, — Tudo viu num relance em imagens perdidas, Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento. Mas então, lamentando o seu estéril zelo, Quando viu, a essa luz que um instante brilhou, Como o Livro era bom, como era bom relê-lo, Sobre ele, para sempre, os seus olhos cerrou... António Feijó.

A Cidade do Sonho.

Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te O caminho que leva à Cidade do Sonho... De tão alta que está, vê-se de toda a parte, Mas o íngreme trajecto é florido e risonho. Vai por entre rosais, sinuoso e macio, Como o caminho chão duma aldeia ao luar, Todo branco a luzir numa noite de Estio, Sob o intenso clamor dos ralos a cantar. Se o teu ânimo sofre amarguras na vida, Deves empreender essa jornada louca; O Sonho é para nós a Terra Prometida: Em beijos o maná chove na nossa boca... Vistos dessa eminência, o mundo e as suas [sombras, Tingem-se no esplendor dum perpétuo arrebol; O mais estéril chão tapeta-se de alfombras, Não há nuvens no céu, nunca se põe o Sol. Nela mora encantada a Ventura perfeita Que no mundo jamais nos é dado sentir... E a um beijo só colhido em seus lábios de Eleita, A própria Dor começa a cantar e a sorrir! Que importa o despertar? Esse instante divino Como recordação indelével persiste; E neste amargo exílio, através do destino, Ventura sem pesar só na memória existe... António Feijó.

O Orgulho e a Vaidade.

O orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito, a vaidade, a consciência (certa ou errada) da evidência do nosso próprio mérito para os outros. Um homem pode ser orgulhoso sem ser vaidoso, pode ser ambas as coisas, vaidoso e orgulhoso, pode ser — pois tal é a natureza humana — vaidoso sem ser orgulhoso. É difícil à primeira vista compreender como podemos ter consciência da evidência do nosso mérito para os outros, sem a consciência do nosso próprio mérito. Se a natureza humana fosse racional, não haveria explicação alguma. Contudo, o homem vive a princípio uma vida exterior, e mais tarde uma interior; a noção de efeito precede, na evolução da mente, a noção de causa interior desse mesmo efeito. O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em acção. Fernando Pessoa.

Aprender a Ver.

Aprender a ver - habituar os olhos à calma, à paciência, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós; aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é já quase o que o modo afilosófico de falar denomina vontade forte: o essencial nisto é, precisamente, o poder não «querer», o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — tem que se reagir, seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que é já doença, decadência, sintoma de esgotamento, — quase tudo o que a rudeza afilosófica designa com o nome de «vício» é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. — Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espécie deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mão. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o facto pequeno, o estar sempre disposto a meter-se, a lançar-se de um salto para dentro de outros homens e outras coisas, em suma, a famosa «objectividade» moderna é mau gosto, é algo não-aristocrático par excellence. Friedrich Nietzsche.

A Sabedoria do Sofrimento.

O sofrimento não tem menos sabedoria do que o prazer: tal como este, faz parte em elevado grau das forças que conservam a espécie. Porque se fosse de outra maneira há muito que esta teria desaparecido; o facto de ela fazer mal não é um argumento contra ela, é muito simplesmente a sua essência. Ouço nela a ordem do capitão: «Amainem as velas». O intrépido navegador homem deve treinar-se a dispor as suas de mil maneiras; de outro modo, não tardaria a desaparecer, o oceano havia de o engolir depressa. É preciso que saibamos viver também reduzindo a nossa energia; logo que o sofrimento dá o seu sinal, é chegado o momento; prepara-se um grande perigo, uma tempestade, e faremos bem em oferecer a menor «superfície» possível. Há homens, contudo, que, quando se aproxima o grande sofrimento, ouvem a ordem contrária e nunca têm ar mais altivo, mais belicoso, mais feliz do que quando a borrasca chega, que digo eu! E a própria tempestade que lhes dá os seus mais altos momentos! São os homens heróicos, os grandes «pescadores da dor», esses raros, esses excepcionais de que é necessário fazer a mesma apologia que se faz para a própria dor! Não lha podemos recusar! São conservadores da espécie, estimulantes de primeira qualidade, quando mais não seja porque resistem ao bem-estar e não escondem o seu desprezo por essa espécie de felicidade.Friedrich Nietzsche.

Não há Vida Boa sem Autodomínio.

O homem faz-se ou desfaz-se a si mesmo. O homem controla as suas paixões, as suas emoções, o seu futuro. Consegue-o canalizando os seus impulsos físicos para conseguir realizações espirituais. Qualquer animal pode esbanjar a sua força realizando os impulsos físicos sempre que os sente. Compete ao homem canalizá-los para fins mais produtivos que a satisfação dos impulsos. Ninguém se tornou ilustre por fazer o que lhe apetecia. Os homens insignificantes fazem o que querem - e tornam-se nuns Zés-Ninguém. Os grandes submetem-se às leis que regem o sector em que são grandes. O autodomínio é sempre recompensado com uma força que dá uma alegria interior inexprimível e silenciosa que se torna no tom dominante da vida. O autodomínio é a qualidade que distingue os mais aptos para sobreviverem. O mais importante atributo do homem como ser moral é a faculdade de autodomínio escreveu Herbert Spencer. Nunca houve, nem pode haver, uma vida boa sem autodomínio; sem ele a vida é inconcebível. A vitória mais importante e mais nobre do homem é a conquista de si mesmo. Alfred Montapert.