contos sol e lua

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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

No Espiritismo.

As práticas místicas são condenadas por dois motivos fundamentais: 1.°) porque o homem está no mundo para viver o mundo com o fim de desenvolver na experiência da vida de relação, as suas potencialidades internas; 2.°) porque a ligação do homem com Deus se faz através do amor ao próximo, na prática da caridade (que é o amor em ação) e de maneira natural, sem a necessidade de práticas rituais ou do emprego de excitantes de qualquer espécie. As pessoas que consideram o Espiritismo como doutrina mística confundem a fenomenologia mediúnica com as práticas do misticismo.

Não sabem que a mediunidade — como hoje está confirmado pelas pesquisas parapsicológicas — é simplesmente uma faculdade humana natural que permite a todos o exercício da percepção extra-sensorial. O misticismo nasceu das manifestações naturais dessa faculdade e da falta de condições culturais para o seu estudo racional. A mística experiência de Deus das religiões dogmáticas depende das práticas místicas e de uma concepção anti-racional do mundo e da vida. Por isso Ranzolli propõe a limitação do termo misticismo às filosofias religiosas, substituindo-o no campo filosófico geral por expressões corno irracionalismo e intuicionismo ou sentimentalismo.

O Cristianismo — que os árabes chamaram religião do livro — utilizou-se em sua origem da mediunidade, mas sua posição em face das religiões anteriores foi nitidamente racionalista. Todos os ensinos de Jesus, mesmo quando ele se referia a Deus, chamando-o de Pai, são racionais. Sua condenação constante do irracionalismo judeu foi sempre seguida de explicações racionais, através de exemplos em forma de parábolas tiradas da própria vida diária do povo. Ao tratar do dogma judaico da ressurreição ele se referia claramente ao nascer de novo, usando exemplos históricos como a volta de Elias reencarnado em João Batista.

Suas referências às potencialidades divinas do homem eram exemplificadas pelos fenômenos produzidos por ele mesmo e pelos seus seguidores. Nunca falou da sua ressurreição como um privilégio, mas ligando-a à ressurreição de todos. O Apóstolo Paulo incumbiu-se de formular a teoria racional da ressurreição, não da carne, mas do espírito, explicando que o corpo espiritual do homem, hoje descoberto pelas ciências como corpo-bioplásmico, é o corpo da ressurreição.

Esse racionalismo foi posteriormente prejudicado pelas influências pagãs e judaicas do misticismo, que atingiriam nas igrejas cristãs um refinamento intelectualista paradoxal, opondo o intelecto a si mesmo. Todo o esforço de Jesus no combate à mitologia foi anulado pelos teólogos, que transformaram ele mesmo em novo mito, fazendo de sua natureza humana uma espécie de simples manifestação pragmática da sua divindade.

O Espiritismo retoma a tradição racionalista do Cristianismo primitivo e, da mesma maneira que os antigos cristãos, prova na prática os ensinos teóricos de Jesus através das manifestações espíritas, da prova concreta das materializações e das aparições tangíveis (como a de Jesus para os apóstolos no cenáculo) dos fenômenos de voz-direta (como o da voz que soou no espaço na hora do batismo) e dos casos pesquisáveis de reencarnação, hoje em pauta na pesquisa científica mundial. Nada disso se refere a misticismo, a práticas místicas através de processos mágicos, de excitantes específicos e de tentativas antinaturais de transformar o homem vivo em um morto-vivo que nega o mundo para viver como espírito desencarnado, desligado dos processos necessários da razão.

O homem é deus em potência, não em ato, e não pode querer antecipar a sua atualização fugindo aos compromissos e experiências da vida terrena. Seus deveres estão aqui, neste mundo, por enquanto, e suas possibilidades de evolução, de transcendência, não se encontram na alienação, na fuga, mas na integração consciente em suas tarefas sociais. O tempo das igrejas está chegando ao fim, como chegou o dos Mistérios na Antiguidade. Elas foram necessárias e tanto serviram como desserviram à Humanidade, revelando sua estrutura imperfeita como a de todas as obras humanas. Em vão se arrogaram investiduras divinas.

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